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EDITORIAL

Com este número da revista Educação & Sociedade, publica-se um conjunto de textos que representam contribuições relevantes e instigantes sobre diferentes temas educacionais.

Por meio da publicação dos textos que fazem parte do Dossiê "Imagem e pesquisa em educação: currículo e cotidiano escolar", pretende-se dar continuidade à preocupação que este periódico tem demonstrado com tal temática, embora seja necessário destacar o aspecto inovador deste número, ao tratá-la nas dimensões das relações propostas em seu título, sob a forma de um dossiê.

O momento da produção deste número da revista é muito significativo, pois comemoram-se 25 anos de existência do CEDES, após as comemorações dos 25 anos da revista em 2003.

Uma rápida "retrospectiva histórica" sobre a origem dessa entidade revela que a idéia da fundação de um centro de estudos já existia, como projeto, desde março de 1978, quando um grupo de professores da Faculdade de Educação da UNICAMP assumiu, entre as suas atividades profissionais, iniciar um trabalho de mobilização dos professores dessa instituição quanto à realização de dois trabalhos concretos:

  • promoção de ampla mobilização e debates no sentido de uma participação ativa e conseqüente na 30ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que seria realizada em julho de 1978 na Universidade de São Paulo;

  • mobilização, ao mesmo tempo, em torno da idéia da necessidade do lançamento de uma revista crítica na área da educação.

Com relação à relevância da participação na SBPC, a 29ª reunião havia demonstrado a importância de nossa aglutinação em torno dessa comunidade científica, que soube manter e realizar este seu encontro anual apesar de estar ela indo contra os interesses do governo. Ao Estado não interessava a realização de uma reunião em que os intelectuais fariam a crítica dele próprio.

A 29ª reunião da SBPC intensificou ainda mais o nosso ponto de vista sobre a necessidade que tinham os professores e pesquisadores que trabalhavam no estudo da educação brasileira de assumirem, no debate político que se travava no período, ao lado das demais oposições existentes no país, um projeto de transformação voltado para a democratização econômica, social, política, cultural e educacional da sociedade brasileira.

Acreditávamos que os educadores que assumiram como horizonte a construção de uma alternativa democrática para o Brasil, questão fortemente colocada naquela conjuntura difícil da vida do país, deveriam interferir e ampliar esse debate por meio de análises teóricas e de uma prática concreta quanto aos rumos da política educacional brasileira.

A revista abriria mais um espaço para a análise das contradições da educação na sociedade brasileira, sendo um veículo para interferir no debate com relação à questão da democracia, que na época estava a exigir de nós, intelectuais, interpretações mais profundas e posicionamentos mais claros.

O contexto político de 1978, com as oposições lutando contra a repressão e exigindo o direito à liberdade de expressão e organização, fazia com que muitos intelectuais de diferentes áreas do conhecimento atuassem no sentido de uma produção cultural relevante, que pudesse ser divulgada em livros, cadernos de debates, jornais e revistas.

O movimento editorial nesse período revelava que muitos intelectuais, lutando contra a repressão e as limitações impostas ao seu trabalho, procuravam exercer o pensamento crítico na análise da formação social brasileira, abordando temáticas importantes, em que a questão da democracia aparecia como central.

Esse é o contexto de formação de muitos centros de estudos que surgiram e se explicam a partir de sua relação com a conjuntura desse período. Geralmente, tais centros de estudos procuravam veicular seus debates e posicionamentos por meio de revistas e jornais, atingindo, assim, um público maior.

Sem se pretender analisar tal questão, deve-se lembrar ter sido esse o contexto do lançamento da revista do Centro de Cultura Contemporânea (CEDEC), da formação do Centro de Estudos Anísio Teixeira, do movimento pró-formação da Associação Nacional de Educação (ANDE), do aparecimento da revista Cara a Cara pelo Centro de Estudos Everardo Dias, da volta da revista Civilização Brasileira, fechada em 1968 por ocasião do AI-5, e da emergência da revista Plural.

