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UM PROJETO DECOLONIAL ANTIRRACISTA: AÇÕES AFIRMATIVAS NA PÓS-GRADUAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA1 1 Dedicamos este artigo à professora Adalene Moreira, decana quando da aprovação da resolução que instituiu a política de ação afirmativa na pós-graduação. A professora Adalene não somente cumpriu as formalidades do cargo. Após o que acreditamos ter sido uma jornada de transformação pessoal, seu empenho político foi crucial para a aprovação da nova política de ações afirmativas para a pós-graduação na Universidade de Brasília.

AN ANTI-RACIST DECOLONIAL PROJECT: AFFIRMATIVE ACTIONS IN THE GRADUATE STUDIES OF THE UNIVERSITY OF BRASILIA

UM PROYECTO DECOLONIAL ANTI-RACISTA: ACCIONES AFIRMATIVAS EN ESTUDIOS DE POSGRADOS DE LA UNIVERSIDAD DE BRASILIA

RESUMO

Este artigo trata da adoção da Política de Ações Afirmativas aprovadas para todos os cursos de pós-graduação da Universidade de Brasília em 2020. Dois argumentos centrais são desenvolvidos. Primeiramente, com o objetivo de não expropriar professores(as) e estudantes negros(as) e brancos(as) de suas conquistas, destacamos como a aprovação dessa política foi um produto do ativismo antirracista desses agentes. Em segundo lugar, exploramos o potencial da nova legislação aprovada na universidade, comprometida com a diversidade na pós-graduação, relacionando-a a um projeto político decolonial e contra-hegemônico, com efeitos epistemológicos que podem significar uma abertura para a produção de conhecimentos negro-centrados, indígena-centrados e quilombola-centrados.

Palavras-chave
Universidade de Brasília; Ações Afirmativas; Pós-graduação; Ativismo negro; Projeto decolonial antirracista

ABSTRACT

This article deals with the Affirmative Action Policy approved for all graduate courses at the University of Brasilia in 2020. It develops two central arguments. First, aiming at not expropriating white and black professors and students from their achievements, we highlight how the approval of this policy was a product of their anti-racist activism. Second, we explore the potential of the new legislation approved at the university, committed to diversity in graduate school, relating it to a decolonial and counter-hegemonic political project, with epistemological effects that can mean an opening for production of black-centered, indigenous-centered, and quilombola-centered knowledge production.

Keywords
University of Brasilia; Affirmative Action; Graduate studies; Black activism; Anti-racist decolonial project

RESUMEN

Este artículo trata sobre la adopción de la Política de Acción Afirmativa aprobada para todos los posgrados de la Universidad de Brasilia en 2020. Se desarrollan dos argumentos centrales. Primero, con el objetivo de no expropiar a profesores(as) y estudiantes blancos(as) y negros(as) de sus logros, destacamos cómo la aprobación de esta política fue producto de su activismo antirracista. En segundo lugar, exploramos el potencial de la nueva legislación aprobada en la universidad, comprometida con la diversidad en la escuela de posgrado, relacionándola con un proyecto político decolonial y contra hegemónico, con efectos epistemológicos que pueden significar una apertura para la producción de conocimientos negro-, indígena- y quilombola-centrados.

Palabras-clave
Universidad de Brasilia; Acciones Afirmativas; Posgrado; Activismo negro; Proyecto decolonial anti-racista

Introdução

No dia 04 de junho de 2020, a Universidade de Brasília (UnB) se colocou, mais uma vez, na centralidade da discussão sobre Políticas de Ações Afirmativas na educação superior, ao aprovar por unanimidade a Resolução do CEPE (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) n. 044/2020, que dispõe sobre a Política de Ações Afirmativas para estudantes negro(as), indígenas e quilombolas em seus cursos de pós-graduação. Essa resolução veio acompanhada de outras deliberações colegiadas, visando garantir a efetividade da política: 1) Resolução da CPP/DPG (Câmara de Pesquisa e Pós-graduação do Decanato de Pós-graduação) n. 09/2020, que dispõe sobre a atuação da Comissão de Heteroidentificação e da Comissão Recursal para fins de preenchimento das vagas reservadas no sistema de Ações Afirmativas da Pós-graduação; 2) Resolução CPP/DPG n. 011/2020, que dispõe sobre a adoção de critérios para concessão de bolsas de mestrado e doutorado por parte dos Programas de Pós-graduação.

Vistos como um conjunto, essas resoluções expressam o estabelecimento de um novo marco legal na Pós-graduação da UnB. Entretanto, a despeito desses avanços jurídicos, ainda há muito por fazer para construirmos uma universidade mais plural.

A UnB não se tornou uma universidade antirracista do dia para a noite, tampouco deixou para trás todo o machismo ou o capacitismo. É sabido que somente os avanços legais não são suficientes para desfazer o histórico racista, sexista e capacitista das universidades ocidentalizadas (GROSFOGUEL, 2016GROSFOGUEL, R. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 31, n. 1, p. 25-49, 2016. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100003
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), tendo em vista a relação intrínseca entre suas formas hegemônicas de gestão administrativa, a produção de conhecimento e a violência empreendida na exclusão da maioria minorizada (SANTOS, 2020SANTOS, R. Maioria minorizada: um dispositivo analítico de racialidade. Rio de Janeiro: Telha, 2020.). Ao lado de outras Instituições de Ensino Superior (IES), que têm adotado medidas legais similares, a UnB, ao aprovar tais resoluções, reconhece o incômodo com tal política do conhecimento, propondo ações que almejam um efeito transformador.

Os avanços nas Políticas de Ações Afirmativas da UnB se dão em um contexto no qual mais de trinta universidades públicas – federais e estaduais – já haviam adotado alguma medida de Ação Afirmativa no âmbito de todos os seus cursos de pós-graduação. Venturini (2019)VENTURINI, A. C. Ação Afirmativa na pós-graduação: os desafios da expansão de uma política de inclusão. 2019. 325 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Centro de Ciências Sociais. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. fez um levantamento dos programas de pós-graduação acadêmicos de universidades públicas que, até janeiro de 2018, tinham adotado essas políticas e constatou que dezenove delas já as empregavam por decisão unânime dos seus conselhos superiores.2 2 No levantamento de Venturini (2019), dos 2.763 programas de pós-graduação existentes à época, 737 possuíam algum tipo de Ação Afirmativa, o que correspondia a 26,4%. Os dados coletados pela pesquisadora revelavam que 17,9% dos programas tinham adotado Ações Afirmativas por decisão dos seus colegiados; 0,4% por decisão de seus colegiados, mas incentivados pela Fundação Ford ou pela Fundação Carlos Chagas; 8,6% por decisão das assembleias legislativas e, finalmente, 73,3% por decisão dos Conselhos Universitários. Em um levantamento de maio de 2021, constatamos que, em um universo de 69 universidades federais, 33 já adotam Políticas de Ações Afirmativas nos seus programas de pós-graduação por força dos respectivos Conselhos Universitários.

Se as decisões dos Conselhos Universitários são mais eficientes e de maior impacto para o interior das instituições, tendo em vista que equalizam as diferenças de seus programas de pós-graduação, podemos também considerar que cada uma delas inspira outras IES, propagando-se como modelos a serem retrabalhados localmente. Há, em suma, um efeito interno e um externo. A aprovação da Política de Ações Afirmativas para a pós-graduação da UnB ganhou repercussão nacional. Por um lado, reacendeu o debate em outras IES, como a Universidade Federal de Santa Catarina, que aprovou sua política logo após a decisão da UnB. Por outro, teve destacado impacto na política nacional, especialmente no Congresso. Doze dias após a histórica aprovação por unanimidade dessa política pelo CEPE da UnB, o então Ministro da Educação publicou a Portaria n. 545 do MEC. Nela, revogava-se a Portaria n. 13, de 11 de maio de 2016, que induzia a implementação de Ações Afirmativas nas IFES, à época já sem efetividade, revelando tanto seu desconhecimento da gestão pública quanto sua oposição às Políticas de Ações Afirmativas racialmente orientadas. A reação à inaptidão do MEC foi imediata no Congresso Nacional: se, antes da aprovação dessa política na UnB, tínhamos o registro de apenas dois projetos de lei que versavam sobre tal matéria na Câmara dos Deputados, logo após a decisão da UnB e a publicação da portaria do MEC, cinco projetos de lei na Câmara dos Deputados e quatro no Senado Federal foram apresentados, propondo regulamentação de Ações Afirmativas nos cursos de pós-graduação stricto sensu no Brasil (MELLO, 2020MELLO, L. Ações afirmativas para pessoas negras na pós-graduação: ausências, propostas e disputas. Argumentos, Montes Claros, v. 18, n. 1, p. 94-126, 2021.).

