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A pesquisa na prática docente em projeto de formação continuada: ideias e práticas em debate

Teachers as researchers in continuing education project: ideias and practices under discussion

La recherche dans les pratiques d'enseignement en projet de formation continue: des idées et des pratiques au cours du débat

Resumo:

Este artigo se insere no debate iniciado por essa revista sobre a pesquisa na prática docente. Em projeto de formação continuada tratamos certos aspectos dessa pesquisa, quais sejam: a autoria do professor na elaboração dos conhecimentos escolares; a simultaneidade entre trabalho e pesquisa; a inversão de uma certa tradição em que a prática é sempre uma aplicação da teoria sem o enfrentamento da imprevisibilidade da prática e dos movimentos incertos de resolução de problemas reais da escola. O debate dessas questões orientam as tentativas de compreender mais e melhor as práticas formativas que tratam de problemas surgidos nas próprias aulas e que constituam o ato de ensinar e de pesquisar conjugadamente.

Palavras-chave :
Professor pesquisador; Formação docente; Conhecimento escolar; Formação continuada

Abstract :

This article is part of a debate initiated in this journal concerning teachers as researchers. In a continuing education project, we approached certain aspects of such research, such as: the teacher's authorship in the elaboration of knowledge in the school, the simultaneity between work and research, the inversion of a certain tradition in which the practice is always an application of the theory without taking into consideration the unpredictability of practice and the uncertain movements in solving actual problems at school. The discussion of these issues guides the attempts to better understand training practices that deal with problems emerging from the very classes and which comprise the simultaneous act of teaching and researching.

Keywords :
Teachers as researchers; Teacher education; School knowledge; Continuing education

Résumé :

Cet article s'insère au débat initié par ce magazine sur la recherche concernée à la pratique d'enseignement. Dans un projet de formation continue nous traitons de certains aspects de cette recherche, à savoir: la présence du professeur dans l'élaboration des connaissances scolaires; la simultanéité entre le travail et la recherche; l'inversion d'une certaine tradition dans laquelle la pratique est toujours une aplication de la théorie sans faire face à l'imprévisibilité de la pratique et des mouvements incertains de résolution des problèmes réels de l'école. Le débat de ces questions guident les tentatives de comprendre davantage et mieux les pratiques formatives qui traitent des problèmes apparus dans les classes et qui constituent l'acte d'enseigner et à la fois de recherche.

Mots-clé :
Professeur chercheur; La formation des professeurs; La connaissance scolaire; La formation continuée

Introdução

Em 2009, quando Diniz-Pereira e Lacerda (2009DINIZ-PEREIRA, J. E.; LACERDA, M. P. Possíveis significados da pesquisa na prática docente: ideias para fomentar o debate. Edu. Soc., v. 30, n. 109, p. 1229-1242, dez. 2009. Disponível em: <http://ref.scielo.org/dcdtw2>.
http://ref.scielo.org/dcdtw2...
) publicaram nesse periódico um artigo que se referia à pesquisa na prática docente, já estávamos motivados em adensar a referida discussão por meio de vivências estabelecidas entre professores da escola e professores da universidade, desenvolvidas em projetos que coordenávamos. Passados cerca de seis anos, retomaremos alguns dos aspectos levantados pelos autores, com o objetivo de apresentar possibilidades que problematizam as compreensões da pesquisa feita por professores na educação básica. No artigo de 2009, três elementos nos pareceram centrais: o primeiro refere-se à diferença entre a pesquisa educacional científica e a da prática docente. Para os autores a pesquisa científica vem sendo tomada como modelo para a investigação da prática docente e aí residiria a razão de toda a discórdia, pois o que caracteriza a segunda é a simultaneidade entre trabalho e pesquisa. Sobre esse tema eles levantam duas questões que vamos procurar desenvolver melhor aqui. Elas são: como desenvolver, na escola, ensino e pesquisa ao mesmo tempo? Ou seja como construir a simultaneidade apontada acima entre trabalho e pesquisa? Nosso artigo busca aprofundar tanto mostrando exemplos práticos, como teorizando essa experiência realizada que foi o projeto Ribeirão Anhumas na Escola1 1 Projeto apoiado pela Fapesp - Programa Ensino Público, proc. 2006/01558-1; pelo CNPq, proc. 309353/2009-2 e pelo Programa Petrobras Ambiental. . (COMPIANI, 2013COMPIANI, M. Projeto Ribeirão Anhumas na Escola: fundamentos pedagógicos e educacionais. In: COMPIANI, M. (Org.). Ribeirão Anhumas na Escola: projeto de formação continuada elaborando conhecimentos escolares relacionados à ciência, à sociedade e ao ambiente. Curitiba: CRV, 2013, v. 1, p. 11-35.)

