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EDITORIAL

EDITORIAL

Com este número, Educação & Sociedade, ao lado de um conjunto de artigos sobre temas de grande atualidade, dá continuidade à sua participação no debate sobre a universidade e sua reforma, tema da revista n. 88 (edição especial, v. 25, out. 2004), o que deverá ocorrer também nas suas próximas edições do corrente ano.

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No mês de abril pp, foi publicado o Projeto de Resolução do Conselho Pleno do CNE que "Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em pedagogia". Os termos desse documento exigiram um posicionamento por parte das entidades historicamente engajadas no "Movimento de Formação de Professores", as quais, desde a década de 1970, têm lutado pela reformulação do curso de pedagogia. Dada a importância deste posicionamento e tendo em vista o envolvimento do CEDES neste processo desde seu início (cf. especialmente Educação & Sociedade, v. 20, n. 68), publica-se no espaço deste editorial o "Documento das Entidades (ANFOPE, ANPED e CEDES) sobre o Anteprojeto de Resolução do CNE sobre o Curso de Pedagogia".

Documento das entidades sobre a Resolução do CNE

Com uma história construída e consolidada no cotidiano das Faculdades e Centros de Educação do país, o curso de graduação em Pedagogia, nos anos de 1990, emergiu como o principal locus da formação docente dos educadores para atuar na Educação Básica: na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Dentro desse contexto, a formação dos profissionais da educação, no Curso de Pedagogia, constitui reconhecidamente um dos principais requisitos para o desenvolvimento da Educação Básica no país.

O movimento de discussão e elaboração das Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia teve um marco importante em 1999, quando a Comissão de Especialistas de Pedagogia, instituída para elaborar as diretrizes do curso, desencadeou um amplo processo de discussão em nível nacional, ouvindo as IES, suas coordenações de curso e as entidades da área – ANFOPE, FORUMDIR, ANPAE, ANPED, CEDES, Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia. O resultado desse processo foi a elaboração do Documento das Diretrizes Curriculares e seu encaminhamento ao CNE, em 1999. Tais diretrizes, porém, não chegaram a ser apreciadas, uma vez que tanto a SESU quanto a Secretaria de Ensino Fundamental resistiam em enviá-las ao CNE, na tentativa de, em seu lugar, construir as diretrizes para o Curso Normal Superior, criado pela LDB e prestes a ser regulamentado.

Acompanhado de um conjunto de assinaturas representativas dos diferentes segmentos educacionais, que solicitavam sua apreciação, o Documento foi enviado ao CNE, o qual decidiu não encaminhá-lo para discussão e deliberação. Ficava evidente que o CNE aguardava a definição e a regulamentação de outros pontos ainda polêmicos, como as diretrizes do próprio Curso Normal Superior, que até o momento não foram aprovadas (o único documento disponível e não aprovado data de maio de 2000).

No intervalo entre maio de 99 e março de 2005, as várias iniciativas do MEC com relação à formação de professores e ao próprio Curso de Pedagogia – Portaria 133/01, Resoluções 01 e 02/2002 que instituem Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores de Educação Básica, em nível superior – causaram mais transtornos do que auxiliaram os cursos em suas definições, especialmente os cursos de Pedagogia. Isso provocou tal diversidade de estruturas dos referidos cursos que sua normatização exigirá do poder público, provavelmente, um acompanhamento rigoroso de avaliação da formação oferecida, de modo a preservar as iniciativas positivas ao mesmo tempo em que estabelece metas para o aprimoramento da qualidade de outras.

Como resultado dessas iniciativas, cuja intencionalidade política era bastante clara, cabe destacar a crescente expansão dos Cursos Normais Superiores e do próprio Curso de Pedagogia, principalmente em instituições privadas, em sua grande maioria sem história e sem compromisso anterior com a formação em quaisquer de seus níveis e modalidades. Se em 2001 tínhamos aproximadamente 500 Cursos de Pedagogia, hoje temos 1.372, além de 716 Cursos Normais Superiores,1 1 Dados de pesquisa de Roselane Campos (UDESC), apresentados no XII Encontro Nacional da ANFOPE, 2004. sem considerar os inúmeros Institutos Superiores de Educação (ISEs), e outros cursos de licenciatura também criados nesse período.

Os educadores e suas entidades acompanharam de perto esse movimento e estiveram presentes em todo o período, mobilizando-se através de encontros, reuniões, com conseqüente elaboração de documentos, orientados sempre pelo princípio fundamental que desde a promulgação da LDB afirmavam junto ao MEC, SESU e CNE:

• As discussões das Diretrizes da Pedagogia inserem-se na discussão das orientações, políticas e Diretrizes da Formação de Professores para a Educação Básica, não podendo, portanto, ser aprovadas fora deste contexto. Esta formulação corresponde a uma expectativa histórica dos educadores de construir uma política nacional de formação e, em seu interior, um sistema articulado e integrado de formação dos profissionais da educação, contemplando todas as modalidades e os níveis até a pós-graduação e a formação continuada.

