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Expansão do ensino superior: o que isso nos ensina sobre o vínculo entre as relações sociais e as políticas de educação

Expansion of higher education: what it reveals about the link between social relations and education policies

Expansion de l'enseignement supérieur: ce qu'il nous enseigne sur le lien entre les relations sociales et politiques éducatives

O artigo reflete sobre os termos em que devemos colocar a análise da conexão entre as relações sociais estabelecidas e as políticas públicas de educação. O ponto de partida e referência empírica é o processo de expansão do ensino superior no século XX, com foco em três países: Estados Unidos, Alemanha e França. Começamos por examinar como e por quê a expansão desse nível de ensino superior tem diferentes motivações e desenhos em diferentes países e situações históricas. Em especial, procura-se mostrar como a forma adquirida pelas relações sociais e o desenho do estado modelam as opções dos formuladores de políticas, tanto quanto as demandas de seus beneficiários. Desse modo, o leitor pode confrontar os diferentes modos de inclusão e de exclusão que estes países adotam. Em especial, a comparação entre o caso norte-americano e a Europa ocidental permite ver como o modelo de sociedade interfere no desenho das políticas educativas, um tema que aqui apenas se sugere, uma vez que demanda investigação mais demorada.

Educação superior; Estados Unidos; Alemanha; França; Política educacional


The article theoretical issue is the connection between the social relationships and educational policies. The starting point and empirical reference is the process of expansion of higher education in the twentieth century, with a focus on three countries: United States, Germany and France. We start by examining how and why the expansion of higher education has different motivations and designs in different countries and historical situations. In particular, we try to show how the social relationships and the state structures circumscribe the options of policymakers, as well as the demands of their beneficiaries. So, we can compare the different modes of inclusion and exclusion that these countries adopt. In particular, the comparison between U.S.A. and Western Europe lets us see how the model of society interferes in the design of educational policies, an issue that we only suggest, since it demands further research.

Higher education; United States; Germany; France; Educational policy


RÉSUMÉ

L'article porte sur les conditions dans lesquelles nous devons analyser le rapport entre les relations sociales et les politiques publiques pour l'éducation. Le point de départ et de référence empirique est le processus d'expansion de l'enseignement supérieur au XXe siècle, en mettant l'accent sur trois pays: Etats-Unis, Allemagne et France. Nous commençons par examiner, a travers ce processus, les différentes motivations et modèles dans différents pays et situations historiques. En particulier, nous procurons démontrer comment la forme acquise par les relations sociales et de la conception de l'état modèle les choix des responsables des politiques, ainsi que les exigences de leurs bénéficiaires. En particulier, la comparaison entre les Etats-Unis et l'Europe occidentale nous permet de voir, dans la conception des politiques éducatives, l'influence du projet de la nation et de la société bâtis dans différentes formations historiques.

Mots-clés
Education supérieur; États-Unis; Allemagne; France; Politique d'éducation

Expansão do ensino superior - diferentes motivações e diferentes desenhos

Nos últimos 200 anos, desenvolveram-se complexos e integrados sistemas nacionais de educação. Inicialmente, com a progressiva universalização do ensino fundamental, nos países desenvolvidos, mas houve, também, um significativo avanço naquilo que outrora se chamou de Terceiro Mundo. Depois, tivemos a expansão do ensino médio e do ensino profissional - empurrados por movimentos reivindicatórios do "lado de baixo" dessas sociedades, mas, também, pelos requisitos de qualificação da ordem capitalista. No final do século XX, a onda progressiva chegou ao ensino superior, antes cidadela de uma aristocracia de nascimento. Mesmo neste nível, mais nobre e ambicioso, alguns países atingiram a marca da massificação estabelecida por Martin Trow (taxa de cobertura entre 16 e 50% do grupo etário). Essas ondas expansivas podem ser vistas de diferentes ângulos. Aqui, o que nos interessa é menos o movimento e, mais, esclarecer quais os diferentes ângulos de visão, isto é, os diferentes modos de enquadrar o movimento.

Do ponto de vista factual, tendo a fixar minha atenção no ensino superior, ao qual tenho dedicado pesquisas mais recentes, fundamentalmente histórico-empíricas. Focalizo, sobretudo, os sistemas de educação superior de quatro países: Estados Unidos, Alemanha, França e Brasil. Mas este texto busca também acentuar o enquadramento das perguntas, a reflexão sobre os condicionantes do problema. Comecemos por aí.

Quando olhamos para o mencionado processo expansivo e assumimos o ponto de vista dos analistas, as questões que surgem são as seguintes:

Por quais razões se expandiu desse modo a oferta de ensino superior? Quais os fatores que empurraram nessa direção?

Como se deu tal expansão? Quais foram os diferentes desenhos dos sistemas? Como se combinaram diversificação institucional, estratificação e hierarquização?

Quais os fatores que determinaram essas diferentes formas de expansão?

Mudemos, porém, de lugar e coloquemo-nos no ponto de vista dos formuladores de políticas. Também esse lugar mudou. Até pouco tempo atrás, a questão primária costumava ser esta: quanta educação superior temos condições de prover (financiar)? Mas ela passou a ser sobre determinada por outras duas perguntas, que correspondem a dois pontos de vista, duas abordagens:

Quanta educação superior precisamos prover? Quantos indivíduos precisamos incluir nesse ensino, por necessidade do sistema produtivo, da demanda de força de trabalho?

