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OFICINAS DE FOTOGRAFIA COM ESTUDANTES UNIVERSITÁRIAS/OS: PESQUISA E ALGUNS DE SEUS EFEITOS

PHOTOGRAPHY WORKSHOPS WITH UNIVERSITY STUDENTS: RESEARCH AND SOME OF ITS EFFECTS

TALLERES DE FOTOGRAFÍA CON ESTUDIANTES UNIVERSITARIOS: INVESTIGACIÓN Y ALGUNOS DE SUS EFECTOS

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar o caráter interventivo-dialógico de uma pesquisa realizada com estudantes de uma universidade federal brasileira, a qual teve como corpus as Oficinas de Fotografia Mobile. Os materiais produzidos nas oficinas foram analisados a partir de uma perspectiva dialógica, considerando-os resultantes do processo de interação com e de mediação do pesquisador. Nos resultados discute-se: o papel do(a) pesquisador(a) na produção de novos contextos e cenários; a composição dos materiais produzidos na pesquisa também como resultado da ação do(a) pesquisador(a); e a produção de novas possibilidades de olhares e de reflexão, por parte dos(as) participantes da pesquisa, sobre seus posicionamentos.

Palavras-chave
Pesquisa-intervenção; Dialogismo; Ensino Superior; Produção de subjetividade; Fotografia

ABSTRACT

This work aims to analyze the interventionist-dialogical character of a research carried out with students from a Brazilian federal university, which had as its focus the Mobile Photography Workshops. The materials produced in the workshops were analyzed from a dialogical perspective, considering them as a result of the process of interaction with and mediation of the researcher. The results discuss: the role of the researcher in the production of new contexts and scenarios; the composition of the materials produced in the research also as a result of the researcher’s action; and the production of new possibilities of looks and reflection, by the research participants, about their positions.

Keywords
Research-intervention; Dialogism; Higher education; Production of subjectivity; Photography

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo analizar el carácter intervencionista-dialógico de una investigación realizada con estudiantes de una universidad federal brasileña, que tuvo como foco los Talleres de Fotografía Móvil. Los materiales producidos en los talleres fueron analizados desde una perspectiva dialógica, considerándolos como resultado del proceso de interacción y mediación del investigador. Los resultados discuten: el papel del investigador en la producción de nuevos contextos y escenarios; la composición de los materiales producidos en la investigación también como resultado de la acción del investigador; y la producción de nuevas posibilidades de miradas y reflexiones, por parte de los participantes de la investigación, sobre sus posiciones.

Palabras-clave
Investigación-intervención; Dialogismo; Enseñanza superior; Producción de subjetividad; Fotografía

Introdução

Pesquisar é processo complexo. Não se reduz a seguir ou não um método, a uma forma ou outra de organização e composição da pesquisa. Antes, e fundamentalmente, trata-se de embrenhar-se nas teias dialógicas, nas tramas discursivas, e de assumir, nelas, um inevitável posicionamento, respondendo às tensões que constituem o mundo e as condições e possibilidades de vida. Pesquisar não é processo isento, mas sim compromisso ético, estético e político. É ato inserido no mundo da vida, no qual não há álibi no existir (Bakhtin, 2010BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.).

Partindo desse pressuposto, este texto tem por objetivo discutir o caráter interventivo-dialógico de uma pesquisa realizada com estudantes de graduação de uma universidade federal pública brasileira. Em outras palavras, intentamos analisar não os materiais produzidos pelos(as) participantes da pesquisa propriamente, mas esses mesmos materiais como resultados de um processo de interação com, e de mediação pelo, pesquisador, em um determinado contexto.

Para tal, tomamos por base Oficinas de Fotografia Mobile, realizadas com estudantes universitários(as) que compuseram um processo investigativo de doutorado em Psicologia. As oficinas tiveram duração de oito semanas e produziram como material para análise fotografias, exposições fotográficas, diálogos tecidos durante os encontros, transcritos, e observações registradas em diários de campo.

A formulação da problemática que levou à elaboração das oficinas, com a reflexão sobre os espaço-tempos na universidade, seus processos de constituição e efeitos à produção das formas de vida, inicia este artigo, seguida da discussão sobre o pesquisar como ato que implica e convoca à assunção de um inevitável posicionamento nas tramas discursivas, nas tensões entre vozes sociais. São discussões que configuram umprelúdio à apresentação das Oficinas de Fotografia Mobile, corpus da pesquisa que buscou investigar os diálogos que os(as) estudantes tecem em seus cotidianos na e para com a UniverS/Cidade

De como se Constituiu o Problema de Pesquisa

Ser psicólogo em uma universidade federal brasileira, trabalhando em uma Pró-reitoria de Assuntos Estudantis, a qual se ocupa em pensar as condições de permanência dos(as) estudantes na instituição, levou-nos a refletir sobre alguns aspectos dessas condições. Por se tratar de uma das maiores universidades do país, tem a dimensão de uma cidade: por seus diferentes espaços, com estrutura organizacional e fluxos pensados tal qual uma cidade, transitam cotidianamente dezenas de milhares de pessoas, entre estudantes e servidores docentes e técnicos.

Essa universidade se constituiu historicamente de forma fragmentada em diversos locais. Sua construção foi sendo realizada em diversos espaços da capital em que está instalada, em terrenos doados pelo município ou pela União (WACHOWICZ, 2006WACHOWICZ, R. C. Universidade do mate: história da UFPR. 2. ed. Curitiba: Editora da UFPR, 2006.). Essa fragmentação em diversos espaços faz com que, no cotidiano acadêmico, muitos(as) estudantes precisem se deslocar pela cidade, de um espaço a outro da universidade, para as mais diversas atividades: aulas (salas de aula, laboratórios, aulas em ambientes hospitalares etc.); acesso a materiais dispostos/disponíveis em diversas bibliotecas; acesso a restaurantes universitários ou a unidades administrativas responsáveis por registro acadêmico, unidades responsáveis por estágios, projetos e programas de extensão ou de iniciação científica, Pró-reitoria de Assuntos Estudantis etc. A vida nessa universidade é, pois, uma vida que acontece também pela cidade, não apenas em trajetos casa-universidade, mas na própria rotina da instituição.

Ao nos depararmos constantemente com falas dos(as) estudantes quanto a dificuldades de deslocamentos, horários de atendimentos e locais de algumas unidades/serviços dentro da universidade, começamos a refletir sobre essa sua constituição fragmentada e amalgamada ao corpo da cidade. Com base nisso, propusemos pensá-la como uma UniverS/Cidade: uma cidade, por sua dimensão; assim como também amalgamada ao corpo da urbe.

Dessa fragmentação espacial, passamos a refletir sobre como se produz a vida acadêmica nessa instituição, ou seja, quais os limites e potências da organização dos tempos e espaços da vida estudantil. O tempo, nesse sentido, emerge como categoria não passível de separação de espaço e vice-versa. Pensar o espaço, ou o tempo, é, pois, pensar espaçotempos, categorias centrais nas análises de processos e das formas de constituição da vida em uma sociedade e que são construções sociais e históricas (Benjamin, 2016BENJAMIN, W. Sobre o conceito de História. In: BENJAMIN, W. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016. p. 7-20.; Elias, 1998ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.; Harvey, 2008HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança. 17. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.; Lefebvre, 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Madrid: Capitán Swing Libros, 2013.; Marx; Engels, 2001MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2001.; Santos, 2014SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 8. ed. São Paulo: EdUSP, 2014.).