O segundo aspecto é relacionado ao primeiro e diz respeito às relações teoria e prática na prática docente e, no nosso modo de ver, essa discussão adentra, e traz novos olhares, para a pesquisa acadêmica. Segundo os autores, a prática investigativa na escola favorece o esfacelamento de uma relação endurecida, na qual, tradicionalmente, a teoria é tomada como texto a ser transfomado em método e aplicação na prática. Nessa visão tradicional, a prática é concebida como ponto de chegada e a teoria a partida. Essa relação linear em direção à prática desconsidera justamente duas de suas mais significativas características: o movimento e a imprevisibilidade. Para eles a investigação desenvolvida na prática profissional docente disporia de um estatuto epistemológico e metodológico próprio e ainda pouco conhecido, e que em muito pouco se assemelha à pesquisa científica. Eles levantam outra questão, que assumimos como nossa também: se não pretendemos minimizar o acesso à teoria intensificando a pesquisa sobre a prática, como poderemos estabelecer uma relação dialógica entre ambas? Em nossa experiência invertemos um pouco essa relação, tentando a prática como partida e a teoria como chegada. Essa discussão e a posterior serão ricas para discutir o que Charlot vem afirmando de que se quisermos mudar a escola brasileira, teremos que trabalhar a escola real com seus professores e alunos "normais", "[...] em condições de trabalho que muitas vezes nem são normais e culpamos o professor, o que o leva a pensar que é incapaz, que não sabe como enfrentar as dificuldades." (REGO; BRUNO, 2010REGO, T. C.; BRUNO, L. E. N. B. Desafios da educação na contemporaneidade: reflexões de um pesquisador - Entrevista com Bernard Charlot., Educação e Pesquisa v. 36, n. especial, p. 147-161, 2010.)

Por fim, o terceiro aspecto diz respeito às práticas de formação continuada que são usualmente distantes dos problemas das salas de aula e os processos educacionais não são tratados a partir de problemas que emergem das escolas e suas salas. Para eles tem havido mudanças mas não transformações significativas nessas práticas uma vez que o processo ainda continua sendo muito verticalizado, os professores ainda estão no lugar de quem recebe, poucos são os processos formativos nos quais o conhecimento se origina a partir da prática com participação dos professores na produção dos conhecimentos escolares, estes fazendo parte do sujeito conhecedor. Os exemplos que discutiremos aqui fortalecem o conceito de professor-autor.

Desde 2007, quando se iniciou o projeto Ribeirão Anhumas na Escola (http://ead.ige.unicamp.br/anhumas/), cuja natureza primordial foi a elaboração de conhecimento escolarizado a partir de dados do local da escola por dois grupos de professores e seus alunos em duas escolas estaduais, uma diversidade de questões foram tomando corpo no que diz respeito à temática sobre formação continuada de professores e a pesquisa na prática docente. Ao final do projeto, esses questionamentos ressurgem, porém, revestidos de um suporte subsidiado por forte componente de práticas e atividades desenvolvidas pelos professores e ações compartilhadas entre esses mesmos professores em conjunto com membros da universidade e de um instituto estadual de pesquisa, e que podem ser expressas em questões que se somam às questões do artigo disparador do debate: De que modo podemos reafirmar a valorização da prática docente como um quesito importante para ações formativas colaborativas em projetos de formação continuada? O trabalho de sala de aula desenvolvido pelos professores pode ser considerado como um novo tipo de conhecimento educacional?

A partir dessas questões percebe-se que o projeto avança na discussão de elementos teóricos e práticos vinculados à formação continuada de professores. Isso ocorre porque todo o referencial que o alicerçou esteve vinculado a dinâmicas executadas ao longo do processo formativo, o que foi garantido pelo nosso acompanhamento sistemático nos encontros semanais dos professores nas escolas e nas atividades realizadas pelos professores junto aos seus alunos.

Esse acompanhamento ocorreu a partir do segundo semestre de 2007 e seguiu até o fim do projeto (2010) nas duas escolas envolvidas. Utilizar-se-á os dados coletados em apenas uma das escolas públicas da rede estadual paulista do município de Campinas.

O grupo totalizava, em cada encontro, 10 professores de distintas áreas, uma aluna de iniciação científica e uma doutoranda e o que se debatia nesses encontros semanais eram os planejamentos coletivos de unidades de ensino relacionados aos currículos oficiais vigentes, supervisão de sua aplicação e posterior avaliação e muita discussão acerca desses resultados em relação à aprendizagem dos alunos, aos novos aspectos metodológicos de ensino do tratamento da contextualização (regionalização do conhecimento a partir do lugar da escola) e da interdisciplinaridade. Em muitas ocasiões os encontros nos traziam conflitos que eram vividos pelo grupo. A partir da investigação mais crítica, focada na dialogia dos membros, era nossa intenção revelar os conflitos e trabalhar a partir da existência concreta desses conflitos, pois o julgavamos algo natural num grupo tão diversificado e tão heterogêneo como as equipes da universidade e da escola.

O objetivo desse texto é refletir sobre os passos da pesquisa colaborativa desenvolvida no âmbito do projeto Anhumas na Escola e os principais resultados dessa colaboração refletidos nas diferentes práticas de pesquisa docente desenvolvidas pelos professores.

A pesquisa colaborativa em foco

A ênfase na pesquisa colaborativa aqui posta é motivada pela antiga discussão acerca da formação continuada de professores. Imbérnon (2009IMBÉRNON, F. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009., p. 14), logo no início de seu livro, apresenta uma crítica contundente acerca do panorama atual referente ao campo formativo. Diz que "[...] avançamos pouco no terreno das ideias e nas práticas políticas para ver o que significa uma formação [de professores] baseada na liberdade, na cidadania e na democracia.". Muito embora o autor reconheça que tenhamos avançado significativamente, isso não é (ou não foi) suficiente para desencadear uma alteração profunda na forma de se pensar e realizar o processo formativo docente. Lastória e Assolini (2010ASSOLINI, F. E. P.; LASTÓRIA, A. C. A aprendizagem, a formação e a experiência como elementos centrais dos processos educativos de professores. In: ASSOLINI, F. E. P.; LASTÓRIA, A. C. (Orgs.). Formação continuada de professores: processos formativos e investigativos. Ribeirão Preto: Compacta, 2010.) reconhecem que novos programas de formação continuada assentados na natureza do fazer docente, na formação anterior ou inicial e nas próprias experiências docentes trazem ganhos importantes ao profissional da educação, embora ainda sejam pouco privilegiados em políticas formativas.