Com quantos excluído da educação superior conseguimos conviver? Quantos precisamos incluir, por necessidade do sistema político e da demanda social?

Nas frases acima, as passagens sublinhadas identificam as alternativas de abordagem. São, nitidamente, dois enquadramentos diferentes e correspondem a dois movimentos histórico-sociais distintos, duas forças vetoriais distintas.

Para compreender o movimento desses vetores e, mais ainda, compreender como eles se combinam para produzir não apenas a expansão, mas, também, a diversificação e segmentação do sistema, parece-nos fundamental considerar o encadeamento entre o ensino superior e os degraus anteriores dos sistemas, sobretudo a escola secundária. Mas, uma vez considerado esse enquadramento, ele amplia as questões, como se elas já não fossem muitas. Assim, somos forçados a considerar perguntas como estas: que lugar ocupa a educação (e a superior em especial) na ordem social em que se insere? Que papel desempenham as credenciais por ela gerados (diplomas) na estruturação dessa ordem? Se conseguirmos explicar essas conexões, seria mais fácil responder a estas outras: Como e por que uma sociedade amplia o acesso à educação superior? Como seleciona aqueles que vai incluir nesse ensino?

É possível - e mesmo provável - que o leitor experimente neste ponto uma certa vertigem com a multiplicação das perguntas. Ainda assim, perguntar e qualificar é parte essencial da resolução dos problemas. Comecemos, então, a equacionar algumas dessas perguntas, isto é, a colocá-las dentro de contextos que deem significados a seus termos.

Desde logo podemos perceber que a ampliação do acesso e a forma de admissão dependem nitidamente do modo como a educação está inserida no conjunto das relações sociais - nas relações entre classes e segmentos, nas relações de poder e prestígio, assim como nas estruturas ocupacionais e na distribuição da renda e da riqueza. Vejamos alguns desses nós da questão:

Do ponto de vista do indivíduo, a relevância de ter ou não um certificado de educação superior está em parte relacionada ao modo como, na sociedade em que vive, essa condição se relaciona à estrutura ocupacional. E ao modo como esta hierarquia das ocupações se relaciona com os diferenciais de salários e a distribuição de rendas, em geral. Posicionar-se na "escala superior" das ocupações depende de um diploma? Isso implica um salto significativo na renda? Há países em que a estrutura ocupacional é marcada por discrepâncias muito grandes e os diferenciais de salários são igualmente relevantes. Em outros, as desigualdades de renda e leques salariais são menos significativas. Isto faz enorme diferença.

Essa relevância dos diplomas (e a demanda dela resultante) depende também de quanto a qualidade da vida (o acesso a condições confortáveis e seguras de vida) está relacionada à renda (salarial ou não) ou à oferta de serviços públicos (acesso e cobertura). Há países em que a qualidade de vida depende mais da renda obtida no mercado - é o caso dos Estados Unidos, por exemplo. Em outros países, serviços sociais fundamentais beneficiam os cidadãos de modo mais horizontal - educação e saúde pública, transporte, moradia, seguridade social, cultura, etc. Nesse caso, a renda (e o salário, especificamente) tem menor impacto no nível de vida.

A ampliação do acesso depende ainda, do quanto a educação superior é essencial a certas estruturas de prestígio, reconhecimento e estilo de vida. Ou a certas estruturas do poder, como o acesso a cargos de poder, representação etc.

Se em determinada sociedade a educação e seus diplomas são essenciais para definir qualidade de vida, prestigio e poder, então a reivindicação ao acesso tem um sentido muito amplo. Ela é forte. Como a aquisição do diploma se traduz em mobilidade social e equalização das condições de vida, ou é pré-condição para isso, o acesso torna-se demanda gritante. Se as diferenças sociais são menos marcadas, esse acesso pode ser menos crucial - e a demanda tende a ser menos exacerbada.

A situação mencionada no parágrafo acima aparece, indiretamente, neste comentário de Martin Trow:

[...] o "excesso de produção" de formados em nível superior está causando inquietação entre os conservadores, que estão a ver mais claramente que a massificação do ensino superior é um solvente corrosivo de relações sociais tradicionais, status, hierarquias e acesso privilegiado às carreiras de elite. (TROW, 2010, p.111)

E assim também se ajuda a explicar o elemento que muitas vezes vem junto com a política de acesso, isto é, a política de diferenciação e hierarquização: "Mas a criação de diferentes segmentos do ensino superior, refletindo as hierarquias de status na sociedade, é uma forma mais eficaz de utilizar o ensino superior para reforçar, ao invés de minar a estrutura de classe". (TROW, 2010TROW, M. Problems in the Transition from Elite to Mass Higher Education. In: TROW, M.Twentieth Century Higher Education - Elite to Mass to Universal. (ed. by Michael Burrage), Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2010., p.111-112)

A "velha Europa" e a First New Nation - os dois caminhos para a inclusão... e para a seletividade

Em 1959, em famoso estudo sobre a escolar secundária americana (high school), James Conant lembrou que em cada três americanos um deles ingressava no ensino superior, uma taxa bem mais alta do que era a alcançada pelos europeus. Mas Conant havia estudado na Alemanha, depois fora representante diplomático naquele país, sabia inserir os números em seu contexto. Evitava paralelos simplificados demais. Por isso ressalvava:

Mas a grande maioria dos americanos não é estudante universitário no sentido europeu do termo - ou seja, estudantes que se preparam para uma profissão. Na verdade, a percentagem de jovens que se preparam para serem médicos, advogados, engenheiros, cientistas, estudiosos e professores de disciplinas acadêmicas é quase a mesma neste país como na Europa - uma porcentagem surpreendentemente pequena, aliás - algo como 6% de um grupo etário. (CONANT, 1959, p. 3)

Em suma, nos dois lados do Atlântico, o lado de cima da sociedade encontrava modos diferentes de defender seus nichos de prestígio e poder - não necessariamente no acesso, mas, também no sucesso e conteúdo dos cursos e alcance dos diplomas.

Em especial, a narrativa de Conant procurava mostrar algo que aproximava a educação americana da europeia: o resultado final quanto à seletividade. Repisemos o confronto dos dois tipos de sociedade, dois tipos de formação histórica, mais do que dois tipos de sistema escolar. De um lado, alegadamente, teríamos as sociedades europeias, marcadas pelas suas tradições estamentais e sedimentações de poder e prestígio, sociedades herdeiras do aristocratismo feudal. De outro, a suposta "sociedade sem classes" da América, aberta à mobilidade social. Por meios diferentes, porém, esses diferentes tipos de sociedade produziriam, no funil educacional, um efeito parecido. Conant, é verdade, acreditava que um aspecto favorecia o julgamento em favor dos americanos. A seu ver, o sistema europeu classificaria estudantes de modo demasiado precoce - distribuindo-os em segmentos, acadêmicos ou vocacionais. Isto ocorreria desde a escola elementar e média - e como direta decorrência das heranças familiares. Desse modo, diz ele, o sistema desperdiçava talentos, porque a seleção refletia critérios não meritocráticos, mas estamentais.

A escola média "compreensiva", uma invenção tipicamente americana, dizia Conant, não incorria nesse vício. Garimpava melhor, digamos. No prefácio de seu estudo, John Gardner, presidente da Carnegie Corporation de New York, patrocinadora da obra, procurava explicar esse traço peculiar dos americanos:

A escola média compreensiva é um fenômeno dos Estados Unidos. Chama-se compreensiva porque oferece, sob uma única administração e sob o mesmo teto, ensino secundário para quase todos os jovens de uma cidade ou bairro. Ela é responsável por educar o garoto que será um cientista atômico e a garota que quer casar aos dezoito anos; o futuro capitão de um navio e o futuro capitão de indústria. É responsável por educar os brilhantes e as crianças não tão brilhantes, com diferentes ambições vocacionais e profissionais e com diversas motivações. É responsável, em suma, pela prestação de boa e adequada educação, acadêmica e profissional, para todos os jovens dentro de um ambiente e princípios democráticos que o povo americano preza. (GARDNER, apud CONNAN, 1959, pp. IX-X)

Conant parece ter achado bastante adequado o comentário de Gardner, a ponto de reproduzi-lo mais tarde, em um segundo estudo sobre a escola média - The Comprehensive High School - a second report to interested citizens, de 1967.

O curioso - tanto no estudo de Conant como no comentário de Gardner - é como ambos parecem minimizar a forte e clara diferenciação da high school americana, algo que numerosos analistas apontavam e seguiriam apontando como decisiva para separar, entre os muitos que são chamados, aqueles poucos que são escolhidos. Isso é ainda mais estranho porque Conant não ignorava essa diferenciação. Pelo contrário, seu relatório apontava a desigualdade de recursos derivada da forma de financiamento (predominantemente local) e advogava pelo financiamento em nível de estado, mais equalizador. Mas essa percepção crítica, ao que tudo indica, não contamina aquele seu julgamento anterior.

Pode-se dizer que essa percepção algo distorcida do sofisticado estudioso preparava-o mal para compreender como os sistemas americanos de ensino superior - os diferentes modelos estaduais ou regionais - tinham essa cara dupla: democratizavam o acesso, mas imunizavam e preservavam as cidadelas superiores. E, como veremos adiante, esse traço é exponenciado no padrão que grande parte dos estados americanos tentou copiar - o modelo da Califórnia. As contradições desse modelo são exemplares para compreender o processo de massificação nos Estados Unidos, pioneiro no mundo. E para entender, também, os modos pelos quais esse processo ocorreu em outros países.

Sem entrar na discussão desses diferentes casos nacionais, podemos antecipar algumas hipóteses que parecem surgir no mar dos dados. Uma delas diz respeito ao confronto entre os sistemas políticos democráticos, que valorizam a igualdade política e a liberdade de escolha, e os critérios meritocráticos que parecem reger os sistemas educativos. Em algum momento, a pressão pela democratização do acesso ao ensino superior - ele próprio visto como porta de acesso à democratização de outros benefícios - choca-se com as possibilidades de inclusão do sistema. Em alguns países, a seleção é forte nos andares iniciais da escola. Porém, quando e onde esta seleção precoce se fragiliza parece restar uma solução preservadora da desigualdade, da hierarquia: a diferenciação no nível superior, em que se constrói a educação dos 5% dos "de cima" e a educação superior "para os filhos dos outros".