Longe de serem processos meramente institucionais e homogeneizados, a adoção das Políticas de Ações Afirmativas na pós-graduação por meio dos Conselhos Universitários tem origens e processos diversos e diferenciados, o que resulta em documentos com contornos particulares. No entanto, apesar das singularidades, não há casos em que tais resoluções tenham sido aprovadas sem pressão do ativismo antirracista por parte da comunidade acadêmica, como foi o caso da UnB.

Este artigo tem dois objetivos, que serão trabalhados nas duas seções subsequentes. Na primeira parte, procuraremos estabelecer vínculos históricos entre os avanços da Política de Ações Afirmativas na pós-graduação e as conquistas da política de cotas na graduação, aprovada no início do milênio na UnB. Em outras palavras, situaremos as Ações Afirmativas na pós-graduação como tributárias da política na graduação. Além disso, chamaremos a atenção para o papel central desenvolvido pelo ativismo político negro e branco antirracista nessas conquistas. Consideramos que o destaque do ativismo antirracista é particularmente importante para nos contrapormos a uma narrativa que apaga e silencia as conquistas e vitórias dos movimentos negros e antirracistas, reduzindo tais avanços a meros incrementos técnico-burocráticos.

Já na segunda parte do artigo, tentaremos caracterizar os avanços das Políticas de Ações Afirmativas na pós-graduação como parte de uma política da diversidade na pós-graduação com efeitos epistemológicos. O argumento desenvolvido apresenta um ativismo acadêmico-político pela descolonização do conhecimento. A chave para nossa reflexão será a ideia de diversidade. Para além da diversidade restrita à atuação de pessoas não brancas no âmbito da pesquisa hegemonizada, trataremos de apresentar uma diversidade profunda e radical, equivalente a uma diversidade epistêmica. Conclamaremos, para tal, que sejam expandidas Ações Afirmativas na graduação e na pós-graduação, com uma terceira onda de contratação de docentes negros(as), indígenas e quilombolas em nossas universidades. O potencial transformador dessa diversidade de base antirracista almeja a descolonização das universidades.

De antemão, cabe mencionar que o apagamento e o silenciamento de experiências, visão de mundo e cosmologias indígenas e negras durante a formação das universidades no Brasil são, por si só, a concretização de uma colonização mental que tem como elemento constitutivo aquilo que chamamos de racismo epistêmico, a saber, a hierarquização e a desvalorização de possíveis contribuições negro-indígenas para a formação do conhecimento pluriversal.

Portanto, ao refletirmos sobre um projeto decolonial contra-hegemônico no bojo das Políticas de Ações Afirmativas, estamos propondo uma ampliação do debate para além de uma política da representação, a fim de que pensemos na construção de universidades mais plurais, que possam receber a colaboração não somente de uma tradição branco-europeia, mas também dialogar com as experiências e visões de mundo pertencentes a uma tradição indígena, negra e popular existente no Brasil.

Ações Afirmativas na UnB: da Graduação à Pós-graduação e a Importância do Ativismo Negro e Branco Antirracista

As primeiras universidades a adotarem Políticas de Ação Afirmativas no país nos seus cursos de graduação foram a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), em 2001, seguidas da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em 2002. Já na pós-graduação, o pioneirismo coube à Uneb e à Universidade Federal de Goiás (UFG), que adotaram tais políticas em 2002 e 2015; respectivamente. A UnB deu início às discussões sobre uma Política de Ações Afirmativas em 1999, porém teve sua proposta aprovada somente em 2003.

Entre 1999 e 2003, a UnB vivenciou, ao mesmo tempo, um momento tenso e efervescente, que culminou na aprovação, em reunião do CEPE, no dia 17 de junho de 2003, de seu Plano de Metas de Integração Social, Étnica e Racial. Naquela ocasião aprovou-se, a partir do primeiro vestibular de 2004, a reserva de 20% das vagas de todos os cursos de graduação para candidatos(as) negros(as) e dez vagas adicionais por semestre em cursos específicos para candidatos(as) indígenas (CARVALHO; SEGATO, 2002CARVALHO, J. J.; SEGATO, R. L. Uma proposta de cotas para a Universidade de Brasília. Versão rev. ampl. Brasília, DF: Departamento de Antropologia/UnB, 2002. (Série Antropologia, n. 314.)).

Durante os dez anos de vigência do Plano de Metas de Integração Social, Étnica e Racial, foram tecidos importantes capítulos da política de cotas, não somente da UnB, mas de todas as universidades do país. A partir das primeiras experiências de vanguarda, como a da UnB, dezenas de outras universidades iniciaram a discussão sobre a adoção das Políticas de Ações Afirmativas nos seus Conselhos Universitários. Igualmente, algumas Assembleias Legislativas estaduais começaram a pautar a matéria em relação às universidades locais. Somado a esse movimento, indicamos outro acontecimento ímpar do mesmo período, intimamente relacionado com os desdobramentos futuros que a luta por Ações Afirmativas reivindicava. Paralelamente às demandas por expansão das Políticas de Ação Afirmativas nas universidades públicas, teve lugar o plano Reestruturação e Expansão das Universidade (Reuni), instituído em 2007. Esse plano oferecia incentivos às universidades que a ele aderissem, como incremento no quadro funcional e melhoria em infraestrutura. O aumento no fomento era sinalizado como contrapartida às suas principais metas: aumento de vagas de ingresso (especialmente no período noturno), redução das taxas de evasão e ocupação de vagas ociosas. O volumoso número de universidades que se empenharam em rearranjar suas dinâmicas internas de ingresso e permanência de estudantes indica a óbvia pertinência do diagnóstico governamental. Como efeito imediato da política, verificou-se uma alteração nos padrões sócio-demográficos dos corpos discentes.

Na primeira década deste milênio, diretamente relacionada à expansão e às demandas políticas suscitadas pelo Reuni, tínhamos, em 2012 – ano de aprovação da Lei n. 12.711BRASIL. Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2012 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 17 maio 2021.
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–, 129 instituições no país que adotavam algum tipo de Ação Afirmativa, sendo 51 dessas ações racialmente orientadas (INCTI, 2012INCTI [INSTITUTO NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA]. Mapa das Ações Afirmativas no Brasil. Brasília, DF: INCTI, 2012.).

Movimentos reacionários também indicam a força transformadora das lutas por Ações Afirmativas na educação superior. Durante a vigência do Plano de Metas e Integração Social, Étnica e Racial, o partido político Democratas protocolou, em julho de 2009, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n. 186). O mencionado partido reivindicava uma declaração de inconstitucionalidade do programa de cotas étnico-raciais da UnB e sua consequente extensão a todas as outras universidades que adotassem Políticas de Ação Afirmativa baseadas exclusivamente em critérios étnico-raciais, como era o caso da UnB. A ADPF n. 186 foi julgada em abril de 2012 pelo plenário do STF, que a considerou improcedente por unanimidade.

Quatro meses depois, em 29 de agosto de 2012, o Governo Federal aprovou a Lei n. 12.711/2012, estabelecendo, em suma, a Política de Cotas vigente atualmente nas instituições federais de ensino vinculadas ao Ministério da Educação.

A implementação da Lei n. 12.711 na UnB, a partir do primeiro vestibular de 2013, coincidiu com a avaliação do Plano de Metas dessa universidade, previsto para ser apreciado após dez anos de vigência. Naquela ocasião, foram feitas análises e discussões no Conselho Universitário (Consuni) sobre o Plano de Metas da UnB e a adoção da lei federal.

