Acessibilidade / Reportar erro

NOVOS CAMINHOS PARA A SOCIOLOGIA: TECNOLOGIAS EM EDUCAÇÃO E ACCOUNTABILITY DIGITAL

NEW PATHS TO SOCIOLOGY: TECHNOLOGIES IN EDUCATION AND DIGITAL ACCOUNTABILITY

NUEVOS CAMINOS HACIA LA SOCIOLOGÍA: TECNOLOGÍAS EN EDUCACIÓN Y ACCOUNTABILITY DIGITAL

RESUMO

O artigo começa por abordar a sociologia digital e descrever algumas expressões do capitalismo atual, para depois situar a emergência de uma accountability digital. É tida em conta a realidade de alguns sistemas educativos em relação ao impacto das plataformas e à urgência de discutir como o seu uso está a ser, ou pode ser, relacionado com a problemática da accountability. Considerando que a dataficação não é neutra, nem ética nem politicamente, ressalta-se a necessidade de garantir processos de coleta e tratamento de dados que sejam viáveis em termos de transparência e democraticamente escrutináveis, evitando que questões importantes em educação sejam deixadas à ação (ou decisão) dos algoritmos e plataformas digitais como instrumentos, cada vez mais poderosos, de administração e gestão.

Palavras-chave
Sociologia; Capitalismo; Tecnologias em educação; Accountability digital

ABSTRACT

The article begins exploring the digital sociology and describing some expressions of the current capitalism, in order to situate the emergence of a digital accountability. It is taken into account the reality of some educational systems in relation to the impact of the platforms and the urgency to discuss how their use is being, or can be, related to the problem of accountability. Considering that datafication is not neutral, neither ethically nor politically, it is highlighted the need to guarantee processes for data collection and processing that are viable in terms of transparency, and democratically open to scrutiny, avoiding that important questions in education are left to the action (or decision) of the algorithms and digital platforms as increasingly powerful administration and management tools.

Keywords
Sociology; Capitalism; Technologies in education; Digital accountability

RESUMEN

El artículo empieza explorando la sociología digital y describiendo algunas expresiones del capitalismo actual, con el fin de situar el surgimiento de la accountability digital. Se tiene en cuenta la realidad de algunos sistemas educativos en relación al impacto de las plataformas y a la urgencia de discutir cómo su uso está, o puede estar, relacionado con el problema de la accountability. Considerando que la datificación no es neutral, ni ética ni políticamente, se enfatiza la necesidad de garantizar procesos de recolección y procesamiento de datos que sean viables en términos de transparencia y escrutinio democrático, evitando que cuestiones importantes en educación sean dejadas a la acción (o decisión) de los algoritmos y las plataformas digitales como herramientas cada vez más poderosas, de administración y gestión

Palabras-clave
Sociología; Capitalismo; Tecnologías en educación; Accountability digital

Introdução

As inovações tecnológicas, nomeadamente as que dizem respeito às tecnologias digitais, estão no cerne das sociedades contemporâneas, estruturando o trabalho de instituições e organizações de diferente natureza; as formas de governação, de administração e gestão; as condições de investigação; os processos (materiais e imateriais) de criação, produção e mercadorização; a criação de redes e estratégias de mobilização coletiva; o acesso à informação; a utilização de bases de dados, as teias que ocultam fins obscuros ou ilegítimos, mas também as práticas quotidianas de interação solidária e dialógica, entre muitas outras funções.

No contexto nacional ou no contexto transnacional, a educação é um campo complexo e diversificado, particularmente propício à expansão e ao uso das tecnologias digitais. Não por acaso está a ser disputado pelas grandes empresas mundiais da área, muitas das quais têm aproveitado a atual crise pandémica para criar novas oportunidades de expansão. Contudo, a dimensão económica é apenas uma das muitas dimensões das tecnologias. Por isso, as abordagens ao digital são muito diversificadas, nomeadamente em termos disciplinares, teórico-concetuais e metodológicos.

Este texto começa por fazer uma aproximação ao enfoque que tem sido designado de sociologia digital, seguindo-se a caracterização de algumas formas ou características do capitalismo atual, a fim de situar a emergência de uma accountability digital. Na última parte, é tida em consideração, de forma pontual, a realidade de alguns sistemas educativos em relação ao impacto das plataformas e à necessidade de discutir como é que o seu uso está a ser (ou pode ser) relacionado com a problemática da accountability.

A Sociologia Digital e a Sociologia da Educação

Temos hoje uma consciência mais nítida e crítica das diferentes e contraditórias implicações das tecnologias digitais na reestruturação e na reconfiguração das sociedades contemporâneas. E também temos ciência da reconfiguração das próprias disciplinas, como é o caso da sociologia. A esse propósito, talvez seja demasiado enfático escrever que “o primeiro desafio intelectual para o futuro sociológico decorre das transformações tecnológicas das últimas duas décadas” (ABBOTT, 2000ABBOTT, A. Reflections on the future of sociology. Contemporary Sociology, Albany, v. 29, n. 2, p. 296-300, 2000. https://doi.org/10.2307/2654383
https://doi.org/10.2307/2654383...
, p. 298), mas as mudanças (ou metamorfoses) são profundas e, por isso, não podem deixar de ser consideradas. Em sentido idêntico, aliás, argumenta-se que “é necessário não apenas o aperfeiçoamento de aspectos tecnológicos da pesquisa [...] mas, fundamentalmente, o avanço em termos do significado epistemológico destas tecnologias para a imaginação sociológica” (NASCIMENTO, 2016NASCIMENTO, L. F. A sociologia digital: um desafio para o século XXI. Sociologias, Porto Alegre, n. 41,p. 216-241, 2016. https://doi.org/10.1590/es0101-73302018206229
https://doi.org/10.1590/es0101-733020182...
, p. 216).

No seu último livro, A Metamorfose do Mundo, o sociólogo Ulrich Beck não esqueceu de chamar a atenção para a “metamorfose digital”:

A metamorfose digital é essencialmente diferente da revolução digital. A revolução digital descreve uma mudança social em grande parte tecnologicamente determinada que captura o nível cada vez maior de interconectividade e de intercâmbio global. [...] A metamorfose digital, pelo contrário, tem que ver com os efeitos secundários não intencionais e normalmente não visíveis que criam sujeitos metamorfoseados – ou seja, humanos digitais

(BECK, 2017BECK, U. A metamorfose do mundo. Como as alterações climáticas estão a transformar a sociedade. Lisboa: Edições 70, 2017., p. 184-185).

Já o “risco digital global” é aquele a que estamos sujeitos quando está em causa a nossa liberdade e autonomia através da recolha e uso de dados sem o nosso consentimento, e quando as instituições democráticas não são capazes de regular outros poderes que a isso se sobrepõem: “Há uma nova intelligentsia digital, uma nova classe dirigente transnacional, que utiliza a cosmopolitização digital como um recurso de poder para remodelar o mundo” (BECK, 2017BECK, U. A metamorfose do mundo. Como as alterações climáticas estão a transformar a sociedade. Lisboa: Edições 70, 2017., p. 187).

Talvez por isso, depois de algumas resistências, “vemos desenvolver-se uma sociologia digital” (WITTE, 2012WITTE, J. C. A ciência social digitalizada: avanços, oportunidades e desafios. Sociologias, Porto Alegre, n. 31, p. 52-92, 2012. https://doi.org/10.1590/S1517-45222012000300004
https://doi.org/10.1590/S1517-4522201200...
, p. 52). Trata-se, essencialmente, de uma nova designação, uma vez que os sociólogos começaram por ter interesse nas realidades virtuais com a Internet, nomeando esse interesse de formas muito diferentes: cibersociologia, sociologia da Internet, sociologia das comunidades online, sociologia dos media, sociologia da cibercultura (LUPTON, 2012LUPTON, D. Digital Sociology: An Introduction. Sydney: University of Sydney, 2012.). Assim, “essa mudança na terminologia está em consonância com outras subdisciplinas que se concentram nas tecnologias digitais, incluindo as humanidades digitais, as culturas digitais, a antropologia digital e a geografia digital (LUPTON, 2015LUPTON, D. Digital Sociology. Abingdon: Routledge, 2015., p. 12). Na verdade, ao longo do período de desenvolvimento da sociologia, nomeadamente na obra de autores clássicos, sempre esteve presente o interesse pelos avanços tecnológicos do seu tempo e, nesse sentido, poder-se-ia dizer que “não há nada de radicalmente novo em torno da ideia da sociologia digital” (SELWYN, 2019SELWYN, N. What is digital sociology? Cambridge: Polity Press, 2019., p. 16).