Desde logo, podemos identificar uma característica bastante comum aos países da Europa ocidental. A desigualdade de acesso à educação superior é traçada antes da porta de entrada para a educação superior - ela é produzida pelas "trilhas" alternativas da escola secundaria. E essa desigualdade está bastante ligada à hierarquia social, às estruturas de prestígio e poder no conjunto da sociedade.

A sociedade alemã é aquela em que o funil seletivo concentra suas forças nos andares iniciais. Aos 11 anos, a criança já tem praticamente definida a trilha que seguirá. A escola média, a seguir, já reflete essa divisão.

O caminho francês também tem sua peculiaridade. A escola média comum, o liceu, desemboca em diferentes qualificações para a continuidade de estudos - os diferentes tipos de "bac". E, a partir desse filtro, definem-se os acessos aos diferentes (e muito estratificados) formatos de ensino superior (grandes escolas, universidades, IUTs, STS e assim por diante). Como dizem dois analistas:

Para os franceses, parece um desperdício dar a todos uma preparação para a universidade, quando apenas alguns podem ir adiante. Para os americanos, parece injusto fechar a porta da faculdade para uma criança aos 11 anos de idade. É relevante comparar qual é o momento da decisão. Para os estudantes franceses, a pergunta "quanta educação?" é respondida aos 11 anos; para a maioria dos estudantes, a resposta acontece aos 17 ou 18 anos. (GARNIER; HOUT, 1976, p. 231)

Em contrapartida, como dissemos, a sociedade americana teve que adotar outro caminho, fixando outro momento para afunilar a seleção, uma vez que o ponto de partida é uma escola média "compreensiva". No caso americano, o ensino superior é desde logo fortemente diversificado e hierarquizado.

E o caso americano é particularmente interessante, pela sua aparente promessa de "igualdade". A escola média "compreensiva", que não discrimina, hierarquiza ou seleciona é algo difícil, raro. É volátil, como certos elementos químicos que sobrevivem apenas em condições especiais de laboratório. Mesmo quando instituída e solidamente instalada numa sociedade, como a americana, a escola média "compreensiva" logo é empurrada para uma diferenciação. Um dos resultados do processo histórico de acomodação é a emergência de um setor de escolas médias privadas de elite1 1 Um quadro espantoso desse universo aparece nos rankings promovidos por grandes revistas americanas. Ver, por exemplo: http://www.usnews.com/education/best-high-schools/national-rankings e também: http://www.thebestschools.org/blog/2013/03/27/50-public-high-schools-u-s/ . Um outro efeito (talvez complementar ao primeira) é uma diferenciação no interior mesmo do sistema público, com escolas de distritos ricos e escolas de distritos pobres2 2 Linda A. Renzulli and Vincent J. Roscigno - Charter School Policy, Implementation, and Diffusion Across the United States, Sociology of Education 2005 78: 344. DOI: 10.1177/003804070507800404 . Essa segmentação é mais fácil quando financiamento e gestão são assim descentralizados e as políticas de uniformização ou nivelamento são débeis e têm pouco eco social.

Mas, nos Estados Unidos, o lado mais forte da desigualdade de acesso se transfere para dentro do sistema de educação superior - pela estratificação das instituições e cursos, estratificação que se estabelece, sobretudo, a partir da renda, isto é, pelo modo como o gasto em educação é efetivamente distribuído. E esse gasto deve ser entendido em dois sentidos: pelo gasto público (financiamento desigual das escolas e cursos) e gasto privado (renda das famílias para pagar escolas desiguais).

O que dizer, então, da expansão do ensino superior com diversificação e segmentação? Como ele se deu nesses três países?

França - sistemas seletivos e ... de massa?

A frase France is diferent é um certo exagero, mas faz algum sentido. Ali, universidades, mesmo as mais prestigiosas, não são exatamente o lugar da elite - la crème de la crème - aloja-se em instituições especiais, as Grandes Escolas. As universidades, em regra, não têm admissão seletiva, mas, curiosamente, as instituições criadas para massificar o sistema são seletivas.

No hexágono gaulês, nas últimas décadas, houve um crescimento que podemos chamar de tradicional ou linear - com a criação de novas universidades ou de campus auxiliares de universidades já existentes (antennes universitaires). Esse é um dos lados da expansão.

Mas já em 1966, surgiam os Instituts universitaires de technologie (IUT) - um segmento que viria a se colocar entre as universidades e as chamadas Grandes Écoles, como um segmento seletivo, isto é, acessível apenas através de processos de competição por vagas. Mas é um sistema seletivo muito maior do que as Grandes Escolas e mais permeável a segmentos sociais menos elitizados. Os IUTs são, em geral, vinculados a uma universidade. É necessário lembrar que no cipoal francês de escolas, diplomas e certificados já existia, desde 1957, o DEST, o diploma de estudos técnicos concedidos por universidades. Os IUTs conferem um outro certificado, o Diplome Universitaire de Technology (DUT). Originalmente, seus programas de ensino deveriam durar perto de dois anos.

Um outro segmento é o das STS, Sections Techniques Supérieures, segmento também seletivo, mas com inclinação mais massiva e provedor de ensino superior de curta duração. As STS diferenciam-se dos IUTs - trata-se de um segmento também seletivo, mas, de certo modo, menos nobre e mais massivo. Esse segmento, originado em 1959, cresce significativamente depois de 1970.

