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A educação de Sísifo: sobre ressentimento, vingança e amok entre professores e alunos

Sisyphus's education: on resentment, revenge and amok between teachers and students

Resumos

O objetivo deste artigo é argumentar que os alunos humilhados pelos professores são obrigados a reprimir a angústia e o medo que sentem, fato este que produz frustração e ressentimento. Na sociedade onde tudo se transforma cada vez mais em espetáculo, esse ressentimento alimenta o ódio em relação ao professor até a ponto de ser exposto pelos estudantes através de ações violentamente espetaculares, tais como o Amok, uma síndrome psicopatológica na qual um indivíduo mata todos aqueles que cruzam seu caminho.

Educação; Indústria cultural; Violência; Amok; Sociedade do espetáculo


This article explains the explicit humiliation of students who have been obliged to repress their anxiety and fear, leading to frustration and resentment. In a society where everything is becoming more and more of a spectacle, this resentment feeds the hate towards the teacher until this hatred is exposed by the students through violent and spectacular actions, such as running Amok, a psychological syndrome, where the individual kills everybody in their way.

Education; Culture industry; Violence; Amok; Society of spectacle


DEBATES E POLÊMICAS

A educação de Sísifo: sobre ressentimento, vingança e amok entre professores e alunos

Sisyphus's education: on resentment, revenge and amok between teachers and students

Antônio Zuin

Pós-doutor em Filosofia da Educação e professor-associado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). E-mail: dazu@power.ufscar.br

RESUMO

O objetivo deste artigo é argumentar que os alunos humilhados pelos professores são obrigados a reprimir a angústia e o medo que sentem, fato este que produz frustração e ressentimento. Na sociedade onde tudo se transforma cada vez mais em espetáculo, esse ressentimento alimenta o ódio em relação ao professor até a ponto de ser exposto pelos estudantes através de ações violentamente espetaculares, tais como o Amok, uma síndrome psicopatológica na qual um indivíduo mata todos aqueles que cruzam seu caminho.

Palavras-chave: Educação. Indústria cultural. Violência. Amok. Sociedade do espetáculo.

ABSTRACT

This article explains the explicit humiliation of students who have been obliged to repress their anxiety and fear, leading to frustration and resentment. In a society where everything is becoming more and more of a spectacle, this resentment feeds the hate towards the teacher until this hatred is exposed by the students through violent and spectacular actions, such as running Amok, a psychological syndrome, where the individual kills everybody in their way.

Key words: Education. Culture industry. Violence. Amok. Society of spectacle.

Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão! (Baudelaire, 1985).

Introdução

A repetição perene da narração do mito de Sísifo, no transcorrer da história da civilização ocidental, confunde-se com a eterna sucessão das etapas do castigo que lhe foi imposto pelos deuses: empurrar uma pedra enorme de mármore até o cume de uma montanha para vê-la desabar novamente, por meio da ação de uma força irresistível. O "trabalho de Sísifo" transformou-se numa das mais conhecidas imagens do trabalho inútil. Desafiar o poder dos deuses é uma ação que não pode passar incólume, pois o desertor tem de ser punido exemplarmente. Afinal, o ato de desafiar corresponde à expressão do desejo e, porque não dizer, da pretensão de se igualar ao poder dos imortais. Rolar uma pedra enorme até o cume de uma montanha não é tarefa qualquer e representa o poder da força de vontade do condenado Sísifo. Mas seus esforços revelam-se inúteis, haja vista o tipo de penalidade que lhe foi imposta por meio da intransigência divina.

O mito silencia sobre a frustração de Sísifo renovada até a eternidade, pois não é possível avaliar como a decepção se amalgama ao desespero toda vez que a pedra de mármore por muito pouco não consegue atingir o cume e rola montanha abaixo, impingindo a repetição da tentativa de levá-la novamente para cima. De fato, tal castigo dos deuses não foi o suficiente para solapar as forças de Sísifo, o herói do absurdo, tal como foi aclamado por Camus. Esta designação se deve "Tanto por causa de suas paixões como por seu tormento. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível, no qual todo ser se empenha em não terminar coisa alguma" (Camus, 2007, p. 138).

Por outro lado, que tipo de prazer os deuses teriam ao constatar a tenacidade de Sísifo e o olhar malogrado que acompanha o movimento de descida da pedra até o ponto inicial da tortura sempre renovada? Uma questão como essa suscita o emprego da imagem do martírio de Sísifo num outro contexto, ou seja, o educacional (Bernfeld, 1973, p. 114). O emprego do mito de Sísifo é observado nas interpretações filosóficas, sociológicas e psicológicas, dentre as quais se destaca a elaborada por Camus, a saber: o significado de se ter ou não consciência do que representa o emprego de tal esforço, as injustiças decorrentes do desequilíbrio de forças entre os poderes divino e humano e o desespero de se observar continuamente o fracasso da atividade que nunca se completa. Igualmente, o mito suscita a reflexão sobre as conseqüências decorrentes dos efeitos que tal trabalho engendra. Nesse sentido, o poder metafórico de tal mito pode ser utilizado não na condição de modelo explicativo de tais efeitos, mas sim como uma espécie de ponto de partida imagético capaz de estimular o desenvolvimento do raciocínio a respeito da investigação de determinados fenômenos educacionais. A imagem do suplício de Sísifo poderia aludir também aos estudantes que se esforçam para poder intervir, de alguma forma, durante as aulas ministradas por seus mestres, os quais, em muitas ocasiões, não reconhecem tal esforço e se aferram numa espécie de pedestal que os impossibilita de se aproximar, numa relação dialógica, do raciocínio de seus alunos. Os mesmos alunos que têm a pretensão de ocupar tal posto se frustram diante dos obstáculos impostos pelos professores. Mas, e se esta frustração encontrasse canais de expressão de tal modo que os alunos se sentiriam estimulados para concretizar o desejo de vingança dificilmente assumido? E se a enorme pedra de mármore atingisse, diante de um descuido dos deuses, o cume da montanha e, portanto, eles próprios? Com efeito, o objetivo deste artigo é argumentar que os alunos humilhados pelos professores são obrigados a reprimir a angústia e o medo que sentem, fato este que produz frustração e ressentimento. Na sociedade onde tudo se torna cada vez mais espetáculo, para usar a expressão de Debord (1997, p. 13), esse ressentimento alimenta o ódio em relação ao professor até o ponto de ser exposto pelos estudantes por meio de ações violentamente espetaculares, tais como o Amok, uma síndrome psicopatológica na qual um indivíduo mata todos aqueles que cruzam seu caminho.