• A luta pela formação do educador de caráter sócio-histórico e a concepção da docência como base da formação dos profissionais da educação – não se confundem com a redução do Curso de Pedagogia a uma licenciatura e têm outro caráter: indicam a necessidade de superação tanto da fragmentação na formação – não separando a formação do professor da formação dos especialistas – quanto a superação da dicotomia entre formação do licenciado e do bacharel – construindo a concepção de formação do professor e do especialista no educador.

Coerentes com essa posição, entendemos que as Diretrizes para o Curso de Pedagogia devem explicitar as posições mais avançadas que vêm sendo produzidas pela área, de modo a constituírem-se em princípios orientadores da organização curricular para os cursos de Pedagogia, em cada IES que se propõe a formar profissionais para a educação básica.

A Resolução do CNE sobre as Diretrizes da Pedagogia

Diante da divulgação, pelo Conselho Nacional de Educação, da Minuta de Resolução que institui as Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, estão ocorrendo no país inúmeras manifestações, indicando sua substituição por razões que podem ser assim sintetizadas:

• Contraria as aspirações históricas dos educadores com relação às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia.

• Reduz o Curso de Pedagogia ao que se pretendeu estabelecer para os Cursos Normais Superiores. O projeto do CNE não leva em consideração o fato de que é o Curso de Pedagogia o espaço acadêmico de que a Universidade Brasileira dispõe para os estudos sistemáticos e avançados da área da Educação. As competências indicadas no Art. 3º explicitam a concepção instrumental da formação de professores para a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, desconsiderando as contribuições presentes nos documentos de Diretrizes elaborados pelas entidades.

• A proposição de um bacharelado pós-licenciatura, com a duração de 800 horas, apostilado ao diploma, "visando ao adensamento em formação científica", representa clara desvalorização da formação para a docência, cuja capacitação, alijada "do adensamento teórico", da pesquisa e da produção de conhecimento, que deveria ser sua base, reduz-se, então, ao pragmatismo da docência para as séries iniciais da Educação Fundamental ou para a Educação Infantil, aprofundando a dicotomia entre teoria e prática.

• Tal formulação desconsiderou a particularidade da Pedagogia como uma das "ciências práticas" mais ricas em tradição (Schmied-Kowarzik), o que lhe daria a condição de formar o bacharel e o licenciado ao mesmo tempo, sem dicotomias, como prevêem as propostas de Diretrizes Curriculares elaboradas pelas duas últimas Comissões de Especialistas do Curso de Pedagogia da SESU/MEC e referendadas pelas entidades representativas dos educadores.

• Existe grande dissonância entre a concepção de organização curricular do Curso de Pedagogia expressa no projeto de Resolução e o desenho do Projeto Pedagógico e Curricular contido na Proposta de Diretrizes Curriculares elaborada pela Comissão de Especialistas da Educação da sesu, acima referida.

• Ao definir a formação de especialistas nas áreas previstas no Art. 64 da LDB, a proposta de resolução o faz de maneira imprecisa, invocando as exigências do Art. 67 da mesma Lei para estabelecer que essa formação será feita exclusivamente para licenciados, podendo levar à compreensão de que a mesma se dê apenas na Pós-Graduação, o que fragmentaria a formação e contribuiria com a abertura de um novo e atraente nicho de mercado para os cursos de especialização, quase todos, hoje, nas mãos das ies privadas, o que significaria a privatização e a elitização da formação desses profissionais, em cursos de duvidosa qualidade, acessíveis apenas aos formandos em condições econômicas de dar continuidade à sua profissionalização.

No entanto, reconhecemos a iniciativa de apresentação de uma proposta de diretrizes curriculares nacionais para o curso de Pedagogia pelo CNE como uma oportunidade de diálogo e interlocução, razão pela qual, face ao exposto, reafirmamos as Diretrizes para o Curso de Pedagogia, construídas historicamente pelas entidades, considerando:

• a importância da construção de uma política nacional de formação – e, como seu desdobramento, a organização do Sistema Nacional de Formação de Profissionais da Educação –, respeitando a histórica proposta de Diretrizes Nacionais para o Curso de Pedagogia (elaborada pela Comissão de Especialistas em Educação e encaminhada ao CNE pela SESU/MEC em maio de 1999);

• o posicionamento conjunto das entidades, apresentado ao CNE (em Brasília, 7/11/2001);

• as resoluções específicas concernentes à formação de professores para atuar nas diversas áreas do conhecimento da Educação Básica (resoluções n. 01 e 02/CNE/CP, 2001) emanadas pelo próprio CNE, as Entidades que subscrevem o presente documento, reafirmam as teses que seguem.