A produção histórica do espaço ocorre conforme intencionalidades, a partir de valores enunciados por vozes sociais, configurando funções e sentidos. De modo mais evidente, nas grandes cidades, o espaço tem sido engendrado com base em valores sustentados por vozes que enunciam as lógicas modernas e capitalistas; ou seja, a produção do espaço organizado e racionalizado de modo a possibilitar e propiciar a facilidade de circulação e controle de/sobre bens e de pessoas (BENJAMIN, 2009BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte/São Paulo: Editora UFMG/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009., 2015BENJAMIN, W. Baudelaire e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.; HARVEY, 2008HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança. 17. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2008.; LEFEBVRE, 2013LEFEBVRE, H. La producción del espacio. Madrid: Capitán Swing Libros, 2013.). Esse processo busca ocultar espaços de uma “cidade transumante, ou metafórica” (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 159), formada por aquilo que não é previsível, aquilo do cotidiano que não é apenas repetição (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 2014.; HELLER, 2015HELLER, A. Estrutura da vida cotidiana. In: HELLER, A. O cotidiano e a história. São Paulo: Paz e Terra, 2015. p. 17-41.). Essa omissão intenta silenciar que o espaço é tensão constante entre diferentes forças, que é movimento constante, cruzamento, processo, que é “lugar praticado e plurivocal” (CERTEAU, 2014CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 202).

De modo a olhar/analisar o espaço como movimento e tensão de forças, temo-lo pensado como palimpsesto (Santos, 2014SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 8. ed. São Paulo: EdUSP, 2014.; Sennett, 2014SENNETT, R. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. 3. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2014.), ou seja, emaranhado de escritas, umas sobre as outras, que comportam em si a historicidade de sua produção. Nesse sentido, o espaço carrega em si vários tempos, fundidos; é história, ou um cronotopo (BAKHTIN, 2018aBAKHTIN, M. Teoria do romance II: As formas do tempo e do cronotopo. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 2018a.), ou seja: tempoespaço, fundidos e inseparáveis. No espaço residem, portanto, a história, o tempo, e vice-versa; no espaçotempo está o passado, constituindo o presente e as possibilidades de ações futuras, as relações e experiências.

No mesmo processo em que o espaço é produzido nas grandes cidades preponderantemente sob as lógicas moderna e capitalista, produz-se também aquilo que sentimos, designamos e experienciamos como o tempo e seu passar (ELIAS, 1998ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.). Assim como o espaço que é homogeneizado, produzido para ser cruzado, pelo qual se deve circular, o tempo é produzido a partir do “estabelecimento progressivo de uma grade relativamente bem integrada de reguladores temporais, como os relógios de movimento contínuo” (ELIAS, 1998ELIAS, N. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998., p. 36). Tempo que se pretende regular e simultâneo a tudo e todos – a produção de tempos que “delimitam e qualificam o tempo social, ditando, de longe e de cima, a duração e o nível da atividade econômica” (Santos, 2014SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 8. ed. São Paulo: EdUSP, 2014., p. 149).

Essas mesmas relações espaçotemporais e seus impactos na produção das formas de vida na sociedade contemporânea, principalmente nos grandes centros, são também acompanhadas pelo mesmo processo no campo da educação, na produção dos espaços e tempos em que as relações de ensino-aprendizagem se dão (ESCOLANO, 2001ESCOLANO, A. Arquitetura como programa: espaço-escola e currículo. In: VIÑAO FRAGO, A. (org.). Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 19-57.; FRAGO, 2001FRAGO, A. V. Do espaço escolar e da escola como lugar: propostas e questões. In: FRAGO, A. V.; ESCOLANO, A. (orgs.). Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p. 59-140.). Cada período histórico no campo da educação irá produzir diferentes modelos de ordenamento espacial e temporal nas instituições escolares, as quais têm suas materialidades grafadas pela discursividade dessas diferentes perspectivas, produzindo condições nas quais se dão processos que vão para além do ensino e da aprendizagem, mas que produzem subjetividades (MARQUES; OLIVEIRA; MONTEIRO, 2015MARQUES, L. P.; OLIVEIRA, C. E. A.; MONTEIRO, S. S. Os usos dos tempos no cotidiano escolar. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 15, n. 608, p. 225, 2015. https://doi.org/10.7213//dialogo.educ.14.043.AO02
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; PINHO; SOUZA, 2015PINHO, A. S. T.; SOUZA, E. C. O tempo escolar e o encontro com o outro: do ritmo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 41, n. 3, p. 663-678, 2015. https://doi.org/10.1590/S1517-9702201507133096
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, 2017).

A reflexão sobre os espaçotempos, seus processos de constituição e efeitos à produção das formas de vida nos conduzem a duas figuras alegóricas: o homem lento (SANTOS, 2014SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 8. ed. São Paulo: EdUSP, 2014.) e o flâneur (BENJAMIN, 2015BENJAMIN, W. Baudelaire e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.). O flâneur, por não se integrar à multidão dos grandes centros, embora imerso nela, em seus distanciamento e reflexão diante dos fluxos humanos nos espaçotempos urbanos e da enxurrada de estímulos que os conduz, é capaz de ver, nessa mesma multidão, aquilo que ela própria já não pode mais ver. Do mesmo modo, o homem lento, por força de sua lentidão diante da aceleração de fluxos que seguem as lógicas de produção, circulação e consumo, é capaz de reconhecer que as imagens produzidas na e para a cidade são miragens.

Assim, inserido no campo de atuação da psicologia que reflete e atua com condições de permanência no Ensino Superior, no contexto de uma universidade fragmentada e amalgamada à cidade, passamos a questionar a organização da vida acadêmica, os espaçotempos, ritmos e velocidades, enfim, as condições e possibilidades em que ela se dá, sobre a produção de subjetividades, de formas de pensar e sentir. Decidimos, então, investigar as relações e os diálogos dos estudantes com os espaçotempos universitários e, para tanto, formulamos Oficinas de Fotografia para que, a partir de discussões sobre as possibilidades do olhar, pudéssemos dar visibilidade e audibilidade àquilo que, muitas vezes, é ocultado ou silenciado nas instituições educacionais. As oficinas que desenvolvemos junto aos(às) estudantes de graduação se inserem, pois, em uma perspectiva de produção de conhecimentos, a qual delineamos a seguir.

Fazer Pesquisa, um Processo Dialógico, Ético, Estético e Político

A produção de conhecimentos é terreno tenso. Historicamente, constitui-se com base em diversas disputas que envolvem lugares de produção de verdades, sobre o que seja o conhecimento e sobre como ele deva ser produzido (GINZBURG, 1989GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.; MACHADO; ZANELLA, 2019MACHADO, J. P.; ZANELLA, A. V. Bakhtin, ciências humanas e psicologia: diálogos sobre epistemologia e pesquisa. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, n. 31, p. 1-17, 2019. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2019v31166423
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; SANTOS, 2008SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2008.).