No entanto, a complexidade e a diversidade tecnológicas são cada vez maiores e os problemas decorrentes também não são os mesmos. Entre muitas outras coisas, novo é certamente o facto de os sociólogos estudarem as tecnologias digitais e eles próprios as usarem como instrumentos de pesquisa e de trabalho. Nesse sentido,

[...] o novo campo da sociologia digital vai muito além de uma análise do digital. Ele levanta questões sobre quais devem ser atualmente os focos e os métodos de pesquisa e de teorização sociológica. Como tal, os sociólogos que escrevem sobre as tecnologias digitais são contribuintes importantes para os debates sobre o futuro da sociologia, e como a disciplina pode permanecer vibrante, criativa e dar conta dos novos desenvolvimentos e mudanças sociais

(LUPTON, 2015LUPTON, D. Digital Sociology. Abingdon: Routledge, 2015., p. 190).

Na verdade, as mudanças sociais, políticas, económicas e culturais não deixaram nunca de interpelar as ciências sociais e humanas, nomeadamente aquelas que refletem e pesquisam sobre a educação. Mas certamente não o fazem de forma sincrónica, nem da mesma maneira. Por exemplo, no que diz respeito à sociologia da educação, por comparação com outros subcampos da sociologia, foi mais tardia a assunção do digital como novo objeto de estudo, o que, segundo alguns autores, explica que a tecnologia educacional se tenha tornado “em si mesma, uma área importante de estudo educacional, com pouca ou nenhuma contribuição sociológica” (Selwyn; Facer, 2014SELWYN, N.; FACER, K. The sociology of education and digital technology: past, present and future. Oxford Review of Education, v. 40, n. 4, p. 482-496, 2014. https://doi.org/10.1080/03054985.2014.933005
https://doi.org/10.1080/03054985.2014.93...
, p. 486).

Num artigo (atente-se à sua data) em que revisita momentos importantes de “algumas sociologias da educação”, Stephen Ball (2008)BALL, S. J. Some sociologies of education: a history of problems and places, and segments and gazes. The Sociological Review, Oxford, v. 56, n. 4, p. 650-669, 2008. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.2008.00809.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.2008...
nada refere sobre o digital – o que coincide com a não presença desse objeto de estudo em períodos ainda relativamente recentes. Há menos de uma década atrás, a sociedade digital, nomeada apenas como uma das dimensões da globalização, não fez parte da “seleção de questões significativas e emergentes” em sociologia da educação, pelo menos do ponto de vista dos membros do comitê especializado nesse campo, no âmbito da Associação Internacional de Sociologia (Dworkin et al., 2013DWORKIN, A. G. et al. The sociology of education. Sociopedia.isa, [s. l.], p. 1-16, 2013. https://doi.org/10.1177/2056846013122
https://doi.org/10.1177/2056846013122...
), embora, algum tempo antes, curiosamente, “as novas conectividades da educação digital” (Selwyn, 2010SELWYN, N. The ‘new’ connectivities of digital education. In: APPLE, M. W.; BALL, S. J.; GANDIN, L. A. The Routledge International Handbook of the Sociology of Education. London: Routledge, 2010. p. 90-98.) já fossem tema de um capítulo do International Handbook of the Sociology of Education.

Entretanto, a situação mudou ao ponto de alguns autores considerarem que os sociólogos da educação podem desempenhar um papel significativo na concepção das organizações educativas da era digital (Natriello, 2001NATRIELLO, G. Bridging the second digital divide: what can sociologists of education contribute? Sociology of Education, Washington, v. 74, n. 3, p. 260-265, 2001. https://doi.org/10.2307/2673278
https://doi.org/10.2307/2673278...
), enquanto outros destacam o interesse pela expansão temporal e espacial dos processos educacionais que se inscrevem na crescente “pedagogização digital de áreas da vida social anteriormente não-pedagogizadas”; discutem o acesso a ambientes virtuais de aprendizagem que esbatem a distinção entre aprendizagem formal e informal; ou problematizam a relação das tecnologias digitais com os processos de “hiperindividualização da educação” – aspetos que coexistem com as persistentes desigualdades sociais e educacionais associadas aos usos dessas mesmas tecnologias (Selwyn; Facer, 2014SELWYN, N. Data entry: towards the critical study of digital data and education. Learning, Media and Technology, Abingdon, v. 40, n. 1, p. 64-82, 2015. https://doi.org/10.1080/17439884.2014.921628
https://doi.org/10.1080/17439884.2014.92...
, p. 487-488). Os temas e objetos tradicionais da sociologia da educação devem, portanto, ser repensados, porque as instituições de educação e os lugares e as experiências de aprendizagem estão a ser profundamente alterados pela internacionalização e reconfiguração do capitalismo, chamando assim a atenção para processos emergentes muito heterogéneos, para além daqueles que se desenvolvem nos contextos nacionais ou institucionalmente delimitados, e que só podem ser compreendidos enquanto processos móveis, flexíveis, fluidos e em rede (Landri; Neumann, 2014LANDRI, P.; NEUMANN, E. Mobile sociologies of education. European Educational Research Journal, Glascow, v. 13, n. 1, p. 1-8, 2014. https://doi.org/10.2304/eerj.2014.13.1.1
https://doi.org/10.2304/eerj.2014.13.1.1...
).

Em qualquer caso, tem sido reclamada a necessidade de um contributo mais sistemático e frequente, bem como um envolvimento maior por parte dos sociólogos para a problematização crítica das tecnologias digitais. Com efeito, o uso das tecnologias na educação remete necessariamente para aspetos sociais, económicos, políticos e culturais mais amplos, de tal forma que a necessidade de uma “sociologia da tecnologia educacional” parece ter também cada vez mais sentido (Selwyn, 2012SELWYN, N. Making sense of young people, education and digital technology: the role of sociological theory. Oxford Review of Education, Oxford, v. 38, n. 1, p. 81-96, 2012. https://doi.org/10.1080/03054985.2011.577949
https://doi.org/10.1080/03054985.2011.57...
, p. 93).

Atualmente, como sabemos, apesar das desigualdades e défices que continuam a subsistir a vários níveis do sistema educativo, as tecnologias digitais já não são novidade no quotidiano das escolas. Utilizadas cada vez mais como recurso no trabalho didático-pedagógico e noutras atividades educativas, bem como no suporte de redes de interação com outras escolas e com a sociedade em geral, tornaram-se sobretudo indispensáveis nas tarefas de administração e gestão. Este novo facto social acabou por despertar igualmente a atenção sociológica, sendo agora esperado ter em conta dimensões menos discutidas e fazer novos questionamentos que ampliem a compreensão dessas tecnologias, enquanto (também) tecnologias de dominação, controlo e alienação; meios de publicitação competitiva ou de marketing educacional; instrumentos para o desenvolvimento de formas de accountability digital, entre outras funções. Trata-se, sobretudo, de “uma sociologia digital que deve ser impulsionada por um permanente estado de desconforto e insatisfação”, um “ceticismo ativo e comprometido” (SELWYN et al., 2016SELWYN, N.; NEMORIN, S.; BULFIN, S.; JOHNSON, N. Toward a digital sociology of school. In: DANIELS, J.; GREGORY, K.; MNMILLAN COTTOM, T. (eds.), Digital Sociologies. Bristol: Policy Press, 2016. p. 143-158., p. 144). Para além dessas questões, colocam-se, também, interrogações muito críticas que remetem para a educação digital como ideologia, para os significados que são produzidos por meio das tecnologias digitais e para as relações com os poderes dominantes (SELWYN et al., 2016SELWYN, N.; NEMORIN, S.; BULFIN, S.; JOHNSON, N. Toward a digital sociology of school. In: DANIELS, J.; GREGORY, K.; MNMILLAN COTTOM, T. (eds.), Digital Sociologies. Bristol: Policy Press, 2016. p. 143-158., p. 144).