Os alunos, o ressentimento e a vingança adiada

Dentre os vários elementos presentes no nascedouro e no transcorrer do processo educacional/formativo, um se destaca com muita propriedade, a saber, a necessidade de se fazer com o que o corpo discente se discipline para poder não só acompanhar como também intervir em tal processo. Os instrumentos pedagógicos utilizados pelos mestres para atingir este objetivo são tão variados quanto a plêiade de propostas metodológicas empregadas na história da pedagogia. Os diversos procedimentos didáticos desenvolvidos e usados pelos educadores se objetivaram, e ainda se objetivam, na sedução dos professores que procuram despertar a curiosidade do alunado por meio da aproximação dos conteúdos das disciplinas e dos interesses de tais educandos.

A título de ilustração, foram várias as concepções de ser humano e de mundo que embasaram este escopo, tais como a democracia liberal de Dewey e o socialismo de Gramsci. A crítica que ambos elaboraram contra o chamado ensino livresco, cujas premissas centrais se fundamentam na ênfase à memorização de conteúdos dissociada da história humana, responsável pelo modo como eles foram produzidos, desvela também as diferentes concepções político-educacionais pelas quais tais autores leram, por assim dizer, o livro do mundo pedagógico. Mas tanto Dewey quanto Gramsci externaram seu desagravo contra a memorização que se distancia da sua raiz etimológica, uma vez que decorar significa aprender o conteúdo com o coração, pois, "Num sentido mais simples, o que sabemos de cor (no coração) amadurecerá e se desdobrará dentro de nós. O texto memorizado interage com nossa experiência temporal, modificando nossas experiências, sendo dialeticamente modificado por elas" (Steiner, 2005, p. 46).

O afastamento do sentido original do que significa memorizar determinados conteúdos relaciona-se visceralmente com a posição autoritária de alguns professores que exigem tal memorização como prova do aprendizado efetivo dos alunos, a despeito de quaisquer interesses que eles poderiam demonstrar sobre tais conteúdos. Revitaliza-se, por assim dizer, a constatação de Nietzsche de que o castigo produz memória, "seja para aquele que sofre o castigo - a chamada correção - seja para aqueles que o testemunham" (1998, p. 69). E se de fato o castigo produz memória, talvez as atuais práticas de violência que se espraiam nos estabelecimentos escolares possam servir como doloroso lembrete desse adágio de Nietzsche, embora em muitas ocasiões nos esforcemos para esquecê-lo. Não é mesmo fácil manter viva na memória a quantidade de atos de vandalismo que assolam as escolas brasileiras, os quais "rivalizam" entre si pela captura de nossa atenção nas manchetes dos mais variados meios de comunicação de massa. Tais atos de vandalismo se metamorfoseiam em acontecimentos espetaculares que são imediatamente apropriados como mercadorias audiovisuais pela indústria cultural contemporânea. A banalização dos atos de violência nas escolas é momentaneamente "abalada" por meio do cada vez mais agressivo estímulo audiovisual, que, de acordo com a expressão de Adorno e Horkheimer (1986, p. 128), consegue movimentar as trilhas gastas de nosso raciocínio e da nossa atenção. Paradoxalmente, é a intensificação deste estímulo audiovisual, que aparentemente nos livra do torpor decorrente da banalização da violência quando seduz nossa atenção, a responsável pelo recrudescimento de nossa dessensibilização, pois esta não se contenta com pouca coisa para poder reagir e suplica pelo consumo de estímulos mais violentos. Ao refletir sobre as causas objetivas e subjetivas do recrudescimento da chamada violência nas escolas, Sposito (2007, p. 7) menciona o caso das crianças da COHAB Tiradentes da zona leste de São Paulo, que entram em contato com corpos "desovados" em locais próximos às unidades escolares:

Não é raro crianças e adolescentes chegarem comentando os fatos e, de acordo com os depoimentos de uma diretora, não mais perplexas com os assassinatos. Sequer consideravam violentas as mortes, banais porque foram produzidas por poucos tiros ou facadas. Os acontecimentos adquiriam cores espetaculares apenas quando eram amplamente caracterizados por rituais de extermínio, expressos nos elevados números de tiros ou de dilacerações provocadas pelas armas. Nesse caso, os limites definidores do ato de destruição do outro são inscritos na experiência cotidiana que integra a violência, banalizando-a, no âmbito da sociedade.

É interessante enfatizar, nesse mesmo artigo, a constatação de que nem sempre ambientes sociais violentos produzem práticas escolares violentas, como se esta fosse simplesmente uma relação de causa e efeito. Pois nesse mesmo conjunto habitacional foi possível observar o contraste entre duas escolas mantidas pelo poder municipal: uma delas foi incendiada, no final da década de 80 do século passado, por alunos e ex-alunos. Já a outra, mesmo tendo um terreno baldio no fundo, não apresentava nenhuma grade ou muros altos de proteção, se caracterizando como um "ambiente de relativa tranqüilidade para as atividades pedagógicas" (idem, ibid.). São vários os fatores que determinam as diferentes atitudes dos alunos e ex-alunos de ambas as escolas, dentre os quais se observa o modo como os pais e os moradores da comunidade interagem com tais ambientes escolares. De todo modo, de acordo com Sposito (ibid, p. 15),

As pesquisas revelam que a maior parte dos vínculos construídos no espaço da escola decorre das formas de sociabilidade entre os pares e de algumas relações mais significativas com alguns professores. Tais interações acontecem na escola, mas não são produto deliberado das orientações de professores e administradores. Ao que tudo indica, em escolas com índices reduzidos de violência ainda existiram esses espaços extremamente valorizados pelos alunos, particularmente quando um conjunto de condições sociais adversas dificulta o desenvolvimento dessa sociabilidade em outros momentos de sua vida.

A verdade de que os problemas relativos às práticas de violência presentes nas escolas não serão resolvidos exclusivamente pelo estabelecimento de vínculos de confiança e respeito entre os alunos e professores, haja vista o incremento de condições objetivas de miserabilidade material e espiritual, não pode, por outro lado, eclipsar a relevância de tais interações para o arrefecimento dessas mesmas práticas de violência. Nas palavras de Steiner (2005, p. 40), "O erotismo, disfarçado ou declarado, fantasiado ou realizado, está entretecido no magistério, na fenomenologia das relações entre mestre e discípulo. Esse fato elementar tem sido banalizado por uma fixação no assédio sexual. Continua, entretanto, a ser central. Como poderia não o ser?".