O campo comumente denominado pesquisa-intervenção, por sua vez, insere-se numa tradição da produção de conhecimentos que se opõe às perspectivas herdeiras da Modernidade e de seus ideais de neutralidade e verdade (MACHADO; ZANELLA, 2019MACHADO, J. P.; ZANELLA, A. V. Bakhtin, ciências humanas e psicologia: diálogos sobre epistemologia e pesquisa. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, n. 31, p. 1-17, 2019. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2019v31166423
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; ROCHA; AGUIAR, 2003ROCHA, M. L.; AGUIAR, K. F. Pesquisa-intervenção e a produção de novas análises. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, v. 23, n. 4, p. 64-73, 2003. https://doi.org/10.1590/S1414-98932003000400010; TOLEDO; JACOBI, 2013TOLEDO, R. F.; JACOBI, P. R. Pesquisa-ação e educação: compartilhando princípios na construção de conhecimentos e no fortalecimento comunitário para o enfrentamento de problemas. Educacao & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 122, p. 155-173, 2013. https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000100009
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). Nesse modo de pesquisar, há uma mudança e uma radicalização quanto a aspectos referentes a ideais de neutralidade e de objetividade do pesquisador, com forte vinculação entre produção teórica e realidade social, além do questionamento de lugares de poder e ampliação das análises psicológicas em níveis macrossociais ou não individualizantes. Nesse mesmo processo, há uma mudança do lugar ocupado tradicionalmente no campo científico pelo(a) pesquisador(a), sustentada na compreensão de que “teoria e intervenção se constroem simultaneamente, sendo que a formação ética, estética e política do pesquisador se entretece com a dos participantes para que, a partir daí, possa ser problematizado o modo de intervenção na realidade e seus efeitos” (BRITO; ZANELLA, 2017BRITO, R. D. V. A.; ZANELLA, A. V. Formação ética, estética e política em oficinas com jovens: tensões, transgressões e inquietações na pesquisa-intervenção. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 42-64, 2017. https://doi.org/10.1590/2176-457326093
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, p. 43-44).

Nessa perspectiva, o processo de pesquisa é concebido como de produção de informações e também de transformação de uma determinada realidade, a qual é assumida como inerente à pesquisa, implicando um compromisso ético (o assumir de um posicionamento) do pesquisador em relação ao outro com o qual (e não sobre o qual) pesquisa (BRITO; ZANELLA, 2017BRITO, R. D. V. A.; ZANELLA, A. V. Formação ética, estética e política em oficinas com jovens: tensões, transgressões e inquietações na pesquisa-intervenção. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 42-64, 2017. https://doi.org/10.1590/2176-457326093
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; FREITAS, 2010FREITAS, M. T. A. Discutindo sentidos da palavra intervenção na pesquisa de abordagem historico-cultural. In: FREITAS, M. T. A.; RAMOS, B. S. (orgs.). Fazer pesquisa na abordagem histórico-cultura: metodologias em construção. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010. p. 13-24.; ROCHA, 2006ROCHA, M. L.. Psicologia e as práticas institucionais: a pesquisa-intervenção em movimento. Psico, Porto Alegre, v. 37, n. 2, p. 169-174, 2006.; ROCHA; AGUIAR, 2003ROCHA, M. L.; AGUIAR, K. F. Pesquisa-intervenção e a produção de novas análises. Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, v. 23, n. 4, p. 64-73, 2003. https://doi.org/10.1590/S1414-98932003000400010). Pesquisar, a partir dessa ótica, constitui ato que implica e convoca à assunção de um inevitável posicionamento nas tramas discursivas, nas tensões entre vozes sociais; ato que é, portanto, ético, estético e político (BRITO; ZANELLA, 2017BRITO, R. D. V. A.; ZANELLA, A. V. Formação ética, estética e política em oficinas com jovens: tensões, transgressões e inquietações na pesquisa-intervenção. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 42-64, 2017. https://doi.org/10.1590/2176-457326093
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).

O caráter ético, estético e político do ato de pesquisar é aqui compreendido a partir da ótica da Filosofia da Linguagem do Círculo de Bakhtin, mais especificamente, com base no dialogismo, na teoria do signo ideológico e na filosofia do ato responsável. O dialogismo é compreendido como expressão do constante e infinito diálogo entre vozes sociais, formas como diferentes grupos humanos constituem sentidos ao mundo (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016., 2017BAKHTIN, M. Por uma metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. São Paulo: Editora 34, 2017. p. 57-79., 2018bBAKHTIN, M. Estetica da criação verbal. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018b.; VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017.). Todo diálogo, por sua vez, dá-se por meio de signos, os quais são, para o círculo, ideológicos: todo signo da comunicação humana expressa e carrega em si valores construídos social e historicamente, não podendo ser interpretado como unidade de comunicação que não seja valorada (VOLÓCHINOV, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017.). Por conseguinte, constitui-se a compreensão de que todo ato é responsivo, pois está inserido no diálogo entre as vozes sociais, respondendo a enunciados anteriores e suscitando novas respostas; é também sempre responsável, porque inevitavelmente carregado de valor assumido pelo sujeito em seu ato. Todo ato, portanto, será constituído a partir do “não-álibi no existir” (Bakhtin, 2010BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010., p. 99): não há desculpas, todo ato é posicionado.

A ética, na filosofia do Círculo de Bakhtin, é, pois, pensada a partir da realidade concreta, do ato situado no tempo e no espaço, num determinado conjunto de relações. Sendo singular e irrepetível, todo ato carregará em sua arquitetônica os caráteres: valorativo/ideológico; responsivo (é um elo inserido nas teias dialógicas); responsável (posicionado na dialogia da linguagem humana, orientado pelo tom emotivo-volitivo); e além de carregar também as marcas do contexto no qual é produzido, ou seja, suas condições de possibilidades. A constituição dos sentidos é, pois, alicerçada nessas bases e a compreensão, no campo da pesquisa, do que se produz no processo investigativo (interindividual, portanto) deve levar em conta que, “[a]o arrancar a enunciação deste chão real que a alimenta, perdemos a chave que abre o acesso de compreensão tanto de sua forma quanto de seu sentido”(Volochínov, 2013bVOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013b., p. 86).

Desse modo, o pesquisar se dá também como uma condição especial de relação que envolve o(a) pesquisador(a) e seu(sua) outro(a) (BRITO; ZANELLA, 2017BRITO, R. D. V. A.; ZANELLA, A. V. Formação ética, estética e política em oficinas com jovens: tensões, transgressões e inquietações na pesquisa-intervenção. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 42-64, 2017. https://doi.org/10.1590/2176-457326093
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; Freitas, 2009FREITAS, M. T. A. A pesquisa de abordagem histórico-cultural: um espaço educativo de constituição de sujeitos. Teias, Rio de Janeiro, n. 10, p. 1-12, 2009. https://doi.org/10.12957/teias
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, 2010FREITAS, M. T. A. Discutindo sentidos da palavra intervenção na pesquisa de abordagem historico-cultural. In: FREITAS, M. T. A.; RAMOS, B. S. (orgs.). Fazer pesquisa na abordagem histórico-cultura: metodologias em construção. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010. p. 13-24.; Jobim e Souza; Albuquerque, 2012JOBIM E SOUZA, S.; ALBUQUERQUE, E. D. P. A pesquisa em ciências humanas: uma leitura bakhtiniana/Research in human sciences: a Bakhtinian reader. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo v. 7, n. 2, p. 109-122, 2012. https://doi.org/10.1590/S2176-45732012000200008
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; MACHADO; ZANELLA, 2019MACHADO, J. P.; ZANELLA, A. V. Bakhtin, ciências humanas e psicologia: diálogos sobre epistemologia e pesquisa. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, n. 31, p. 1-17, 2019. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2019v31166423
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). Essa relação não constitui, portanto, um processo unilateral; o que se produz na situação de interlocução, em campo, sempre será também constituído pelo(a) pesquisador(a), pelas relações dos participantes para com ele(a), pelas imagens que um(a) tem do(a) outro(a), pelos valores que constituem as vozes sociais, pelas situações etc.

