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Editorial

EDITORIAL

É difícil dizer onde aparece maior falta de competência: no escrever mal ou no julgar errado; entretanto, entre os dois, é menos perigosa a injúria de cansar a nossa paciência do que a de desorientar o nosso discernimento.

(Alexander Pope, 1688-1744)

Chegamos ao número 100 da revista Educação & Sociedade.

Este acontecimento enquadra uma paisagem de sonhos, idéias, coragem, muita dedicação e trabalho. Aviva também reminiscências e saudades dos que estiveram conosco, como Casimiro dos Reis Filho, Elizabeth de Almeida Silvares Pompêo de Camargo, Maurício Tragtenberg e outros.

Lembra ainda a presença de colegas e de autores que auxiliaram na sua criação, e ainda aqueles que em todos esses anos deram sua contribuição. Lembra, em particular, aqueles cuja dedicação ao cedes e à Educação & Sociedade é exemplar e merecedora de louvor. Afinal, todos eles construíram essa bela trajetória da revista, simbolizada neste número comemorativo.

Aos 29 anos da criação da revista Educação & Sociedade, é possível afirmar que ela mantém, quando mais não for, o princípio da heterodoxia responsável nas suas ações e publicações, que a animou desde o começo, e igualmente anima seus fundadores e continuadores. Sendo uma revista de educação, não é uma revista só de educação, acolhendo escritos variados (o que quer dizer fora do campo estritamente educacional), capazes de contribuir para o aprimoramento e avanço sociais.

Uma revista que não deve acreditar no pedagogismo, no tecnicismo educacional, no burocratismo, sobretudo na educação, no apolitismo, no formalismo teórico, na juridiquês e no oportunismo que permeiam o mundo do conhecimento.

Em seus famosos Comentários à Constituição de 1946, o mais que famoso jurista Pontes de Miranda esclareceu a função da legislação e do direito na educação (os quais não mudam a realidade, antes pelo contrário):

A educação somente pode ser direito de todos se há escolas em número suficiente e se ninguém é excluído delas, portanto se há direito público subjetivo à educação, e o Estado pode e tem de entregar a prestação educacional. Fora daí, é iludir com artigos de Constituição ou de leis. Resolver o problema da educação não é fazer leis, ainda excelentes; é abrir escolas, tendo professores e admitindo os alunos. (Pontes de Miranda, 1963, t. 4)

Por ocasião do lançamento do número 50 da Educação & Sociedade, em abril de 1995, notei que a revista dispunha e dispõe de projeto cultural e educacional para o Brasil, com base na mudança social e econômica, nas liberdades públicas e na seriedade intelectual. Um periódico aberto às idéias, ao debate, à variedade de temas e de tratamento dado aos mesmos, enfim, à liberdade de pensamento.

Agora, neste número 100 de Educação & Sociedade, torna-se indispensável reproduzir fragmentos essenciais do "Apresentando Nosso Compromisso", abertura do número 1, da revista publicada em setembro de 1978 (p. 3):

EDUCAÇÃO E SOCIEDADE pretende ser uma revista preocupada com a análise da realidade educacional brasileira, abrindo o seu espaço para propostas intelectuais, tanto no que se refere a técnicas, doutrinas e práticas educacionais, como no que se refere à reflexão sobre o seu impacto na sociedade como um todo: uma revista que tenha como foco a perspectiva da teoria e da prática no âmbito do conhecimento sócio-educativo, procurando recuperar certa informação histórica dessa prática e teoria, sem deixar de responder aos problemas colocados pela educação brasileira contemporânea. Neste nível, aceita colaboração sob forma de artigos, comunicações originais, resenhas e comentários de obras atuais, de preferência editadas no Brasil.

(...) EDUCAÇÃO E SOCIEDADE tem, antes de mais nada, um interesse: ajudar a prática da educação não importando o nível em que ela possa situar-se. Ela exige constante renovação dos conhecimentos e técnicas adquiridas. Para isso E&S pretende não só levar aos leitores reflexões e críticas sobre os temas que mais preocupam a todos, mas também oferecer documentação técnica e científica atualizada, sobre o desenvolvimento das ciências que, trabalhando em estreita colaboração interdisciplinar, fazem avançar o conhecimento e a prática da educação.