Tese 1: A base do Curso de Pedagogia é a docência

Esta tese se sustenta, particularmente, na história construída e consolidada nas Faculdades e Centros de Educação do país com as experiências e pesquisas que reconhecem o curso de graduação em Pedagogia como o principal locus de formação dos profissionais para atuar na Educação Infantil e nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, aliada à concepção que confere especificidade à função do profissional da educação, isto é,

(...) a compreensão histórica dos processos de formação humana, a produção teórica e a organização do trabalho pedagógico, a produção do conhecimento em educação, para o que usará da economia, sem ser economista, da sociologia sem ser sociólogo, da história sem ser historiador, posto que seu objeto são os processos educativos historicamente determinados pelas dimensões econômicas e sociais que marcam cada época. (FORUMDIR, 1998)

Ressaltamos que a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) adota a compreensão assumida pelo Fórum de Diretores das Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR) e explicita sua concepção de docência e de formação do pedagogo da seguinte forma:

O eixo da sua formação é o trabalho pedagógico, escolar e não-escolar, que tem na docência, compreendida como ato educativo intencional, o seu fundamento. É a ação docente o fulcro do processo formativo dos profissionais da educação, ponto de inflexão das demais ciências que dão o suporte conceitual e metodológico para a investigação e a intervenção nos múltiplos processos de formação humana. A base dessa formação, portanto, é a docência tal qual foi definida no histórico Encontro de Belo Horizonte (1983): considerada em seu sentido amplo, enquanto trabalho e processo pedagógico construído no conjunto das relações sociais e produtivas, e, em sentindo estrito, como expressão multideterminada de procedimentos didático-pedagógicos intencionais, passíveis de uma abordagem transdisciplinar. Assume-se, assim, a docência no interior de um projeto formativo e não numa visão reducionista de um conjunto de métodos e técnicas neutros descolado de uma dada realidade histórica. Uma docência que contribui para a instituição de sujeitos. (ANFOPE, 2004, p. 7)

Tese 2: O curso de Pedagogia, porque forma o profissional de educação para atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do conhecimento, em diversas áreas da educação, é, ao mesmo tempo, uma Licenciatura e um Bacharelado.

A ANFOPE (2004), compartilhando idéias com as demais associações e entidades que defendem esta tese, pronuncia-se a respeito da articulação Licenciatura e Bacharelado da seguinte maneira:

Como bem traduziu o documento do FORUMDIR (1998),

(...) as diferentes ênfases do trabalho pedagógico (educação infantil, fundamental e médio, jovens e adultos, trabalhadores, e assim por diante), assim como as tarefas de organização e gestão dos espaços escolares e não-escolares, de formulação de políticas públicas, de planejamento etc., constroem-se sobre uma base comum de formação, que lhes confere sentido e organicidade: a ação docente. É a partir dela, de sua natureza e de suas funções que se materializa o trabalho pedagógico, com suas múltiplas facetas, espaços e atores. Ao compreendê-lo como práxis educativa, unidade teórico-prática e unitária, porquanto não suporta parcelarizações, rejeita-se qualquer processo de formação que tome como referência "competências" definidas a partir da prévia divisão dos espaços e das tarefas dos processos educativos. Ao contrário, esta forma de conceber, que toma a ação docente como fundamento do trabalho pedagógico, determina que os processos de formação dos profissionais da educação tenham organicidade a partir de uma base comum – os processos educativos em sua dimensão de totalidade, sobre a qual se darão os recortes específicos, em termos de aprofundamento.

Além disso, como destaca o documento da ANFOPE (2004), é por demais oportuno ressaltar que são amplas as possibilidades de formação no curso de Pedagogia. O recorte a ser efetivado pelas instituições formadoras, entretanto, vincula-se às condições específicas de cada uma, entre as quais a existência de um corpo docente qualificado e de uma infra-estrutura adequada. Não se trata, portanto, de abranger um amplo leque de opções, mas sim de escolher e verticalizar aquelas áreas priorizadas no Projeto Pedagógico da Instituição formadora. Ressalte-se, ainda, que, na complexidade do mundo da escola, o educador deve ser capaz de exercer a docência e tantas outras práticas, que em sua formação acadêmica teve a oportunidade de vivenciar.

Concluindo, desejamos destacar ainda que a profissionalização do educador supõe a valorização dos profissionais. Isso requer: estreita vinculação entre a formação inicial e a formação continuada; condições adequadas para o exercício da profissão; carreira e o desenvolvimento de uma política salarial adequada.

Em função de todas estas considerações, vimos solicitar que seja promovida uma audiência pública pelo Conselho Nacional de Educação, no mês de abril do corrente ano, como espaço democrático de manifestação pública das entidades representantes de todos os segmentos educacionais.

Associação Nacional de Pesquisadores em Educação (ANPEd)

Associação Nacional pela Formação de Profissionais de Educação (ANFOPE)

Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES)

  • 1
    Dados de pesquisa de Roselane Campos (UDESC), apresentados no XII Encontro Nacional da ANFOPE, 2004.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005
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