Assim, o caráter interventivo do pesquisar é tomado como inerente ao processo e à relação dialógica entre sujeitos – pesquisador(a) e seus outros(as). Esse mesmo caráter não pode (e não há como) ser neutralizado ou extirpado; ao mesmo tempo, cumpre analisá-lo como parte do processo – cumpre refletir sobre o papel do pesquisador e seus atos.

As Oficinas de Fotografia que compusemos como parte do estudo proposto seguem, pois, essa ótica de compreensão. Na sequência, descreveremos como foram elaboradas e realizadas, para então analisarmos alguns de seus efeitos, segundo a ótica das/os estudantes que delas participaram.

As Oficinas de Fotografia Mobile – Como Foram Realizadas

A pesquisa realizada teve caráter interventivo, conforme discutido anteriormente, e foi conduzida com base na Filosofia da Linguagem do Círculo de Bakhtin (Bakhtin, 2010BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010., 2011BAKHTIN, M. O autor e a personagem na atividade estética. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. p. 3-194., 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016., 2017BAKHTIN, M. Por uma metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas. São Paulo: Editora 34, 2017. p. 57-79.; Freitas, 2009FREITAS, M. T. A. A pesquisa de abordagem histórico-cultural: um espaço educativo de constituição de sujeitos. Teias, Rio de Janeiro, n. 10, p. 1-12, 2009. https://doi.org/10.12957/teias
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; MACHADO; ZANELLA, 2019MACHADO, J. P.; ZANELLA, A. V. Bakhtin, ciências humanas e psicologia: diálogos sobre epistemologia e pesquisa. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, n. 31, p. 1-17, 2019. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2019v31166423
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; Souza; Albuquerque, 2012SOUZA, S. J.; ALBUQUERQUE, E. D. P. A pesquisa em ciências humanas: uma leitura bakhtiniana. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 109-122, 2012. https://doi.org/10.1590/S2176-45732012000200008
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; Volóchinov, 2017VOLÓCHINOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34, 2017.; Volochínov, 2013VOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação. In: VOLOCHÍNOV, V. N. (ed.). A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013c. p. 157-188.). Trabalhamos com oficinas (BRITO; ZANELLA, 2017BRITO, R. D. V. A.; ZANELLA, A. V. Formação ética, estética e política em oficinas com jovens: tensões, transgressões e inquietações na pesquisa-intervenção. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 42-64, 2017. https://doi.org/10.1590/2176-457326093
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; Spink; Menegon,; Medrado, 2014SPINK, M. J.; MENEGON, V. M.; MEDRADO, B. Oficinas como estratégia de pesquisa: Articulações teórico-metodológicas e aplicações ético-políticas. Psicologia & Sociedade, Recife, v. 26, n. 1, p. 32-43, 2014. https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000100005
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) junto a estudantes de graduação de uma universidade federal brasileira. As oficinas compunham um projeto de pesquisa de doutorado no qual objetivávamos investigar diálogos que os(as) estudantes tecem em seus cotidianos na e para com a UniverS/Cidade.

Realizamos Oficinas de Fotografia Mobile, ou seja, com câmeras disponíveis em aparelhos de celular. Escolhemos esse dispositivo tendo em vista sua democratização e por ser de fácil acesso à população acadêmica universitária. Escolhemo-lo, também, por sua praticidade referente a transporte e produção de imagens no cotidiano, foco das oficinas. Todos(as) os(as) participantes utilizaram seus celulares durante as oficinas, à exceção de uma estudante, que possuía uma câmera fotográfica e preferiu trabalhar com ela. As oficinas foram realizadas como atividade de extensão com dois grupos de oito estudantes cada. A partir da divulgação das oficinas para a comunidade universitária, inscreveram-se para participar estudantes de diferentes idades (dos dezesseis estudantes, que tinham idades entre 18 a 30 anos, doze eram mulheres) e de diferentes cursos de graduação (Direito, Arquitetura e Urbanismo, Pedagogia, Terapia Ocupacional, Comunicação Social/Jornalismo, Ciências Biológicas, Expressão Gráfica). Todos(as) os(as) estudantes estão identificados(as) neste texto com seus nomes reais, conforme opção que fizeram nos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

As oficinas duraram oito semanas, com encontros semanais de aproximadamente duas horas, os quais foram registrados em áudio e posteriormente transcritos. Realizamos, a cada semana, as seguintes atividades:

Semanas 1 e 2 – mediados por fotografias, vídeos, performances e mapas da cidade, discutimos sobre o cotidiano na universidade e na cidade; o que se vê ou não pelos espaços em que se transita diariamente, assim como quais são esses espaços; a produção do olhar ou de suas possibilidades; história da fotografia, fotografia urbana; fotografia como composição/produção realizada por alguém, um recorte ou replicação da realidade; técnicas de composição e produção de sentidos; e o trabalho em fotografia com o celular. Semana 3: realização de uma caminhada estética (Careri, 2013CARERI, F. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: Editora G. Gili, 2013.) por ruas e espaços urbanos e da universidade. Semana 4: produção de imagens pelos(as) participantes; solicitamos que produzissem fotografias a partir da questão “o que você vê ou não em seu cotidiano na UniverS/Cidade?” Semana 5: exposição (com projetor multimídia) das imagens produzidas com discussões sobre elas. Semana 6: organização de exposição fotográfica com seleção de fotografias e ordenação com discussão quanto a sentidos e efeitos a serem produzidos. Semana 7: montagem das exposições em dois espaços da universidade; foi montada uma exposição para cada grupo e elas foram permutadas entre si após quatro semanas, permanecendo abertas à visitação por nove semanas. Cada uma das exposições foi composta por sessenta fotografias, sendo 120 selecionadas de um total de 167 imagens produzidas. Semana 8: último encontro com discussões sobre as experiências e impressões dos(as) estudantes quanto à participação nas oficinas e à produção de imagens sobre a vida na univerS/Cidade.

Desde o começo das oficinas, as atividades foram organizadas tendo como centralidade a reflexão sobre o olhar, o que se vê ou não, como se vê, o que tem sido possível ver no cotidiano e as lógicas em que os(as) estudantes estão inseridos(as). Questões técnicas da fotografia foram também trabalhadas, porém com o intuito de auxiliar quanto à composição das imagens, não sendo esse o objetivo das oficinas. Da forma como organizamos as oficinas, evidenciamos a produção histórica da fotografia e sua ligação com ideais modernos de verdade ou de representação da realidade, discutimos sobre a fotografia como produção de um sujeito que grafa na imagem seu olhar ao mundo (Rouillé, 2009ROUILLÉ, A. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.; Tittoni, 2009TITTONI, J. Fotografia e psicologia. In: TITTONI, J. (org.). Psicologia e fotografia: experiências em intervenções fotográficas. Porto Alegre: Dom Quixote, 2009. p. 7-23., 2011TITTONI, J. O fotografar, as poéticas e os detalhes. In: ZANELLA, A. V.; TITTONI, J. (orgs.). Imagens no pesquisar: experimentações. Porto Alegre: Ed. Dom Quixote, 2011. p. 125-146.; ZANELLA, 2011ZANELLA, A. V. Fotografia e pesquisa em psicologia: retratos de alguns (des)encontros. In: ZANELLA, A. V.; TITTONI, J. (orgs.). Imagens no pesquisar: experimentações. 1. ed. Porto Alegre: Ed. Dom Quixote, 2011. p. 15-33.). Ainda no trabalho sobre o histórico da fotografia, exploramos os diferentes olhares de fotógrafos de diferentes épocas para o espaçotempo urbano e suas relações, evidenciando as transformações, conforme as épocas ou concepções, sobre o fazer fotográfico.