Os Novos Epítetos do Capitalismo: Digital, de Plataforma e de Vigilância

A recolha de dados é uma tarefa historicamente antiga, sendo, aliás, umas das funções características do Estado moderno como aparelho político-administrativo (“modern state was an information-gathering apparatus” [Lucas, 2020LUCAS, R. The surveillance business. New Left Review, London, n. 121, p. 132-141, 2020., p. 140]). Além disso, há mais de dois séculos que a “fome de informação do Estado estatístico”, como lhe chamou Hermínio Martins (2003, p. 68)MARTINS, H. Aceleração, progresso e experimentum humanum. In: MARTINS, H.; GARCIA, J. L. (orgs.). Dilemas da civilização tecnológica. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003. p. 19-77., se expressa e se atualiza de várias formas. Nesse âmbito político-administrativo e para além dele, nas últimas décadas, esse processo tornou-se exponencial por causa da quantidade, da velocidade e da variedade de dados e informações que é possível armazenar e tratar graças às novas tecnologias digitais. São agora as plataformas digitais que têm um “insaciável apetite de dados” (COULDRY; MEJIAS, 2019COULDRY, N.; MEJIAS, U. A. Making data colonialism liveable: how might data’s social order be regulated? Internet Policy Review, Berlin, v. 8, n. 2, p.1-16, 2019. https://doi.org/10.14763/2019.2.1411
https://doi.org/10.14763/2019.2.1411...
), sobretudo quando esses “parecem prometer uma nova era de precisão e objetividade” na definição de políticas e formas de governação cientificamente informadas (Williamson; Piattoeva, 2019WILLIAMSON, B.; PIATTOEVA, N. Objectivity as standardization in data-scientific education policy, technology and governance. Learning, Media and Technology, Abingdon, v. 44, n. 1, p. 64-76, 2019., p. 64).

Trata-se de uma mudança profunda, sobretudo porque “os dados estão a tornar-se um novo tipo de matéria-prima, a par do capital e do trabalho” (WEF, 2011WEF [WORLD ECONOMIC FORUM]. Personal data: the emergence of a new asset class. Geneva: WEF, 2011. http://www3.weforum.org/docs/WEF_ITTC_PersonalDataNewAsset_Report_2011.pdf
http://www3.weforum.org/docs/WEF_ITTC_Pe...
, p. 7). Não por acaso, a nova forma de exploração de dados e informações baseada em plataformas digitais já foi designada por capitalismo de plataformas (platform capitalism): “No século XXI o capitalismo centra-se na extração e no uso de um tipo particular de matéria-prima: os dados” (Srnicek, 2018SRNICEK, N. Capitalismo de plataformas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Cajanegra Editora, 2018., p. 41). Essa avidez das plataformas digitais por dados tem assim alguma coisa de semelhante à ânsia de acumulação capitalista. Talvez por isso se possa considerar também como capitalismo digital a fase em que a economia de mercado é impulsionada e dinamizada por plataformas digitais que geram novos ciclos de acumulação de capital (de Rivera, 2018DE RIVERA, J. Guía para entender y combatir el capitalismo digital. Papeles, Madrid, n. 144, p. 79-89, 2018.).

Seja sob a forma de exploração, expropriação ou dominação, nada que não possa levar (ou não esteja já a levar) a formas de apropriação ilegítima de dados – entendida (em sentido amplo) como “colonialismo dos dados”, nomeadamente quando se trata de capitalizar informações relativas à vida das próprias pessoas (COULDRY; MEJIAS; 2018COULDRY, N.; MEJIAS, U. A. Data colonialism: rethinking big data’s relation to the contemporary subject. Television & New Media, Thousand Oaks, v. 20, n. 4, p. 336-349, 2018. https://doi.org/10.1177/1527476418796632
https://doi.org/10.1177/1527476418796632...
, 2019COULDRY, N.; MEJIAS, U. A. Making data colonialism liveable: how might data’s social order be regulated? Internet Policy Review, Berlin, v. 8, n. 2, p.1-16, 2019. https://doi.org/10.14763/2019.2.1411
https://doi.org/10.14763/2019.2.1411...
). Mais concretamente, o capitalismo não apenas “fez deslanchar a chamada era das mutações tecnológico-informacionais-digitais” (ANTUNES, 2020ANTUNES, R. O privilégio da servidão. O novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 83), como também tem vindo a induzir novos modos de vigilância e novas formas de modificação dos nossos comportamentos.

Como escreve Shoshana Zuboff, “ao invés do trabalho, o capitalismo da vigilância alimenta-se de todos os aspetos inerentes à experiência humana”, considerada “matéria-prima gratuita” a ser transformada em dados comportamentais. Nesse sentido, faz emergir “uma lógica que impregna a tecnologia e controla o seu uso” (ZUBOFF, 2020ZUBOFF, S. A era do capitalismo da vigilância. A disputa por um futuro humano na nova fronteira do poder. Lisboa: Relógio D’Água, 2020., p. 23-24, p. 29). O capitalismo da vigilância recorre a plataformas, inteligência artificial, algoritmos ou outras tecnologias, e não se percebe fora do meio digital, mas as suas manifestações são mais profundas e ardilosas porque o seu “poder instrumentarista” invade a nossa privacidade, é manipulador e obscuro. Também por isso, “o capitalismo da vigilância deve ser antes entendido como uma força social profundamente antidemocrática” (ZUBOFF, 2020ZUBOFF, S. A era do capitalismo da vigilância. A disputa por um futuro humano na nova fronteira do poder. Lisboa: Relógio D’Água, 2020., p. 571).

Democracia, Transparência e Accountability Digital

Partidos políticos, grupos de interesse e movimentos sociais diversos, com tendências político-ideológicas muito distintas, têm utilizado as tecnologias digitais, tanto como meio para ameaçar a democracia quanto como instrumento para reforçar os processos democráticos. Tanto alimentam fake news e populismos de extrema-direita quanto incentivam lutas pelos direitos sociais e protestos contra as desigualdades e injustiças – neste último caso, são as Redes de Indignação e Esperança, como as designou num dos seus livros Manuel Castells (2013)CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013..

No caso das plataformas digitais, também elas ligadas em rede, trata-se não apenas de instrumentos de trabalho, mas também de ferramentas ou dispositivos utilizados para uma variedade de funções. Pela sua centralidade, são muitas (e até contraditórias) as abordagens críticas que podem ser feitas em torno das plataformas. Ao contrário do que se possa pensar, as plataformas digitais não são dispositivos ou instrumentos neutros que apenas servem como facilitadores ou mediadores. Entre outras razões, a suposta neutralidade das plataformas começou a ser posta em causa quando se percebeu o seu poder de reconfigurar as ações e relações dos diversos usuários (MOOS; FORD, 2020MOOS, G.; FORD, H. How accountable are digital platforms? In: DUTTON, W. H. (ed.). A research agenda for digital politics. Cheltenham: Edward Elgar Pub., 2020. p. 97-109.).

As plataformas digitais também reorganizam as nossas práticas e confrontam os nossos próprios valores. “As plataformas não são construções neutras nem constructos livres de valores; elas contêm normas e valores específicos inscritos nas suas arquiteturas” (van Dijck; Poell; Waal, 2018VAN DIJCK, J.; POELL, T.; WAAL, M. The platform society: public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018., p. 3). Essa dimensão, aliás, está bem presente no subtítulo do livro destes últimos autores, The Platform Society: Public Values in a Connection World. Nele, reconhece-se que o debate sobre a natureza económica ou a influência social das plataformas tem sido mais frequente e está mais avançado do que o debate em torno dos valores que elas suscitam, nomeadamente quando se confrontam os valores da privacidade, da segurança, da precisão, da proteção ao consumidor e os valores da transparência, da justiça, da igualdade, da solidariedade, da accountability.

Um problema importante tem a ver precisamente com a opacidade dos algoritmos e com a transparência dos dados. É que, para além do contexto nacional, “as nossas opiniões e comportamentos capturados por algoritmos ficam subordinados a empresas globais. E o espaço público torna-se opaco e distante” (CANCLINI, 2019CANCLINI, N. G. Ciudadanos reemplazados por algoritmos. Bielefeld: Bielefeld University Press, 2019., p. 10). Por isso, como adverte este último autor, exigir prestação de contas sobre o uso que os algoritmos fazem da nossa informação deveria conduzir a perguntas mais radicais sobre o tipo de hegemonia que está a instalar-se (CANCLINI, 2019CANCLINI, N. G. Ciudadanos reemplazados por algoritmos. Bielefeld: Bielefeld University Press, 2019., p. 81-82).

