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PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO: EPICENTRO DAS POLÍTICAS DE ESTADO PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA * * Resenha do livro

As reflexões propostas pelo Professor Luiz Dourado (2017) neste livro nos remetem ao contexto de lutas e mobilizações nacionais para a constituição de um Sistema Nacional de Educação. Iniciativas importantes, desde o início da década de 1930, com destaque para a publicação do Manifesto dos pioneiros da educação nova em 1932, colocam em questão, até os dias atuais, o desafio da materialização de políticas de Estado para a educação brasileira. Essa primeira iniciativa de proposição de um plano nacional de educação, forjado no seio da sociedade civil, dirigido ao povo e ao governo, convocando para a reconstrução educacional no Brasil, posteriormente se soma às preocupações de Anísio Teixeira, expressas no parágrafo final do Plano Nacional de Educação (PNE), por ele redigido em 1962TEIXEIRA, A. Plano nacional de educação. Referente aos fundos nacionais de ensino primário, médio e superior. Documenta, Rio de Janeiro, n. 8, p. 24-31, out. 1962. Disponível em: <Disponível em: http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/plano1.html >. Acesso em: 20 dez. 2017.
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Tão retardado se acha o país no desempenho de suas obrigações constitucionais e legais de oferecer educação primária a tôda sua população e educação média e superior em quantidades compatíveis com o seu desenvolvimento, que sòmente com o mais rigoroso espírito de planejamento e a mais severa preocupação contra o desperdício e o esfôrço improdutivo é que poderemos vencer o ameaçador atraso em que nos encontramos na meta das metas, que é a do desenvolvimento dos recursos humanos do nosso país (DOURADO, 2017, p. 31).

Esse esforço de evidenciar a educação como “meta das metas” chega ao século XXI consubstanciado por um movimento crescente de participação e mobilização em torno da pauta da educação, incidindo sobre a aprovação da Lei nº 13.005/2014, que trata do Plano Nacional de Educação 2014-2024. Como afirma Dourado (2017, p. 18),

[...] é fundamental lançar luz nos esforços múltiplos de monitoramento e avaliação do PNE, oriundos das instâncias com responsabilidades institucionais nesse campo, bem como situar os movimentos e políticas em curso após a aprovação do PNE.

Todavia, isso não basta. Para esse autor é necessário que o PNE alcance, efetivamente, a condição de epicentro das políticas de Estado para a educação. Ou, como ele mesmo reafirma, tomadas sob esse prisma, políticas e gestão da educação expressam:

Uma tessitura sociopolítica complexa, que se articula às agendas transnacionais, ao Estado nacional, à relação entre entes federados, às especificidades do sistema educacional brasileiro, à gestão, à avaliação e ao financiamento, à qualidade e às concepções político-pedagógicas norteadoras, entre outros. A defesa da centralidade não negligencia ou desconhece limites na formulação do PNE, mas tem por eixo o esforço realizado, por meio de ampla participação da sociedade civil e política, em direção a um Plano de Estado para a educação brasileira, visando à garantia do direito a educação para todos/as (DOURADO, 2017, p. 176).

Portanto, tornar-se epicentro é, para além de um lugar no âmbito da construção da política, uma tomada de consciência sob o seu caráter processual. Isso coloca o PNE 2014-2024 como o resultado possível de uma constituição hegemônica da pauta educacional brasileira, na chegada à segunda década do século XXI. Um exercício, no Estado Integral (GRAMSCI, 2007GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Maquiavel. Notas sobre o Estado e política. 3a. ed. Edição e tradução de Carlos Nelson Coutinho. Coedição deLuiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. v. 3.), de diálogo e proposição entre sociedade civil e sociedade política.

Ancorado no suporte teórico e metodológico gramsciano, sobretudo na concepção de Estado e educação, o autor organiza os três capítulos do livro, partindo da contextualização histórica dos planos; apresenta uma avaliação do PNE 2014-2024, a partir de notas teóricas destacando avanços, limites e ambiguidades do plano, demonstrando a não linearidade entre proposições e materializações das políticas. Analisa, no Capítulo 3, as 20 metas do PNE, agrupadas em quatro eixos: educação básica, educação superior, valorização dos profissionais da educação, e gestão democrática e financiamento da educação. Antes das considerações finais, o autor ainda apresenta os diferentes dispositivos usados pelo governo federal, sobretudo após o impeachment da Presidenta Dilma, em 2016, que revelam um cenário de retrocessos e comprometem a materialização do PNE.