A fotografia foi tomada, para a realização desse trabalho, como linguagem, ou seja, tendo-se como foco sua dimensão discursiva e dialógica (Rouillé, 2009ROUILLÉ, A. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.; ZANELLA, 2011ZANELLA, A. V. Fotografia e pesquisa em psicologia: retratos de alguns (des)encontros. In: ZANELLA, A. V.; TITTONI, J. (orgs.). Imagens no pesquisar: experimentações. 1. ed. Porto Alegre: Ed. Dom Quixote, 2011. p. 15-33., 2016ZANELLA, A. V. Decerto a fotografia é brincadeira...: fotomontagem, fotointervenção, fotocriação. In: TITTONI, J.; ZANELLA, A. V. Psicologia e fotografia: alguns ensaios. Rio de Janeiro: Multifoco, 2016. p. 39-58.), sendo a fotografia-imagem entendida como enunciado não verbal, porém também constituindo uma “unidade real da comunicação discursiva” (BAKHTIN, 2016BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34, 2016., p. 22, grifos do autor). Isso porque todo enunciado é constituído nas/a partir das teias discursivas, respondendo a enunciados anteriores; é produzido por alguém que, em seu ato ético-estético de produção da imagem, situa-se diante e a partir de diversas vozes sociais. O trabalho com a fotografia se deu, portanto, tomando como foco principal a forma/os processos como aquele(a) que produz a imagem grafa seu olhar sobre/ao mundo, sua compreensão sobre ele e o modo como o arranja e o apresenta. Enfim, seu posicionamento, em forma de enunciado não verbal, nas teias discursivas (KOSSOY, 2012KOSSOY, B. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012.; ROUILLÉ, 2009ROUILLÉ, A. A fotografia: entre documento e arte contemporânea. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.; ZANELLA, 2011ZANELLA, A. V. Fotografia e pesquisa em psicologia: retratos de alguns (des)encontros. In: ZANELLA, A. V.; TITTONI, J. (orgs.). Imagens no pesquisar: experimentações. 1. ed. Porto Alegre: Ed. Dom Quixote, 2011. p. 15-33.).

Os materiais produzidos no contexto das oficinas (fotografias, transcrições de diálogos e diários de campo) foram tomados, nas análises que construímos, como respostas que emergiram em um determinado contexto, o qual é parte constituinte dos sentidos desses enunciados, sejam eles imagéticos, sejam verbais. Portanto, precisam ser/estar situados nesse contexto, em suas cenas enunciativas, para que possam ser mantidos como elos de cadeias enunciativas, não apenas tomados em suas dimensões semióticas e semânticas (Volochínov, 2013aVOLOCHÍNOV, V. N. Palavra na vida de a palavra na poesia. In: A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013a. p. 71-100., 2013bVOLOCHÍNOV, V. N. A construção da enunciação e outros ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013b.). Esses enunciados, em seus contextos, foram analisados como respostas: às questões e problemáticas enunciadas pelo(a) pesquisador(a); às diversas obras de fotógrafos(as) e outros(as) artistas urbanos(as) que foram expostas e lidas nos encontros com os(as) estudantes; aos modos social e historicamente construídos de se produzir fotografias e de conceber o que seja a fotografia; às formas de relação do(a) usuário(a) com o aparelho; às questões relativas ao direito de imagem e implicações éticas; às hierarquias existentes nas instituições de ensino e nas relações de ensino-aprendizagem; às imagens do(a) pesquisador(a) e do(a) psicólogo(a) construídas ao longo da história etc.

As análises foram realizadas sustentadas na compreensão de que o(a) pesquisador(a) era membro integrante do contexto, interlocutor(a) presente, e que constituiu as cenas enunciativas e situações de trocas e produção de sentidos com os(as) estudantes, não sendo isento(a) ou neutro(a) em sua participação nesse processo, mas assumindo posição nas teias enunciativas e na situação concreta das oficinas.

Oficinas e suas Produções

Após os encontros, derivas pela UniverS/Cidade, produções de imagens e exposições, no encontro final, questionamos os(as) estudantes sobre como e quais tinham sido suas experiências em participar da atividade, bem como quais foram suas percepções ao longo do processo das oficinas. No grupo 2, os(as) estudantes relataram suas experiências e o que puderem perceber de si durante o processo.

Elisa (estudante de Comunicação Social/Jornalismo): Eu achei que deu uma liberdade maior, porque eu tive várias aulas de foto na faculdade e eles faziam a gente tirar foto daquele jeito. Então foi… eu consegui tirar as fotos do jeito que eu queria.

Thuany (estudante de Arquitetura e Urbanismo): Eu achei… é, a maioria das pessoas tirou fotos dos espaços que circula. Não sei, mas pra mim foi uma prática que mexeu um pouco sobre essa coisa do espaço que ocupo, que eu frequento. Não sobre a questão da utilidade dele, mas o que ele me proporciona, o que ele me faz sentir, o que eu sinto se eu entrar num desses espaços, né?

Carla (estudante de Arquitetura e Urbanismo): Tinha uma frase, de refletir sobre os lugares que a gente passa e que não passa. Eu acho que a oficina cumpriu seu objetivo de a gente pensar nas respostas, do que a gente consegue aproveitar e o que não consegue.

Thuany: É, eu acho que passou um pouco da fotografia, assim, de tipo: até no dia a dia você meio que... aprende não… você se acostuma a ver, que tipo de ambiente você está buscando, e você pensa e você acaba criticando o seu jeito de ver as coisas.

Carolina (estudante de Arquitetura e Urbanismo): Acho que mudou o jeito, assim, de olhar certas coisas. Porque mesmo que, tipo, agora... a gente passa correndo pelas coisas porque a gente é acostumado com uma rotina. E a oficina nos instigou a parar e olhar um pouco mais as coisas.

Em alguns momentos das oficinas, conforme relato em diários de campo, alguns(mas) estudantes questionavam o(a) pesquisador(a) sobre o que deveriam fotografar, o que era para ser feito. Em resposta, o(a) pesquisador(a) explicava não ter um “o que” a ser fotografado, assim como não haver um certo ou errado, ou mesmo avaliações, mas que a proposta era que pudessem registrar em imagens aquilo que era visível ou não em seus cotidianos na UniverS/Cidade. Compreendemos esse questionamento por parte dos(as) estudantes como efeito das relações hierarquizadas de ensino-aprendizagem que experienciaram em níveis anteriores, assim como no próprio Ensino Superior, no qual os professores solicitam que trabalhos sejam feitos dessa ou daquela forma, com instruções e resultados esperados. Na fala de Elisa, ecoam vozes que afirmam a vigência, ainda hoje, dessas práticas educativas pouco afeitas a aceitar produções de estudantes que não se conformam ao que é esperado pelo(a) docente.

Nas oficinas, ao contrário, não lhes demos um “como” fazer ou um resultado esperado. Discutimos sobre as formas de ver, suas possibilidades, sobre a fotografia como produto do olhar de alguém, assim como mostramos algumas questões técnicas, enfatizando seus efeitos na produção de imagens. O fato de não ter um resultado final esperado, de que eles(as) poderiam criar as imagens a partir de um projeto balizado pela reflexão sobre seus próprios olhares aos espaçotempos universitários e urbanos, permitiu maior liberdade aos(às) estudantes em suas produções.