Sabemos que os algoritmos estão na base do funcionamento de diferentes tecnologias digitais em uso em diferentes áreas científicas e técnicas. E que as suas possibilidades são cada vez maiores e mais complexas, desde a realização de tarefas simples até à realização de tarefas que hoje nos parecem ainda improváveis: da automatização e da eliminação de certos procedimentos administrativos, passando pela comparação, comprovação e síntese de dados e informações, ou pela deteção de erros e fraudes, caminhando para a análise de padrões de comportamento, definição de modelos e tomada de decisões (CORTÉS, 2020CORTÉS, O. Algoritmos y algunos retos jurídico-institucionales para su aplicación en la Administración pública. Revista Vasca de Gestión de Personas y Organizaciones Públicas, Vitoria-Gasteiz, n. 18, p. 54-63, 2020.). No que diz respeito à inteligência artificial, há ainda muito mais caminho a percorrer, mas os avanços já permitem, por exemplo, detetar algumas dimensões sensoriais e de resposta emocional (LAGRANDEUR, 2015LAGRANDEUR, K. Emotion, artificial intelligence, and ethics. In: ROMPORTI, J.; ZACKOVA, E.; KELEMEN, J. (eds.). Beyond artificial intelligence. The disappearing human-machine divide. London: Springer, 2015. p. 97-110. Disponível em: https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-319-09668-1_7.pdf. Acesso em: 12 maio 2021.
https://link.springer.com/content/pdf/10...
). Há, portanto, muitas razões para que as questões relativas à ética, à transparência e, mais genericamente, à accountability, façam parte das agendas políticas, tendo em vista o controlo democrático sobre as funções e possibilidades das plataformas digitais e dos algoritmos cada vez mais complexos que nelas são utilizados.

Muitas das operações realizadas anteriormente por pessoas (desde transações comerciais a certas decisões governamentais) são agora (como que) “delegadas a algoritmos”. No entanto, essa mediação pode ter lacunas importantes ou implicar consequências graves. Por isso, cada vez mais se discute o que deve entender-se por ética dos próprios algoritmos (ver, p. ex., Mittelstadt et al., 2016MITTELSTADT, B. D.; ALLO, P.; TADDEO, M., WACHTER, S.; FLORIDI, L. The ethics of algorithms: mapping the debate. Big Data & Society, Thousand Oaks, p. 1-21, 2016. https://doi.org/10.1177/2053951716679679
https://doi.org/10.1177/2053951716679679...
). Também a transparência é em si mesma uma questão dilemática, como intrincada é a relação da transparência com um modelo ou sistema de accountability digital, ou mesmo a própria concepção de uma accountability algorítmica (p. ex., Ananny; Crawford, 2016ANANNY, M.; CRAWFORD, K. Seeing without knowing: limitations of the transparency ideal and its application to algorithmic accountability. New Media & Society, London, v. 20, n. 3, p. 973-989, 2016. https://doi.org/10.1177/1461444816676645
https://doi.org/10.1177/1461444816676645...
). Como refere Nicholas DiakopoulosDIAKOPOULOS, N. Algorithmic accountability. Digital Journalism, Abingdon, v. 3, n. 3, p. 398-415, 2015. https://doi.org/10.1080/21670811.2014.97641
https://doi.org/10.1080/21670811.2014.97...
, “a opacidade de algoritmos tecnicamente complexos operando em escala torna-os difíceis de escrutinar, levando a uma falta de clareza para o público em termos de como eles exercem o seu poder e influência” (2015, p. 398). Em qualquer dos casos, mesmo não se tendo avançado muito, a literatura já dá conta do fato de, em diferentes países, os públicos afetados terem necessidade de informação clara e compreensível sobre o modo como as plataformas são governadas, incluindo a questão da transparência, exatamente porque os processos são frequentemente opacos, mesmo para os observadores e utentes mais interessados.

Também por isso, existem pressões crescentes para que os cidadãos sejam ouvidos e participem dos debates sobre o poder das plataformas (MOOS; FORD, 2020MOOS, G.; FORD, H. How accountable are digital platforms? In: DUTTON, W. H. (ed.). A research agenda for digital politics. Cheltenham: Edward Elgar Pub., 2020. p. 97-109.). “A transparência é, sem dúvida, um dos principais valores democráticos” (INNERARITY, 2013INNERARITY, D. Un Mundo de Todos y de Nadie: piratas, riesgos y redes en el nuevo desorden global. Barcelona: Paidós, 2013., p. 94) e, nesse sentido, também é um princípio estruturante de qualquer modelo democrático de accountability. No entanto, a concretização do princípio da transparência através da adoção de políticas e práticas democráticas é uma questão complexa e com dimensões paradoxais. As visões que tendem a associar a verdade à transparência, a transparência às evidências e as evidências aos dados quantificáveis e mensuráveis dão como certo que os dados são sempre objetivos e não manipuláveis, quando se sabe que a obsessão pela transparência pode levar, em certas situações, paradoxalmente, à distorção desses mesmos dados (AFONSO, 2015AFONSO, A. J. Recuo ao cientificismo, paradoxos da transparência e corrupção em educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. esp., p. 1313-1326, 2015. https://doi.org/10.1590/S1517-9702201508145423
https://doi.org/10.1590/S1517-9702201508...
). Em qualquer caso, a advertência de CrouchCROUCH, C. Post-democracy after the crises. Cambridge: Polity Press, 2020. é pertinente quando escreve que “a democracia necessita de regras de transparência e honestidade de informação” (2020, p. 149). Também por isso, quando os dados podem ser tratados das formas mais diversas (incluindo a sua manipulação ilegítima), um dos atrativos das plataformas (ao contrário do que muitos pensam) não pode ser nunca “uma sensação reconfortante de neutralidade técnica” (GILLESPIE, 2010GILLESPIE, T. The politics of platforms. New Media & Society, London, v. 12, n. 3, p. 347-364, 2010. https://doi.org/10.1177/1461444809342738
https://doi.org/10.1177/1461444809342738...
, p. 360).

Dataficação e Accountability em Educação

A dataficação da educação compreende a recolha de dados a todos os níveis do sistema educativo, sobretudo em relação ao ensino, à aprendizagem e à gestão das escolas. Os dados têm vários objetivos e são recolhidos com o uso de uma ampla gama de tecnologias de rastreamento, deteção e análise. O uso das plataformas informáticas e o recurso a algoritmos permitem tratamentos e análises de crescente complexidade (Jarke; Breiter, 2019JARKE, J.; BREITER, A. Editorial: the datafication of education. Learning, Media and Technology, Abingdon, v. 44, n. 1, p. 1-6, 2019. https://doi.org/10.1080/17439884.2019.1573833
https://doi.org/10.1080/17439884.2019.15...
).

Por sua vez, os atuais processos de governação da educação estão cada vez mais intrincadamente relacionados com a recolha de dados e informações, e esses têm implicações na reconfiguração das formas de accountability em educação – uma das quais é baseada no desempenho (performance-based accountability). Essa é, aliás, a temática do atual World Yearbook of Education 2021 (Grek; Maroy; Verger, 2021GREK, S.; MAROY, C.; VERGER, A. (orgs.). World Yearbook of Education 2021. Accountability and Datafication in the Governance of Education. Abingdon: Routledge: 2021.). O que os autores desta obra designam por accountability baseada no desempenho utiliza dados com origem em testes externos padronizados ou em outras formas de avaliação e indicadores de desempenho. Trata-se de uma forma de accountability mais ampla do que a baseada exclusivamente em resultados de testes, cujo modelo mais discutido, nesse caso, tem sido a high-stakes accountability. “A accountability baseada no desempenho é um instrumento de política, entrelaçando mecanismos de accountability com ferramentas como testes externos, dados, números e comparações, promovidos por vários atores políticos em várias escalas” (Grek; Maroy; Verger, 2021GREK, S.; MAROY, C.; VERGER, A. (orgs.). World Yearbook of Education 2021. Accountability and Datafication in the Governance of Education. Abingdon: Routledge: 2021., p. xxii).

A dataficação transforma os resultados dos testes, os registos dos estudantes e outras informações sobre a educação (como relatórios da inspeção) em dados digitais que podem ser tratados. Assim a accountability baseada no desempenho pode ser referenciada quer ao sistema educativo nacional, quer aos níveis local e/ou institucional das escolas. Mas também tem nexos mais amplos, que vão além do nacional, como os contextos regional e global, de que as avaliações internacionais comparativas, como o PISA, são exemplo. Por outro lado, as tecnologias digitais e os grandes dados e análises que daí decorrem também estão a ter impactos importantes nas práticas profissionais dos professores, nomeadamente nas relações com os alunos e outros atores educativos. A esse respeito, “novas formas de accountability e responsabilidade estão surgindo como resultado dessas tendências, levantando questões importantes sobre a culpabilidade e a tomada de decisão na prática profissional” (Fenwick; Edwards, 2016FENWICK, T.; EDWARDS, R. Exploring the impact of digital technologies on professional responsibilities and education. European Educational Research Journal, Thousand Oaks, v. 15, n. 1, p. 117-131, 2016., p. 117).

