Acessibilidade / Reportar erro

A EDUCAÇÃO NO ATUAL CENÁRIO POLÍTICO ECONÔMICO MUNDIAL

APRESENTAÇÃO

No cenário de importantes mudanças estruturais e organizacionais que se desenhavam no horizonte da educação, os Seminários de Educação Brasileira (SEBs) buscaram contribuir com reflexões transversais, estabelecendo relações entre esses distintos aspectos dessas mudanças e a efetivação do direito à educação de qualidade. Assim, orientando essas reflexões encontraram-se temas como: mudanças nas estruturas ocupacional e socioespacial (cidade e campo); estratégias articuladas para o acompanhamento da participação dos sujeitos sociais coletivos nas políticas e programas nacionais de educação; formação e valorização docente; a escola em tempo integral, entre outros.

O VI SEB, dando continuidade a essa trajetória, abordou a problemática: A educação no atual cenário político-econômico mundial. Nessa edição, as reflexões inscreveram-se em um cenário conturbado, no qual a educação brasileira vive retrocessos, após grandes expectativas geradas a partir da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.) logo, em certa medida, frustradas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9394. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.) e pelo Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001BRASIL. Plano Nacional de Educação 2001-2010, Lei nº 10.172. Diário Oficial da União, Brasília, 9 jan. 2001.). Essas esperanças foram, aos poucos, desconstruídas pelas mudanças ocorridas no cenário político-econômico, as quais determinaram novas prioridades em prejuízo das políticas públicas sociais, em especial no campo da educação.

A pressão dos agentes econômicos nacionais e internacionais fortaleceu uma nova onda de conservadorismo neoliberal. Ao mesmo tempo, foram desvelados impressionantes escândalos de corrupção em que, coordenadamente, setores estatais e privados juntaram forças para ampliar a privatização do Estado e a desconstrução do projeto público de nação e de uma sociedade mais igual e justa. Uma das estratégias desse projeto privatizante foi desacreditar a educação pública respaldada no preceito constitucional da concepção de educação como direito subjetivo e dever do Estado.

Considera-se que as questões da educação estão sendo tratadas com base no gerencialismo e orientadas pela lógica mercantilista que faz da educação mera mercadoria. Trata-se da implantação de um modelo de desenvolvimento político, econômico e humano pautado nos princípios do capital humano, por sua vez referenciado no modo de produção/acumulação capitalista (LAVAL et al., 2012LAVAL, C. et al. La nouvelle école capitaliste. Paris: La Découverte, 2012. (La Découverte Poche / Sciences humaines et sociales, nº 370).). Nesses termos, as reformas educacionais que foram e vêm sendo implantadas mostram que o modelo educacional brasileiro está sendo ajustado aos interesses e às exigências de um mercado global, em prejuízo tanto da realidade nacional, com suas prerrogativas econômico-sociais, quanto dos ideais pedagógicos de formação humana.

No campo das políticas educacionais atualmente em curso, o que mais importa aos agentes do neoliberalismo é despolitizar e ajustar sistemicamente as pessoas conforme as supostas incontornáveis exigências da globalização, em flagrante desrespeito ao inequívoco dispositivo constitucional, segundo o qual cabe à educação promover o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Em sentido oposto, o interesse do sistema neoliberal consiste na autotransformação do sujeito em agente produtivo cujas ambições de autoestima não ultrapassem os limites da mais estrita subserviência aos interesses do capital (DARDOT; LAVAL, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. ). Nos termos das políticas públicas gerenciais vigentes, campos referentes a direitos subjetivos, como educação, saúde e segurança, deixam de ser objeto de leis positivas para serem expostos à precarização da responsabilidade individual.

Com isso, os campos sociais destituídos de recursos são relegados a seu próprio destino e responsabilizados por seu próprio fracasso. A educação pública, direito de todos e dever do Estado, é abandonada e, o quanto possível, privatizada em nome da falta de eficiência e de recursos que, no mais, não faltam a outros setores de maior interesse econômico.