Obviamente, diferentemente de uma disciplina, nas oficinas nosso objetivo não era ensinar uma forma ou outra de fotografar, mas sim produzir/possibilitar novas experiências e, a partir delas, produzir novos sentidos, novas possibilidades de perceber, pensar, sentir e enunciar (de forma fosse verbal, fosse imagética). O ato de levar questionamentos sobre as relações com espaços e tempos na vida acadêmica aos(às) estudantes que participaram das oficinas evidencia o posicionamento do(a) pesquisador(a) diante das vozes sociais que organizam a vida acadêmica e os centros urbanos. Marca, pois, o caráter tensionador e político de sua ação. Diante dela, e a partir da problematização das relações espaço-temporais nas quais estavam inseridos(as), os(as) estudantes passaram a responder/enunciar de forma distinta do que estavam acostumados, passaram a transitar entre diferentes vozes sociais e diferentes valores/sentidos e a posicionar-se em relação a elas. Essa possibilidade de enunciar a partir de outras vozes/lógicas/valores parece ter se refletido, para Elisa, em maior liberdade para produzir as imagens como gostaria, sem ter que seguir modelos ou padrões, os quais lhe têm sido (im)postos no mundo acadêmico/educacional. Para Thuany e Carla, em um processo de reflexão sobre si diante das visibilidades que lhes são impostas.

A abertura, o não ter algo a ser cumprido, ou resultado esperado, assim como as discussões desenvolvidas nas oficinas parecem ter levado Thuany, Carla e Carolina a refletirem sobre seus próprios olhares, sobre a forma como veem o mundo e como se posicionam nele. Como o foco das nossas discussões nos encontros era sempre o que se vê ou não se vê, de que forma componho imagens (o que entra ou não nela e de que forma faço), as estudantes parecem responder, em suas produções imagéticas, a essas provocações levadas pelo(a) pesquisador(a). Convocadas a pensar sobre seus próprios olhares, social e historicamente constituídos, produziram fotografias sobre o que estava invisibilizado em seus cotidianos. Pelas imagens produzidas por Elisa, Thuany e Carla (Figs. 1 a 6), é possível depreender que as fotografias foram realizadas em espaçotempos em que puderam refletir sobre seus cotidianos. As imagens denotam olhares (de quem as produziu) de/em tempos lentos, distintos da aceleração característica das cidades e dos contextos universitários, que permitem ver aquilo que o cotidiano invisibiliza: estudantes sentados(as), aparentemente esperando horários de aulas ou outras atividades; dançando no campus (há grupos que se encontram no horário do almoço para ensinar passos de dança uns aos outros ou ensaiar coreografias); espaços de convivência (como na Fig. 5), espaços externos às salas ou edifícios.

Figura 1
Fotografia produzida por Elisa Maria Chiarello.
Figura 2
Fotografia produzida por Elisa Maria Chiarello.
Figura 3
Fotografia produzida por Thuany Aline Santos.
Figura 4
Fotografia produzida por Thuany Aline Santos.
Figura 5
Fotografia produzida por Carla Taissa Laureano Santana.
Figura 6
Fotografia produzida por Carla Taissa Laureano Santana.

Falar sobre o cotidiano, sobre a cidade, os ritmos a que estamos submetidos (ou em que estamos inseridos) e sobre a forma como esses possibilitam a constituição de visibilidades ou invisibilidades parece ter provocado as estudantes a um tempo lento e potente, do qual emergiram não apenas imagens que retratam invisibilizados, mas o próprio questionamento sobre seu olhar, sobre seu posicionamento e seus modos de agir no dia a dia, marcados pelo ritmo acelerado das exigências acadêmicas que atendem à lógica da própria aceleração característica da vida nas cidades.

Essas imagens, assim como as falas das estudantes, respondem ao processo das oficinas, nos quais eram provocadas, por exibições de outras obras de artistas, a refletir sobre o que não se vê, ou o que o cotidiano, da forma como é organizado e com as vozes sociais hegemônicas que ali imperam, tem impossibilitado que seja visto. Estão nas imagens, sem estar representadas nelas, portanto, respostas a essas provocações, o que se reflete em enquadramentos de espaçotempos ociosos, vazios, que escapam à lógica acelerada e de produtividade constante do mundo acadêmico e urbano. Nesse mesmo âmbito, as fotografias, em sua maioria, não retratam pessoas ou, quando o fazem, retratam-nas sempre de modo a buscar não mostrar rostos (o que é evidente na fotografia de Thuany em que parte dos corpos das pessoas é excluído do enquadre). Isso ocorre como resposta aos diálogos sobre direito de imagem, durante um dos encontros das oficinas –os(as) estudantes privilegiam a produção de imagens sem pessoas, tendo em vista aspectos legais que envolvem a produção de imagens sem consentimento. O vazio de pessoas, portanto, responde às vozes que enunciam tempos preenchidos e de produção, mas também às que dizem respeito a direitos e suas possíveis transgressões. De forma semelhante, Carolina, ao relatar sobre o processo de criação/produção de suas fotografias no encontro em que expusemos e discutimos sobre as fotografias produzidas, relata questões não apenas sobre seu olhar, mas também sobre o olhar das demais pessoas, aspectos da produção social vivenciados de forma coletiva.

Carolina: Então, eu estava pensando na ideia de as pessoas só passarem e… Acho que em todas as fotos as pessoas estão fazendo alguma coisa e elas estão [inaudível], a pessoa está tão concentrada andando e ela não vira a cabeça pro lado. Tem um destino e você só se interessa por esse destino. Tem algumas fotos que as pessoas não estão andando, elas estão fazendo trabalho. E assim [inaudível]

Pesquisador: Foi isso que você colocou nesta foto e nas outras também [referindo-se à fotografia que visualizávamos no momento em que a estudante fez o comentário]?

Carolina: Sim, é a ideia no geral.

As imagens produzidas por Carolina (Fig. 7) respondem à questão do olhar e sua relação com a produção do cotidiano, dos ritmos de vida que são produzidos e de suas relações com as (in)visibilidades no espaço.

A provocação, problemática levada pelo(a) pesquisador(a) ao grupo, parece ter produzido não apenas a reflexão da estudante quanto ao seu olhar e sua relação com os espaçotempos pelos quais circula, mas também sobre o olhar do outro, (im)posto pela aceleração da vida, pela necessidade de cruzar o espaço no menor tempo, sem disponibilidade ou condições para o encontro com um outro. As imagens que produziu visibilizam, por conseguinte, naquilo que não apresentam, no que está dentro e fora da imagem, a própria tensão de vozes sociais que impelem ao movimento ininterrupto e obliteram encontros, produzindo vazios existenciais.

As imagens produzidas por Carolina levam, assim, a marca de seu olhar para a forma como as pessoas que compõem a UniverS/Cidade percebem, ou não, os espaçotempos e suas relações com eles. Nas imagens, a estudante registra aquilo que parece tê-la tocado no processo de discussões das oficinas: a produção de invisibilidades, daquilo que não é visto e, por conseguinte, não é falado e pensado.