Se a sedução do professor se faz presente, de tal maneira que os alunos se sentem persuadidos a se dedicar aos estudos, pois desejam atrair o olhar amoroso do mestre, por outro lado, o "magistério inspirado é um intricado híbrido de amor e ameaça, de imitação e autonomia" (Steiner, 2005, p. 126). E se estas características ambíguas convivem contraditoriamente nas relações estabelecidas entre os professores e seus alunos, há várias situações nas quais ocorre a polarização de um destes vetores, de tal modo que prevalece ou a dimensão afetivo-respeitosa, ou a hegemonia das afecções psicológicas, e até mesmo físicas, entre os agentes educacionais. Com efeito, há vários professores que aplicaram a ferro e fogo a observação de Nietzsche referente à relação entre castigo e memória nas relações estabelecidas com seus alunos no cotidiano escolar, a ponto de se transformarem na caricatura do modelo da chamada pedagogia tradicional, na qual o professor, identificado e quase sempre se identificando como o centro do processo educacional/formativo, impingia sua vontade de forma indelével. De acordo com este raciocínio, pode-se asseverar que a história do desenvolvimento educativo foi delineada, entre outros fatores, pela necessidade de promover um processo de internalização da disciplina que capacitaria o alunado a se concentrar, na medida do possível, no aprendizado dos conteúdos aprendidos. São vários os recursos que os professores utilizam para assegurar a disciplina e a atenção dos alunos em seu discurso apresentado na sala de aula. Na história da pedagogia, pululam os métodos que se fundamentaram na aplicação de castigos físicos, dentre os quais se destacou a conhecida palmatória. Mas talvez a magnitude da dor física, que se fazia visível nos vergões das mãos que chegavam a sangrar, já rivalizava com a força invisível da humilhação dos alunos que estendiam submissamente as próprias mãos à palmatória. Dar a mão à palmatória se metamorfoseia no adágio popular que alude ao reconhecimento do erro daquele que o praticou, mas isso não significa que tal reconhecimento esteja desprovido tanto do sentimento de autocrítica quanto do desejo de vingança.

A simbologia de tal gesto recrudesce seu poder, paradoxalmente, nas ocasiões em que a ameaça da punição física não se faz tão presente, pois os instrumentos coercitivos são gradativamente substituídos pelas agressões simbólicas, cuja violência é também avassaladora. É no solo das instituições educacionais que vicejam, com maior "sucesso", tais agressões, por vezes mais explícitas ou, então, um pouco mais sutis. Há espaço no ambiente educacional para o professor que rotula seus alunos como burros, uma vez que não souberam a resposta correta de um determinado exercício. Por outro lado, o professor que elabora a seguinte questão ao aluno universitário: "Tem certeza de que você escolheu o curso certo?", pode ser identificado como o educador que se preocupa com as dificuldades do aprendizado dos conteúdos transmitidos. Porém, e se esta questão for feita após tal aluno ter se equivocado na resposta de uma pergunta feita pelo professor? Na verdade, o veredito do mestre já foi feito, pois, a seu ver, tal aluno não tem condições de acompanhar a dinâmica da disciplina sob sua responsabilidade.

Ora, quem é que pode mensurar o impacto de tais palavras na mente e no coração do aluno? As chamadas boas intenções sempre acompanharam a justificativa do exercício de tais atitudes, uma vez que esses mestres poderiam tentar dissimular seus desejos sádicos através da racionalização de que procederiam desta maneira para o bem dos alunos, haja vista a ultracompetição que impera soberana na sociedade capitalista contemporânea. Para poder sobreviver, é necessário ser duro, eis a máxima que se transforma numa espécie de imperativo categórico ao se universalizar para, praticamente, todas as relações humanas. No que diz respeito à escola, Adorno observou a presença deste imperativo quando cunhou o conceito da educação para a disciplina por meio da dureza. A origem desse conceito remete ao debate sobre educação na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial. Numa palestra sobre como se poderia pensar o processo educacional/formativo diante de sua negação total representada pelas barbáries cometidas no campo de concentração de Auschwitz, Adorno observou que havia um clima cultural favorável à defesa de um procedimento "educativo" de caráter sadomasoquista, que premiaria os alunos capazes de recalcar a dor decorrente de possíveis humilhações feitas por seus mestres nas salas de aula, de tal modo que a dor internalizada poderia ser extravasada quando o aluno deixasse de sê-lo, uma vez que, posteriormente, poderia assumir o posto do professor e se desforrar dos tormentos que outrora tivera que suportar em silêncio. A indiferença sádica à dor alheia seria conseqüência, e também uma reação, à indiferença experimentada masoquistamente na condição de aluno. É no texto denominado Educação após Auschwitz que Adorno relembra a importância do ousar saber kantiano para a educação, sobretudo no imperativo de que as ciências da educação deveriam atentar para a necessidade da não-repressão do medo e da angústia:

A educação deve se dedicar com seriedade à idéia que não é de forma alguma desconhecida da filosofia: que não devemos recalcar o medo, a angústia. Quando o medo, a angústia não forem recalcados, quando nos permitirmos ter tanto medo e angústia real quanto essa realidade merecer, então possivelmente muito do efeito destruidor do medo e da angústia inconscientes e recalcados desaparecerá. (Adorno, 1971, p. 40)

Infelizmente, a prática pedagógica contrária ao recalque do medo e da angústia não parece se espraiar com tanta facilidade nas instituições escolares. Ao invés disso, parece se avultar cada vez mais uma predisposição generalizada para o fortalecimento de tal recalque, ao mesmo tempo em que se nutre o efeito destruidor do medo e da angústia, os quais podem ser percebidos nas atitudes ressentidas dos alunos. Quando se pensa a respeito do conceito de ressentimento, é praticamente impossível deixar de se mencionar a interpretação de Nietzsche a este respeito, na Genealogia da moral. De acordo com o filósofo alemão, os sacerdotes judeus encontram uma forma de vingança contra seus algozes que se mostrou de uma eficácia extrema, a saber: a equação, construída pelos opressores, de que o bom equivale ao nobre, ao poderoso, ao belo, ao feliz, foi invertida ocorrendo a tresvaloração de valores. Ou seja, a virtude passou a ter a companhia da feiúra, da miséria e do sofrimento e se afastou da força e da potência com as quais anteriormente se associava. Passa a ter vida, portanto, a rebelião escrava na moral e, portanto, não na exposição da força física, pois toma forma "o ressentimento dos seres aos quais é negada a verdadeira reação, a dos atos, e que apenas por uma vingança imaginária obtêm reparação" (Nietzsche, 1998, p. 28).