Nesse artigo, defende-se que a pesquisa colaborativa emerge como uma possibilidade importante e vinculada às colocações dos autores anteriores. Do ponto de vista político-formativo entende-se que a universidade passa a "trabalhar" junto aos professores, o que altera o significado da produção do conhecimento e, do ponto de vista da execução, entende-se que os projetos configurados, em conjunto com os pares, promovem mais segurança em seu desenvolvimento.

Nesse sentido, a pesquisa colaborativa é caracterizada como aquela que acontece para e junto às escolas e professores. Entendemos, junto com Pimenta (2005PIMENTA, S. G. Professor-pesquisador: mitos e possibilidades. Contrapontos, v. 5, n. 1, p. 9-22, 2005.), que a finalidade da pesquisa colaborativa é criar uma cultura de análise das práticas tendo em vista suas transformações pelos professores com a colaboração dos professores da universidade. Um dos principais desafios desse tipo de trabalho é o estabelecimento dos vínculos entre os pesquisadores da universidade e os professores da escola.

Desde o início do projeto Anhumas na Escola, os professores foram envolvidos na própria elaboração dos referenciais teóricos e práticos que alicerçaram o referido projeto. Essa participação ajudou a sanar eventuais e possíveis desconfianças por parte da equipe de professores. Acredita-se que conferir voz aos protagonistas de ações como esta - neste caso, os professores - é um dos fatores que garantem satisfação e aceitação das intervenções necessitadas para um projeto dessa natureza ocorrer no seio escolar. Dessa forma, o estabelecimento de vínculos entre professores e pesquisadores começou a ocorrer desde o início do projeto, quando este ainda se encontrava em fase de elaboração.

As seguintes perspectivas foram construídas ao longo do projeto:

  1. de colaboração interprofissional na pesquisa escolar com os grupos de discussões de professores da rede pública estadual, alunos da universidade e acadêmicos da universidade e instituto de pesquisa do estado;

  2. da pesquisa do professor na elaboração de conhecimentos escolares em microbacia urbana;

  3. das mediações desses professores em suas elaborações próprias e críticas de conhecimentos sobre e a partir do local, que muitas vezes foram inéditos e muito difíceis pois rompem com essa prática escolar de conhecimentos de segunda mão, descontextualizados e generalistas que são ensinados nas escolas;

  4. da autonomia do professor para gerir seus planejamentos em consonância com a autonomia da escola para gerir seu projeto pedagógico.

Em importante artigo, Clark et al (1996CLARK, C. et al. Collaboration as dialogue: teacher and researchers engaged in conversation and professional development. American Educational Research Journal, v. 37, n. 1, p. 192-132, 1996.) indicam a inexistência de um consenso quanto ao que seja a pesquisa colaborativa. Os mesmos autores apresentam diversos interlocutores tentando clarear o termo. Duas colocações são especialmente relevantes. Na primeira, ao citarem Kreisberg (1992KREISBERG, S. Transforming power: domination, emporwement and education. Albany: State University of New York Press, 1992.), propõem uma definição para a pesquisa colaborativa como aquela na qual os sujeitos são envolvidos no tratamento das questões de pesquisa, escolha da metodologia e na redação dos resultados. Acrescenta ainda que o projeto implica em uma propriedade conjunta, sendo isso uma verdadeira colaboração. O segundo argumento refere-se à crença de que o diálogo deve ser peça central de todas as trocas entre os envolvidos:

Nós vemos essa questão como uma diferença fundamental na colaboração - que caracteriza um compartilhamento e as trocas mútuas não em termos de fazer o mesmo trabalho de pesquisa, mas, preferencialmente, em termos da compreensão do trabalho de cada um. (Kreisberg, 1992KREISBERG, S. Transforming power: domination, emporwement and education. Albany: State University of New York Press, 1992., p. 196)

Compartilha-se com os autores de que o diálogo seja a base da consolidação do grupo. Ele pode ser marcado por conflitos no contexto da pesquisa colaborativa, mas é somente por ele que esse mesmo conflito se ameniza, dando lugar à possibilidade de trabalhos conjuntos. É importante lembrar, de fato, que o intenso envolvimento entre professores e pesquisadores não representa uma vivência livre de conflitos e situações inesperadas. De acordo com SILVA (2009SILVA, F. K. M. da. Rastros e apropriações no Projeto Geociências e a Formação Continuada de Professores em Exercício no Ensino Fundamental. 2009. 308 p. Tese (Doutorado em Ciências) - Instituto de Geociências, Unicamp, 2009.; 2013) e SILVA et al (2014SILVA, F. K. M. da; CRACEL, V. L.; COMPIANI, M. A consolidação de grupos de aprendizagem em projeto de formação continuada. Revista Diálogo Educacional, v. 14, n. 42, p. 457-476, maio/ago. 2014.), após experiência prévia em propostas colaborativas, o conflito ocorre na medida em que se percebe a dominância de enunciados por parte dos pesquisadores e também, pela inibida participação dos professores no início de projetos dessa natureza, incitando desentendimentos e desigualdade nas relações.