Nas avaliações feitas, constatou-se que a reserva de vagas feita apenas para o vestibular desconsiderava o Programa de Avaliação Seriada (PAS), modalidade de ingresso praticada pela UnB desde 1996 e sobre a qual não incidia qualquer reserva de vagas. Os debates e diálogos que tiveram lugar terminaram por prever que 5% das vagas fossem reservadas para candidatos(as) negros(as), independentemente do tipo de escola e renda familiar, a fim de compensar o fato de a universidade não ter aplicado a reserva sobre as vagas do PAS durante dez anos. Sendo assim, em conformidade com o Plano de Metas e Cotas, a partir de 2013, a UnB passou combinar duas modalidades de cotas raciais no processo de ingresso à graduação: 5% de cotas para negros(as) ingressantes via PAS e aproximadamente 28% de vagas para candidatos(as) Pretos(as), Pardos(as) e Indígenas (PPI)3 3 Conforme o Censo de 2010, a população negra (pretos e pardos) no DF correspondia a 56,2% da população total. ingressantes por meio do vestibular, totalizando algo em torno de 33% de vagas reservadas para cotas raciais.

Independentemente de alguns questionamentos que existem sobre a Lei de Cotas, sobretudo o argumento de que ela freou o avanço de Políticas de Ações Afirmativas centradas unicamente no quesito racial, como era o caso da UnB (SANTOS, 2015SANTOS, S. A. O sistema de cotas para negros na UnB: um balanço da primeira geração. Jundiaí: Paco Editorial, 2015.), o fato é que,

[...] antes da Lei de Cotas, das 59 universidades federais, apenas 23 tinham sistema de reserva de vagas com critério racial (cota ou subcota), enquanto dos quarenta institutos federais e CEFETs, apenas cinco dispunham desse tipo de ação afirmativa. Consequentemente, o advento da Lei de Cotas impeliu todas as IFES [Instituições Federais de Ensino Superior] a adotar o critério racial, ainda que isso tenha reduzido a potência da medida em instituições que já aplicavam percentuais e sistemas de cotas raciais mais avançados. Desse modo, segundo levantamento realizado por Daflon, Feres Junior e Moratelli (2014, p. 5 [apud SILVA, 2020SILVA, T. D. Ação afirmativa e população negra na educação superior: acesso e perfil discente. Texto para Discussão, n. 2569. Brasília, DF/Rio de Janeiro: IPEA, 2020. 47 p.]), entre 2012 e 2014, as vagas reservadas para negros e indígenas em universidades federais passaram de 13.392 para 43.613 – um aumento de 225%

(SILVA, 2020SILVA, T. D. Ação afirmativa e população negra na educação superior: acesso e perfil discente. Texto para Discussão, n. 2569. Brasília, DF/Rio de Janeiro: IPEA, 2020. 47 p., p. 14).

Além dessa expansão numérica de vagas reservadas, a Lei de Cotas promoveu importantes debates sobre currículo, política de permanência e, como tratamos neste texto, a expansão da Política de Ações Afirmativas na pós-graduação. Um resultado óbvio e esperado dessas ações na graduação foi um número crescente de formandos(as) aptos(as) a entrarem na pós-graduação.

Em que pese a avaliação pessimista de que a Lei de Cotas poderia desmobilizar os estudantes, acomodando ou confinando seus anseios aos percentuais legalmente estabelecidos (SANTOS, 2015SANTOS, S. A. O sistema de cotas para negros na UnB: um balanço da primeira geração. Jundiaí: Paco Editorial, 2015.), o fato é que, na UnB, a atuação política discente foi decisiva nos diálogos e debates sobre a expansão das ações afirmativas na pós-graduação. Pouco a pouco, as pressões sobre uma democratização da pós-graduação chegaram a alguns Programas de Pós-graduação da UnB, notadamente na área de Humanidades. Como se dera quando da demanda por Ações Afirmativas na graduação, novamente um dos principais centros de discussão foi o Instituto de Ciências Sociais (ICS). Dois dos três programas de pós-graduação do ICS,4 4 O terceiro programa de pós-graduação do Instituto de Ciências Sociais é o Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais: Estudos Comparados sobre as Américas, que adotou sua política de Ação Afirmativa por força da decisão do CEPE de 2020. o de Sociologia e o de Antropologia Social, adotaram Políticas de Ações Afirmativas em 2013.

A centralidade do Programa de Pós-graduação em Sociologia (PPGSol) no debate sobre Ações Afirmativas no interior da UnB se deu a partir de diferentes frentes, envolvendo alguns(algumas) professores(as) e estudantes. Diversos(as) estudantes de graduação e pós-graduação nos anos anteriores à aprovação da política já discutiam esparsamente a necessidade de ampliação da política à pós-graduação. Muitos faziam parte de grupos de estudo que, acertadamente, Bianca CaixetaCAIXETA, B. A. S. Movimento negro universitário: um olhar decolonial sobre afetos, trajetórias e a organização política dos grupos/coletivos negros da Universidade de Brasilia. 2016. 97 f. Monografia (Bacharelado em Sociologia) – Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2016. nomeou de “quilombos afetivos” (2016), espaços voltados para um suporte afetivo e acolhedor não somente aos(às) estudantes negros(as), mas também às suas práticas acadêmicas e políticas. Como âmbito de discussão acadêmica, os quilombos afetivos propiciaram diálogos e debates a partir do contato com pesquisadores(as) vinculados(as) a uma tradição afrodiaspórica e indígena. Já como instância de discussão política, os quilombos afetivos colocaram em pauta a política universitária em sentido amplo, aventando a possibilidade e levando à frente as questões necessárias à adoção de Políticas de Ações Afirmativas na pós-graduação.

Alguns(algumas) professores(as), vinculados(as) à agenda política antirracista, abriram outra frente de discussão das Ações Afirmativas no PPGSol. Para a implementação da Política de Ações Afirmativas nesse programa, foi decisiva uma reunião de avaliação do quadriênio, realizada em julho de 2013. Em meio a um balanço e uma perspectiva de transformações pelas quais o PPGSol deveria passar, foi apresentada uma proposta de Ações Afirmativas. Naquela reunião de avaliação e planejamento, para além dos representantes estudantis previstos, somaram-se diversos(as) estudantes da graduação e da pós-graduação, engajados no espaço do quilombo afetivo, que já vinham discutindo suas reivindicações e projetos com o relator da proposta. Para a surpresa de quem previa maior resistência por parte dos docentes, a proposta recebeu apoio expressivo dos integrantes do colegiado presentes naquela reunião.

A Política de Ações Afirmativas do PPGSol da UnB, aprovada naquela reunião, tinha como principais características: 1) reserva de no mínimo 20% das vagas nos processos seletivos do mestrado e doutorado para estudantes autodeclarados(as) negros(as); 2) reserva de vagas como piso – ou seja, o(a) candidato(a) com nota suficiente para ser aprovado(a) sem utilizar as vagas reservadas entraria pela ampla concorrência; 3) distribuição prioritária das bolsas de pesquisa para candidatos(as) que optassem pela Política de Ações Afirmativas, independentemente de terem sido aprovados(as) para ocupar as vagas reservadas ou para as de ampla concorrência; 4) segunda chamada na prova de língua estrangeira para todos(as) os(as) candidatos(as), optantes ou não pela Política de Ações Afirmativas; e 5) a oferta de aulas de inglês para estudantes ingressantes pelas Ações Afirmativas que tivessem sido reprovados no primeiro exame de proficiência (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2014bUNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Edital n. 01/2014, de 30 de abril de 2014. Brasília, DF: Programa de Pós-graduação em Sociologia, 2014b.).