Para Nietzsche, a vingança alcança o seu apogeu quando os homens do ressentimento conseguem fazer com que a hostilidade e a crueldade não possam ser mais exteriorizadas e se voltem para dentro do próprio ser humano. A internalização da agressividade representa não só a produção da má consciência, como também a origem da mais sinistra doença da humanidade, ou seja, a masoquista necessidade de se autoflagelar. E um dos principais símbolos do cristianismo, o Cristo pregado na cruz, tem o "mérito" de fortalecer o sentimento de culpa e o remorso mediante a consciência de que o filho de Deus morreu por nós, pela salvação de nossos pecados. A covardia moral do ressentido o impede de expressar publicamente sua insatisfação, mas também o possibilita gozar do prazer de perceber que os mais fortes se remoem de remorso, pois tiveram a coragem de explicitar sua vontade de poder.

Abaixo com a inversão valorativa que destrói o ser humano! Não é possível viver neste mundo onde impera a covardia moral! Estas poderiam ser as palavras de ordem do filósofo que, de acordo com Adorno e Horkheimer, maldosamente enaltecem os poderosos e seus sentimentos cruéis que são exteriorizados, embora haja o reconhecimento de que o mesmo Nietzsche, ao lado de Sade, foram os "escritores sombrios da burguesia que não tentaram distorcer as conseqüências do esclarecimento recorrendo a doutrinas harmonizadoras" (Adorno & Horkheimer, 1986, p. 111). Não é nada reconciliador o pensamento do autor da Genealogia da moral, sobretudo na observação de que no ato da compaixão vislumbra-se também a vontade de poder, que é o mais forte impulso para a vida, na fruição da "pequena superioridade" que acompanha todo ato de caridade (Nietzsche, 1998, p. 124). Atentos à veracidade deste raciocínio, Adorno e Horkheimer também criticaram aquele tipo de compaixão exercida pelo filantropo que "muito mais confirma a regra da desumanidade através da exceção que é praticada" (Adorno & Horkheimer, 1986, p. 98).

Talvez seja exatamente essa possibilidade de identificação da vontade de poder nos atos aparentemente mais altruístas o que mais choca na leitura dos escritos nietzscheanos. Não é um raciocínio que se digere com facilidade, sobretudo na cultura ocidental de raízes juidaico-cristãs. Identificar esta vontade de poder, por exemplo, nas atitudes educacionais mais aparentemente providas de afeto torna-se quase que insuportável. Talvez esse sentimento de repulsa seja, na verdade, um tipo de formação reativa, psicanaliticamente falando, que mascara a veracidade das palavras cruéis de Nietzsche. E se ele recebeu com justiça o atributo do pensador que não distorceu as conseqüências contraditórias do esclarecimento (Aufklärung), ou seja, do progresso histórico da racionalidade que se sustenta através da barbárie, uma de suas principais contribuições para a análise das contradições imanentes da Aufklärung refere-se ao fenômeno do ressentimento. Foi Adorno que, ao empregar o pensamento de Nietzsche à problemática educacional, apontou para uma questão de extrema atualidade: a presença do ressentimento dos alunos em relação àquilo de que são privados. Decididamente, os alunos não se aquietam diante de tais punições, por mais que sejam impingidos direta ou indiretamente a recalcar não apenas o medo e a angústia, como também o ódio em relação a seus professores. No texto Sobre a psicologia do relacionamento entre professores e alunos, Adorno (1986, p. 723) afirma que:

Como se sabe, toda pressão estimula uma contrapressão e o aluno se torna desperto para a resistência (...). Num primeiro momento, o ódio se faz presente em sua forma mais primitiva, ou seja, na resistência simples e imediata diante das influências externas e sobejamente mais fortes. Depois prevalecem outras de suas derivações, tais como a inveja, o ressentimento e, principalmente, o impulso para a representação, para um jogo de cena.

Este jogo de cena dos alunos é um dos principais elementos da chamada vingança adiada. O tempo favorito do aluno ressentido é o do futuro do pretérito, pois aquilo que ele poderia ter sido e que não foi, a saber, um verdadeiro interventor com voz ativa na sala de aula, não se concretiza, assim como a sua vingança que parece nunca chegar. Daí a idéia da vingança adiada que esteia o prazer do ressentido diante do sofrimento que o outro lhe imputou. Nesta perspectiva de análise, o prazer sádico do ressentido, frente aos sinais de remorso dos agressores, é acalentado pela sua postura masoquista que lhe impede tanto de esquecer, quanto de superar a dor que lhe foi imposta. Para Maria Rita Kehl (2004, p. 96), "Assolado pelos tormentos da má consciência, o ressentido passa a desconfiar de seus últimos impulsos de luta e vingança verdadeira. Assim, substitui seus projetos de vingança pela fantasia de uma vingança adiada". Ou, então, "O ressentido é um escravo de sua impossibilidade de esquecer (...). Mas, no ressentimento, a dívida permanece impagável: a compensação reivindicada é da ordem de uma vingança projetada no futuro" (idem, p. 91).

Ora, o adiamento da vingança proporciona tanto prazer quanto a afirmação narcísica do eu, pois, de acordo com a perspectiva do ressentido, suas dores são as que realmente importam e devem ser, por isso, reconhecidas por todos. O sentimento de onipotência do ressentido, bem como suas fantasias de grandeza, são retroalimentados pela sua atitude de se aferrar à condição de vítima. Na verdade, ele precisa se esforçar ativamente para manter sua condição de ser passivo, atualizando, com outras nuances, a denominada "servidão voluntária" de La Boétie (1999). Porém, e se em determinada ocasião a vingança fosse finalmente concretizada?

A seguir, serão apresentadas algumas ponderações com o escopo de responder tal questão, sobretudo por meio da investigação de um fenômeno recente da violência cometida em instituições escolares e que concerne aos assassinatos em massa de alunos e professores, cujos autores se empenham para transformar tais atos em espetáculos audiovisuais que são transmitidos em escala global e em tempo real, através dos atuais meios de comunicação de massa.

Os alunos e o Amok como vingança concretizada

São várias as formas de vingança dos alunos em relação aos professores que os maltratam no transcorrer do cotidiano das mais variadas instituições e distintos níveis de escolaridade. Ao comentar a explicação equivocada de que atos de depredação e de vandalismo nas escolas, ocorridos nos finais de semana, seriam praticados por pessoas desvinculadas destas mesmas instituições escolares, Sposito (2007, p. 9) afirma o seguinte:

Estudos de natureza qualitativa realizados sobre o cotidiano escolar - ainda que não voltados para o exame da violência - e depoimentos de diretores e professores colhidos em entrevistas indicavam a incômoda presença de alunos das escolas nos atos de vandalismo, alguns em processo claro de exclusão. As investigações do grupo escolar na região da Liberdade identificaram os responsáveis: ex-alunos, pré-adolescentes, que afirmavam terem sofrido injustiças e a agressão era declarada como ato de vingança contra os professores.