Periódicos de relevância na área educacional colaboram na caracterização dessa modalidade de pesquisa e também na descrição das diferentes atividades provenientes da consolidação dos grupos. (VILLERS; MACKISACK, 2011VILLERS, H.; MACKISACK, V. Optimizing opportunities to learn during practicum: Developing collaborative partnerships between the university and school. Asia-Pacific Journal of Cooperative Education [on-line], v. 12, n. 3, p. 183-194, 2011.; MITCHELL; REILLY; LOGUE, 2009MITCHELL, S.N.; REILLY, R.C.; LOGUE, M.E. Benefits of collaborative action research for the beginning teacher. Teaching and Teacher Education, v. 25, n. 2, feb., p. 344-349, 2009.; BRONKHORST et al, 2013BRONKHORST, L. H. et al. Consequential research designs in research on teacher education. Teaching and Teacher Education, n. 33, p. 90-99, 2013., dentre outros) Embora essa discussão seja de extremo interesse no campo da formação docente, reconhecer-se-á a necessidade de um recorte e, para tal, o texto de Pérez Martelo et al (2010PÉREZ-MARTELO, C. et al. Por sus frutos (no) los conocerán: construcción colectiva de conocimiento en la escritura colaborativa. Nómadas [online], n. 36, p. 243-252, 2012.) traz uma boa inspiração para tecer-se o vínculo entre a pesquisa colaborativa e a pesquisa do professor, foco de nossa pesquisa. Nesse artigo, a preocupação central dos autores reside em apresentar os "frutos" da construção coletiva (entre professores e pesquisadores) de uma comunicação para um evento científico. Citam Villaveces et al (2005) para indicar a diferença entre os "produtos" de uma investigação e os "efeitos" da mesma. No primeiro caso, os produtos seriam "os resultados tangíveis, verificáveis e colocados em circulação" e, no segundo, seus efeitos, seriam delimitados pelos "resultados cujo âmbito transcende o grupo de referência". Os autores citados por Pérez Martelo et al (2010) destacam que um elemento importante na determinação de um efeito é a existência de uma mudança, de uma transformação qualitativa ou estrutural na sociedade ou no amplo grupo social. Interessa-nos, sobretudo, os efeitos da produção dos professores sobre seu próprio grupo social. Acredita-se que a pesquisa do professor é um articulador desse processo.

A pesquisa do professor da educação básica

Apesar de uma quantidade cada vez maior de pesquisadores se voltarem para esse tema, ainda não é comum a academia e os próprios professores se considerarem como agentes significativos na construção do conhecimento em educação. Cochran-Smith e Lytle (2002) dizem que nas duas últimas décadas dois paradigmas em relação à pesquisa sobre ensino têm dominado. O primeiro se caracteriza como a pesquisa de processo-produto, em que os pesquisadores exploram o ensino eficaz através de sua correlação com condutas docentes a partir de diferentes produtos, definido geralmente como rendimento acadêmico dos estudantes, medidos e padronizados por provas tipo teste. A dominância desse tipo de pesquisa, associada à concepção do professor como um técnico, tem gerado a visão do ensino como uma atividade linear, em que o ensino (causa) gera a aprendizagem (efeitos). A outra posição incluiria pesquisas qualitativas ou interpretativas, denominado por Shulman (1986SHULMAN, L. Paradigms and research programs in the study of teaching: A contemporary perspective. In: WITTROCK, M. C. (Eds.). Handbook of research on teaching New York: Macmilan, 1986.a, apud Cochran-Smith; Lytle, 2002) como "ecologia da aula". Nesse caso, o ensino é abordado como altamente complexo, sensível ao seu contexto específico e ativamente intersubjetivo, devido às diferenças encontradas em aula. Muitos desses estudos exploram as perspectivas e as experiências dos professores e dos estudantes através de entrevistas e alguns são realizados de forma conjunta entre os professores da escola e os pesquisadores. Contudo, a maioria desses estudos é desenvolvida por um público exclusivamente universitário e dirigido para um público acadêmico. Esse ponto retomaremos mais à frente com as preocupações de Nosella. As autoras concluem que esses dois paradigmas tornam invisíveis os papéis dos professores nos processos de produção do conhecimento pedagógico sobre o ensino e a aprendizagem.

Perceber/aceitar/incorporar o "produto" da prática dos professores como produção de conhecimento implica romper com o que conhecemos por produção de conhecimento estritamente ligada aos centros científicos. No entanto, refletir sobre tais referências, que são tão firmes e arraigadas, não representa uma simples troca simbólica. Isso implica, na realidade, um processo de criação de novos referentes, em que o professor não é tomado como o transmissor desse conhecimento sistematizado, mas sim, o produtor de um outro conhecimento, este segundo, mais flexível, moldável, contextualizado, não excluindo o estudo e a sistematização do conhecimento.

A definição assumida por Cochran-Smith e Lytle (2002) em relação à pesquisa do professor é de que seja uma investigação sistemática e intencional realizada pelos docentes em sua própria escola e sobre seu próprio trabalho educativo. A ideia de sistemático se refere às formas de recolher e armazenar a informação, de documentar as experiências de dentro e fora da aula e de realizar registros escritos das situações. A intencionalidade vê a pesquisa do professor como uma atividade planejada e não espontânea, mesmo considerando que nem todos os resultados são provenientes de atividades planejadas. Por fim, a ideia de investigação traz a noção de que a pesquisa gera questões e reflete os desejos docentes de dar sentido às suas experiências, admitindo, com isso, que nem toda pesquisa deve, necessariamente, trazer nova informação, mas deve trazer a possibilidade de se interpretar a informação que já se possui.