O contexto histórico de elaboração, aprovação e implementação das leis educacionais brasileiras é marcado por processos tensos e intensos, de tentativas de construção de consensos, em meio a muitos mecanismos coercitivos. Os projetos de lei, planos de governo, leis e decretos, impulsionados por manifestos e conferências, revelam as lutas travadas entre sociedade política e sociedade civil, bem como no interior de cada uma delas. Disputas permanentes, nesses processos, giram em torno dos interesses públicos e privados, bem como das defesas pela desresponsabilização do Estado para com a educação, pela via dos mecanismos de descentralização versus centralização, por fim, da explicitação de concepções inconciliáveis de educação: de um lado a perspectiva emancipatória e de formação humana integral; de outro a visão de uma educação que serve aos interesses do mercado. Finalizando essa retrospectiva, o autor afirma:

Identificar e analisar esse quadro histórico - cuja centralidade vem se traduzindo pelas políticas e ações de Governo, em detrimento de políticas de Estado e cujas lógicas e dinâmicas de planejamento, gestão e financiamento não contribuem, efetivamente, para se avançar na construção coletiva e efetivação de políticas de Estado - é fundamental, sobretudo se consideramos o esforço histórico a ser feito para garantir a efetiva materialização do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), aprovado e sancionado, sem vetos, por meio da Lei nº 13.005/2014, após quase quatro anos de complexa e disputada tramitação no Congresso Nacional (DOURADO, 2017, p. 39-40).

A explicitação dos desafios postos ao PNE 2014-2024, mesmo após sua aprovação sem vetos, dá-se pela necessidade de sua materialização. O autor, além do referencial gramsciano para pensar o Estado, a correlação de forças contraditórias, a resultante de uma hegemonia encouraçada de coerção etc., aprofunda as questões da efetivação das políticas, à luz das reflexões de Stephen J. Ball, em sua teoria sobre o ciclo de políticas, quando afirma que: “A prática é composta de muito mais do que a soma de uma gama de políticas e é tipicamente investida de valores locais e pessoais e, como tal, envolve a resolução de, ou luta com, expectativas e requisitos contraditórios - acordos e ajustes secundários fazem-se necessários” (DOURADO, 2017, p. 43).

Com sua explicitação, as expectativas, os requisitos contraditórios, os acordos e os ajustes secundários ficam evidentes no processo de tramitação e aprovação da Lei nº 13.005/2014. Como parte integrante de um processo de intensas mobilizações da sociedade civil, com destaque para as conferências de educação e de implementação de vários programas e políticas no âmbito federal, desde 2003, o PNE 2014-2024 é resultante do “duplo papel ideológico desse movimento - a negação e, paradoxalmente, a participação da sociedade nas questões educacionais -, mediatizado por uma concepção política, cuja égide consiste, no campo dos direitos sociais, na prevalência de uma cidadania regulada e, consequentemente, restrita” (DOURADO, 2017, p. 46).

O terceiro e último capítulo, robusto em tamanho e densidade empírica, analisa as 20 metas do PNE 2014-2024, problematizando potencialidades e limites para a sua materialização. Tomando como referência para suas reflexões o Relatório do 1º ciclo de monitoramento das metas do PNE: biênio 2014-2016, produzido pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), apresenta um conjunto de dados e análises sobre os desafios da realidade da educação, em todas as suas etapas, níveis e modalidades, mantendo sua defesa inconteste de uma educação pública, gratuita, de qualidade social, laica e democrática, bem como da regulamentação do setor privado e sua democratização, perante a tensa relação quantidade e qualidade.

As reflexões, ao final dessa obra, convocam-nos para a luta, o que nos remete a Cury (2002CURY, C.R.J. Direito a educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 245-262, jul. 2002.), que já afirmava no início do século XXI:

A importância da lei não é identificada e reconhecida como um instrumento linear ou mecânico de realização de direitos sociais. Ela acompanha o desenvolvimento contextuado da cidadania em todos os países. A sua importância nasce do caráter contraditório que a acompanha: nela sempre reside uma dimensão de luta. Luta por inscrições mais democráticas, por efetivações mais realistas, contra descaracterizações mutiladoras, por sonhos de justiça. Todo o avanço da educação escolar além do ensino primário foi fruto de lutas conduzidas por uma concepção democrática da sociedade em que se postula ou a igualdade de oportunidades ou mesmo a igualdade de condições sociais (CURY, 2002CURY, C.R.J. Direito a educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 245-262, jul. 2002., p. 247).

Corroborando Cury (2002CURY, C.R.J. Direito a educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 245-262, jul. 2002.), a defesa do PNE 2014-2024, pelo Professor Luiz Dourado, como epicentro das políticas de Estado para a educação brasileira, insere-se num contexto de lutas e resistências que a sociedade civil do campo da educação vem empreendendo por meio do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE) e da construção coletiva da Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE), prevista para 2018.

Referências

  • CURY, C.R.J. Direito a educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 245-262, jul. 2002.
  • GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Maquiavel. Notas sobre o Estado e política. 3a. ed. Edição e tradução de Carlos Nelson Coutinho. Coedição deLuiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. v. 3.
  • TEIXEIRA, A. Plano nacional de educação. Referente aos fundos nacionais de ensino primário, médio e superior. Documenta, Rio de Janeiro, n. 8, p. 24-31, out. 1962. Disponível em: <Disponível em: http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/plano1.html >. Acesso em: 20 dez. 2017.
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    Resenha do livro

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2018
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2017
  • Aceito
    01 Fev 2018
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