Apesar de a mobilização em torno da idéia da revista ter ocorrido, inicialmente, na Faculdade de Educação da UNICAMP, e de ter esta instituição, nos idos de 1978, uma atitude aberta em termos de liberdade intelectual e de pensamento, a idéia de ser possível construir um órgão (expressão usada na época) à procura de maior autonomia, mesmo de forma ainda muito embrionária, não se concretizou naquele momento.

No movimento da difusão da revista, e à medida que ela foi conquistando maior expressão social entre os educadores e demais profissionais das ciências humanas, foi adquirindo a necessidade de maior abrangência de sua produção, ou seja, uma dimensão nacional. A idéia da construção de um órgão que garantisse autonomia à linha editorial da revista e que contemplasse o horizonte de dimensões mais amplas que ela estava adquirindo entre os educadores ficou mais forte, levando à criação do CEDES. Como pode ser observado, em janeiro de 1979, o editorial do número 2 (p. 3) revela o despontar de uma nova perspectiva de reflexão-ação:

(...) O número de educadores e de instituições que aderiram ao nosso compromisso de reanimar o debate e a crítica da educação no Brasil levou-nos a ampliar o nosso quadro de colaboradores e, conseqüentemente, o nosso horizonte de trabalho. Por corresponder aos anseios de muitos, não podíamos deixar esse veículo de manifestação de pensamento e de ação ligado apenas a um pequeno grupo dentro de uma instituição. Por isso, "Educação & Sociedade" passa a ser um ponto de integração e de associação de todos os educadores que queiram retomar a educação na perspectiva de suas relações com a sociedade. Esforços no sentido de reuni-los num centro - que provisoriamente chamamos "Centro de Estudos Educação e Sociedade" (CEDES) - já estão sendo feitos. A consolidação de uma revista em nível nacional, portadora da produção e da reflexão - ação de um grupo numeroso de educadores -, deverá prestar um serviço ainda maior para a educação brasileira (...).

A partir desse número, Educação & Sociedade passa a ser um veículo do Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), que tem a mesma denominação da revista. A partir desse número se amplia também o seu Conselho Editorial e o corpo de Colaboradores Permanentes.

No dia 5 de março de 1979, na cidade de Campinas (SP), à rua Dr. Luverci Pereira de Souza, n. 392, foi assinada a ata de fundação do Centro de Estudos Educação e Sociedade, sendo aprovados os seus estatutos.

No programa de atividades proposto pelo Centro para 1980, percebemos o crescimento de sua inserção no campo educacional, por meio da participação na organização da I Conferência Brasileira de Educação, em colaboração com a ANDE, a ANPED e o CEDEC, e já indicando pretender ampliar as suas publicações, enunciando lançar os Cadernos CEDES e o Jornal de Educação.

Sem se pretender fazer de fato uma "retrospectiva histórica" mais pormenorizada sobre a origem do CEDES, o que cabe indicar, neste momento em que ele completa 25 anos, é que o compromisso com a democratização da educação e da sociedade brasileiras, que marcou seu núcleo formador no período do regime militar, tem sido uma constante no trabalho de seus editores, autores e colaboradores.

Ao longo de sua existência, o Centro permaneceu participando de inúmeros movimentos de reorganização do sistema educacional, interferindo nas esferas dos poderes federal, estaduais e municipais. Esteve presente no processo de luta pela Anistia, no Fórum Nacional de Educação na Constituinte em Defesa da Escola Pública e, desde 1989, acompanhou, no Congresso Nacional, a elaboração e a tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, por meio de sua participação no Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. Pode-se, sinteticamente, reiterar que:

O CEDES foi criado com o objetivo de reanimar a audiência, o debate e a crítica em torno dos problemas educacionais brasileiros, congregando educadores preocupados em objetivar as relações da educação com a sociedade, em uma perspectiva crítica, tendo em vista a transformação da educação e a construção da democracia na sociedade brasileira. Seus objetivos definiram-se em duas vertentes: a que se propôs a produzir e socializar e difundir o conhecimento no campo da educação, gerado por meio da promoção de pesquisas e estudos tendo como objetivo o carrefour educação e sociedade; a que se propugnou à intervenção na organização do campo da educação por intermédio de: seminários, colóquios e simpósios; participação em movimentos sociais e políticos ligados à educação; socialização do conhecimento por meio de publicações da revista Educação & Sociedade e dos Cadernos CEDES (dirigidos sobretudo aos leitores professores de 1º e 2º graus e alunos da graduação de pedagogia), e do Jornal de Educação mensal (experiência abandonada após alguns números). Até então a sua vertente mais privilegiada tem sido a de intervenções no campo da educação e a socialização e difusão do conhecimento por meio de suas publicações que ocupam lugares relevantes na área editorial dos periódicos em educação. (Pino, 1989)