As várias manifestações de violência sofridas pelas instituições escolares, que são ilustradas pelo descaso do poder público em relação ao provimento de condições materiais dignas para o desenvolvimento de um ensino de qualidade, não podem obnubilar a forma como esse caldo cultural agressivo se objetiva na imanência das violências cometidas nas escolas. A descrença cada vez maior do aluno em relação ao poder do processo educacional/formativo de lhe proporcionar uma melhor qualidade de vida não deixa de incorporar a falsidade da promessa de que, na nossa sociedade, todos estão sujeitos à obediência das leis, que devem ser, portanto, coletivamente respeitadas. Os contratos sociais cada vez mais "primam" pela contradição entre a veracidade dos conteúdos ideológicos de liberdade e igualdade de seus discursos e o desmentido destes mesmos conteúdos nas práticas cotidianas. No caso das escolas, a insatisfação coletiva dos alunos é, em muitas ocasiões, projetada na figura daquele cuja imagem representa tal contradição: o professor.

De fato, há um fio condutor observado nas imitações dos alunos sobre os maneirismos dos professores e as pichações que achincalham os mestres em cores berrantes nos muros de várias escolas. Tanto o riso proveniente da mímese de tais maneirismos, quanto o grito colorido pintado nos muros são manifestações do desagravo dos alunos que clamam para ser ouvidos e vistos, ou seja, percebidos. De certa forma, estas manifestações de revide ainda habitam a esfera simbólica, embora ambas tenham conseqüências reais. E no caso das agressões físicas? Quais seriam as razões que fazem com que a esfera simbólica não seja mais suficiente para amainar o desejo de vingança?

Sempre que uma questão como esta se apresenta, são várias as interpretações oferecidas como tentativas de explicação de atos aparentemente inexplicáveis. A meu ver, não há como dissociar a tentativa de esclarecimento das barbáries cometidas da necessária relação entre os aspectos subjetivos e objetivos que as determinam. Seguindo esta linha de raciocínio, talvez o conceito de Amok, nos casos extremos de revide, possa auxiliar na elaboração de respostas, numa perspectiva de análise psicossocial.

Amok é uma palavra de origem javanesa que, no meio psiquiátrico, concerne às denominadas Culture Bound Syndromes (CBS), ou seja, às síndromes ligadas à cultura, um conceito criado pelo psiquiatra chinês P. M. Yap, em 1965, e que "designa as síndromes exóticas e raras de povos 'primitivos', merecendo nos compêndios de psiquiatria apenas uma menção a título de curiosidade. Somente nas últimas décadas, as cbs receberiam maior atenção no estudo da influência da cultura sobre os transtornos mentais em geral" (Mateus, 1998). Os transtornos mentais relacionados à prática do Amok, de acordo com a exegese psiquiátrica, são os responsáveis pelas atitudes do indivíduo que corria pelas ruas das cidades da Malásia, armado de uma faca e gritando Amok! Amok! Ele matava indiscriminadamente todos aqueles que cruzassem seu caminho. Mas, como se tratava de um traço cultural conhecido, os malásios se preparavam com antecedência para tal ataque, pois, da mesma forma como nós nos prevenimos da possibilidade da ocorrência de um incêndio quando ouvimos o som de alarme de uma sirene, eles se armavam com lanças e se protegiam matando o praticante do Amok, o qual gozava, paradoxalmente, de certo respeito por parte da sociedade pela sua suposta coragem de dar vazão à fúria contida e por avisar aos berros o ataque iminente (Eisenberg, 2002).

Diante de tal quadro, a questão que se coloca é a seguinte: Seria o Amok uma espécie de característica cultural exclusiva dos malásios? É interessante observar a presença dos termos Running Amok e Amokläufer para designar, em inglês e alemão, respectivamente, o comportamento do indivíduo que corre matando, de forma indiscriminada, todos que encontra. Contudo, a aceitação do termo por outras culturas não significa necessariamente que o fenômeno do Amok se repita, numa espécie de relação de causa e efeito universal, da mesma maneira, nos Estados Unidos, na Alemanha e na Malásia. Por outro lado, observa-se também a presença da matança generalizada em tais países em várias situações, fato este que impele a análise desta barbárie, considerando-se os fatores objetivos e subjetivos que poderiam fornecer indícios explicativos de sua causa e de seus motivos. Diariamente, as notícias sobre assassinatos em massa travam uma guerra particular para poder lubrificar as trilhas gastas de nosso raciocínio e, assim, nos sensibilizar, pois não medem esforços diante do objetivo de capturar nossa atenção. Contudo, os horrores cotidianos se inovam com tamanha velocidade que se torna difícil decidir quais são os que mais espetacularmente se destacam, embora haja um tipo de matança que consegue nos arrebatar de imediato: o assassinato de professores e alunos nas escolas e universidades.

Há vários casos já registrados de matanças generalizadas em ambientes escolares, dentre os quais sempre são lembrados os ataques na escola secundária de Columbine, em Litteton (Estados Unidos), quando em 20 de abril de 1999, os alunos Eric Harris e Dylan Klebold mataram 12 estudantes e um professor e, em seguida, se suicidaram. Já no dia 26 de abril de 2002, na escola secundária de Erfurt, Alemanha, o estudante Robert Steinhäuser fuzilou 13 professores e, mais recentemente, no dia 16 de abril de 2007, o estudante universitário Cho Seung-hui assassinou 32 pessoas, entre alunos e professores, no Instituto Politécnico da Virgínia (Virgínia Tech, Estados Unidos), e em seguida se suicidou.