As STS em geral recebem os estudantes com certificado de ensino médio menos "nobre", o chamado "bac profissional". É o segmento de ensino superior em que predominam os estudantes que terminam o ensino médio mais tarde, têm desempenho menos brilhante etc. As STS estão muito vinculadas ao ensino médio desde sua origem. Muitas dessas escolas (de fato, a maioria) nasceu dentro e a partir de liceus mais bem equipados em termos de laboratórios, bibliotecas, preparação de professores. Uma analista desse sistema chama a STS de "ensino superior para os filhos dos outros" (ORANGE, 2013ORANGE, S. L'autre enseignement supérieur - Les BTS et la gestion des aspirations scolaires. Paris: PUF, 2013.)

O quadro de seu crescimento é significativo, como mostram a Tabela 1 e o Tabela 2, traduzidos do estudo de Orange (p. 24)

Tabela 1:
Comparação da oferta de STS nos liceus públicos da França, entre os anos escolares 1980-1981 et 1994-1995
Tabela 2:
Peso dos diferentes segmentos do ensino superior (%) - França

A partir dos dados colhidos em censos do Ministério de Educação da França, elaboramos o Gráfico 1, comparando a evolução dos diferentes segmentos:

Gráfico 1:
Evolução de diferentes segmentos

Um outro modo de ver esse fenômeno (com dados da mesma fonte) é observar o resultado acumulado por essa evolução, a distribuição atual (Gráfico 2):

Gráfico 2
Acumulado da evolução dos diferentes segmentos

A nosso ver, e utilizando a expressão de Orange, talvez pudéssemos acrescentar ao "ensino superior dos outros" os segmentos acima nomeados como "escolas paramédicas e sociais" e as "escolas de administração, direito e contabilidade". Em geral, são escolas isoladas, não vinculadas a universidades ou institutos e provedoras de ensino vocacional, voltado para profissões 'médias' como enfermeiros, assistentes sociais, contabilistas, gerentes, etc.

ALEMANHA - estratificação rígida

Se há nítidas diferenças entre o 'modo europeu de educar' e o modo americano, talvez não haja modo mais radical de observá-las do que atentar para o caso alemão.

Como dissemos, os americanos, desde cedo, patrocinaram a oferta de escolas médias "compreensivas", idealmente acolhendo todos os cidadãos com as mesmas regras, estruturas e grades curriculares3 3 Escolas adequadas a uma "classless society", lembra velho artigo de Connan - Education For A Classless Society: The Jeffersonian Tradition, Charter Day Address delivered at the University of California on March 28, 1940, disponível em https://www.theatlantic.com/past/docs/issues/95sep/ets/edcla.htm] . Os alemães, ao contrário, separam e classificam as crianças já no final da escola elementar - para a maioria destinam um programa de aprendizagem vocacional. Assim, a escola secundária desdobra-se em três trilhas: hauptschule (trabalhadores manuais), a Realschule (trabalho administrativo de rotina, técnicos) e Gymansium (acadêmicos, cientistas e profissões superiores, como engenheiros, advogados, médicos, economistas). A escola alemã é uma espécie de realização da alegoria platônica da República, a divisão da espécie humana em três divisões - homens de ouro, de prata, de bronze (talvez incluamos os homens de ferro).

A proporção de graduados em nível superior (percentual do grupo etário) é a metade do que se registra nos EUA. E na expansão das últimas décadas também nesse nível se nota uma nítida estratificação.

O arranjo de expansão com transformação começou a ser gestado em 1968, com a emergência de instituições de ensino superior exteriores às universidades. As antigas escolas de engenharia (Ingenieurschulen) e as escolas vocacionais superiores (höhere Fachschulen), voltadas predominantemente para as carreiras de administração e trabalho social, foram transformadas em Fachhochschulen (Escolas superiores aplicadas), que começaram a funcionar em 1971. Elas eram inicialmente imaginadas para cursos mais curtos (três anos) do que as universidades, que têm cursos de graduação muito longos. E as Fachhochschulen seriam acessíveis a estudantes que vinham da área não propriamente acadêmica do ensino secundário.

Gradualmente, algumas dessas Fachhochschulen (FH) receberam um upgrade e se transformaram em instituições de ensino superior "compreensivas" e vocacionais (Berufsakadmien).

As FH são muito numerosas - representam metade das instituições de ensino superior; e são mais descentralizadas do que as universidades. Mas ainda concentram parte menor, ainda que crescente, do número de matrículas. As Fachhochschulen cobriam 20% do total de matriculas no nível superior em 1971. Mas quase 24% em 1993 e 27% em 2003. E o crescimento foi maior precisamente nos últimos 4 anos desse período (1999-2003). Ou seja, estavam acelerando. As diferentes velocidades de crescimento foram produzindo esse resultado acumulado. Em 2013, 31,5% dos estudantes estavam em Fachhochschulen, 64,5% em universidades.4 4 Dados disponíveis em: https://www.destatis.de/EN/FactsFigures/SocietyState/EducationResearchCulture/InstitutionsHigherEducation/Tables/TotalTypeInstitutionHigherEducationWinterTerm.html. Acesso em 29/8/2014.