Segundo Silva (2013SILVA, F. K. M. da. Pesquisa colaborativa e pesquisa do professor no projeto Ribeirão Anhumas na Escola. In: COMPIANI, M. (Org.).. Ribeirão Anhumas na Escola: projeto de formação continuada elaborando conhecimentos escolares relacionados à ciência, à sociedade e ao ambiente, Curitiba: CRV 2013, v. 1, p. 71-87.) essa tendência valoriza explicitamente o saber docente e a prática como elementos fundamentais para o processo de investigação, distanciando-a de uma possível similaridade com a pesquisa acadêmica. Diniz-Pereira e Lacerda (2009) afirmam que essa pesquisa não deve seguir os mesmos caminhos metodológicos da pesquisa científica acadêmica, um vez que na pesquisa docente a prática é o lócus de produção do conhecimento e estes são de outra natureza já que, na maioria das vezes, não se configuram como teorias explicativas de algo, e sim como diálogos travados junto com os eventos e os atos de ensinar-aprender que vão sendo tecidos no cotidiano escolar. Lüdke e Cruz (2005LÜDKE, M.; CRUZ, G. B. Aproximando universidade e escola de educação básica pela pesquisa. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 125, p. 81-109, maio/ago. 2005.), Lüdke et al (2009LÜDKE, M.; CRUZ, G. B.; BOING, L. A. A pesquisa do professor da educação básica em questão. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 42, 2009.) e Lüdke (2012LÜDKE, M. Desafios para a pesquisa em formação de professores. Rev. Diálogo Educ., v. 12, n. 37, p. 629-646, 2012.) enfocam o lugar da pesquisa na formação e no trabalho do professor da educação básica discutindo os problemas específicos das delicadas relações entre teoria e prática em referência às semelhanças e diferenças com a pesquisa acadêmica. Em seu trabalho mais atual Lüdke (2012) dialoga com Elliott (2009ELLIOT, J. Research based teaching. In: GEWITZ, S. et al. Changing teacher professionalism international trends, challenges and ways forward. London, New York: Routledge, p. 170-183, 2009.) e este defende uma pesquisa mais próxima das necessidades e das peculiaridades do trabalho do professor. Elliott é enfático na defesa de que a pesquisa dos professors é mais contextual, ativa, viva e interativa do que a pesquisa desenvolvida pela academia. Todavia, segundo Lüdke (2012), Elliott demonstra preocupações com a pesquisa realizada por professores e insiste na salvaguarda dessa pesquisa diante do risco de uma influência avassaladora e redutora dos moldes acadêmicos de realização de pesquisas. No Brasil, esse temor tem fundamento uma vez que a pesquisa de Nosella e Buffa (2009NOSELLA, P.; BUFFA, E. Instituições escolares: por que e como pesquisar. Campinas: Alínea, 2009.), em um olhar para as pesquisas nas instituições escolares, confirma um apagamento ou esquecimento das pesquisas feitas por professores nas escolas. Sobre essa pesquisa, Nosella (2010NOSELLA, P. As pesquisas dos programas de pós-graduação em educação pós-ditadura (1985-2008)., Revista Brasileira de Educação v. 15, n. 43, jan./abr. 2010, p. 177-203., p. 179) escreve:

[...] uma primeira constatação é de que todas as pesquisas agora são acadêmicas, a maior parte delas constituída por dissertações de mestrado e teses de doutorado e pós-doutorado. Esse fato evidencia quem fala - professores e pós-graduandos - e o lugar de onde se fala - a academia, em especial os programas de pós-graduação.

Para ter início no meio educacional, a pesquisa do professor requer formação específica, uma vez que a formação pela pesquisa não é algo praticado nos cursos de formação inicial. A formação específica para a pesquisa deve oferecer subsídios para a compreensão de que a pesquisa do professor pode ser um ato político de reconceber a docência pela valorização da prática e do saber docente. Envolve melhorias na esfera do ensino aprendizagem, uma vez que é também um modo de reconceitualizar a ação docente e a relação com o saber e o saber fazer dos alunos. Por fim, a pesquisa do professor não envolve um ato isolado de ação docente. Ao contrário. É nesse sentido que a perspectiva da pesquisa do professor está ancorada na pesquisa colaborativa, uma vez que essa reune professores e acadêmicos com diferentes objetivos, vislumbrando, no limite, a melhoria da situação educacional de uma determinada instituição escolar.

Antes mesmo do projeto em questão ser submetido à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), todos os integrantes professores do projeto já possuíam um projeto de intervenção educacional. Ainda não se poderia definir esse projeto como uma investigação docente, uma vez que era algo mais amplo e geral voltado para ações práticas, pouco sistematizadas nas escolas. No ano de 2007 com o andamento do projeto, a constância das reuniões semanais de trabalho e a volta às leituras de textos educacionais, inclusive, sobre conteúdos das disciplinas foram sendo construídas as pesquisas de cada professor a partir de demandas específicas à cada disciplina e, principalmente, a partir da construção conjunta de nexos de cooperação ou de ações recíprocas entre as disciplinas, visando a contextualização e a interdisciplinaridade com os temas tratando do lugar da escola. A dificuldade inerente a essa etapa estava em estruturar um projeto de pesquisa que elencasse não somente a própria prática como objeto de investigação, mas também, o próprio processo de ensino aprendizagem dos alunos, a disciplina específica de determinado professor, bem como com ações contextualizadas relacionadas ao local da escola.