Tais assassinatos são mais espetaculares, pois são cometidos em ambientes que, a princípio, estariam, ou deveriam estar, apartados da violência que se alastra em outras esferas da sociedade. Afinal, trata-se de escolas, ou seja, locais onde deveria prevalecer um ambiente de discussão e de resistência às práticas de violência, nas suas mais diversas expressões. Todavia, o olhar ingênuo se desfaz na mesma proporção em que os olhos se arregalam diante da constatação de que as escolas não são locais isentos de violência. Freud já havia criticado, no Mal-estar na civilização, a ausência de diálogo entre os professores e alunos sobre a agressividade da qual os alunos se tornariam objetos. A própria exigência que os educadores fazem para que os educandos primem pelo comportamento ético passa a ser descabida, caso se ignore, na visão do criador da psicanálise, a discussão sobre as benesses amealhadas por aqueles que não se portam dessa forma. Para poder ter a chance do controle minimamente possível da agressividade, é necessário espicaçar a existência de debates sobre a presença e o prazer de se exercer a violência inclusive na sala de aula. Segundo Freud, ao invés dos agentes educacionais incentivarem esta postura, eles encaminhavam "os jovens para a vida com essa falsa orientação psicológica (a de ignorar a agressividade - A.Z.)". E assim, ao se esquivar da reflexão sobre violência notória existente em todo processo de promoção da disciplina, a educação se comportava "como se devesse equipar pessoas que partem para uma expedição polar com trajes de verão e mapas dos lagos italianos" (1997, p. 97).

Na verdade, a ironia de Freud nos suscita a seguinte autocrítica: nós, educadores, evitamos a todo custo refletir sobre nossos impulsos autoritários, como se pudéssemos viver alheios a uma sociedade cujo discurso libertário se objetiva em práticas não-democráticas. Quando tal contradição se refere ao caso do professor, os alunos rapidamente percebem que a imagem idealizada do mestre não corresponde à realidade, pois o professor que se apresenta como democrático muitas vezes revela ser impaciente e autoritário nas relações estabelecidas com o alunado. Na análise psicossocial desta contradição, há que se reconhecer a atuação de um componente arcaico na formação de representações aversivas dos alunos em relação aos professores, sendo que tal componente foi observado por Adorno, no texto Tabus a respeito do professor. A associação da imagem do professor com a do carrasco que pune acompanhou, historicamente, a profissão de ensinar de uma forma tão contundente que ainda pode ser observada mesmo após a abolição dos castigos físicos. Dessa forma, Adorno (2000, p. 157) compreende o conceito de tabu

(...) como a sedimentação coletiva de representações que, de maneira similar às de caráter econômico que mencionei, perderam sua base em grande medida, mas que, como preconceitos sociais e psicológicos, persistem teimosamente e, por sua vez, tornam-se forças atuantes na realidade, tornam-se forças reais.

Se há este componente arcaico aversivo em relação à imago do professor, é importante, por outro lado, investigar as condições histórico-sociais nas quais tal aversão se materializa atualmente. Na verdade, a promessa rompida da universalização da cidadania por meio do processo educacional/formativo, atributo notório de uma sociedade tal como a nossa, cujo progresso das forças produtivas produz e acirra cada vez mais a reprodução da miserabilidade humana, encontra-se imanentemente presente nas atitudes contraditórias do professor acima descritas. Os alunos não tardam a notar tal contradição e dissimulam concordar com o professor, representando o jogo de cena anteriormente descrito, na mesma medida em que aumenta a distância entre o discurso do mestre e sua prática educacional. Contudo, o jogo de cena tem exibido seus sinais de cansaço, principalmente na sociedade hodierna, cuja indústria cultural arrefece cada vez mais o poder da esfera do simbólico. O gigantesco bombardeamento dos ferrões audiovisuais de seus produtos compele os consumidores a reclamar pela intensificação dos estímulos, provocando uma espécie de vício que clama por doses cada vez maiores. Os filmes sobre seqüestro, por exemplo, já não satisfazem as demandas de nosso prazer sádico, pois precisamos assistir a tal drama ao vivo e em tempo real, por meio do acesso a todas as mídias.

A capacidade de representação, tão essencial para a construção da identidade que reflete sobre seu presente, ao tencionar os elementos de suas relações que já ocorreram com o outro com as que ainda estão por vir, se enfraquece e transfere, por assim dizer, sua energia constitutiva para a alimentação das fantasias de grandeza primevas e para o sentimento de onipotência. É neste contexto histórico que acontece uma transformação decisiva quanto ao adiamento da vingança do aluno em relação às humilhações às quais fora submetido no transcorrer do processo educacional/formativo, fato este que, a meu ver inaugura uma nova forma do aluno de expressar o ressentimento reprimido durante o cotidiano deste processo, a saber: o assassinato espetacular de agentes educacionais transmitido, globalmente e em tempo real, pelos atuais meios de comunicação de massa. Se o aluno ressentido é incapaz de esquecer as dores decorrentes de seus infortúnios, ao projetar a vingança para um tempo que nunca parece chegar, não se pode desconsiderar o fato de que este mesmo ressentimento, gradativamente, se conserva modificado no ódio dirigido à figura do mestre e, principalmente, a uma sociedade que nega cotidianamente o cumprimento da promessa de substituição da necessidade pela liberdade, filosófica e sociologicamente falando. A descrença em relação ao poder do processo educacional/formativo, e seu principal representante, o professor, como condição basilar não só da inserção social, como também da ascensão na hierarquia social, engendra efeitos avassaladores na psique dos alunos, que dificilmente se sentem impelidos a amainar suas fantasias de grandeza mediante o confronto destas com as necessidades de autodisciplina afeitas a todo processo educacional/formativo. É como se o Fin de partie, de Beckett (2002), fosse descolado para a esfera pedagógica, pois o fim do jogo pedagógico estabelecido entre professores e alunos significa também infligir um golpe certeiro na esfera do simbólico e na vendeta projetada no futuro. O tempo de hegemonia da indústria cultural e, portanto, da dessublimação repressiva e do prazer do pensamento estereotipado é também o tempo da vingança aqui e agora.

No caso de Robert Steinhäuser, que assassinou treze professores em 2002, na escola secundária de Erfurt, o psicólogo social Götz Eisenberg (2002), ao analisar o fenômeno do Amok nas escolas, assevera, num livro de sugestivo título: A violência que se origina da frieza, que a expulsão de Steinhäuser da escola foi um acontecimento determinante para o enfraquecimento e, até mesmo, a perda de sua capacidade de sublimação. Assim, ele se desestimulou a confrontar a realização de seus desejos imediatos com as injunções, muitas vezes necessárias, colocadas no e pelo processo de construção da disciplina escolar. Com este arrefecimento da capacidade de sublimação, suas fantasias de grandeza delirantes foram deslocadas da esfera do virtual para a concretização real e efetiva.