Pode-se dizer, ainda, que, em certa medida, as FH constituem a 'segunda classe' do ensino superior alemão ou seu setor "não-elite". Isto se reflete, por exemplo, na carga de trabalho em sala de aula. Os professores de universidades lecionam, em média, 8 horas semanais, 30 semanas por ano. Os professores das FH lecionam 18 horas semanais, 34 semanas no ano. E em geral ganham cerca de 20% menos do que os professores das universidades. O número de estudantes por staff acadêmico (todos os tipos de docentes), nas universidades é de 10:1 - nas FH é de 25:1.

As FH, por outro lado, são muito mais diretamente ligadas com o mercado de trabalho. Mais de 80% de seus estudantes estão concentrados em quatro áreas ou carreiras: engenharia, administração, trabalho social e política social, administração pública. As FH têm muitos professores que são profissionais de campos extra-acadêmicos e que trabalham em tempo parcial na escola. Os estudantes das FH também são mais voltados para fora do mundo acadêmico e frequentemente participam de estágios profissionais durante o curso. Em geral, seis meses depois de concluírem a graduação, 70% deles já estão empregados. Esse número cai para uns 50% para estudantes das universidades.

E a desistência também é diferente: cerca de 25% nas universidades e 20% nas FH.

As FH - com cursos mais "focados" - configuram também uma resposta a outro traço distintivo do sistema alemão: a duração média elevada dos cursos de graduação, bem superior à americana. Alguns analistas comentam que, do ponto de vista da aprendizagem ou dos conteúdos aprendidos, uma graduação em universidade alemã deveria ser equiparada a um "máster" americano.

Outros analistas5 5 Ver Hubert Ertl, Higher Education in Germany: a Case of 'Uneven' Expansion?. Higher Education Quarterly, 0951-5224. v. 59, n. 3, jul. 2005, p. 205-229. comentam que a expansão do ensino superior na Alemanha é de qualquer modo limitada aos que se habilitam para isso - isto é, recebem o diploma de ensino médio adequado a este fim. Até hoje, isto gira em torno de 40% dos jovens, embora venha aumentando. A seleção precoce que acima mencionamos é um funil estruturante.

Estados Unidos e a generalização do Modelo Califórnia de massificação com estratificação

Desde o começo do século XX, a Califórnia adotou uma política consistente para sustentar um sistema público de ensino superior. E depois, nos anos 1960, consolidou tais políticas em um Plano Diretor (Master Plan) que, como lembra Douglass (2010DOUGLASS, J. A. From Chaos to Order and Back? A Revisionist Reflection on the California Master Plan for Higher Education and Thoughts About Its Future. Research & Occasional Paper Series: CSHE.7.10, May 2010. Disponível em: <http://cshe.berkeley.edu/>.
http://cshe.berkeley.edu...
) não inaugura o sistema, apenas o confirma e aprofunda. Esse sistema e seu Master Plan se transformaram em modelo e inspiração para outros estados. De certo modo, esse modelo expõe traços fundamentais do ensino superior americano em seu conjunto.

O que salta à vista - no caso da California e, em seguida, nos EUA em geral - é o extraordinário crescimento dos community colleges (CCs), as faculdades de curta duração. No momento em que se começa a formular o Master Plan, eles recebiam cerca de 100 mil estudantes - em 2009, esse número tinha saltado para 1,2 milhões, isto é, cresceu 12 vezes. A universidade-líder do sistema, a UC, multiplicou-se por 4. E a California State, a segunda do sistema e mais "massificada", cresceu 8 vezes. A rede de CCs tem duas vezes o número de estudantes das duas universidades estaduais juntas - e se levarmos em conta apenas a graduação, essa desproporção é certamente maior.

A Califórnia ostenta, em nível nacional, uma ótima taxa de cobertura do ensino superior - cerca de 33% dos jovens (18-29) são incluídos nesse nível de ensino. Um índice bem superior à média nacional (25%). E grande parte desse efeito é coberto pelo sistema público (ao contrário do que acontece na costa leste, em que o setor privado é predominante). Douglass mostra isso de outro modo no Gráfico 3.

Gráfico 3
Matrículas na educação superior, em estados selecionados, 1928-2000

Quando, porém, olhamos para a composição dessa massa (Gráfico 4), vemos que a maior parte é coberta pelo sistema de ensino superior de curta duração, os community colleges. Geiser e Atkinson mostram alguns traços essenciais da expansão do ensino superior na Califórnia6 6 GEISER, S.; RICHARD C. A. Beyond The Master Plan - The Case for Restructuring Baccalaureate Education in California. Research & Occasional Paper Series: CSHE. 16.10. November 2010. .

Gráfico 4
Crescimento da Educação Superior na Califórnia

Muito significativo é o fato de que a produção de formados em cursos de longa duração (bacharelado) é bem mais baixa, na Califórnia, do que nos outros estados.

Atkinson e Geiser mostram como, nesse quesito especificamente, a Califórnia perde para a costa leste (NY, MA, Pen etc). Com dados por eles reunidos montamos o Gráfico 5. Repare, em especial, nos estados selecionados também no gráfico de Douglass - Califórnia, Illinois, New York, Massachusetts, Pennsylvania, Texas. Em número de concluintes do bacharelado, a Califórnia só está à frente do Texas, que, aliás, também tem uma grande parte de seus estudantes matriculados em CCs.