Paralelamente às discussões na Sociologia, o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social (PPGAS) – que teve papel central tanto nas discussões internas à UnB quanto nacionalmente na ocasião da implementação das Políticas de Cotas na graduação – também discutia a expansão das ações afirmativas na pós-graduação. Diferentemente do PPGSol, em que houve ampla adesão à proposta apresentada, no PPGAS houve resistências por parte de alguns(algumas) professores(as). Em decorrência do tensionamento político, a proposta somente foi aprovada três meses depois da proposta do Programa em Sociologia.

Diante das questões teóricas tipicamente tratadas pela Antropologia, sua proposta contemplou, além de candidatos(as) negros(as), também indígenas e quilombolas (DE SOUZA, 2017DE SOUZA, M. S. C. Contradisciplina: indígenas na pós-graduação e os futuros da Antropologia. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 60, n. 1, p. 99-116, 2017. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2017.132069
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). Assim, a Política de Ações Afirmativas daquele programa se estruturou a partir dos seguinte pilares: 1) reserva de 20% das vagas para candidatos(as) negros(as) no edital geral; 2) duas vagas adicionais para candidatos(as) autodeclarados(as) indígenas e uma vaga adicional para candidatos(as) autodeclarados(as) quilombolas em edital específico; 3) prioridade dos(as) candidatos(as) negros(as), indígenas e quilombolas no recebimento de bolsas; e 4) segunda chamada para prova de língua estrangeira para todos(as) os(as) candidatos(as) (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2014aUNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Edital n. 04/2014, de 29 de abril de 2014. Brasília, DF: Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, 2014a. Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/pdf/ppgas-selecao/2014/EditalPPGAntropologiaDoutorado-no-Brasil-12015.pdf. Acesso em: 01 jun. 2021.
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).

A partir das decisões dos colegiados dos Programas de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia, outros catorze programas de pós-graduação na UnB passaram a adotar Políticas de Ações Afirmativas nos anos subsequentes, até o ano de 2020, quando o CEPE deliberou que todos os PPG adotassem a política. Eram eles: PPG-Artes Cênicas, PPG-Ciência Política, PPG-Comunicação, PPG-Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional, PPG-Direito, PPG-Direitos Humanos e Cidadania, PPG-Educação, PPG-Filosofia, PPG-História, PPG-Linguística Aplicada, PPG-Literatura, PPG-Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural, PPG-Metafísica e PPG-Política Social.

O que se nota no perfil dos dezesseis Programas de Pós-graduação da UnB que adotaram Políticas de Ações Afirmativas por decisão de seus próprios colegiados é um compromisso antirracista não somente de seus(suas) poucos(as) professores(as) negros(as), mas também da maioria branca. De um modo geral, esses programas têm um(a) ou dois(duas) professores(as) negros(as), diante de uma maioria de vinte a 25 professores(as) brancos(as). Tal desequilíbrio nos oferece elementos para indicar uma possível autocrítica da branquitude feita por esses(as) professores(as), que, por seu posicionamento, demonstram já não ignorar sua responsabilidade quanto às desigualdades raciais no Brasil.

Entre os estudantes da pós-graduação – diferentemente do que ocorre entre os docentes – já existia um percentual significativo de negros(as), oriundos, em grande parte, da Política de Cotas na graduação, implementada desde 2004, cujo protagonismo nas discussões não deve ser menosprezado. Nos processos de aprovação das Ações Afirmativas nos colegiados dos mencionados PPG, é importante frisar a crucial atuação antirracista de estudantes negros(as) e brancos(as).

Em um movimento que cresceu e se expandiu para além dos PPG, o ativismo estudantil desempenhou papel fundamental para a aprovação da Política de Ações Afirmativas em 2020, a qual ocorreria em todos os cursos de Pós-graduação da UnB.

Já em 2017, estudantes do Coletivo Ação e Justiça Antirracista (AJA) enviaram uma denúncia ao Ministério Público Federal, alegando que o sistema de cotas da UnB estava sendo fraudado, uma vez que não existia o sistema de verificação da autodeclaração dos(as) estudantes.

Como resultado dessa denúncia, além de apurar os casos de fraude e estabelecer um sistema de validação da autodeclaração dos(as) candidatos(as) negros(as), o Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre o Ministério Público Federal e a UnB obrigava a universidade a dar início à tramitação das negociações, nas instâncias internas competentes, acerca da viabilidade de implantação de cotas raciais nos programas de pós-graduação (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2017MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Termo de Ajustamento de Conduta. Brasília, DF: Procuradoria da República no Distrito Federal, 2017.).

Em virtude disso, no final de 2017, foi constituída uma comissão para propor Ações Afirmativas para os cursos de Pós-graduação.5 5 Ao final de 2017, foi nomeada, na gestão da Decana de Pós-graduação, Professora Helena Shimizu, a comissão formada pelo Diretor de Pós-graduação da UnB, professor Bergmann Ribeiro (presidente), por Renísia Garcia Felice e por Joaze Bernardino-Costa (integrantes). Em 2018, assumiu o Decanato a professora Adalene Moreira, que nomeou outra comissão, composta pela Diretora de Pós-graduação da UnB, professora Antonádia Borges (presidente), por Maria Aparecida Chagas Ferreira e por Joaze Bernardino-Costa (integrantes). A partir dessa comissão, sucederam-se inúmeras reuniões e debates com estudantes e professores(as) da universidade no ano de 2017. No ano seguinte, houve um redirecionamento do foco de atuação política dos militantes antirracistas, diante da ascensão de um candidato à Presidência da República cuja plataforma política era abertamente contrária à Política de Cotas e também contrária à educação superior pública, gratuita e de qualidade.

O vagar interno nesse âmbito foi acompanhado de diversas discussões em outros planos, que tornaram a luta antirracista uma questão candente no cotidiano da UnB. Ademais, fizeram-se sentir, nos diálogos entre membros da comunidade, os efeitos do movimento #BlackLivesMatter. No intervalo entre 2017 e 2020, não havia na UnB qualquer pessoa ignorante ou abertamente indiferente ao tema. Ao situar os diálogos e enfrentamentos que aconteceram em fóruns voltados à discussão prévia da Política de Cotas na pós-graduação, antes de sua implementação, indicamos a importância da tessitura de alianças e do trabalho político incansável de enfrentamento do racismo em meio a uma concomitante ascensão de ideais políticos autoritários e violentos, que tinham também eco em alguns setores da universidade, com posicionamentos ferrenhamente contrários à Política de Ações Afirmativas.

O assunto, como dito, somente voltaria a ser tematizado com vigor no segundo semestre de 2019. Assim, após duas rodadas de discussão da proposta na CPP, em que uma primeira versão do texto foi distribuída para todos(as) os(as) coordenadores(as) de pós-graduação para que fizessem a discussão no âmbito dos seus colegiados e apresentassem contribuições, a proposta foi aprovada no dia 17 de abril de 2020 e, posteriormente, encaminhada para aprovação no CEPE, no dia 04 de junho de 2020. A proposta aprovada possui os seguintes pilares:

  1. Acesso: no mínimo 20% das vagas reservadas para candidatos(as) negros(as); pelo menos uma vaga adicional para candidatos(as) indígenas; pelo menos uma vaga adicional para candidatos(as) quilombolas em todos os processos seletivos da pós-graduação (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2020bUNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Resolução CEPE n. 044, de 04 de junho de 2020. Dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas nos cursos de pós-graduação da Universidade de Brasília. Brasília, DF, UnB, 2020b. Disponível em: http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_044_2020_ACOES_AFIRMATIVAS.pdf. Acesso em: 13 maio 2021.
    http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_04...
    );

  2. Permanência: distribuição prioritária das bolsas aos(às) candidatos(as) indígenas, quilombolas e negros(as), nessa ordem, aprovados(as) nos processos seletivos (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2020bUNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Resolução CEPE n. 044, de 04 de junho de 2020. Dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas nos cursos de pós-graduação da Universidade de Brasília. Brasília, DF, UnB, 2020b. Disponível em: http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_044_2020_ACOES_AFIRMATIVAS.pdf. Acesso em: 13 maio 2021.
    http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_04...
    );

  3. Validação das candidaturas: existência de banca de heteroidentificação da autodeclaração de candidatos(as) indígenas, quilombolas e negros(as) (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2020bUNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Resolução CEPE n. 044, de 04 de junho de 2020. Dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas nos cursos de pós-graduação da Universidade de Brasília. Brasília, DF, UnB, 2020b. Disponível em: http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_044_2020_ACOES_AFIRMATIVAS.pdf. Acesso em: 13 maio 2021.
    http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_04...
    );

  4. Outros grupos sociais: possibilidade de outros grupos sociais, a critério dos Programas de Pós-graduação, poderem ser contemplados pela Política de Ações Afirmativas (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2020bUNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Resolução CEPE n. 044, de 04 de junho de 2020. Dispõe sobre a política de ações afirmativas para estudantes negros/as, indígenas e quilombolas nos cursos de pós-graduação da Universidade de Brasília. Brasília, DF, UnB, 2020b. Disponível em: http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_044_2020_ACOES_AFIRMATIVAS.pdf. Acesso em: 13 maio 2021.
    http://dpg.unb.br/images/RESOLUO_CEPE_04...
    ).