A fúria narcísica deste aluno se exprime da seguinte forma: "Se você não pode se tornar conhecido e famoso na e com a sociedade, então se volte contra ela" (Eisenberg, 2002, p. 44). Mas esta sentença não se restringe ao caso particular deste aluno, pois é expressão do espírito de um tempo, de uma cultura que se baliza nas transformações decorrentes da chamada revolução microeletrônica, proporcionada pelo modo de produção capitalista contemporâneo. Seguindo a linha argumentativa proposta por Christoph Türcke (2002, p. 9),

Tão certo se deve ter um conceito de capitalismo para se conceituar suas mudanças, tampouco sua estetização espetacular é apenas uma nova roupagem que se precisa tirar para "desmascará-lo" como um velho conhecido. Ela aderiu a ele, é a sua pele, e não seu envoltório - e urge, até mesmo os conceitos, os quais são conhecidos, pegá-lo de forma mais precisa, de redefini-lo. Fetichismo não é mais aquilo que fora quando insiste na fixação do sensório humano no espetacular

De acordo com essa linha de raciocínio, a revitalização do conceito de fetiche deve ser feita num contexto onde a necessidade da mercadoria se espetacularizar adquire a conotação de um dilema ontológico, pois, na atualidade, não ser percebido é como não existir fisicamente, sendo este um imperativo categórico aplicável também a países inteiros. Caso as tragédias de determinadas regiões do planeta não sejam mais transmitidas via satélite e em tempo real, seria como se deixassem de existir, sobretudo quando outras mais chocantes conseguem vencer a luta pela conquista de nossa atenção. A nova ontologia social pode ser assim sintetizada: ser é ser percebido, o que impele os indivíduos a satisfazer as exigências de uma espécie de pressão/compulsão para emitir (Sendezwang). De acordo com Türcke (2002, p. 64),

E tal como a força de integração do mercado nunca foi apenas uma força econômica ou nunca apenas determinou a possibilidade de se ter ou não emprego, mas sempre determinou o ser aceito ou rejeitado e, portanto, ser ou não ser, essa pressão ontológica, sob as condições gerais da pressão para emitir, se transforma numa forma estética, ao mesmo tempo em que o estético recebe, como nunca ocorreu anteriormente, um peso ontológico. E isso também se conecta ao ser é ser percebido. Assim se expressa a ontologia paradoxal dos tempos microeletrônicos: uma existência sem a presença eletrônica é um aqui e agora sem um , ou seja, trata-se de uma não existência viva.

Quando o peso desta nova ontologia estética se aplica ao caso de tais alunos que cometem o Amok, em suas respectivas instituições escolares, percebe-se o modo como o sentimento de onipotência e as fantasias de grandeza são legitimados socialmente por tal pressão/compulsão de emitir, de tal maneira que a fúria narcísica encontra outros canais de fruição e expressão, sendo estes, nesses casos, fatais. Se for verdade que, no caso do aluno ressentido, a "repetição da queixa é veículo de gozo, como toda repetição, mas trabalha também em defesa da integridade narcísica do eu" (Kehl, 2004, p. 35), o que dizer de uma sociedade que reconhece como seus aqueles que são incitados, narcisicamente, a se metamorfosear numa espécie de propaganda de si mesmo, num estímulo audiovisual? Não seria o Amok uma das possíveis saídas que o aluno, cujas idiossincrasias são desconsideradas a ponto de ser rotulado cruelmente como loser, como perdedor, pelos colegas e professores, poderia encontrar ao tornar visível, em escala mundial, a sua invisibilidade cotidiana?

É claro que nem todo aluno ressentido se sentirá legitimado a realizar este tipo de catarse regressiva a ponto de matar seus colegas de escola e seus professores, além do fato de ser necessário investigar as características pessoais de tais praticantes do Amok nas escolas e universidades, as quais incluem as relações estabelecidas com suas figuras parentais. Mas essa obviedade não deve servir como racionalização para nos defendermos da pressão social que nos compele a emitir nossas imagens, as quais se tornam verdadeiras fantasmagorias daquilo que realmente somos. Nesse sentido, é tão sintomática quanto pioneira a atitude do estudante universitário Cho Seung-hui, que gravou seu depoimento em arquivos de vídeo e os enviou para a rede de comunicações National Broadcasting Company (nbc), com a intenção de divulgá-lo não só nos eua como também em todo o mundo, haja vista o sugestivo título do material enviado: Multimedia manifesto sent to nbc. Foi desta maneira que suas histórias, antes restritas aos professores e alunos do curso de língua inglesa na universidade de Virgínia Tech, reverberaram, midiaticamente, para o restante do planeta, entre as quais se distingue a de Mr. Browstone, na qual um professor de matemática sádico humilha seus alunos a ponto de um deles dizer que "gostaria de matá-lo, de vê-lo sangrar" (Dávila, 2007, p. 10).

Esta arquitetura da destruição tem o ressentimento como seu alicerce irredutível, porém dinâmico, pois é ele que abastece o ódio e, portanto, a fúria narcísica que, em determinadas situações, não mais se aplaca por meio da imitação dos maneirismos dos professores ou do muro pichado, cujos dizeres achincalham os educadores. No caso de Cho Seung-hui, tal fúria pode ser muito bem observada por meio de seu depoimento gravado:

Havia centenas de bilhões de maneiras de opções e maneiras de evitar o que aconteceu hoje (...). Mas vocês decidiram derramar meu sangue (grifo do autor), vocês me encurralaram e me deixaram apenas uma opção. Agora têm as suas mãos manchadas de sangue para o resto de suas vidas. (Folha Online, 2007)

O furioso narcisismo, que pode ser notado em tais palavras, e que outrora fora mitigado por meio da catarse presente nos parágrafos raivosos de contos como Mr. Browstone, é inflacionado, numa escala de progressão geométrica, pela compulsão de emitir imageticamente suas queixas em relação aos professores e aos colegas "bem adaptados" ao capital cultural da vida universitária - num dos depoimentos Cho Seung-hui afirma odiar os garotos ricos, festeiros e charlatões da universidade.