Pode-se dizer que, ao longo dos seus 25 anos de trajetória, seus objetivos iniciais permanecem:

  • realizar estudos e pesquisas sobre problemas relevantes na intersecção educação e sociedade;

  • participar nos debates sobre políticas municipais, estaduais e nacionais no campo da educação;

  • promover publicações que assegurem a difusão do conhecimento produzido no campo da educação, procurando aquilo que é emergente, polêmico e inovador;

  • organizar seminários, colóquios, simpósios, ciclo de estudos, cursos, conferências e participar da organização de eventos acadêmicos.

O CEDES, neste editorial, na comemoração dos seus 25 anos, teria, em termos da conjuntura atual, no tocante aos rumos da política educacional federal no Brasil, muitas questões para levantar e debater.

Destaque-se tão-somente uma que provoca, inicialmente, um estado de perplexidade: trata-se do anúncio feito pelo atual ministro da Educação, o Sr. Tarso Genro, no sentido da "estatização" de vagas do ensino superior privado, em número de 100 mil em 2004, podendo chegar a 400 mil em cinco anos.

Sem se pretender analisar a proposta do atual ministro com relação à educação superior, deseja-se apenas deixar claro que se entende a medida proposta como significando desvios de recursos políticos para o sistema universitário privado, escamoteando seus objetivos reais sob o discurso de "estatizar" ou "publicizar" vagas ociosas na rede universitária privada.

Trata-se de um processo de reservas de vagas, em instituições privadas, pagas pelo Estado.

Paralelamente, este mesmo Estado caminha na direção da destruição da universidade pública, por meio da ausência de recursos e do arrocho salarial a que estão submetidos os seus professores e funcionários técnico-administrativos.

A revista Educação & Sociedade, na defesa da universidade pública, gratuita, laica e de qualidade, e defendendo a educação como um direito social conforme estabelece a Constituição Federal de 1988, será um espaço de difusão do pensamento crítico e de ação com relação à tão propalada proposta de "reforma universitária" defendida pelo atual ministro de Educação do Governo Lula.

É hora de cobrar-se o compromisso que este governo assumiu, na campanha eleitoral, com relação a uma educação republicana e democrática, veiculada no documento: "Uma escola do tamanho do Brasil". Deixando de lado os compromissos com a universidade pública veiculados neste documento, o atual ministro da Educação caminha em direção oposta a ele, parecendo querer alargar, com a medida anunciada, ainda mais, a participação do setor privado leigo e confessional, além dos ganhos que obtiveram na Constituinte, no Governo Collor e no octênio dos governos de Fernando Henrique Cardoso.

A proposta do ministro aponta para uma política educacional que fere a concepção da educação como um direito social, descumprindo o princípio da gratuidade em todos os níveis previstos no texto constitucional de 1988.

Acentua as derrotas que os defensores da escola pública viveram na elaboração do capítulo da educação na Constituinte, representando um recuo no sentido do caminho das lutas e conquistas pela democratização da educação no país.

O momento atual parece indicar que o CEDES, ao lado das entidades sindicais e científicas do país, tem de atuar de forma expressiva para a organização do campo educacional, procurando contribuir para elucidar qual é a alternativa democrática que se quer ver construída no país.

Sem perder jamais a capacidade crítica, esse trabalho será de resistência e de contribuição na elaboração de propostas, levando à frente o compromisso do CEDES de lutar por uma educação e por uma sociedade democráticas, que esta nação ainda não alcançou.

Este número de Educação & Sociedade homenageia o professor Octávio Ianni, que faleceu no dia 4 de abril último, pelas excepcionais contribuições que deixa para as Ciências Sociais e Educação no Brasil.

Comitê Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    Abr 2004
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