À resolução aprovada somou-se outra, que previa reserva de uma vaga para pessoas com deficiência em todos os processos seletivos (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2020aUNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Resolução CPP n. 05, de 02 de junho de 2020. Estabelece reserva de vagas para pessoas com deficiência nos processos seletivos dos programas de pós-graduação da Universidade de Brasília. Brasília, DF: UnB, 2020a. Disponível em: http://dpg.unb.br/images/PessoasDeficincia_Resoluo_CPP.pdf. Acesso em: 01 jun. 2021.
http://dpg.unb.br/images/PessoasDeficinc...
).

Os novos marcos legais da UnB, no que diz respeito à Política de Ações Afirmativas, são grandes avanços em direção à democratização do acesso à pós-graduação e, como uma consequência futura, à carreira docente, uma vez que, gradativamente, teremos mais doutores(as) negros(as), indígenas, quilombolas aptos(as) a participarem dos concursos públicos ao magistério superior, que têm como exigência mínima o título de doutor.

Por essa razão, a Política de Ações Afirmativas na pós-graduação pode ser pensada não somente como uma política pública voltada a promover uma justa representatividade de pessoas negras indígenas e quilombolas na produção do conhecimento, mas como uma política acadêmica que traz em si o potencial de promover uma transformação epistemológica na maneira como tradicionalmente tem sido desenvolvida a pesquisa científica nas universidades ocidentalizadas,6 6 Entendemos como universidades ocidentalizadas aquelas que se orientam por padrões de conhecimento ocidentalizados ou eurocentrados, muitas vezes ignorando o rico conteúdo político-social-cognitivo que emerge em suas localizações geopolíticas. como é o caso da UnB. Esse é o tema da próxima seção deste artigo.

Por um Projeto Decolonial Antirracista e Contra-hegemônico de Universidade

O ingresso de estudantes negros(as), indígenas e quilombolas por si só justifica a existência das Políticas de Ações Afirmativas na pós-graduação e em outras fases da vida acadêmica universitária. A simples representação proporcional dos diversos grupos raciais em todas as esferas da vida social é razão suficiente para justificar a adoção de tais políticas, sendo a sub-representação desses grupos indício de desigualdades étnico-raciais a serem superadas.

Entretanto, ampliando o arco de justificativas, gostaríamos de apresentar nossas contribuições em outra direção, a saber: a contribuição das Ações Afirmativas na pós-graduação para o desenvolvimento de uma política radical da diversidade, que traz em seu bojo o potencial de um projeto decolonial contra-hegemônico na produção do conhecimento.

Ao falarmos de uma política radical da diversidade, frisamos sua diferença em relação a uma política cosmética da diversidade, chamada por Stuart Hall de multiculturalismo liberal, isto é, um tipo de multiculturalismo que “busca integrar os diferentes grupos culturais o mais rápido possível ao mainstream, ou sociedade majoritária, baseado em uma cidadania individual universal, tolerando certas práticas culturais particularistas apenas no domínio privado” (HALL, 2003HALL, S. A questão multicultural. In: LIV, S. (org.). Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: EdUFMG, 2003. p. 51-100., p. 53).

Estamos diante de uma política cosmética da diversidade, quando uma empresa lança um novo produto dizendo que é voltado para pessoas negras a fim de expandir seu mercado e sem qualquer intenção de questionar as relações de poder e o próprio capitalismo. Além de mera incorporação de mais consumidores ao mercado, a política cosmética da diversidade pode implicar neutralização política de sujeitos teoricamente questionadores da estabilidade de um Estado excludente. Sempre que a retórica da diversidade se torna superficial e vazia, não se propondo a uma desestabilização das relações de poder hegemônicas, termina por validar desigualdades e injustiças (HALL, 2003HALL, S. A questão multicultural. In: LIV, S. (org.). Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: EdUFMG, 2003. p. 51-100.).

Em que pese a importância da diversidade como estratégia para contribuir com 1) a educação de novos líderes, que terão que lidar com um mundo cada vez mais diverso; 2) a superação de estereótipos a partir da criação de exemplos (role models); e 3) a construção de ambientes mais plurais que permitam uma sinergia entre múltiplas experiências e inteligências etc., gostaríamos de vincular a discussão sobre diversidade a uma potencial transformação profunda e radical das nossas universidades (BORGES, 2020BORGES, A. Very rural background: os desafios da composição-terra da África do Sul e do Zimbábue à chamada educação superior. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 63, n. 3, p. 178-183, 2020a. https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2020.178183
https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.20...
).

É por essa razão que trazemos para o bojo da discussão as ideias de justiça social e justiça cognitiva, que devem ser efetivadas simultaneamente e em conjunto com o enfrentamento do racismo institucional e estrutural. O simples fato de termos mais estudantes negros(as), indígenas e quilombolas nas nossas universidades não fará com que realizemos uma transformação nas relações de poder existentes no interior da instituição. Analogamente, podemos pensar que não é o simples fato de termos mais policiais negros(as) que torna as políticas de segurança pública menos racistas

De fato, acreditamos que, por mais que haja quem almeje a mera entrada de pessoas negras, indígenas e quilombolas em instituições brancas a fim de cumprir uma política multicultural liberal, sem rever suas relações de poder, dadas as radicais experiências em curso, outras possibilidades já se fazem notar. Em suma, para evitar retrocessos, é preciso sobretudo discutirmos constantemente o sentido do que está em jogo quando encampamos a luta por Ações Afirmativas: um projeto decolonial antirracista e contra-hegemônico de universidade. Para tanto, é fundamental termos um olhar para o passado e, ao mesmo tempo, um olhar para o futuro.

A despeito de reconhecermos avanços no sistema de Ensino Superior brasileiro e sobretudo das nossas pós-graduações, nosso olhar para o passado é crítico, atento à construção dessa etapa do ensino a partir de uma ausência de diálogo com povos negros, indígenas e quilombolas. Não somente a pós-graduação, mas todo nosso sistema universitário como o temos, é representativa do silenciamento que foi imposto à população não branca e suas experiências e visões de mundo.

Embora não tenhamos garantias de que as Ações Afirmativas adotadas na pós-graduação venham a concretizar uma justiça cognitiva, estamos diante de possibilidades que poderão se efetivar a depender das correlações de força e, principalmente, da leitura que fizermos do momento histórico que vivenciamos. Despertar nossa cognição para a potencialidade é em si um exercício político com validade, diante da opressão e da violência que estabilizam um mundo de possibilidades reduzidas aos que almejam liberdade.

Nesse sentido, outra advertência em relação à discussão ora proposta diz respeito a possíveis especificidades das Humanidades e das Ciências Sociais. Acreditamos que as chamadas ciências duras estão há mais tempo encurraladas por uma lógica corporativista, empresarial, economicista de produção, construída a partir e a favor das instituições situadas nos países centrais, como se pode depreender da incontestável autoridade dos rankings universitários e dos fatores de impacto na classificação e na hierarquização do conhecimento que produzem. Por ora, as Humanidades e as Ciências Sociais são áreas que ainda guardam algumas fendas que as arejam e permitem certa suscetibilidade a modificações. Essas fendas, fissuras, espaços ainda não totalmente colonizados são áreas em que se articulam projetos políticos aos quais devemos atentar, sob o risco de vê-los igualmente soterrados.