Foram sucessivas reuniões com todos os professores para chegarmos a um objeto que demonstrasse uma preocupação de investigação regularmente bem estruturada. Esse produto inicial apresentava uma diversidade de preocupações educacionais bastante heterogênea e interessante do ponto de vista da pesquisa. No início do ano de 2008 os projetos tiveram início. Alguns foram modificados ao longo do processo, outros sofreram ajustes e foram desenvolvidos sempre com o auxílio de um grupo de acadêmicos.

A necessidade das ações compartilhadas se explica pelo fato dos professores, em muitos casos, desconhecerem a prática da pesquisa. Na realidade, parecia-nos que o processo de pesquisa era confundido, em muitos casos, com intervenções inovadoras em sala de aula, o que se mostrou, por exemplo, pela abordagem de determinados conteúdos por mais de um professor; pela utilização de materiais inexistentes nos livros didáticos e nos Cadernos do Professor (da Proposta Curricular do Estado de SP), por práticas de trabalho de campo junto aos alunos. Enfim, todos esses exemplos apontam para melhoria da prática docente, porém, não necessariamente contam como investigações de sala de aula.

A seguir, alguns tópicos revelarão a relação da pesquisa docente com aspectos que julgamos essencial para debater as questões feitas até o momento.

1. A pesquisa do professor e novas abordagens do conhecimento educacional

Para exemplificar esse tópico trazemos o trabalho feito pelo professor de Educação Física. Durante toda a sua participação no projeto, o professor em questão manteve-se dependente de nossa assessoria, por apresentar certa insegurança em relação às demandas do projeto. Essa insegurança se refletia nos momentos de escrever os relatórios científicos à Fapesp e de tornar real as práticas planejadas junto ao coletivo de professores, o que expressava, portanto, uma insegurança em refletir sobre a própria prática tão arraigada desde que iniciou a docência, em 1995. De acordo com suas palavras:

[...] tive acesso às diretrizes do trabalho, e mesmo assim, ainda não havia ficado claro para mim, como poderia "agrupar e acrescentar" os conhecimentos da Educação Física ao projeto da escola, e de pesquisa e até os trabalhos interdisciplinares. Tudo isso era muita novidade mas, por outro lado, o "espírito de explorar o desconhecido e encarar novos desafios" me fez aceitá-lo.

Esse quadro não impediu o professor de participar do projeto. Ao contrário. O professor se mostrou perseverante e participativo em todo o momento, exigindo, porém, uma intervenção maior da equipe da universidade no seu dia a dia no projeto.

Embora o professor tenha feito diversas mudanças temáticas em seu projeto de pesquisa, um aspecto foi mantido desde o início: ele desejava relacionar a sua prática de Educação Física à temática ambiental. Em seu último relatório, ele integrou a sua área de formação ao tema dos Riscos Ambientais, uma vez que esse tema foi abordado por todo o seu grupo de trabalho.

Após a escolha do tema, partimos, juntos, para a procura de artigos e trabalhos que já tivessem feito essa relação, porém, não encontramos nenhum que pudesse dialogar com o professor ao longo do seu trabalho. A reflexão trazida pelo próprio professor ilustra com clareza o que estamos tentando identificar:

Quando se fala em riscos na Educação Física, subentende-se que sejam ligados ao estilo de vida (Sedentarismo, maus hábitos alimentares, stress, uso abusivo de bebidas alcoólicas, drogas licitas e ilícitas), que são fatores importantes para o desencadeamento, ou não, de várias doenças. Quando surgiu a ideia de "riscos", imaginava adentrar por este caminho. Através dos trabalhos interdisciplinares fui entendendo, cada vez mais, que a discussão sobre riscos é multifatorial, pois os grupos humanos criam estratégias, fazem escolhas, (ou não), sobre seu modo de viver, o que pode expô-lo a diversas situações de riscos.

Por meio desse tema, o professor aprofundou alguns dos riscos eminentes na região dos alunos, propondo reflexões que pudessem contornar a convivência com tais riscos.

Esse rápido exemplo pretendeu mostrar o quão genuíno pode ser um trabalho pensado a partir do local e que não segue, de antemão, nenhuma proposta curricular previamente elaborada. Em reuniões constantes com seu grupo de trabalho/de pesquisa, o professor demonstrou uma maneira interessante e socialmente relevante de abordar a Educação Física, a partir da necessidade de refletir sobre a própria prática e da necessidade de contextualizar o conhecimento específico. Partiu de questões específicas de pesquisa, quais sejam:

Como resgatar a questão dos valores e atitudes, e como eles influenciam na degradação ambiental e na exploração e uso dos recursos naturais?. Como a educação física pode aproximar a realidade e o cotidiano dos alunos para uma prática ambiental responsável?

A partir dessas questões, o professor delineou, junto ao seu grupo, formas de abordagem que lhe permitissem refletir sobre tais questões e sobre a própria dinâmica das aulas realizadas pelo mesmo.

Novas formas de abordagem do ensino-aprendizagem dos alunos no processo de pesquisa do professor

Queremos discutir que a prática da pesquisa impulsiona a melhoria do ensino-aprendizagem dos estudantes. Isso ocorre porque ao refletir maneiras interessantes de abordar as aulas, o professor consegue desnaturalizar questões aparentemente "normais", como por exemplo, o fato dos alunos não aprenderem porque uma determinada matéria seja difícil.