As fotografias de Carolina parecem registrar, portanto, um efeito das oficinas não apenas quanto ao seu olhar e o modo como é formatado, mas à forma como passa a ver a organização da vida, sua e das demais pessoas com quem cruza em seu cotidiano. O olhar esvaziado dos transeuntes, ocupados apenas em cruzar o espaço para cumprir alguma obrigação de horário, parece constituir um espaçotempo vazio, que é contabilizado apenas como aquele que é “gasto” para se chegar ao destino programado.

Há, portanto, amalgamada a essas imagens, uma constante dialogia entre diversas vozes sociais: que constituem o sistema educacional e ditam ritmos, padrões, tempos, espaços a serem acessados ou não, produzindo não apenas invisibilidades e possibilidades de ver, mas possibilidades de ser, pensar, agir (produção de subjetividades); que são trazidas pelo(a) pesquisador(a) ao levar os(as) estudantes ao exercício estético de reflexão sobre seus olhares e à percepção de invisibilidades. Vozes que constituem a vida nos grandes centros urbanos, que dizem da forma como devem ser os deslocamentos e circulações, a ordenação e organização dos espaços; enfim, que afirmam relações balizadas por hierarquias edificadas segundo o modo hegemônico de organização social, econômica e política da vida. Em meio a essa teia é que os(as) estudantes problematizam seus olhares e enunciam possibilidades de olhares outros.

No grupo 1, também no encontro final das oficinas, questionamos os(as) estudantes sobre como foram suas experiências e quais eram suas percepções e interpretações sobre o processo durante as oito semanas das atividades.

Pesquisador: Como foi, quais as experiências, como foi isso [as oficinas] pra vocês?

Gustavo (estudante de Expressão Gráfica): Foi bem bacana, agregou muito valor no peso da fotografia, eu acho. Uma questão cultural, assim, de ver a parte filosófica.

Leomara (estudante de Ciências Biológicas): E no conhecimento do espaço...

Gustavo: É. Foi muito bom, assim. E pensar, também, um pouco da cidade fora da cidade, a universidade fora da universidade, como elas se ligam... acho que dá uma gama de... não sei, talvez um repertório, assim, mesmo, muito grande de ficar pensando nesses dois contextos. E eu achei muito legal essas duas coisas, assim, de pensar o fora, tanto da cidade quanto da universidade. E essa parte filosófica, de entender toda essa parte de fora da cidade, fora da universidade. Então eu achei bacana, por esses motivos, assim.

Juliana (estudante de Comunicação Social/Jornalismo): A parte que eu mais gostei foi a de montar, aqui no chão [refere-se à montagem da exposição, com as fotografias espalhadas pelo chão da sala]. Porque foi meio complicado, mas ao mesmo tempo foi muito bom, sabe? Porque a gente teve que pegar vários olhares diferentes de pessoas completamente diferentes, com cursos completamente diferentes, e fazer uma coisa só. Então foi assim, bem... foi uma coisa, assim, que eu senti um pouco de dificuldade de fazer, mas ao mesmo tempo eu achei que ficou muito bacana. Mesmo não tendo ido até lá pra ver [refere-se à exposição, que não pôde ver até então], mas quando a gente olhou aqui, assim, eu achei muito legal. Pra mim foi a melhor parte.

Gustavo: É, a composição da exposição ficou muito legal, eu acho. Assim, por não ter um tema tão centralizado, né? Por ser um tema mais horizontal, assim mesmo. Eu acho que deu um destaque na exposição. Você vê começando com uma baita construção, né, de um monte de cimento, e terminando com uma árvore, assim.

Daniela (estudante de Terapia Ocupacional): Eu gostei bastante também, por pensar em tirar a foto não só por tirar, pra prestar mais atenção. Disso que a gente conversou em bastantes encontros também... na rotina a gente acaba passando despercebido por muitos lugares, e daí começar a observar, assim... principalmente na universidade, que a gente tá todo dia... a gente acaba vindo e indo embora e nem percebendo... e aí isso me fez parar e, em alguns momentos, assim, na universidade, a prestar atenção nos detalhes.

Leomara: Eu gostei de ver o olhar das pessoas. Às vezes a gente passa pelos mesmos lugares, assim, e cada um enxerga coisas diferentes.

Juliana: Tá tudo naquela saída que a gente fez. Todo mundo fez o mesmo caminho e as fotos saíram todas diferentes, com pouquíssimas exceções [refere-se à deriva realizada, na qual foi produzida a maior parte das fotografias escolhidas para compor a exposição]. Mas, ainda assim, as fotos que eram das mesmas coisas tinham ângulos diferentes.

Se, no processo de produção, leituras e discussões das imagens, falávamos da vida na universidade e até mesmo da dificuldade, em algumas situações, de se conseguir produzir imagens em meio ao cotidiano acelerado da vida acadêmica, ao final, pudemos fazer uma leitura sobre o processo pelo qual passamos, assim como os impactos para os(as) que dele participaram. Ao mesmo tempo que pudemos acessar diversos sentidos sobre a vida na UniverS/Cidade por meio das oficinas, a atividade também produziu efeitos nos(as) estudantes que dela participaram.

Após oito semanas de encontros, caminhadas, discussões, leituras de imagens e de outros trabalhos artísticos, os(as) estudantes enumeraram pontos que denotam a dimensão do trabalho realizado, não apenas como tempo de duração, mas de efeitos, impactos e reflexões produzidas. Entre essas, destacam: a reflexão sobre a fotografia (como produção de um sujeito a partir de sua condição axiológica no mundo, não um reflexo da realidade; as questões relativas ao direcionamento e à construção social e histórica do olhar); o conhecimento do espaço (permitiram-se acessar locais antes não acessados, ou olhar a partir de novos ângulos e tempos os já conhecidos, a visibilizar invisibilidades); a reflexão sobre a relação universidade-cidade (os deslocamentos, a rotina entre os espaços, as possibilidades); a organização da exposição e de diferentes olhares (processo de curadoria, de organização de imagens, a busca por produção de sentidos – o que gostariam de mostrar na exposição?); a percepção da diferença de olhares a um espaço (diferentes olhares e sentidos a um mesmo local).

Essas atividades produziram a possibilidade de um deslocamento em seus cotidianos, abrindo a ver aquilo que, muitas vezes, é invisibilizado na rotina acelerada. Nesse sentido, o “prestar mais atenção”, de que fala Daniela e também visível nas fotografias produzidas por Thuany, Carla, Elisa e Carolina, exige um tempo mais lento, para que, assim como o flâneur, ou o homem lento, seja possível ver aquilo que à multidão já não é tão perceptível. Durante a oficina, o convite à reflexão sobre o olhar e sobre o que não é visível possibilitou um deslocamento aos(às) estudantes, para que pudessem, de alguma forma, experimentar novas formas de olhar, de se relacionar com os espaçotempos da UniverS/Cidade e, por conseguinte, produzir novos sentidos sobre o que lhes é facultado ver e não ver, sobre suas experiências e sobre si mesmos. Isso se dá ao mesmo tempo que puderam também assumir novos lugares sociais, talvez até então não experimentados: o de fotógrafo(a), ao exercitar e refletir sobre o olhar e a produção de imagens; de curador(a), ao selecionar imagens e organizá-las em uma exposição de fotografias; de artista, ao expor seu trabalho e dar a ver a outros o seu olhar; de alguém que se põe em tempos lentos para refletir sobre aspectos de sua vida, da universidade, de suas possibilidades de ver e não ver.