Se outrora as Humanidades e as Ciências Sociais se vincularam a uma narrativa que hierarquizava nações e povos e, internamente, esteve devotada à construção da nacionalidade brasileira, sustentada no mito da democracia racial, atualmente – a partir da presença de pesquisadores(as) negros(as), indígenas e quilombolas –, temos a possibilidade de repensar não somente a nação e seus mitos fundacionais racistas, mas também a posição das universidades brasileiras no cenário acadêmico globalizado.

O projeto hegemônico de construção nacional fez com que indígenas, quilombolas e negros(as) com ricas experiências coletivas simplesmente fossem transformados(as) em pobres e camponeses – categorias que remetem a uma mera dimensão econômica atrasada em relação ao outro, branco, urbano e desenvolvido. Para sua inclusão subserviente, suas formas coletivas de organização e dinamização da vida, classificadas como atrasadas, deveriam se metamorfosear em formas de vida nacional-brancas ou se extinguir. Aqui vemos um paralelismo entre o que acontece com os(as) estudantes negros(as), indígenas e quilombolas quando entram em universidades referenciadas por instituições euro-americanas, em processos de inclusão cosmética da diversidade. São rotulados(as) simplesmente de estudantes despreparados(as) e atrasados(as) porque não dominam os códigos de uma universidade branca, que se pensa como universal. Isso é o que configura o racismo epistêmico presente nas universidades brasileiras, atuante muito menos por um ataque frontal e agressivo e muito mais por formas sutis de exclusão em que aqueles que não dominam os códigos hegemônicos são excluídos das oportunidades existentes na vida universitária. É nesse sentido que argumentamos que uma diversidade cosmética é insuficiente para uma transformação política epistemológica.

Para que não se perca o potencial transformador das sensibilidades e experiências históricas de pesquisadores(as) negros(as), indígenas e quilombolas, são necessárias transformações institucionais nas nossas universidades. Precisamos criar um ambiente institucional em que esses(as) estudantes não tenham como única opção metamorfosear-se em brancos e praticar uma ciência supostamente neutra, “asséptica” e “não contaminada’”.

As possibilidades desse novo público das universidades estão colocadas diante de nós. Tanto na primeira onda das Ações Afirmativas – ou seja, sua adoção na graduação – quanto na segunda onda – a atual adoção na pós-graduação –, temos a entrada coletiva de estudantes negros(as), indígenas e quilombolas. Entendemos e nomeamos tais entradas como coletivas por conta de nossa experiência como docentes que viveram o antes e o depois da Política de Ações Afirmativas na pós-graduação. Por um lado, apontamos para as resoluções e para o ingresso numericamente superior de estudantes negros(as) na pós-graduação. Por outro, mais importante, indicamos uma transformação em nossos posicionamentos, decorrentes das interações por que passamos, docentes e discentes, ao longo de anos de luta coletiva antirracista. Graças a tais experiências criou-se a possibilidade, embora nem sempre concretizada, de nos somarmos a estudantes que ingressam pelas Políticas de Cotas como sujeitos que lutam para terem reconhecidas suas experiências pessoais e coletivas como ferramentas fundamentais para a construção do conhecimento e o desenvolvimento de suas pesquisas. Em suma, a ciência a que se propõem está embebida em sua política vivida e dela não pode ser dissociada. Com isso, não só reivindicam a valorização de suas experiências e sensibilidades sócio-históricas concretas e particulares, mas também questionam os privilégios desfrutados por pesquisadores(as) brancos(as) e a estabilização de seus padrões de excelência acadêmicos, forjados a partir da exclusão.

O que os(as) estudantes negros(as) ativistas antirracistas demonstram é que o fundamental é o enfrentamento da colonização mental que faz com que um oprimido se identifique com a visão de mundo do opressor. Demonstram que a branquitude no interior das universidades, que se pensava perene e incólume, está, de fato, nua.

A mencionada entrada coletiva – de estudantes por meio de Políticas de Ações Afirmativas e de docentes transformados por tais políticas – se dá em um universo de diálogo em que as vozes silenciadas têm se feito ouvir.

Ao se vincular a parâmetros de “cientificidade” das universidades euro-americanas, as instituições de pesquisa no Brasil se ligaram a um projeto global de poder, que se autoconstruiu como neutro, não localizado em espaço algum e, portanto, universal. O conhecimento foi produzido como se o sujeito do conhecimento não fosse atravessado por marcadores geográficos, raciais e étnicos, por identidades de gênero, por sexualizações de seus corpos, por espiritualidades reprovadas e malquistas etc. A partir dessa concepção mitificada de produção do conhecimento, reproduziu-se no Brasil uma produção científica que simplesmente passava ao largo de um diálogo profundo e ético com a metade demográfica da população brasileira que a universidade não acolheu. Embora negros(as), quilombolas e indígenas – que hoje representam mais de 50% da população brasileira – simplesmente tenham sido descartados como sujeitos produtores do conhecimento, não se furtaram de produzi-lo, a despeito da universidade excludente.

Para imaginarmos um projeto decolonial contra-hegemônico de universidade que esteja comprometido com a justiça cognitiva é fundamental nosso continuado olhar para trás. Em outras palavras, é preciso termos em mente o histórico de constituição das universidades ocidentalizadas e sua articulação com a colonialidade do poder.

Ramón Grosfoguel (2016)GROSFOGUEL, R. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 31, n. 1, p. 25-49, 2016. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100003
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argumenta persuasivamente que essa colonialidade esteve na base da constituição das universidades ocidentalizadas. Nas argumentações desse autor, a compreensão do genocídio e do epistemicídio envolvidos nos processos históricos do longo século XVI (1450-1650) – conquista das Américas, conquista de Al-Andalus, escravização das populações africanas nas Américas e assassinato de milhares de mulheres queimadas vivas na Europa acusadas de feitiçaria – é a chave histórica para entendermos a desautorização do conhecimento de outros povos e a afirmação do conhecimento localizado na Europa, que se camufla de universal (BERNARDINO-COSTA et al., 2016BERNARDINO-COSTA, J. et al. Ações afirmativas na pós-graduação: em busca da equidade social e de um projeto decolonial contra-hegemônico. In: ARTES, A.; UNBEHAUM, S.; SILVÉRIO, V. (orgs.). Ações Afirmativas no Brasil: experiências bem-sucedidas de acesso na pós-graduação. São Paulo: Cortes/Fundação Carlos Chagas, 2016. p. 259-281. v. 1.). A exclusão de outras formas de vida é a marca original da formação, primeiro, das universidades renascentistas, depois das universidades iluministas (kantianas e humboltianas) e, por fim, das atuais universidades corporativistas, que são administradas sob a égide do neoliberalismo.

O modelo particular e localizado de universidade, que surgiu e tem se desenvolvido no contexto europeu, tem sido replicado em diversos outros contextos geopolíticos, a despeito de suas referências históricas e culturais distintas.

A partir das noções de objetividade e neutralidade axiológicas, tentava-se simplesmente replicar modelos explicativos construídos em outros espaços e tempos o que levou Guerreiro Ramos (RAMOS, 1957RAMOS, A. G. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Editorial Andes Limitada, 1957.) a caracterizar as ciências sociais praticada no país nos anos 1950 como uma sociologia enlatada ou consular, ou seja, uma forma de conhecimento da vida social que era a simples replicação acrítica de teorias construídas na Europa, sem diálogo com a realidade brasileira. O mesmo se deu em outras universidades e nas demais áreas do conhecimento. Universidades fundadas em localidades ricas de uma tradição negra e indígena simplesmente ignoraram tais fontes originais de conhecimento, imaginando que estavam se instalando em vazios geográficos e vazios cognitivos.