A autonomia profissional (como possibilidade de fazer escolhas racionais suscetíveis de serem justificadas científica e/ou tecnicamente dentro de margens definidas por códigos deontológicos e outros normativos legais) é considerada, em algumas perspetivas sociológicas, uma das características profissionais mais expressivas. Sabendo que as práticas profissionais não são (nem podem ser) redutíveis a dados mensuráveis ou quantificáveis, parece estar ainda numa fase muito inicial e exploratória a discussão das questões da autonomia e da ética profissional quando intersetadas ou condicionadas pelas tecnologias digitais e, sobretudo, quando as análises que resultam do processamento de uma grande quantidade de dados manipulados por algoritmos (invisíveis) estão na base de novas formas de accountability e de responsabilidade profissional. Isso se dá, entre outras razões, porque as tecnologias digitais participam na reconfiguração da prática profissional e, como tal, “não são simplesmente ferramentas para aprimorar a prática, mas colocam questões quanto à natureza do futuro trabalho profissional e quanto aos valores embutidos e evidenciados por esse trabalho” (Fenwick; Edwards, 2016FENWICK, T.; EDWARDS, R. Exploring the impact of digital technologies on professional responsibilities and education. European Educational Research Journal, Thousand Oaks, v. 15, n. 1, p. 117-131, 2016., p. 126). Talvez por isso, em muitos países, “o uso de dados na accountability e melhoria das escolas [seja] mais recente, menos desenvolvido e muitas vezes percebido como estranho e ameaçador” (YOUNG et al., 2018YOUNG, C. et al. Adopting and adapting: school leaders in the age of data-informed decision making. Educational Assessment, Evaluation and Accountability, Dordrecht, v. 30, p. 133–158, 2018. https://doi.org/10.1007/s11092-018-9278
https://doi.org/10.1007/s11092-018-9278...
, p. 134).

Com o impulso de empresas privadas, o uso das plataformas em educação tem sido exponencial nos diferentes níveis de ensino. Esse ímpeto de plataformização está também a afetar a educação pública como um bem comum e parte do domínio público. Grandes quantidades de dados são geradas, coletadas e tratadas automaticamente através das plataformas e respetivos algoritmos. Os dados são de natureza muito variada, sendo muito frequentes aqueles relativos ao desempenho dos estudantes, por exemplo, os resultados académicos, os tempos de resolução de problemas, as análises preditivas ou as atividades corretivas para a aprendizagem. Os sistemas educacionais tornaram-se espaços de recolha de dados, regidos por algoritmos invisíveis, com efeitos de longo alcance nas práticas de ensino e aprendizagem, já se falando da pesquisa de dispositivos para monitorar diretamente as atividades cognitivas dos estudantes (WATSON, 2019WATSON, C. From accountability to digital data: the rise and rise of educational governance. Review of Education, Oxford, v. 7, n. 2, p. 390-427, 2019. https://doi.org/10.1002/rev3.3125
https://doi.org/10.1002/rev3.3125...
).

Os números tratados pelos instrumentos analíticos embutidos nas plataformas permitem descrições da realidade educacional que servem a diferentes interesses e expectativas. E como anteriormente salientado, os algoritmos e as plataformas online não são neutros. “Eles estão construídos para enquadrar e conduzir ações. As ‘máquinas’ algorítmicas são construídas com hipóteses específicas sobre a relação entre pessoas e coisas” (SILVA; KENNEY, 2019SILVA, S.; KENNEY, M. Algorithms, platforms and ethnic bias. Communications of the ACM, New York, v. 62, n. 11, p. 37-39, 2019. https://doi.org/10.1145/3318157
https://doi.org/10.1145/3318157...
, p. 37).

Assim, esses algoritmos cumprem determinadas funções manifestas e latentes. Por um lado, interferem no trabalho dos professores quer quando fornecem informações para o trabalho pedagógico, quer quando provocam tensões entre as decisões inerentes à autonomia profissional e a análise automática de dados; quer quando são a base fundamental da governação pelos números – ao nível meso-organizacional (na gestão das escolas), ao nível macro (na administração central do sistema educativo), ou ao nível das organizações internacionais, quando alimentam os circuitos ou redes que potenciam a concentração dos grandes dados (big data).

Esse poder deve ser questionado e escrutinado, o que implica perceber como, em cada caso, pode operar uma forma de accountability viável e democraticamente desejável em relação aos usos possíveis das plataformas digitais em educação. Há algum mecanismo que possa ser acionado caso se faça mau uso do poder das plataformas? Como é que as plataformas podem incorporar valores públicos e beneficiar o bem comum?

Quando pensamos num sistema educativo altamente centralizado como o português, parecer-nos-á hoje estranho que, por volta do ano de 2005, ainda houvesse pouca informação e disponibilidade de dados, a ponto de a ministra da educação à época (2005-2009) considerar que estávamos ainda, nessa área da governação, “no grau zero da prestação de contas, que é a produção de estatísticas” (apud SANT’OVAIA, 2020SANT’OVAIA, C. A. Os exames como instrumento de ação pública. 2020. v. 1, 276 f; v. 2, 321 f. Tese (Doutorado em Educação) – Instituto de Educação. Universidade de Lisboa, Lisboa, 2020., p. 225-227). Foi, aliás, essa governante que criou a plataforma MISI para recolher dados centralizados de todos os níveis de ensino não-superior, tendo o seu antecessor (2002-2004) criado também o então Gabinete de Informação e Avaliação do Sistema Educativo. O sistema ter-se-á tornado “mais regulável [...] por via da divulgação dos resultados dos testes nacionais através dos rankings e das plataformas criadas pela própria administração educativa, de que é exemplo mais recente e elaborado o infoescolas, de acesso público” (SANT’OVAIA, 2020SANT’OVAIA, C. A. Os exames como instrumento de ação pública. 2020. v. 1, 276 f; v. 2, 321 f. Tese (Doutorado em Educação) – Instituto de Educação. Universidade de Lisboa, Lisboa, 2020., p. 243). Com o passar do tempo, as plataformas digitais que ligam em rede as escolas ou agrupamentos de escolas ao Ministério da Educação passaram a fazer um controlo muito apertado dos atores periféricos. Nessa situação, a recolha de dados por plataformas digitais centrais pode ser imprecisa e questionável, entre outras razões porque os atores que fornecem os dados ou que os introduzem não têm, em geral, possibilidade de participar na sua construção, nem têm margens de autonomia para problematizar ou justificar o que pode e o que não pode ser registado. Tal como já se analisou noutras experiências, esses dados dão visibilidade a certos aspetos da vida das escolas, mas invisibilizam outros, sobretudo quando obscurecem as vozes e experiências dos professores e dos alunos (ver, p. ex., WEST, 2017WEST, J. Data, democracy and school accountability: controversy over school evaluation in the case of DeVasco High School. Big Data & Society, Thousand Oaks, p. 1-16, 2017. https://doi.org/10.1177/2053951717702408
https://doi.org/10.1177/2053951717702408...
).

As plataformas absorvem dados que são encaixados em formatações pouco ou nada flexíveis, através de procedimentos mecânicos e taylorizados e, preferencialmente, por ação de sujeitos que devem aceitar acriticamente esses processos. A receção (centralizada) desses dados e o seu tratamento metodológico e estatístico são processos completamente opacos, esporadicamente vertidos em relatórios técnicos parcelares, na maior parte dos casos, destinados a percorrer circuitos institucionais internos e hierárquicos, e raramente disponibilizados para escrutínio público. Os dados estatísticos e outras informações que as instituições oficiais possuem nem sempre são de fácil acesso para estudos científicos. Implicam, por vezes, procedimentos burocráticos e gastos financeiros, mesmo quando a demanda é feita por universidades com fins de pesquisa científica e/ou quando os respetivos resultados têm evidente interesse público. A esse propósito, um estudo sociológico relativamente recente sobre alguns aspetos do sistema educativo português refere que “a informação existente não está disponível de forma acessível e transparente; contida em diferentes bases de dados (quer estatísticas, quer legislativas), revela grande dispersão e opacidade” (Almeida et al., 2017ALMEIDA, A. N. et al. Gestão e financiamento das escolas em Portugal. Indicadores, políticas e atores. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2017., p. 313). Essa constatação, no entanto, coexiste contraditoriamente com múltiplas formas de avaliação, publicação de rankings das escolas e estratégias de marketing escolar (TORRES; PALHARES; AFONSO, 2018TORRES, L. L.; PALHARES, J. A.; AFONSO, A. J. Marketing accountability e excelência na escola pública portuguesa: a construção da imagem social da escola através da performatividade académica. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 26, n. 134, 2018. https://doi.org/10.14507/epaa.26.3716
https://doi.org/10.14507/epaa.26.3716...
) e mesmo com formas parcelares de accountability múltipla a que estão sujeitos os diretores das escolas públicas (AFONSO, 2018AFONSO, A. J. O diretor enquanto gestor e as diferentes pressões e dilemas da prestação de contas na escola pública. Revista Roteiro, Joaçaba, v. 43, n. 3, p. 327-344, 2018. http://doi.org/10.18593/r.v43iesp.17538
https://doi.org/10.18593/r.v43iesp.17538...
).