A fim de ilustrar esse tópico, o trabalho desenvolvido pela professora de Biologia representa um bom exemplo, uma vez que teve como objetivo mais central o desenvolvimento do "aluno como pesquisador", que a professora assim coloca:

A inquietação em ministrar aulas na maior parte do processo educacional sem a participação ativa dos alunos foi a mola propulsora para que eu fizesse parte de um grupo de professores envolvidos em discussão de práticas pedagógicas.

Dessa forma, sua proposta vinculava-se à produção de conhecimento real por parte dos alunos e isso foi experimentado a partir de trabalhos de campo e atividades de laboratório vivenciadas pelo grupo de estudantes da 2ª série do Ensino Médio.

A professora demonstra que o caminho não foi fácil:

Como eu, professora de Biologia poderia utilizar os recursos disponibilizados em uma bacia hidrográfica e seu entorno, para relacionar os conteúdos propostos? Como estabelecer critérios para análise de equilíbrios (ou não) na bacia em estudo? Como fazer os alunos, do ensino médio, perceberem que tudo está intrinsecamente relacionado, e que se alguma parte do ambiente em estudo sofre alterações, outras mais serão percebidas neste sistema complexo local? Parecia ser mais complicado do que eu poderia dar conta.

O foco de sua pesquisa durante os anos de 2008 e 2009 foi a interação entre os seres vivos e a microbacia, além de conteúdos específicos da Biologia, como genética e citologia. Para a abordagem dessas interações, a professora saiu a campo com especialistas da área da Biologia Vegetal no entorno da escola, explorando as margens do Rio Anhumas. Observou a grande quantidade de uma espécie vegetal altamente dispersiva e exótica e, a partir de então, colocou-se a buscar explicações para essa presença através da leitura de textos científicos.

Tendo esses questionamentos em mente, ela reuniu uma grande quantidade de informações acerca da espécie vegetal Leucena, coletou dados em trabalho de campo e integrou às atividades de sala de aula rigorosos testes de germinação das sementes submetidas a diferentes condições. O grupo de trabalho envolvido com as observações foi composto por todos os alunos da 2ª série, que se dividiram em três subgrupos de acordo com o tipo de procedimento realizado com as sementes. Nesta etapa houve uma movimentação muito intensa de todos os grupos de alunos. Concluíram, dentre diversos aspectos, que quanto maior a concentração do extrato de Leucena (espécie exótica) que regaria as sementes controle, menos as mesmas cresciam, o que propiciou aos alunos chegarem à conclusão de que havia algum composto na espécie exótica que inibia o de plantas que não fossem da espécie que o produz.

Esse exemplo pretendeu mostrar o quanto a pesquisa do professor é carregada de intencionalidades que podem tornar-se reais no decorrer do processo. Ela almejava a formação do aluno-pesquisador e integrou esse desejo a formas de trabalho inéditas em sua vida profissional, criando uma ótima sintonia entre atividade de campo e atividade de laboratório vivenciada pelos próprios estudantes, que, sob a orientação da professora, coletaram e manipularam, em laboratório, as diferentes sementes das espécies vegetais em questão.

A metodologia de ensino construída pela professora associada aos trabalhos de campo teve o papel de problematizar as questões ambientais e de construir conceitos a partir do local com base em trabalhos práticos. Essa metodologia foi algo inédito para a professora que ocupou uma posição de pesquisadora, podendo assim usar os procedimentos investigativos de observação e sistematização para avaliar e, intencionalmente, influir em seu ensino. Nessa prática escolar criou-se relações entre alunos e professor no compartilhamento da tarefa investigativa, testou-se o pedagógico e a avaliação que estruturam um currículo que trate do conhecimento regional, testou-se uma metodologia de ensino em que a investigação escolar tem papel central.

O que mais nos mostram esses dois exemplos?

Poderíamos nos alongar nas exemplificações ocorridas no projeto Ribeirão Anhumas na Escola. Contudo, a limitação de espaço nos impõe que façamos recortes, contanto que consigamos aclarar, parcialmente, a temática relacionada à pesquisa do professor em práticas colaborativas.

Nos dois exemplos relatados é clara a produção de novos conhecimentos escolares. Os conceitos tratados de Educação Física e Riscos são novidades, além do que há um forte componente interdisciplinar com Geografia e Artes. No caso da Biologia, foi um percurso mais disciplinar e altamente contextualizado, o ensino foi desenvolvido a partir de um problema descoberto pela professora e seus alunos no entorno da escola; e ambos criaram as condições de investigações para a solução do problema. O que mostramos tem a ver com um recorte da realidade vivenciada por grupos de professores em seus locais de trabalho, que possuíam o desafio de propor métodos alternativos de ensino através da potencialização de grupos de professores e acadêmicos, considerando, ainda, a contextualização. Isso não é pouco. Por se filiarem a uma proposta formativa que previa a produção das pesquisas docentes, esses professores também foram desafiados a proporem questionamentos de suas práticas para que essas pudessem ser tratadas de forma investigativa. Dessa forma, esses dois exemplos abordam a pesquisa docente como uma forma de "[...] mudança social por meio da qual pessoas e grupos colaboram para compreender e transformar suas aulas, suas escolas e suas comunidades educativas [...]". (COCHRAN-SMITH; LYTLE, 2002COCHRAN-SMITH, M.; LYTLE, S. Dentro/Fuera: enseñantes que investigan Madrid: Akal, 2002.)