Diante de tal nível de colonização mental, até há pouco tempo os(as) poucos(as) professores(as) e estudantes de pós-graduação negros(as) que conseguiam individualmente romper o teto de vidro e adentrar nossas universidades tinham que apagar ou anular suas experiências vividas e adotar uma gramática, uma etiqueta e uma visão de mundo da nossa elite acadêmica branca, sem no geral ir além do multiculturalismo liberal ou da diversidade cosmética. Por outro lado, aqueles(as) intelectuais negros(as) que se recusavam a praticar uma ciência asséptica e não “contaminada” pela conjuntura político-social não tiveram sucesso nas suas tentativas de entrar nas universidades federais. Foi o caso de pelo menos duas gerações de pesquisadores, como Guerreiro Ramos, Abdias Nascimento, Edison Carneiro, Clóvis Moura, Lélia Gonzales, Beatriz do Nascimento, Sueli Carneiro, entre tantos(as). Imaginem quão ricas poderiam ser hoje nossas Humanidades e Ciências Sociais se esses(as) intelectuais tivessem tido parte de suas energias e criatividades para formar novos(as) pesquisadores(as) acolhida dentro das universidades?

Essa realidade começa a mudar gradativamente – esse é o nosso olhar para o futuro – quando começamos a adotar Políticas de Ações Afirmativas nas universidades brasileiras.

Se perdemos por expulsão violenta intelectuais que poderiam ter transformado nossas posturas política e epistemológica, não podemos seguir adiante nesse projeto. É preciso sair dessa universidade e inaugurar uma nova, em que os ensinamentos das minorias majoritárias vicejem. O inédito cenário que traz a entrada coletiva de estudantes negros(as) e indígenas nas universidades é o palco para uma transformação radical. Em decorrência dessa entrada coletiva, diferente da individual ou esparsa, e, mais ainda, do ingresso cosmético, estudantes com a força avassaladora de suas profundas raízes e suas mãos entrelaçadas não precisarão e não mais se metamorfosearão em brancos; essa é nossa esperança. Consequentemente, não só possibilitam a valorização das experiências e sensibilidades sócio-históricas concretas e particulares, suas e de outras maiorias minorizadas, como também questionam os privilégios, o particularismo do eurocentrismo e a invisibilização da branquitude.

Portanto, temos, por um lado, um vetor de transformação que constatamos nos estudantes negros(as), indígenas e quilombolas que já adentraram as universidades; por outro, temos a atuação de inúmeros(as) professores(as) negros(as) e brancos(as) antirracistas que começam a abrir pequenas frestas nas estruturas das universidades, tais quais pequenos vazamentos nas paredes de uma barragem que um dia poderão ocasionar uma verdadeira ruptura.

A cada dia que passa, tornam-se mais comuns as ofertas de disciplinas sobre pensamento africano e afrodiaspórico nas nossas pós-graduações, ou seja, os corpos negros entraram nas universidades não mais para servirem de objetos de estudos, mas para produzir conhecimentos que desbancam a hegemonia do conhecimento branco colonial, racista e eurocêntrico. Da mesma forma, há uma imensa circulação de obras de intelectuais africanos, afrodiaspóricos, indígenas e quilombolas, o que outrora, num passado muito próximo, era impensável nas nossas universidades. Um dos resultados de tudo isso é uma identificação coletiva de estudantes e pesquisadores(as) negros(as) e indígenas com tal produção do conhecimento. Outro é um salutar desconforto que compele os(as) professores(as) já estabelecidos(as) nas universidades a dialogar com uma bibliografia e novas formas de conhecimento totalmente inéditos a eles(as).

Esses pequenos vazamentos nas paredes das barragens ganham intensidade com a Política de Ações Afirmativas na pós-graduação.

Vemos que, para que essas políticas se concretizem como projeto decolonial contra-hegemônico, é fundamental que a noção de diversidade seja tomada como uma ideia radical, que desestabilize as relações de poder existentes nas universidades e se vincule aos princípios tanto da justiça social quanto das justiças epistêmica e cognitiva. A mudança curricular que já constatamos em algumas disciplinas é uma ponta, um pequeno fiapo, dessa justiça epistêmica. É preciso que ela venha combinada com uma diversidade epistemológica e metodológica radical.

Se, no contexto das universidades euro-americanas, fala-se da necessidade de essas instituições se des-imperializarem, o que envolve um esforço de rever os pressupostos de superioridade europeia (NDLOVU-GATSCHENI; ZONDI, 2016NDLOVU-GATSHENI, S. J.; ZONDI, S. (eds.). Decolonizing the university, knowledge systems and disciplines in Africa. Durham: Carolina Academic Press, 2016.), no contexto das universidades ocidentalizadas brasileiras, também precisamos de um esforço de des-imperialização e des-senhorização.7 7 Nesse sentido, o trabalho a ser feito nas universidades brasileiras é duplo: uma revisão dos seus vínculos com as formas de conhecimento forjadas nas nações imperiais (ou norte global) e uma revisão do conhecimento – para usarmos uma metáfora cara a todos nós – produzido a partir da Casa-Grande. A expressão des-senhorizar, portanto, refere-se à crítica ao lugar de produção de conhecimento e enunciação que tem caracterizado a ciência produzida no Brasil – especialmente Humanidades e Ciências Sociais. Em outras palavras, é urgente refundar as universidades brasileiras a fim de que possam produzir conhecimento a partir de seu diálogo com as realidades locais. Também é urgente que haja esforço para des-senhorizar as instituições, a fim de promover a reconciliação com as ricas experiências das populações negra, indígena e quilombola.

A crítica de estudantes negros(as), indígenas e quilombolas a currículos branco-eurocentrados pode ser lida como uma “rebeldia” provocada por “selvagens” avessos aos avanços da civilização, mas também como uma sinalização para que as universidades se comprometam com uma transformação profunda e radical, o que envolve mudanças institucionais profundas e a contratação de professores(as), o que seria a terceira onda das Políticas de Ações Afirmativas.

Esse processo dinâmico de descolonização, des-imperialização e des-senhorização é um convite para a produção do conhecimento a partir das ricas experiências e sensibilidades históricas dos múltiplos e heterogêneos povos que vivem no que nos habituamos a convencionar como Brasil. Poderemos, sem necessidade de nos iludirmos com a produção do conhecimento a partir de lugar nenhum, produzir conhecimentos branco-centrados, negro-centrados, indígena-centrados e quilombolas-centrados, ou seja, conhecimentos a partir de pontos de vista específicos.

Reconhecer a localização geográfica e corporal de cada forma de conhecimento é um gesto de humildade perante esse conhecimento, um compromisso com a ideia de uma objetividade situada (HARAWAY, 1991HARAWAY, D. Simians, cyborg and women: reinvention of nature. New York/London: Routledge, 1991.), em que a apreensão da realidade será sempre parcial e localizada, a depender de um ponto de vista específico. Esse reconhecimento da localização e da limitação da apreensão da realidade talvez seja um gesto e uma atitude redentores para restabelecermos a solidariedade na produção do conhecimento.

Dessa forma, talvez as universidades brasileiras possam desempenhar um papel estratégico para um ensino de excelência e para a capacitação de estudantes e profissionais na busca de soluções para os múltiplos problemas nacionais, que não sejam panaceia, mas processos de atenção constante à longa história que nos antecede e ao igualmente longo caminho que temos à frente para mudar o mundo em que vivemos.

Considerações Finais

Dois argumentos centrais foram desenvolvidos neste artigo: primeiramente, a discussão de como a aprovação das Políticas de Ações Afirmativas no âmbito da pós-graduação da UnB foi um produto do ativismo antirracista de estudantes e professores(as) negros(as) e brancos(as); em segundo lugar, uma discussão que situa os avanços das Ações Afirmativas com um projeto decolonial antirracista e contra-hegemônico, o qual tem potencial de trazer uma ideia de diversidade radical para a produção de conhecimento.

