Acessibilidade / Reportar erro

POR UMA EDUCAÇÃO PRESENTE E EMERGENTE NA IDEIA DE COMUNIDADE E JUSTIÇA SOCIAL

FOR A PRESENT AND EMERGING EDUCATION IN THE IDEA OF COMMUNITY AND SOCIAL JUSTICE

POR UNA EDUCACIÓN PRESENTE Y EMERGENTE EN LA IDEA DE COMUNIDAD Y JUSTICIA SOCIAL

Refletir a educação a partir do pensamento de hooks, intelectual que superou a invisibilidade de muitas mulheres negras, convida-nos a aprender a partir de um exemplo de resistência ao status quo da cultura acadêmica de supremacia branca, moldada por valores euro-estadunidenses.

Seu pensamento traz diversas possibilidades para se refletir criticamente sobre vários temas que fazem parte da prática pedagógica e, consequentemente, da formação docente. Do mesmo modo, aborda sobre os/as alunos/as e as culturas que organizam o cotidiano das escolas e das universidades, considerando que muitas instituições e docentes ainda (re)produzem a educação bancária (FREIRE, 2000FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.).

Nesse sentido, a obra Ensinando a comunidade: uma pedagogia da esperança (hooks, 2021hooks, b. Ensinando a comunidade: uma pedagogia da esperança. São Paulo: Elefante, 2021.) traz dezesseis ensinamentos que abordam temas como sala de aula, racismo, educação democrática, branquitude, espiritualidade, assédio sexual etc. Os ensinamentos vão sendo moldados a partir da experiência de vida da autora, desde exemplos de suas relações profissionais até relações pessoais e familiares.

O ensinamento 1 fala do feminismo e do movimento negro na educação, bem como das diversas possibilidades que seus conteúdos corroboraram para promover consciência e novas ações na sala de aula e contribuíram para criar resistências e fazer os subalternos compartilharem suas experiências como corpos/emoções que falam e vivenciam realidades, as quais requerem uma discussão crítica sobre o tratamento diferenciado que a sociedade e a grande mídia apresentam quando se trata de corpos não brancos e brancos.

O ensinamento 2 aborda a necessidade de deixar a sala de aula e desapegar-se de uma situação confortável. Fala sobre a responsabilidade da docência, o cuidado, o respeito com os alunos e, acima de tudo, a sinceridade com que o docente pode construir sua prática e suas relações com os alunos, avaliando permanentemente.

O ensinamento 3 abrange os efeitos prejudiciais da masculinidade de supremacia branca, que atinge tanto pessoas brancas quanto não brancas. Discute-se também a negação da raça como uma identidade política das pessoas negras. Esse ensinamento fala da urgência de descolonizar o pensamento, tomando como premissa que todos/as somos racistas e a branquitude tende a funcionar como uma armadilha sobre nossos pensamento, sentimentos e ações, minando a promoção da equidade e da justiça social.

O ensinamento 4 defende a educação pública e o direito dos cidadãos de aprender a ler e escrever para desenvolver o pensamento crítico. O processo de ensino e aprendizagem é visto de forma contínua, concordando com Parker Palmer. A autora fala da alegria do aprender, que está relacionada ao empoderamento, à libertação, à transcendência e à cura. A falta de prazer ligada à educação autoritária está diretamente vinculada à imagem do professor sério, sendo que, para hooks, essa seriedade não anula a alegria e o prazer de aprender e ensinar.

O ensinamento 5 discute o combate ao racismo a partir da necessidade urgente de despertar as pessoas brancas para uma luta antirracista. A pedagogia da esperança deve ser praticada por meio da ideia de que as pessoas brancas podem mudar, assim, pensando diferente e participando com os/as negros/as da luta antirracista. Contudo, a autora mostra que as ideias racistas, por proliferarem com o pensamento de supremacia branca, não são fáceis de romper.

O ensinamento 6 fala de como a escola segrega mediante padrão que não corresponde à maioria de alunos/as, pois a formação docente ainda se apresenta bastante influenciada pela branquitude. Na atualidade, tal formação não seria resolvida com escolas segregacionistas, pois essas não resolveriam o problema do racismo, uma vez que os efeitos da branquitude seriam uma forma de justificar que esse lugar não lhe pertence. Dessa forma, não é a segregação que cria o contexto para o aprendizado, mas a ausência de racismo.

O ensinamento 7 destaca que o servir na educação é compreendido como algo que deve ser valorizado, pois não seria em nome da instituição, mas dos/as estudantes. Logo, os docentes não devem esperar uma recompensa da instituição. Pontua-se sobre a necessidade de os/as professores/as terem interesse pelo ensino, ou seja, prepararem suas aulas pensando nos/as alunos/as, não apenas na produtividade científica.

No ensinamento 8, hooks fala dos/as estudantes negros/as, assim como de outras identidades socialmente excluídas da educação, considerando o poder da mídia e da produção de sua “pedagogia do racismo”, que funciona para disseminar visões negativas de pessoas negras e positivas de pessoas brancas desde a infância. Além do jogo de exclusão histórica estabelecido a partir do pacto da branquitude, estudantes negros/as tendem a sentir vergonha e a vivenciar experiências humilhantes, que consequentemente fazem-nos/as desistir dos estudos.