Talvez por continuarmos a ter, em Portugal, um sistema educativo fortemente centralizado, as plataformas digitais que estão disponíveis para viabilizar as exigências do governo da educação e a administração das escolas públicas tendam a estar mais afastadas do escrutínio público e a manter uma opacidade que parece ser ainda maior do que aquela que se verifica em outros serviços oficiais e departamentos da administração pública. Isso ocorre também noutros sistemas educativos com administração mais descentralizada ou que procura essa descentralização. Refiro apenas dois exemplos de países muito diferentes. No caso da Índia, “a descentralização é um dos principais princípios e estratégias declarados do sistema educacional”. Apesar disso, em trabalho recente argumenta-se que “essas plataformas acabam reforçando, em vez de perturbar, as hierarquias” (Gorur; Dey, 2021GORUR, R.; DEY, J. Making the user friendly: the ontological politics of digital data platforms. Critical Studies in Education, Abingdon, v. 62, n. 1, p. 67-81, 2021. https://doi.org/10.1080/17508487.2020.1727544
https://doi.org/10.1080/17508487.2020.17...
, p. 79). No caso da Suécia, que tem adotado políticas de efetiva descentralização e de apoio a uma maior digitalização escolar, o uso das plataformas constitui um dos “poucos poderes centralizadores que unem as escolas como um sistema escolar nacional” (Hillman; Rensfeldt; Ivarsson, 2020HILLMAN, T.; RENSFELDT, A. B.; IVARSSON, J. Brave new platforms: a possible platform future for highly decentralised schooling. Learning, Media and Technology, Abingdon, v. 45, n. 1, p. 7-16, 2020. https://doi.org/10.1080/17439884.2020.1683748
https://doi.org/10.1080/17439884.2020.16...
, p. 7). Mais do que isso, as plataformas, não apenas servem para reestruturar as formas de organizar e administrar as escolas, como também podem estar a facilitar a emergência de um novo ‘regime regulatório’” (Hillman; Rensfeldt; Ivarsson, 2020HILLMAN, T.; RENSFELDT, A. B.; IVARSSON, J. Brave new platforms: a possible platform future for highly decentralised schooling. Learning, Media and Technology, Abingdon, v. 45, n. 1, p. 7-16, 2020. https://doi.org/10.1080/17439884.2020.1683748
https://doi.org/10.1080/17439884.2020.16...
, p. 7).

As tecnologias digitais, porque passaram a ter uma presença constante na vida das escolas, alteraram (e continuam a alterar) comportamentos, interações, ritmos, espaços, tempos, estruturas e até as meso-políticas e respetivos processos de decisão. Em muitos países, como Portugal, a introdução de plataformas digitais na administração do sistema educativo tem vindo a modificar profundamente os tradicionais processos burocráticos, tornando-os mais padronizados e adaptados à rápida recolha de informações e dados quantificáveis (propícios ao tratamento estatístico e outras formas de exercício do controlo político-administrativo) e, portanto, mais suscetíveis de rápida e assídua utilização por parte dos serviços públicos centrais. Sem prejuízo das vantagens e possibilidades que, todavia, podem-lhe ser reconhecidas quando subordinadas a princípios educativos (nomeadamente nas dimensões científicas e didático-pedagógica), as plataformas digitais, particularmente no que diz respeito às práticas administrativas, têm também favorecido a hiperburocratização (ver, p. ex., LIMA, 2012LIMA, L. C. Elementos de hiperburocratização da administração educacional. In: LUCENA, C.; SILVA JÚNIOR, J. R. (orgs.). Trabalho e educação no século XXI: experiências internacionais. São Paulo: Xamã, 2012. p. 129-158.).

As plataformas informáticas proliferam nas escolas portuguesas. Para além das que se destinam a objetivos pedagógicos, existem outras, com funções diversas, que vão da gestão de recursos humanos às matrículas dos alunos e à feitura das turmas, cobrindo praticamente todas as áreas da vida organizacional. A inserção de dados, sobre a qual o poder central do Ministério da Educação não prescinde de exercer o controlo e a validação, ocupa professores, técnicos administrativos e, sobretudo, membros da gestão das escolas. Inicialmente, a justificação oficial prendeu-se com a necessidade de modernizar a administração do sistema educativo, disponibilizando informação atualizada e credível que permitisse “assegurar a informação oportuna aos organismos internacionais [...] que regularmente produzem documentos de comparação dos resultados educativos entre Estados como também informar com dados fiáveis todos os interessados” (PORTUGAL, 2005PORTUGAL. Despacho n. 11.727/2005. Diário da República, II série, n. 101, 25-05-2005.). Assim, “quem define as regras que as plataformas impõem é o próprio Estado e não os programadores que as elaboram” (CATALÃO, 2019CATALÃO, A. P. P. X. O papel das plataformas informáticas na regulação da organização e gestão da escola. 2019. 279 f. Dissertação (Mestrado em Administração Educacional) – Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, 2019., p. 70) e os gestores escolares (diretores) sentem essas exigências como uma “prestação de contas constante” (CATALÃO, 2019CATALÃO, A. P. P. X. O papel das plataformas informáticas na regulação da organização e gestão da escola. 2019. 279 f. Dissertação (Mestrado em Administração Educacional) – Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, 2019., p. 62). A autora citada entende, aliás, que “desta forma, a regulação faz-se de forma indireta, através dos processos de prestação de contas” (CATALÃO, 2019CATALÃO, A. P. P. X. O papel das plataformas informáticas na regulação da organização e gestão da escola. 2019. 279 f. Dissertação (Mestrado em Administração Educacional) – Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, 2019., p. 33), ou seja, através de formas parcelares de accountability.

Nas escolas portuguesas, não há muito tempo, a prestação de contas de atos administrativos e pedagógicos “era habitualmente apresentada sob a forma de uma narrativa vagamente estruturada sem forma pré-definida” (MEIRA, 2017MEIRA, M. V. F. A burocracia electrónica: um estudo sobre as plataformas electrónicas na administração escolar. 2017. 638 f. Tese (Doutorado em Ciências da Educação) – Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, 2017., p. 149). Essa prática, no entanto, tem vindo a mudar radicalmente devido às exigências de especificação detalhada dos procedimentos que devem ser seguidos e que se traduzem na referida hiperburocratização (LIMA, 2012LIMA, L. C. Elementos de hiperburocratização da administração educacional. In: LUCENA, C.; SILVA JÚNIOR, J. R. (orgs.). Trabalho e educação no século XXI: experiências internacionais. São Paulo: Xamã, 2012. p. 129-158.). Trata-se, portanto,

[...] de uma crescente estruturação e dissecação de relatórios, documentos e outros elementos do processo pedagógico em secções de conteúdo e tamanho definidos e padronizados, elaborados segundo modelos predeterminados e com um grau de normalização que só a mediação das plataformas electrónicas consegue proporcionar

(MEIRA, 2017MEIRA, M. V. F. A burocracia electrónica: um estudo sobre as plataformas electrónicas na administração escolar. 2017. 638 f. Tese (Doutorado em Ciências da Educação) – Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, 2017., p. 149).