Fazem parte dessa estratégia: a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, de 16 de dezembro de 2016 (BRASIL, 2016BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 15 dez. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm >. Acesso em: 24 set. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con...
), que congela por 20 anos os investimentos em políticas públicas inviabilizando a realização das metas do Plano Nacional de Educação (PNE); o não cumprimento da destinação de 10% do produto interno bruto (PIB) para a educação; a Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017, da terceirização irrestrita (BRASIL, 2017bBRASIL. Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei nº 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário, e versa sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Diário Oficial da União, Brasília, 31 mar. 2017b. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm >. Acesso em: 24 set. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
); a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, da reforma trabalhista (trabalho intermitente) (BRASIL, 2017cBRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, nº 8.036, de 11 de maio de 1990, e nº 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, 14 jul. 2017c. Disponível em: <Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Lei-13467-2017.htm >. Acesso em: 24 set. 2019.
http://www.normaslegais.com.br/legislaca...
); a Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, da reforma do ensino médio (BRASIL, 2017aBRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e nº 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União, Brasília, 17 fev. 2017a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm>. Acesso em: 24 set. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
); e a Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017, que instituiu e orientou a implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2017dBRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017. Institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica. Resolução CNE/CP 2/2017. Diário Oficial da União, Brasília, 22 dez. 2017d. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79631-rcp002-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192 >. Acesso em: 24 set. 2019.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
). O sujeito cidadão deixa de ser a entidade de referência do modelo educacional posto, por inteiro, a serviço do sistema econômico. Os procedimentos e as exigências técnicas, propostos pelo sistema econômico neoliberal mundial, transformam, ultrapassando, em nome da eficiência e de seus interesses, o limiar de qualquer visão política, social e ética centrada no sujeito e em uma sociedade mais justa. Perde-se a noção de bem público acessível a todos por direito; dissolve-se o conceito de cidadania; transforma-se a educação/formação em aprendizagem e treinamento; reduz-se a constituição própria do nacional e social, promovendo novas formações de integração dos indivíduos e grupos que passam a ser modelados, em todas as esferas, privadas e sociais, sem garantias de mobilidade social e direito à igualdade. Essas constatações representam um desafio inarredável de pensar a educação neste novo cenário.

Com a intenção de refletir sobre a realidade que se apresentava em fins de 2018, a revista Educação & Sociedade publica o presente Dossiê a partir da colaboração de pesquisadores convidados, que contribuíram com a realização do VI SEB e que encaminharam seus artigos para publicação, revisados após os debates, finalizado o encontro.

Todavia, antes de concluirmos esta apresentação, destacamos a contribuição do amigo e pesquisador Reginaldo Carmello de Moraes, autor do artigo que abre este Dossiê e que pronunciou a Conferência de Abertura do VISEB. A ele (in memoriam) nossos profundos agradecimentos.

Referências

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
  • BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9394. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.
  • BRASIL. Plano Nacional de Educação 2001-2010, Lei nº 10.172. Diário Oficial da União, Brasília, 9 jan. 2001.
  • BRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 15 dez. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm >. Acesso em: 24 set. 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm
  • BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e nº 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União, Brasília, 17 fev. 2017a. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm>. Acesso em: 24 set. 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm
  • BRASIL. Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei nº 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário, e versa sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Diário Oficial da União, Brasília, 31 mar. 2017b. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm >. Acesso em: 24 set. 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm
  • BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, nº 8.036, de 11 de maio de 1990, e nº 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, 14 jul. 2017c. Disponível em: <Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Lei-13467-2017.htm >. Acesso em: 24 set. 2019.
    » http://www.normaslegais.com.br/legislacao/Lei-13467-2017.htm
  • BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017. Institui e orienta a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a ser respeitada obrigatoriamente ao longo das etapas e respectivas modalidades no âmbito da Educação Básica. Resolução CNE/CP 2/2017. Diário Oficial da União, Brasília, 22 dez. 2017d. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79631-rcp002-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192 >. Acesso em: 24 set. 2019.
    » http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79631-rcp002-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192
  • DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
  • LAVAL, C. et al La nouvelle école capitaliste. Paris: La Découverte, 2012. (La Découverte Poche / Sciences humaines et sociales, nº 370).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019
Centro de Estudos Educação e Sociedade - Cedes Av. Berttrand Russel, 801 - Fac. de Educação - Anexo II - 1 andar - sala 2, CEP: 13083-865, +55 12 99162 5609, Fone / Fax: + 55 19 3521-6710 / 6708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: revistas.cedes@linceu.com.br