Gráfico 5
Comparação entre sistemas estaduais de educação

Douglass mostra como essa tendência - alta taxa de cobertura, em geral, e predominância dos CCs - NÃO foi inaugurada pelo Master Plan. O plano foi apenas a consolidação de algo que já predominava no estado. Aliás, mostra Douglass, as projeções do plano eram ligeiramente diferentes. E foram amplamente desmentidas pela evolução real.

Aqueles que negociaram o Plano Diretor não previram o rápido crescimento na população da Califórnia, ou o desejo popular de alguma forma de ensino superior. O plano fazia uma projeção das matrículas ao longo de um período de quinze anos, 1960 a 1975. A matrícula real evoluiu a um ritmo muito mais rápido, alimentado pelo rápido crescimento da população do estado, com uma expansão espetacular dos community colleges. Grande parte desse crescimento das matrículas ocorreu não em alunos que iriam obter um "associate degree" e assim ter direito a uma transferência, mas em classes de aprendizagem profissional e de educação de adultos, incluindo os cursos de "Inglês como segunda língua".

O Master Plan projetava um relativo equilíbrio entre os matriculados em community colleges - com pelo menos metade desses alunos em programas que permitiriam transferência para a Universidade da Califórnia ou a Universidade Estadual da Califórnia - e aqueles matriculados em instituições públicas de quatro anos. Em 1975, cerca de 60% de todos os alunos de graduação da Califórnia estavam em community colleges; em 2006, esse número subiu para aproximadamente 70%.

Como observamos a seguir (Gráfico 6), esta mudança dramática no equilíbrio entre escolas de dois anos e de quatro anos, combinada com outros fatores, incluindo fatores demográficos e a queda do financiamento público, tem tido implicações importantes para a Califórnia. (DOUGLAS, 2010, p. 11)

Gráfico 6
Matrículas efetivas comparadas

O caso da Califórnia, como exemplo extremado, revela algumas das potencialidades e das dificuldades do Sistema Americano de educação superior de curta duração.

A rede de CCs (mais de mil, só no setor público) tem revelado grande capacidade de capacitar uma série de profissionais "médios" ou da base do ensino superior - policiais, bombeiros, paramédicos, enfermeiros etc. Quase a metade dos graduandos norte-americanos estudam em CCs - com forte presença das chamadas minorias étnicas e população de renda mais baixa. Atualmente, começar a graduação em CCs (mais baratos) e depois transferir-se para uma escola mais ambiciosa (uma universidade estadual, p.ex) tem sido uma estratégia das classes médias para diminuir o custo da educação superior. Também tem sido significativa a capacidade dos CCs de oferecer cursos livres, não vinculados a diplomas - apenas a certificados profissionais ou de competência em idioma (ESL - inglês como segunda língua), muito importantes para imigrantes.

A importância dos CCs, em estados como a Califórnia, entre outros, está muito marcada pela enorme presença de estrangeiros, conforme demonstrado na Tabela 3. Na Califórnia, mais da metade dos estudantes fala, em casa, outro idioma que não o inglês. Quase o mesmo ocorre no Texas. No nível nacional, hispânicos já superam os negros como minoria dominante entre os concluintes da high school e, portanto, demandantes de ensino superior.

Tabela 3:
Composição étnica dos concluintes do ensino médio (high school) nos estados mais populosos (percentuais)

No Quadro 1 apresentamos um resumo do sistema americano em 2009, a partir de informações do Departamento de Educação.

Olhando de outro modo, podemos tratá-lo como um sistema que tem 3 andares, organizados em pirâmide. A base da pirâmide é constituída pelos community colleges públicos, educação de massa e de curta duração. No segmento de community colleges, o segmento privado sem fins lucrativos tem muitas escolas, mas poucos estudantes. Ao lado dele, emerge um setor pequeno, mas crescente, de ensino privado de bacharelado com fins lucrativos, muito padronizado, de qualidade duvidosa, baixo custo e alto grau de perda (muita desistência, poucos concluintes). Acima desse segmento intermediário, existem algo como 2 mil instituições de variadas espécies - colleges privados de 4 anos, seletivos e de formação geral (liberal arts), colleges e universidades estaduais "compreensivas", algumas com másters e doutorados. E no topo da pirâmide, há umas 300 universidades de pesquisa e de doutorado. Esse segmento superior, por sua vez, tem um andar ultra-top, la crème de la crème, de algumas de dezenas de universidades.

Quadro 3
Resumo do sistema americano

Brint (2007BRINT, S. Can Public Research Universities Compete? In: GEIGER, R. L. et al. (Eds.). Future of the American Public Research University. Rotterdam/Taipei: Sense Publishers, 2007, p. 93., p. 95) sugere outra analogia, comparando a "indústria da educação" com as indústrias de bens de consumo. Nestas últimas, teríamos um segmento superior, de bens de luxo bastante individualizados, como, p. ex. o de roupas de alta-costura; um segmento intermediário alto, com bens mais padronizados, mas de marca, um prêt-à-porter sofisticado; e um nível inferior, de bens de massa e baixo custo.

Notas finais

Estas considerações, como dissemos, buscam definir alguns termos para pensar a relação entre as mudanças na ordem social e as mudanças nas políticas de educação adotadas pelo poder público. As diferentes formas de organização social e o lugar das escolas nessa ordem indicam algo que podemos chamar de "escolhas nacionais" ou projetos de país, mesmo quando elaborados "em serviço", que é o que usualmente ocorre, já que, como dizia um célebre iluminista escocês, as instituições humanas são resultado da ação humana, mas não, necessariamente, de um plano ou intenção.