Mesmo sem utilizar a designação ou definição de accountability digital, o autor em questão apresenta uma descrição elucidativa: “As grelhas e mapas gerados automaticamente, bem como a sua filtragem orientada, permitem um escrutínio permanente da realidade escolar e a sua fragmentação em categorias melhor ajustadas à aferição de performances e comparações” (MEIRA, 2017MEIRA, M. V. F. A burocracia electrónica: um estudo sobre as plataformas electrónicas na administração escolar. 2017. 638 f. Tese (Doutorado em Ciências da Educação) – Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, 2017., p. 149). E, mais à frente, conclui: “A pressão para a necessidade de prestação de contas e exposição pública dos resultados e seu tratamento em termos comparativos e evolutivos acaba por produzir uma dinâmica centralizadora em que o centro obtém amplos poderes de comando sem os incómodos da responsabilização” (Meira, 2017MEIRA, M. V. F. A burocracia electrónica: um estudo sobre as plataformas electrónicas na administração escolar. 2017. 638 f. Tese (Doutorado em Ciências da Educação) – Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, 2017., p. 187). Apesar disso, no debate político contemporâneo, como analisam criticamente outros autores, as tecnologias digitais e as plataformas educacionais online estão a ser muito valorizadas “como uma ‘técnica mágica’ para permitir a ‘abertura da educação’ e aumentar a liberdade dos alunos, tornando a educação mais acessível, personalizada, transparente e eficaz” (GRIMALDI; BALL, 2021GRIMALDI, E.; BALL, S. J. Paradoxes of freedom. An archaeological analysis of educational online platform interfaces. Critical Studies in Education, Abingdon, v. 62, n. 1, p. 114-129, 2021. https://doi.org/10.1080/17508487.2020.1861043
https://doi.org/10.1080/17508487.2020.18...
, p. 115). Sobretudo perante as perspetivas mais otimistas, faz todo o sentido perguntar “se o processo de (hiper)burocratização da gestão, intensificado pelas políticas de accountability e pela crescente informatização, deixa espaço para a construção de uma educação que não se reduza ao ensino-aprendizagem insularizado no contexto de sala de aula” (LIMA; TORRES, 2020LIMA, L. C.; TORRES, L. L. Políticas, dinâmicas e perfis dos agrupamentos de escolas em Portugal. Análise Social, Lisboa, v. 55, n. 237, p. 748-774, 2020. https://doi.org/10.31447/as00032573.2020237.03
https://doi.org/10.31447/as00032573.2020...
, p. 770).

Considerações Finais

Este texto refletiu, de modo necessariamente parcelar, uma imersão em objetos de estudo que são ainda uma preocupação relativamente recente da sociologia – sobretudo da sociologia que assume um ethos crítico e problematizador. Como acentua Neil Selwyn, o campo das relações entre a educação e as tecnologias “requer muito debate e análise, escrutínio e contestação” (2017, p. 87-88) e não pode ficar acantonado em discussões que “tanto entre leigos quanto entre especialistas ainda tendem a ser desesperadamente otimistas ou distópicas” (2017, p. 87-88). Há outras visões, mais complexas e não dicotómicas, para as quais deve contribuir a sociologia, quer seja nomeada como sociologia digital, quer o seja com qualquer outra designação (estratégica) que possa visibilizar novos objetos de estudo. Contudo, será sempre, do meu ponto de vista, um espaço de pesquisa e reflexão necessariamente aberto ao diálogo complementar e contraditório com as diferentes ciências sociais. Sabendo dos limites, nomeadamente éticos, mas também das enormes possibilidades, nada melhor do que aproveitar criticamente a fluidez, a rapidez e a amplitude do digital para atravessar algumas fronteiras anacrónicas nas quais insistem enclausuradas certas disciplinas académicas.

  • Trabalho financiado pelo Centro de Investigação em Educação (CIEd), Instituto de Educação, Universidade do Minho. Projetos UIDB/01661/2020 e UIDP/01661/2020, através de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT

Referências

  • ABBOTT, A. Reflections on the future of sociology. Contemporary Sociology, Albany, v. 29, n. 2, p. 296-300, 2000. https://doi.org/10.2307/2654383
    » https://doi.org/10.2307/2654383
  • AFONSO, A. J. Recuo ao cientificismo, paradoxos da transparência e corrupção em educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. esp., p. 1313-1326, 2015. https://doi.org/10.1590/S1517-9702201508145423
    » https://doi.org/10.1590/S1517-9702201508145423
  • AFONSO, A. J. O diretor enquanto gestor e as diferentes pressões e dilemas da prestação de contas na escola pública. Revista Roteiro, Joaçaba, v. 43, n. 3, p. 327-344, 2018. http://doi.org/10.18593/r.v43iesp.17538
    » https://doi.org/10.18593/r.v43iesp.17538
  • ALMEIDA, A. N. et al. Gestão e financiamento das escolas em Portugal Indicadores, políticas e atores. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2017.
  • ANANNY, M.; CRAWFORD, K. Seeing without knowing: limitations of the transparency ideal and its application to algorithmic accountability. New Media & Society, London, v. 20, n. 3, p. 973-989, 2016. https://doi.org/10.1177/1461444816676645
    » https://doi.org/10.1177/1461444816676645
  • ANTUNES, R. O privilégio da servidão O novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2020.
  • BALL, S. J. Some sociologies of education: a history of problems and places, and segments and gazes. The Sociological Review, Oxford, v. 56, n. 4, p. 650-669, 2008. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.2008.00809.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.2008.00809.x
  • BECK, U. A metamorfose do mundo Como as alterações climáticas estão a transformar a sociedade. Lisboa: Edições 70, 2017.
  • CANCLINI, N. G. Ciudadanos reemplazados por algoritmos Bielefeld: Bielefeld University Press, 2019.
  • CASTELLS, M. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da Internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
  • CATALÃO, A. P. P. X. O papel das plataformas informáticas na regulação da organização e gestão da escola. 2019. 279 f. Dissertação (Mestrado em Administração Educacional) – Escola Superior de Educação de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa, 2019.
  • CORTÉS, O. Algoritmos y algunos retos jurídico-institucionales para su aplicación en la Administración pública. Revista Vasca de Gestión de Personas y Organizaciones Públicas, Vitoria-Gasteiz, n. 18, p. 54-63, 2020.
  • COULDRY, N.; MEJIAS, U. A. Data colonialism: rethinking big data’s relation to the contemporary subject. Television & New Media, Thousand Oaks, v. 20, n. 4, p. 336-349, 2018. https://doi.org/10.1177/1527476418796632
    » https://doi.org/10.1177/1527476418796632
  • COULDRY, N.; MEJIAS, U. A. Making data colonialism liveable: how might data’s social order be regulated? Internet Policy Review, Berlin, v. 8, n. 2, p.1-16, 2019. https://doi.org/10.14763/2019.2.1411
    » https://doi.org/10.14763/2019.2.1411
  • CROUCH, C. Post-democracy after the crises Cambridge: Polity Press, 2020.
  • DE RIVERA, J. Guía para entender y combatir el capitalismo digital. Papeles, Madrid, n. 144, p. 79-89, 2018.
  • DIAKOPOULOS, N. Algorithmic accountability. Digital Journalism, Abingdon, v. 3, n. 3, p. 398-415, 2015. https://doi.org/10.1080/21670811.2014.97641
    » https://doi.org/10.1080/21670811.2014.97641
  • DWORKIN, A. G. et al. The sociology of education. Sociopedia.isa, [s. l.], p. 1-16, 2013. https://doi.org/10.1177/2056846013122
    » https://doi.org/10.1177/2056846013122
  • FENWICK, T.; EDWARDS, R. Exploring the impact of digital technologies on professional responsibilities and education. European Educational Research Journal, Thousand Oaks, v. 15, n. 1, p. 117-131, 2016.
  • GILLESPIE, T. The politics of platforms. New Media & Society, London, v. 12, n. 3, p. 347-364, 2010. https://doi.org/10.1177/1461444809342738
    » https://doi.org/10.1177/1461444809342738
  • GORUR, R.; DEY, J. Making the user friendly: the ontological politics of digital data platforms. Critical Studies in Education, Abingdon, v. 62, n. 1, p. 67-81, 2021. https://doi.org/10.1080/17508487.2020.1727544
    » https://doi.org/10.1080/17508487.2020.1727544
  • GREK, S.; MAROY, C.; VERGER, A. (orgs.). World Yearbook of Education 2021 Accountability and Datafication in the Governance of Education. Abingdon: Routledge: 2021.
  • GRIMALDI, E.; BALL, S. J. Paradoxes of freedom. An archaeological analysis of educational online platform interfaces. Critical Studies in Education, Abingdon, v. 62, n. 1, p. 114-129, 2021. https://doi.org/10.1080/17508487.2020.1861043
    » https://doi.org/10.1080/17508487.2020.1861043
  • HILLMAN, T.; RENSFELDT, A. B.; IVARSSON, J. Brave new platforms: a possible platform future for highly decentralised schooling. Learning, Media and Technology, Abingdon, v. 45, n. 1, p. 7-16, 2020. https://doi.org/10.1080/17439884.2020.1683748
    » https://doi.org/10.1080/17439884.2020.1683748
  • INNERARITY, D. Un Mundo de Todos y de Nadie: piratas, riesgos y redes en el nuevo desorden global. Barcelona: Paidós, 2013.
  • JARKE, J.; BREITER, A. Editorial: the datafication of education. Learning, Media and Technology, Abingdon, v. 44, n. 1, p. 1-6, 2019. https://doi.org/10.1080/17439884.2019.1573833
    » https://doi.org/10.1080/17439884.2019.1573833
  • LAGRANDEUR, K. Emotion, artificial intelligence, and ethics. In: ROMPORTI, J.; ZACKOVA, E.; KELEMEN, J. (eds.). Beyond artificial intelligence The disappearing human-machine divide. London: Springer, 2015. p. 97-110. Disponível em: https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-319-09668-1_7.pdf Acesso em: 12 maio 2021.
    » https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2F978-3-319-09668-1_7.pdf
  • LANDRI, P.; NEUMANN, E. Mobile sociologies of education. European Educational Research Journal, Glascow, v. 13, n. 1, p. 1-8, 2014. https://doi.org/10.2304/eerj.2014.13.1.1
    » https://doi.org/10.2304/eerj.2014.13.1.1
  • LIMA, L. C. Elementos de hiperburocratização da administração educacional. In: LUCENA, C.; SILVA JÚNIOR, J. R. (orgs.). Trabalho e educação no século XXI: experiências internacionais. São Paulo: Xamã, 2012. p. 129-158.
  • LIMA, L. C.; TORRES, L. L. Políticas, dinâmicas e perfis dos agrupamentos de escolas em Portugal. Análise Social, Lisboa, v. 55, n. 237, p. 748-774, 2020. https://doi.org/10.31447/as00032573.2020237.03
    » https://doi.org/10.31447/as00032573.2020237.03
  • LUCAS, R. The surveillance business. New Left Review, London, n. 121, p. 132-141, 2020.
  • LUPTON, D. Digital Sociology: An Introduction. Sydney: University of Sydney, 2012.
  • LUPTON, D. Digital Sociology Abingdon: Routledge, 2015.
  • MARTINS, H. Aceleração, progresso e experimentum humanum. In: MARTINS, H.; GARCIA, J. L. (orgs.). Dilemas da civilização tecnológica Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003. p. 19-77.
  • MEIRA, M. V. F. A burocracia electrónica: um estudo sobre as plataformas electrónicas na administração escolar. 2017. 638 f. Tese (Doutorado em Ciências da Educação) – Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, 2017.
  • MITTELSTADT, B. D.; ALLO, P.; TADDEO, M., WACHTER, S.; FLORIDI, L. The ethics of algorithms: mapping the debate. Big Data & Society, Thousand Oaks, p. 1-21, 2016. https://doi.org/10.1177/2053951716679679
    » https://doi.org/10.1177/2053951716679679
  • MOOS, G.; FORD, H. How accountable are digital platforms? In: DUTTON, W. H. (ed.). A research agenda for digital politics Cheltenham: Edward Elgar Pub., 2020. p. 97-109.
  • NASCIMENTO, L. F. A sociologia digital: um desafio para o século XXI. Sociologias, Porto Alegre, n. 41,p. 216-241, 2016. https://doi.org/10.1590/es0101-73302018206229
    » https://doi.org/10.1590/es0101-73302018206229
  • NATRIELLO, G. Bridging the second digital divide: what can sociologists of education contribute? Sociology of Education, Washington, v. 74, n. 3, p. 260-265, 2001. https://doi.org/10.2307/2673278
    » https://doi.org/10.2307/2673278
  • PORTUGAL. Despacho n. 11.727/2005. Diário da República, II série, n. 101, 25-05-2005.
  • SANT’OVAIA, C. A. Os exames como instrumento de ação pública 2020. v. 1, 276 f; v. 2, 321 f. Tese (Doutorado em Educação) – Instituto de Educação. Universidade de Lisboa, Lisboa, 2020.
  • SELWYN, N. The ‘new’ connectivities of digital education. In: APPLE, M. W.; BALL, S. J.; GANDIN, L. A. The Routledge International Handbook of the Sociology of Education London: Routledge, 2010. p. 90-98.
  • SELWYN, N. Making sense of young people, education and digital technology: the role of sociological theory. Oxford Review of Education, Oxford, v. 38, n. 1, p. 81-96, 2012. https://doi.org/10.1080/03054985.2011.577949
    » https://doi.org/10.1080/03054985.2011.577949
  • SELWYN, N. Data entry: towards the critical study of digital data and education. Learning, Media and Technology, Abingdon, v. 40, n. 1, p. 64-82, 2015. https://doi.org/10.1080/17439884.2014.921628
    » https://doi.org/10.1080/17439884.2014.921628
  • SELWYN, N. Educação e tecnologia: questões críticas. In: FERREIRA, G. M .S.; ROSADO, L. A. S.; CARVALHO, J. S. (orgs.). Educação e tecnologia: abordagens críticas. Rio de Janeiro: SESES, 2017. p. 85-102.
  • SELWYN, N. What is digital sociology? Cambridge: Polity Press, 2019.
  • SELWYN, N.; NEMORIN, S.; BULFIN, S.; JOHNSON, N. Toward a digital sociology of school. In: DANIELS, J.; GREGORY, K.; MNMILLAN COTTOM, T. (eds.), Digital Sociologies Bristol: Policy Press, 2016. p. 143-158.
  • SELWYN, N.; FACER, K. The sociology of education and digital technology: past, present and future. Oxford Review of Education, v. 40, n. 4, p. 482-496, 2014. https://doi.org/10.1080/03054985.2014.933005
    » https://doi.org/10.1080/03054985.2014.933005
  • SILVA, S.; KENNEY, M. Algorithms, platforms and ethnic bias. Communications of the ACM, New York, v. 62, n. 11, p. 37-39, 2019. https://doi.org/10.1145/3318157
    » https://doi.org/10.1145/3318157
  • SRNICEK, N. Capitalismo de plataformas Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Cajanegra Editora, 2018.
  • TORRES, L. L.; PALHARES, J. A.; AFONSO, A. J. Marketing accountability e excelência na escola pública portuguesa: a construção da imagem social da escola através da performatividade académica. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 26, n. 134, 2018. https://doi.org/10.14507/epaa.26.3716
    » https://doi.org/10.14507/epaa.26.3716
  • VAN DIJCK, J.; POELL, T.; WAAL, M. The platform society: public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018.
  • WATSON, C. From accountability to digital data: the rise and rise of educational governance. Review of Education, Oxford, v. 7, n. 2, p. 390-427, 2019. https://doi.org/10.1002/rev3.3125
    » https://doi.org/10.1002/rev3.3125
  • WEF [WORLD ECONOMIC FORUM]. Personal data: the emergence of a new asset class. Geneva: WEF, 2011. http://www3.weforum.org/docs/WEF_ITTC_PersonalDataNewAsset_Report_2011.pdf
    » http://www3.weforum.org/docs/WEF_ITTC_PersonalDataNewAsset_Report_2011.pdf
  • WEST, J. Data, democracy and school accountability: controversy over school evaluation in the case of DeVasco High School. Big Data & Society, Thousand Oaks, p. 1-16, 2017. https://doi.org/10.1177/2053951717702408
    » https://doi.org/10.1177/2053951717702408
  • WILLIAMSON, B.; PIATTOEVA, N. Objectivity as standardization in data-scientific education policy, technology and governance. Learning, Media and Technology, Abingdon, v. 44, n. 1, p. 64-76, 2019.
  • WITTE, J. C. A ciência social digitalizada: avanços, oportunidades e desafios. Sociologias, Porto Alegre, n. 31, p. 52-92, 2012. https://doi.org/10.1590/S1517-45222012000300004
    » https://doi.org/10.1590/S1517-45222012000300004
  • YOUNG, C. et al. Adopting and adapting: school leaders in the age of data-informed decision making. Educational Assessment, Evaluation and Accountability, Dordrecht, v. 30, p. 133–158, 2018. https://doi.org/10.1007/s11092-018-9278
    » https://doi.org/10.1007/s11092-018-9278
  • ZUBOFF, S. A era do capitalismo da vigilância A disputa por um futuro humano na nova fronteira do poder. Lisboa: Relógio D’Água, 2020.
Editor de Seção: Lícinio C. Lima

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    20 Mar 2021
  • Aceito
    28 Maio 2021
Centro de Estudos Educação e Sociedade - Cedes Av. Berttrand Russel, 801 - Fac. de Educação - Anexo II - 1 andar - sala 2, CEP: 13083-865, +55 12 99162 5609, Fone / Fax: + 55 19 3521-6710 / 6708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: revistas.cedes@linceu.com.br