O ensinamento 9 aborda a amizade entre pessoas negras e brancas, mostrando como é significativa a construção de diálogos interraciais que façam os brancos atingirem a consciência emocional sem resistências nem medo de perder o poder.

No ensinamento 10, hooks descreve os membros de sua família, mostrando que ter uma base familiar que apoia a educação é importante, pois a união de pessoas diferentes que valorizam o respeito e o diálogo fortalece que a comunidade de aprendizagem se mantenha e se estabeleça por experiências desafiadoras, despertando a consciência sobre a presença do outro, sua diferença e sua unicidade como parte do todo.

No ensinamento 11, hooks faz uma crítica à objetividade presente na cultura científica, apresentando como as metodologias de ensino/aprendizagem exigem mais do que isso, porque pressupõem emoções para lidar com as diferenças presentes na sala de aula. Sair da ótica competitivista e despertar para uma consciência que saiba lidar com as diferenças é o caminho.

O ensinamento 12 traz a reflexão sobre sexo entre acadêmicos/as em postos desiguais de poder, indo além das proibições, dos controles, da crítica ao assédio sexual que ocorre nas universidades entre professores/as e alunos/as. A autora deixa claro que não defende as relações entre professores/as e alunos/as. Contudo, mostra que proibições e tratamentos pautados na vitimização mascaram o erótico e o prazer que também podem estar presentes nas relações acadêmicas.

O ensinamento 13 salienta que a espiritualidade tem sido negada na educação, o que tende a dificultar os diálogos entre os membros da comunidade, cultivando o respeito e o cuidado mútuos com os diversos tipos de fé.

O ensinamento 14 reflete um despertar para o presente, o agora, mencionando a cultura acadêmica. Fala sobre o tempo frenético dos prazos e de como isso mina as experiências ricas vivenciadas no agora. Nesse sentido, as experiências vividas são valorizadas, pois a educação, além do produto final, deve produzir sensibilidades, a fim de apresentar como o processo de produção de conhecimento ocorre de fato.

No ensinamento 15, hooks fala de sua jornada espiritual, desde sua infância até sair de casa para cursar a faculdade, e diferencia religião de espiritualidade, não ignorando a presença da espiritualidade na prática educativa. Seguindo os ensinamentos pautados na busca, mostra a diferença de quando o educador vê o mundo além do concreto, pois a compreensão da vida em comunidade e em sala de aula deve ir além da relação de ensinar e aprender.

No ensinamento 16, fala da imaginação profética, aquela que não apenas sonha o sonho, mas o vive antes que ele aconteça, incorporando uma ação concreta. hooks por ser uma intelectual dissidente, sai do conformismo da segurança, pois, para ela, é mais fácil estar só entre semelhantes e pessoas que pensam igual. Contudo, a mudança na educação compreende a existência de conflitos: não de sentimentos de ódio, mas de diálogo entre diferentes.

Desse modo, incorporando a perspectiva freiriana, seu pensamento pode transformar as práticas pedagógicas a partir da participação de corpos historicamente excluídos do cenário da educação, enquanto corpos com histórias de resistências e potenciais criativos diversos de construção de conhecimento desestabilizam a supremacia branca, eurocentrada, capitalista, imperialista, sexista, que nomeou de forma imutável os bem-dotados para o conhecimento e consequentemente para fazer ciência (hooks, 2017hooks, b. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: WMF, 2017., 2020ahooks, b. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. São Paulo: Rosa dos Tempos, 2020a., 2020bhooks, b. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2020b., 2021hooks, b. Ensinando a comunidade: uma pedagogia da esperança. São Paulo: Elefante, 2021.).

O pensamento de hooks sobre a sala de aula, o ensino, a aprendizagem, os/as professores/as e alunos/as descortina a educação atual, que necessita de atitudes para mudanças a partir do princípio de comunidade de aprendizagem ampla ao diálogo verdadeiro, sem hipocrisias e maquiagens feitas e refeitas por medo, vergonha, frustração e demais sentimentos e emoções que não deixam as diferenças falarem por si, ou seja, falarem sem ecos ou por correções equivocadas do dominador.

A construção da comunidade só poderá ser realizada a partir da superação da ideia de conhecimento verdadeiro absoluto e único da modernidade. Outras experiências devem ser compartilhadas, dialogadas e traduzidas (SANTOS, 2011SANTOS, B. S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez, 2011.). A razão preguiçosa da racionalidade ocidental deve sair do comando de sua dureza, provocando o riso saudável das vivências cotidianas na educação a fim de uma construção coletiva, movida pela esperança de um ensino que promova equidade e justiça social para aqueles que foram excluídos da história.

Referências

  • FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
  • hooks, b. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: WMF, 2017.
  • hooks, b. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. São Paulo: Rosa dos Tempos, 2020a.
  • hooks, b. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2020b.
  • hooks, b. Ensinando a comunidade: uma pedagogia da esperança. São Paulo: Elefante, 2021.
  • SANTOS, B. S. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez, 2011.
Editor de Seção: Antonio Alvaro S Zuin

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2022
  • Aceito
    12 Ago 2022
Centro de Estudos Educação e Sociedade - Cedes Av. Berttrand Russel, 801 - Fac. de Educação - Anexo II - 1 andar - sala 2, CEP: 13083-865, +55 12 99162 5609, Fone / Fax: + 55 19 3521-6710 / 6708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: revistas.cedes@linceu.com.br