Quanto ao primeiro argumento, destacamos a importância de um olhar que não perca de vista a continuidade entre os avanços na pós-graduação e as conquistas da graduação, desde o início do milênio. Esse olhar diacrônico mantém viva e presente a historicidade de cada instituição. Uma eventual redução das conquistas para aprovação da Política de Ações Afirmativas a um simples “incremento” administrativo poderia apagar a contribuição de inúmeros sujeitos antirracistas, principalmente do ativismo negro antirracista no interior das nossas instituições. Sueli Carneiro nos adverte quanto ao risco da simplificação das discussões sobre o avanço da agenda antirracista nas instituições e no Estado brasileiro: “Tudo acontece como se fosse fruto de geração espontânea ou de uma disposição repentina de valorização da diversidade que teria acontecido na sociedade. O que permite que sejamos expropriados de nossa própria prática política” (CARNEIRO, 2018CARNEIRO, S. Escritos de uma vida. Belo Horizonte: Letramento, 2018., p. 148).

Colocar em perspectiva histórica o processo que levou à implementação das Ações Afirmativas na UnB é tanto um reconhecimento dos(as) envolvidos(as) nessa vitória quanto o reconhecimento da singularidade dessas conquistas. Após isso, somos levados a conclamar que cada uma das 33 universidades que já aprovaram Políticas de Ações Afirmativas na pós-graduação faça seus registros histórico-sociológicos e que, ao fazê-lo, contribua para uma expansão do segundo argumento desenvolvido neste texto.

Como vimos, a depender da interpretação do que está em jogo, teremos motivos e sentidos diferentes para nosso engajamento com a implantação de Políticas de Ações Afirmativas. Se o que se almeja é somente uma política cosmética da diversidade ou um multiculturalismo liberal, nossas expectativas serão atingidas com a construção de espaços mais diversos e plurais, segundo uma política da representação. Indubitavelmente, se as Políticas de Ações Afirmativas cumprirem esse objetivo, já estarão contribuindo para a revisão de estereótipos e a criação de exemplos que, em última instância, são essenciais para o jogo competitivo das democracias liberais. Todavia, se o objetivo maior for uma política radical da diversidade, nossas expectativas irão além de uma política da representação. A luta almejará, em última instância, tanto justiças cognitiva e epistemológica quanto justiça social. O objetivo será uma educação e uma pesquisa de ponta, não mais privilégio de alguns(algumas), mas sim direito de todos(as).

Parte essencial dessa busca por um projeto decolonial antirracista e contra-hegemônico e de justiça cognitiva não se encerra obviamente com expansão nas políticas de ingresso no âmbito da pós-graduação e seus efeitos transformadores. Neste artigo, somente tangenciamos o urgente problema de acrescer às discussões das políticas universitárias reserva de vagas para candidatos(as) negros(as) nos concursos do magistério superior, ou seja, a terceira onda das Ações Afirmativas.

Um dos empecilhos para a reserva de vagas para candidatos(as) negros(as) nos concursos para docentes das universidades federais e, portanto, para a efetivação da Lei n. 12.990/2014, é o fracionamento de vagas entre os departamentos acadêmicos, impedindo que sejam realizados concursos que tenham três vagas ou mais e tornando, por consequência, a supracitada lei inoperante, uma vez que, no seu parágrafo 1º do artigo 1º, diz que “a reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas no concurso público for igual ou superior a 3 (três)” (BRASIL, 2014BRASIL. Lei n. 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Brasília, DF: Presidência da República, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm. Acesso em: 17 maio 2021.
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). Já está constatado que as IFES estão se furtando ao cumprimento da lei. Mello e Resende (2019)MELLO, L.; RESENDE, U. P. Concursos públicos para docentes de universidades federais na perspectiva da Lei n. 12.990/2014: desafios à reserva de vagas para candidatos(as) negros(as). Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 34, n. 1, p. 161-184, 2019. https://doi.org/10.1590/s0102-6992-201934010007
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constataram que, entre o dia 9 de junho de 2014 (dia da promulgação da lei) e o dia 31 de janeiro de 2018 (marco temporal limite para o levantamento dos dados), tinham sido abertos 15.055 concursos públicos, com apenas 742 (ou 4,93%) das vagas reservada para candidatos(as) negros(as).

Ao mesmo tempo que nos engajamos para a implementação das Ações Afirmativas na pós-graduação, conferindo-lhe um sentido e uma interpretação que as vincule a um projeto decolonial antirracista e contra-hegemônico, é fundamental continuarmos causando fraturas na parede da barragem, insistindo na luta por abertura de concursos públicos com reserva de vagas para professores(as) negros(as). Afinal, a luta pela terceira onda das Ações Afirmativas – reserva de vagas nos concursos públicos para professores(as) – faz parte do projeto decolonial contra-hegemônico.

Talvez dessa forma possamos efetivar uma verdadeira e grandiosa ruptura epistemológica, permitindo que novas formas de conhecimento negro-centrado, quilombola-centrado e indígena-centrado possam também estabelecer um diálogo horizontal com as formas de conhecimento branco-centrado que até hoje têm hegemonizado os conhecimentos nas nossas universidades.

Notas

  • 1
    Dedicamos este artigo à professora Adalene Moreira, decana quando da aprovação da resolução que instituiu a política de ação afirmativa na pós-graduação. A professora Adalene não somente cumpriu as formalidades do cargo. Após o que acreditamos ter sido uma jornada de transformação pessoal, seu empenho político foi crucial para a aprovação da nova política de ações afirmativas para a pós-graduação na Universidade de Brasília.
  • 2
    No levantamento de Venturini (2019)VENTURINI, A. C. Ação Afirmativa na pós-graduação: os desafios da expansão de uma política de inclusão. 2019. 325 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Centro de Ciências Sociais. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019., dos 2.763 programas de pós-graduação existentes à época, 737 possuíam algum tipo de Ação Afirmativa, o que correspondia a 26,4%. Os dados coletados pela pesquisadora revelavam que 17,9% dos programas tinham adotado Ações Afirmativas por decisão dos seus colegiados; 0,4% por decisão de seus colegiados, mas incentivados pela Fundação Ford ou pela Fundação Carlos Chagas; 8,6% por decisão das assembleias legislativas e, finalmente, 73,3% por decisão dos Conselhos Universitários.
  • 3
    Conforme o Censo de 2010, a população negra (pretos e pardos) no DF correspondia a 56,2% da população total.
  • 4
    O terceiro programa de pós-graduação do Instituto de Ciências Sociais é o Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais: Estudos Comparados sobre as Américas, que adotou sua política de Ação Afirmativa por força da decisão do CEPE de 2020.
  • 5
    Ao final de 2017, foi nomeada, na gestão da Decana de Pós-graduação, Professora Helena Shimizu, a comissão formada pelo Diretor de Pós-graduação da UnB, professor Bergmann Ribeiro (presidente), por Renísia Garcia Felice e por Joaze Bernardino-Costa (integrantes). Em 2018, assumiu o Decanato a professora Adalene Moreira, que nomeou outra comissão, composta pela Diretora de Pós-graduação da UnB, professora Antonádia Borges (presidente), por Maria Aparecida Chagas Ferreira e por Joaze Bernardino-Costa (integrantes).
  • 6
    Entendemos como universidades ocidentalizadas aquelas que se orientam por padrões de conhecimento ocidentalizados ou eurocentrados, muitas vezes ignorando o rico conteúdo político-social-cognitivo que emerge em suas localizações geopolíticas.
  • 7
    Nesse sentido, o trabalho a ser feito nas universidades brasileiras é duplo: uma revisão dos seus vínculos com as formas de conhecimento forjadas nas nações imperiais (ou norte global) e uma revisão do conhecimento – para usarmos uma metáfora cara a todos nós – produzido a partir da Casa-Grande. A expressão des-senhorizar, portanto, refere-se à crítica ao lugar de produção de conhecimento e enunciação que tem caracterizado a ciência produzida no Brasil – especialmente Humanidades e Ciências Sociais.

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Editor de Seção: Salomão Barros Ximenes
Editores convidados: Nilma Lino Gomes, José Eustáquio Brito e Paulo Vinicius Baptista da Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2021
  • Aceito
    20 Out 2021
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