É importante destacar que Eric Harris e Dylan Klebold, os alunos que mataram 12 estudantes e um professor em 1999 e, em seguida, se suicidaram, tiveram como um dos principais alvos justamente os estudantes atletas que representavam a escola secundária de Columbine nas competições esportivas. Não por acaso Cho Seung-hui os identifica, em um de seus depoimentos gravados, como os mártires de Columbine. Em tempos de internet e comunicação imediata, os indivíduos cuja fúria narcísica é exposta não só em seu pequeno círculo de convivência, mas para todo o planeta em tempo real, dificilmente resistem ao sortilégio da pressão externa (ser é ser percebido) e da compulsão interna de emitir, para todos, seu furioso descontentamento, ultrapassando, assim, os obstáculos internos de sua covardia moral. Haveria uma situação mais "adequada" para a sensação de realização de suas fantasias de grandeza e de seu desejo de onipotência que não fosse a de produzir o remorso, ou, ao menos, o mal-estar, em escala global? A forma como este estudante sul-coreano se suicidou é emblemática, a saber: desferiu um tiro no próprio rosto, de tal maneira que o rosto desfigurado simboliza um dos principais sofrimentos da atualidade, que não é exclusividade sua, ou seja, o pavor da perda da identidade, "recuperada" um pouco antes por meio da exposição globalizada de sua face e de suas declarações ressentidas. O manifesto multimídia, elaborado por Cho Seung-hui, tinha que, obrigatoriamente, se sobressair diante das "centenas de bilhões" de reclamações semelhantes registradas cotidianamente nos diários, contos e blogs de alunos. Ele precisava, necessariamente, se espetacularizar mais do que os outros. E conseguiu. Foi, até o momento, o maior Amok já realizado nas escolas e universidades. As 32 mortes e duas dezenas de feridos contabilizados chocaram o mundo e aduzem a seguinte questão: Qual será o próximo recorde a ser registrado no Guinness Book?1 1 . No dia 7 de novembro de 2007, o jovem Pekka-Eric Auvinen, de 18 anos, matou oito pessoas num colégio finlandês e, em seguida, se suicidou, não sem antes gravar seus protestos, que foram transmitidos globalmente, no vídeo intitulado Massacre de Jokela High School. Disponível em: < http://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2007/11/08/ult34u192640.jhtm>.

À guisa de conclusão

É irônica a forma como a vingança imaginária do aluno ressentido, que comete o Amok nas instituições educacionais, se concretiza na sociedade da tão recente revolução microeletrônica. Se antes imperava o silêncio do ressentido que, impossibilitado de se vingar diretamente, em decorrência de uma possível retaliação, usufruía o prazer da vingança eternamente adiada, a qual "lhe permitiria gozar do sofrimento daquele que o ofendeu sem ter que se confrontar com sua própria crueldade" (Kehl, 2004, p. 92), hoje é a concretização cruel da vingança, cujas imagens são globalmente difundidas pelo aparato tecnológico da indústria cultural contemporânea, que permite ecoar a fúria narcísica na forma da fantasia de grandeza de que todos se sentirão culpados pela tragédia. O rompimento espetacular do silêncio porta consigo esta possibilidade de exercício da fúria narcísica, ao mesmo tempo em que remete o raciocínio para o estudo das contradições referentes à esfera do educativo. Se se revela ilusória a crença de que todas as pessoas sentirão remorso por causa da exposição imagética de uma tragédia de tal magnitude, por outro lado, é esta mesma exposição que permite tencionar os limites da própria indústria cultural hodierna, por meio do incremento das discussões que podem ser feitas via internet, por exemplo.

As próprias instituições escolares devem se transformar num local que promova o debate sobre a sociedade entre os agentes educacionais, cujo discurso vigente da universalização da cidadania é negado cotidianamente pela reprodução da miserabilidade material e espiritual. Debates deste quilate poderiam impulsionar a atitude pedagógica que prima pelo esforço de não reprimir a angústia e o medo, ao invés de se aferrar, em muitas ocasiões - mas não todas - à defesa de um discurso libertário que, porém, se objetiva em práticas autoritárias nas salas de aula. Se os agentes educacionais pudessem estimular, com maior freqüência, a criação de um espaço para a discussão da ambigüidade do ato de ensinar, que se revela, nas palavras de Steiner, um intricado híbrido de amor e ameaça, de imitação e autonomia, possivelmente o efeito destruidor do medo e da angústia tenderia a desaparecer. Todo documento de cultura é um documento de barbárie (Benjamin, 1985), mas se a cultura não se tornar pública, ela perece abraçada aos seus elementos emancipatórios. Sapere aude!, conclamou Kant em 1783, ou seja, Ouse saber!, Atreva-se a saber!, no texto de título paradigmático: Resposta à pergunta: Que é esclarecimento? (2005, p. 63).

Essa provocação de Kant adquire ares de dramaticidade nos dias de hoje. Diante de tal exposição da barbárie, novamente pergunta-se às palavras de Freud se há algo que se possa fazer. Mas é difícil encontrar alento numa ponderação como esta: "Que poderoso obstáculo à civilização a agressividade deve ser, se a defesa contra ela pode causar tanta infelicidade quanto a própria agressividade" (Freud, 1997, p. 109). Ora, o enfrentamento de tal contradição não poderia auxiliar o fortalecimento da autocrítica que identifica a agressão internalizada - na forma do ressentimento e do impulso narcisicamente autoritário - em atos aparentemente desprovidos de violência nas relações entre professores e alunos? E mais: ao se proceder dessa maneira, não seria então possível criticar também a falsidade da promessa de realização total do prazer contida no discurso libertário da indústria cultural contemporânea, o qual se revela, na verdade, como intrinsecamente autoritário e que serve, no caso do Amok cometido em Virginia Tech, como veículo de expressão global desse ressentimento reprimido no cotidiano da vida universitária? Se as repostas a estas questões forem afirmativas, então se compreende, neste caso, o modo como a atual indústria cultural promove a exposição incrivelmente violenta de tais relações ressentidas na forma de um estímulo audiovisual chocante e em escala global.

Ora, o reconhecimento de tais agentes educacionais das condições sociais da orfandade que ambos experimentam, e que os apartam cada vez mais, poderia ser um primeiro passo na busca por uma aproximação mais humana, por mais dolorosa e difícil que esta seja. O ressentimento silencioso, em relação ao professor e àqueles alunos que são exaltados pelos mestres porque introjetam e reproduzem os maneirismos que os identificam como ótimos aprendizes, ou seja, os chamados vencedores, poderia se tornar público de forma não tão violenta, justamente porque a discussão da presença de tal violência nas práticas escolares não seria varrida por debaixo do tapete do jogo de cena entre professores e alunos, cujos alicerces são os rótulos e estereótipos estabelecidos e, muitas vezes, dolorosamente experimentados por ambos. Por enquanto, a urgência da realização de tais debates contrasta com o trabalho cotidiano dos Sísifos que empurram as pedras de mármore montanha acima, na esperança de que os deuses reconheçam tal esforço. Só que, atualmente, cada esperança frustrada parece retroalimentar o desejo de que tais deuses necessariamente desçam de seus pedestais, nem que seja por meio da dor provocada pelas pedras que lhes são atiradas e que atingem também os próprios companheiros.

Nota

Recebido em dezembro de 2007 e aprovado em fevereiro de 2008.

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    Massacre de Jokela High School. Disponível em: <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2008
    • Recebido
      Dez 2007
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