Em um famoso livro-reportagem7 7 Fallows, James - Looking a the Sun - The Rise of the New East Asian Economic and Political System,Vintage Books, N.York, 1995, pp. 442-444. , James Fallows lembra a excelência do sistema americano, sua adaptabilidade às circunstâncias locais, sua política de porta-aberta e de inclusão de "outsiders", seu estímulo à criatividade individual. Mas completa essa apologia com uma afirmação inquietante não por aquilo que afirma, mas por aquilo que deixa de fora: "Os 10% ou 20% mais bem preparados, no ensino médio da América, são mais preparados para a vida do que seus equivalentes em qualquer outro lugar." (FALLOWS, 1995FALLOWS, J. Looking at Sun - The Rise of the New East Asian Economic and Political System. N.York: Vintage Books, 1995, p. 442-444., p. 442)

E aí reside uma diferença chave com relação a Japão e Coréia (mas também Alemanha, poderíamos sugerir):

A mais forte insuficiência do sistema americano é a área de maior sucesso do sistema asiático: garantir que os menos-preparados sejam pessoas competentes. As raízes da polarização do sistema escolar americano - tão bom na parte superior, tão ruim na parte inferior - obviamente envolvem fatores que vão além das escolas. Mas, como, em geral, a educação desempenha um papel tão crucial nas perspectivas econômicas do país, assim como em grande parte determina quais tipos de americanos podem obter quais empregos, no curto prazo vale a pena concentrarmo-nos nas próprias escolas. No curto prazo, o maior problema educacional da América é que suas piores escolas e piores alunos são tão ruins. Enquanto isso for verdade, a polarização social só irá piorar.

Uma maneira de resolver este problema é através de um sistema muito mais nivelado de financiamento da escola. Neste momento, os alunos com ambientes familiares mais difíceis e perspectivas de vida menos atraentes vão para as escolas com pior financiamento. Escolas mais bem financiadas não resolverão outros problemas dos alunos, mas as escolas com pior financiamento naturalmente pioram os problemas. Os Estados Unidos não precisam de um sistema escolar centralizado e padronizado como o do Japão, ou mesmo como a da França. Mas podemos aprender com os sucessos de tais sistemas [...]. (Fallows, 1995, p.444)

Estados Unidos, Alemanha, Japão, França. E o Brasil? De fato, não temos um sistema de educação tão descentralizado e desigualmente financiado como o americano, nem algo tão estruturado, hierarquizado e centralizado quanto o alemão ou o francês. Mas, guardadas as características de nosso "pacto federativo" e do regime de cooperação que implica, estamos a sofrer um preocupante processo de americanização. Preocupante, sim, porque se trata da mais desigual e, por essa via, provavelmente a mais insustentável das sociedades desenvolvidas. Que as pseudoelites de nossas metrópoles se embeveçam com a Disneylândia e o hambúrguer já é algo desolador. Que esse projeto de país se torne dominante e se imponha ao conjunto da sociedade, inclusive no seu modelo educacional - isso é algo que, a meu ver, educadores progressistas deveriam combater. Em todo o caso, enfatizo, é o meu ponto de vista.

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  • TROW, M. Problems in the Transition from Elite to Mass Higher Education. In: TROW, M.Twentieth Century Higher Education - Elite to Mass to Universal. (ed. by Michael Burrage), Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2010.
  • 1
    Um quadro espantoso desse universo aparece nos rankings promovidos por grandes revistas americanas. Ver, por exemplo: http://www.usnews.com/education/best-high-schools/national-rankings e também: http://www.thebestschools.org/blog/2013/03/27/50-public-high-schools-u-s/
  • 2
    Linda A. Renzulli and Vincent J. Roscigno - Charter School Policy, Implementation, and Diffusion Across the United States, Sociology of Education 2005 78: 344. DOI: 10.1177/003804070507800404
  • 3
    Escolas adequadas a uma "classless society", lembra velho artigo de Connan - Education For A Classless Society: The Jeffersonian Tradition, Charter Day Address delivered at the University of California on March 28, 1940, disponível em https://www.theatlantic.com/past/docs/issues/95sep/ets/edcla.htm]
  • 4
    Dados disponíveis em: https://www.destatis.de/EN/FactsFigures/SocietyState/EducationResearchCulture/InstitutionsHigherEducation/Tables/TotalTypeInstitutionHigherEducationWinterTerm.html. Acesso em 29/8/2014.
  • 5
    Ver Hubert Ertl, Higher Education in Germany: a Case of 'Uneven' Expansion?. Higher Education Quarterly, 0951-5224. v. 59, n. 3, jul. 2005, p. 205-229.
  • 6
    GEISER, S.; RICHARD C. A. Beyond The Master Plan - The Case for Restructuring Baccalaureate Education in California. Research & Occasional Paper Series: CSHE. 16.10. November 2010.
  • 7
    Fallows, James - Looking a the Sun - The Rise of the New East Asian Economic and Political System,Vintage Books, N.York, 1995, pp. 442-444.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2015
  • Aceito
    17 Abr 2015
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