Com efeito, vimos que as oficinas possibilitaram a eles(as) experimentar um lugar outro, deslocar-se de seus cotidianos, tensionar alguns espaços e práticas características do contexto universitário, exercitar um movimento exotópico que os(as) possibilitou pensar o fora, como disse Gustavo. Um fora que não é possível dentro de rotinas aceleradas, de prazos a serem cumpridos, resultados a serem alcançados. Esse fora só é possível, pois, a partir de um outro tempo. Um fora que remete não apenas a uma dimensão espacial, como se sair da universidade bastasse para estar fora dela, mas a uma saída, um deslocamento espaçotemporal, um outro cronotopo que se desenha, que se constrói e que constrói novas possibilidades de relações.

A proposta de refletir sobre as relações espaço-temporais na vida acadêmica, ao sustentar-se em um trabalho estético, com fotografias, resultou na problematização de questões éticas da vida universitária, por ser meio de reflexão sobre fazeres cotidianos e políticas, ao convocar os(as) estudantes a transitarem por e a ocuparem novos posicionamentos em seus enunciados.

Considerações Finais

O caráter dialógico na pesquisa está tanto nas respostas e posicionamentos dos(as) estudantes diante das vozes sociais que compõem e produzem as possibilidades de organização da vida acadêmica, quanto no trazido pelo(a) pesquisador(a) em campo. Direcionar o olhar à dialogia, por conseguinte, consiste em focar aspectos políticos da organização social e processos de produção de subjetividades; em olhar para as vozes que ocupam lugares centrais, assim como construir tensionamentos e novas possibilidades de ver, sentir, pensar, agir.

Os enunciados, sejam eles imagéticos, sejam verbais, produzidos pelos(as) estudantes, são, pois, respostas aos questionamentos levados pelo(a) pesquisador(a) aos grupos. A problemática levantada, mesmo compondo a rotina dos(as) estudantes, não era, previamente, algo familiar. Exigiu um movimento outro, um distanciamento. Mais do que determinados espaços da UniverS/Cidade, cenas cotidianas, cores, sombras, pessoas, as imagens são respostas a um determinado contexto e suas condições, são respostas a determinados enunciados. Nesse sentido, temos que as tomar a partir de seus contextos de produção, das provocações que as antecederam, de sua arquitetônica. Não tendo por objetivo um certo ou errado, um algo a ser produzido dessa ou daquela forma, as imagens respondem sim à provocação do(a) pesquisador(a), de reflexão sobre seus olhares, sobre o que está invisibilizado em seus cotidianos, sobre não ditos que instituem modos de ser. Assim como todo enunciado é um elo numa imensa cadeia de enunciados, respondendo a anteriores e abrindo a possibilidade para novas respostas, as fotografias e falas dos(as) estudantes no contexto da pesquisa trazem em si ecos (como historicidade e respondendo à) da voz do(a) pesquisador(a) e de vozes outras constitutivas dos espaçostempos na UniverS/Cidade.

Ao mesmo tempo, há também nas fotografias dos(as) estudantes respostas às imagens e demais materiais trazidos pelo(a) pesquisador(a) no decorrer das oficinas (imagens, músicas, performances, mapas, entre outros). É nesse contexto, mediado por esses materiais, em interação com essas pessoas, esses enunciados e essas vozes sociais várias que ali se fazem ouvir, que as imagens são produzidas como respostas.

O papel do(a) pesquisador(a) nesse processo está marcado pelo lugar que assumiu desde o início, de crítica ao modo de organização da sociedade e de como isso se reflete na construção dos espaçotempos urbanos e na universidade, assim como impactam quanto às possibilidades de ver, sentir e pensar. Falar sobre a cidade, sobre a organização da vida, as possibilidades de ver, a produção de imagens e seu impacto social, possibilitou um momento de desaceleração das rotinas, o que ficou caracterizado pelas derivas realizadas, caminhadas de curtas distâncias e que tomaram longo tempo; um caminhar lento, despretensioso e de olhares abertos a possíveis novos. Nesse tempo outro, foi possível o estranhamento em relação a vozes hegemônicas e a abertura a novos olhares: a produção de um deslocamento dos lugares assumidos cotidianamente pelos(as) estudantes, seja como posicionados hierarquicamente abaixo de professores, seja na organização da rotina com prazos e horários a serem cumpridos; espaços a serem atravessados ou ocupados; olhares a serem direcionados a esse ou aquele local/atividade; ao depararem-se com os diferentes olhares dos(as) colegas etc. Possibilitou-se, pois, um olhar distanciado de suas vivências cotidianas no universo acadêmico, sua organização e seu efeitos – trabalho que, por meio do ato criativo-estético da produção de imagens, produziu transformações éticas e políticas nos(as) estudantes diante das suas realidades. A transformação do olhar, pois, não se dá apenas como uma mudança em termos de percepção, de aspectos cognitivos, mas também subjetivos: produzem-se novos modos de pensar e sentir, novos posicionamentos, novos lugares nas teias dialógicas.

Esse mesmo deslocamento, produto do caráter interventivo da pesquisa, assumido desde seu início, possibilitou a criação de sentidos outros para as formas de organização da vida nas quais estavam inseridos(as) os(as) estudantes. O convite à reflexão sobre o olhar e a necessidade, para isso, de assumir um tempo lento (sair da multidão que, de forma acelerada, cruza o espaço), ao mesmo tempo que lhes possibilitou um deslocamento de si e de seus olhares (assim como a percepção referente aos olhares alheios e suas invisibilidades), permitiu-nos compreender a dialogia que se apresenta no próprio processo de pesquisar. Em suma, as mudanças nos modos de ver, sentir e pensar os espaçostempos na UniverS/Cidade se processaram como respostas às atividades propostas pelo(a) pesquisador(a), a visibilizar o pesquisar como ato ético, responsável, que implica e convoca a todos(as) os(as) participantes, incluindo nesse todos o(a) próprio(a) pesquisador(a), à assunção de um inevitável posicionamento nas tramas discursivas. Toda pesquisa, por conseguinte, produz efeitos para além do que se configura como resultados ao objetivo delineado, e necessário se faz problematizá-los.

Notas

  • 1
    Mobile refere-se a aparelhos de telefone celular. Optamos por manter a nomenclatura em inglês pelo fato de a mesma já ser bastante utilizada no campo da fotografia.
  • 2
    A pesquisa em questão, desenvolvida pelo primeiro autor com orientação da segunda autora, teve por objetivo investigar os diálogos que os(as) estudantes tecem em seus cotidianos na e para com a UniverS/Cidade. A expressão “UniverS/Cidade” foi o modo verbal que construímos para representar uma universidade que é tão grande quanto uma cidade (em número de pessoas, estruturas e espaços), assim como sua fragmentação em diversos espaços pela cidade, compondo-a.
  • 3
    Essa mesma universidade possui outros campi e setores fora da capital, mas esses não compõem nossa problemática e nosso estudo.
  • 4
    Projeto sob o Certificado de Apresentação n. 59949416.9.0000.0121, na Plataforma Brasil, aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos pelo Parecer n. 1.767.876.
  • 5
    Lista de artistas e materiais utilizados nas oficinas constam como documentos suplementares.
  • 6
  • 7
    Por exemplo: discutimos sobre a iluminação na fotografia, mostrando diferenças entre fotografias produzidas com um mesmo objeto, porém com diferentes fontes de luz ou diferentes ângulos de incidência de luz.

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Editado por

Editor de seção: Antonio A Soares Zuin

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2020
  • Aceito
    14 Fev 2022
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