Verifica-se nesta abertura a intenção reiterada de promover a relação teoria e prática, a reflexão e a crítica, a renovação dos conhecimentos, as propostas intelectuais, a prática da educação em seus vários níveis, a informação histórica, a preferência pelos escritos editados no Brasil e a busca de respostas aos problemas educacionais do país.

Desde seu surgimento, Educação & Sociedade deu mostras de crítica corajosa ao Estado militar, à ditadura, às suas políticas econômicas, sociais e educacionais.

As negociações com a ditadura, que levaram à "transação democrática" e à "Nova República", uma conciliação das elites, precipitaram a ideologia tecnoburocrática convivendo nas oligarquias, no clientelismo, na permissividade, na venalidade, na especulação econômico-financeira e nos partidos políticos.

Não há dia diferente do dia de ontem. O máximo que se pode alcançar é a perfeita semelhança das práticas políticas, econômicas, sociais e educacionais com as práticas de ontem.

Mas isto não é uma realidade absoluta, algo mudou: o capitalismo triunfou e não tem fronteiras; os índices políticos, sociais e educacionais pioraram, com a crescente miséria, a emigração, a desesperança.

A ideologia do sucesso a qualquer preço substituiu o valor do conhecimento, de modo particular na educação, explorada abertamente pelo pequeno capital, pela propaganda comercial, pelo lobby, pela organização sem fim lucrativo e pelo tecnoburocrata que não conhece sala de aula. O limite ao mercado foi parar no Código de Defesa do Consumidor, que tem sido a consciência limite de grande parte da população brasileira.

O banho de capitalismo encharcou as discussões a respeito da proteção social, da desigualdade (e não da igualdade), dos índices sociais, das estratégias contra a pobreza, das parcerias, da relação público-privado, do terceiro setor, do fim da história, do relativismo, do democratismo formal, da pedagogia do amor, da auto-ajuda e, enfim, da ética (e não da ética estritamente da igualdade social). O minimalismo, com sua renda mínima de sobrevivência ou de inserção, renda cidadã, bolsas variadas, cotas diversas e projetos focalizados, demonstrou a ampla adesão à desigualdade produtiva e a condenação da desigualdade improdutiva (e não propriamente da desigualdade em si).

A educação, tal como outras áreas de boa vontade, não mediu esforços com as novas tecnologias, normalmente de fora e com o minimalismo sempre mais imediato, abandonando qualquer projeto para a educação brasileira, capaz de proporcionar a verdadeira escola única, professores e alunos reais, voltada à socialização escolar e ao conhecimento geral, sem superficialismos.

Apesar disso, Educação & Sociedade continuou aberta a inúmeros colaboradores (alguns até participantes dos governos da "Nova República") e a uma infinidade de temas, convertendo-se em uma publicação das mais fundamentais ao país. Além disso, traz, como já disse antes, baixa taxa média de mesmice educacional e aceita com prudência os modismos intelectuais e pedagógicos de uma cultura e de uma sociedade periodicamente recolonizadas.

A publicação ininterrupta da revista levou-a a acrescentar aos três números anuais um outro número especial temático. Por outro lado, a avaliação das colaborações enviadas a ela ficou ainda mais criteriosa, do ponto de vista intelectual.

Educação & Sociedade é hoje um patrimônio indispensável a todos aqueles que querem estudar e, da mesma forma, aos interessados em educação, por suas análises e informações, por suas experiências teóricas e práticas, compondo-se de dossiês, artigos, Jornal da Educação, debates, resenhas e imagens & palavras.

Este patrimônio é o principal motivo por que Educação & Sociedade tem condições de fazer do seu número 100 um marco que anuncia não somente maior aprimoramento técnico em sua produção, como também seleção acurada nos escritos, respondendo cada vez mais aos interesses dos leitores.

Isso faz com que o número 100 da revista Educação & Sociedade dê orgulho àqueles que dela participaram ou que dela participam, escrevendo-a ou lendo-a.

Evaldo Vieira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007
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