Com esses casos exemplificamos o quanto é importante o processo de reconceitualizar o que deve valer como conhecimento a ser ensinado. O professor que se dedica à pesquisa elege, a partir de uma diversidade de temáticas, inovadoras maneiras de abordar o assunto que deseja tratar junto aos alunos. Normalmente não é uma maneira convencional, nem tampouco tranquila, uma vez que os relatos apresentados revelaram-se conflitivos em seu desenvolvimento mas, o envolvimento em ações de grupos, em criação de abordagens novas, em estudos referentes ao tema fortalece as inseguranças iniciais e colaboram com a criação de interessantes práticas. Connell (2010CONNELL, R. Bons professores em um terreno perigoso: rumo a uma nova visão da qualidade e do profissionalismo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 165-184, 2010.) corrobora essa ideia de que uma boa parte do que precisaria ocorrer na vida cotidiana de uma escola deveria envolver o trabalho coletivo dos professoes e suas relações com os alunos.

Outro aspecto que merece citação diz respeito à grande relevância social dos temas abordados pelos professores dos exemplos anteriores. Seguindo o que prescrevem os documentos oficiais, as disciplinas específicas ganharam contornos de aspectos socialmente relevantes, como foi o caso de Riscos Ambientais na Educação Física e a dispersão da espécie exótica em áreas de matas ciliares nos estudos da Biologia.

O conhecimento em questão, nos dois exemplos, foi construído pelos professores das escolas, contando com a colaboração da universidade. De certa forma, essa sistemática colaborativa rompe com o papel da universidade como hegemônica na produção do conhecimento que estaria sendo transmitido na sala de aula da educação básica, inaugurando, dessa maneira, conhecimento escolarizado único e sistematizado. É fácil prever que essa tendência também dá vida a um determinado currículo, compreendido não somente como tópicos de conteúdos a serem ministrados, mas como um planejamento de ações e intenções a serem levadas coletivamente para a escola.

A pesquisa dos professores nos traz elementos que redimensionam a nossa prática universitária. Isso se reflete nos cursos de formação inicial de professores que ministramos e em nossas ações junto aos professores em propostas de pesquisa. O diálogo ao qual já nos referimos representa formas de compartilhamento de falas, ações, percepções, gostos etc. Assim, é pelo diálogo com os professores nas diversas fases do projeto, compreendido como uma imersão ao pensamento do outro, que também redimensionamos nossa prática como pesquisadores e professores.

Considerações finais

O dia a dia de um projeto com essa orientação não se revelou tarefa fácil. A principal dificuldade parece ter sido, de fato, a formação para a pesquisa. Isso ocorre porque o processo de pesquisa não é algo facilmente concebível na mente dos professores e na vida institucional da escola que está aí. A Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC), em muitos casos, não são utilizadas para essas práticas pedagógicas e a simultaneiedade do trabalho e pesquisa foi construído em horários semanais de 3 a 4 horas de reuniões somadas às leituras e escritas diversas ao longo do projeto. Outro agravante é a quase inexistência, até nossos dias, de abordagens da pesquisa como processo formativo da docência na formação inicial.

Num processo de pesquisa colaborativa é básico privilegiarmos a prática docente como um dos principais quesitos para o seu andamento. Porém, no contexto atual da predominância de um professor técnico, o modo como isso é feito necessita de supervisão da equipe corresponsável pelo projeto. Essa supervisão fortelece o desenvolvimento profissional de ambas as partes. Ao valorizar a prática, nós acadêmicos podemos compreender melhor os passos da aprendizagem profissional da docência. Vemos, por exemplo, que os professores apreendem melhor o delineamento do projeto na medida em que discutem e planejam as ações coletivamente. Além disso, percebemos que a formação continuada não pode ser desvinculada das ocorrências da escola. Ao contrário. Quanto mais o processo formativo estiver relacionado ao fazer diário do professor, à sua disciplina, aos seus horários, às suas salas de aula, ao seu jeito de trabalhar junto aos alunos, maior é o impacto da atividade formativa.

Assim, praticamos um certo modo de formação continuada baseada na formação para e pela pesquisa que parte da problematização das situações práticas, analisando-as a partir de um olhar interno nas reuniões dos grupos nas escolas, conjugando um olhar externo (um texto, uma teoria, o olhar dos pesquisadores, outras pesquisas), interpretando-as nessa relação interna e externa sem deixar de lado os seus significados mais amplos - históricos, políticos, ideológicos e formadores de culturas, para Connell (2010CONNELL, R. Bons professores em um terreno perigoso: rumo a uma nova visão da qualidade e do profissionalismo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 165-184, 2010.), a educação é um processo que recria a realidade social, produzindo algo novo que se pode chamar de cultura -, desenvolvendo, enfim, habilidades e atitudes de pesquisa. Esse conhecimento educacional torna-se relevante para o próprio professor e grupos de professores envolvidos na transformação da escola, na medida em que os profissionaliza para conhecer melhor suas turmas, suas disciplinas, sua instituição, transformando a concepção vigente de professor e escola.

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    Projeto apoiado pela Fapesp - Programa Ensino Público, proc. 2006/01558-1; pelo CNPq, proc. 309353/2009-2 e pelo Programa Petrobras Ambiental.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2014
  • Aceito
    23 Out 2015
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