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COM E PARA ALÉM DE BOURDIEU: REVISITANDO DUAS TESES CENTRAIS

WITH AND BEYOND BOURDIEU: REVISITING TWO CENTRAL THESES

CON Y ADEMÁS DE BOURDIEU: REVISITANDO DOS TESIS CENTRALES

RESUMO

Ao se registrar o vigésimo aniversário de morte do sociólogo francês Pierre Bourdieu, este texto discute dois aspectos de sua obra que representaram forte avanço no conhecimento, mas demandam uma atualização no que concerne ao mundo social da educação, em vista de suas transformações nas últimas décadas. São eles: as teses sobre a relação entre a posse de capital cultural e o sucesso escolar, em particular a hipótese de uma transmissão osmótica — de pais a filhos — dessa forma de vantagem social; a tese da causalidade do provável desenvolvida por meio da noção de interiorização das chances objetivas, como hipótese para se compreender como cada indivíduo constrói suas aspirações e formula seus projetos.

Palavras-chave
Sociologia da educação; Bourdieu; Violência simbólica; Capital cultural; Causalidade do provável

ABSTRACT

In the 20th death anniversary of French sociologist Pierre Bourdieu, this text discusses two aspects of his work that significantly advanced knowledge, but now demand an update related to the educational social world, considering its transformations in the last decades. The aspects are: the thesis about the relation between cultural capital and school success, particularly the hypothesis of an osmotic transmission—from parents to children—of this type of social advantage; the thesis of causality of the probable, developed through the notion of internalization of objective possibilities, as a hypothesis to understand how individuals build their aspirations and projects.

Keywords
Sociology of education; Bourdieu; Symbolic violence; Cultural capital; Causality of the probable

RESUMEN

Cuando se celebra el vigésimo aniversario de la muerte del sociólogo francés Pierre Bourdieu, este texto discute dos aspectos de su obra que representaron un fuerte avance en el conocimiento, pero que exigen una actualización cuando se trata del mundo social de la educación, teniendo en cuenta sus transformaciones en las últimas décadas. Son ellos: las tesis sobre la relación entre la propiedad del capital cultural y el éxito escolar, en particular la hipótesis de una transmisión osmótica — de padres a hijos- como una ventaja social; la tesis de la causalidad de lo probable desarrollada a través de la noción de interiorización de las oportunidades objetivas, como hipótesis para comprender cómo cada individuo desarrolla sus aspiraciones y formula sus proyectos.

Palabras clave
Sociología de la educación; Bourdieu; Violencia simbólica; Capital cultural; Causalidad probable

Introdução

O ano de 2022 registra o vigésimo aniversário de morte de Pierre Bourdieu, um dos mais reconhecidos cientistas sociais do século XX e um dos autores mais citados nos trabalhos acadêmicos brasileiros e internacionais (DAVIES; RIZK, 2018DAVIES S.; RIZK, D. The three generations of cultural capital research: a narrative review. Review of Educational Research, State College, v. 88, n. 3, p. 331-365, 2018. https://doi.org/10.3102/0034654317748423
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; MELO, 1999MELO, M.P.C. Quem explica o Brasil. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 1999.)1 1 Em sua tese de doutorado, Melo examinou um corpus composto de teses e dissertações acadêmicas, artigos científicos e ementas de disciplinas ministradas em programas de pós-graduação no Brasil na área das Ciências Sociais, na década de 1990. A partir de minucioso exame bibliométrico, o autor constatou que Bourdieu constituía a referência mais citada nas teses e dissertações defendidas nas três áreas de conhecimento que compõem as Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política). Mais recentemente, Davies e Rizk (2018) assinalaram que Bourdieu figura na lista dos 10 autores mais citados em periódicos da área educacional na América do Norte. .

Bourdieu era originário de um pequeno vilarejo dos Pirineus Atlânticos, no sudoeste francês, de uma família de camponeses pouco letrados, cujo pai se convertera ao serviço público em ocupação subalterna2 2 Seu pai era trabalhava como carteiro no serviço público dos correios e telégrafos da época. . No entanto viria a se tornar um expoente da elite intelectual francesa, por meio de um processo (improvável para sua geração) de mobilidade social assegurado graças a um extraordinário êxito escolar. Processo esse que resultaria na formação de um “habitus clivado”, decorrente da contradição entre “uma alta consagração escolar e uma baixa extração social”, segundo suas próprias palavras em obra (póstuma) na qual pretendeu submeter sua própria trajetória aos princípios e procedimentos sociológicos que enunciou e praticou ao longo de todo o seu ofício de sociólogo (BOURDIEU, 2005BOURDIEU, P. Esboço de auto-análise. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 123).

De acordo com alguns especialistas na obra de Bourdieu (MAUGER, 2005MAUGER, G. Rencontres avec Pierre Bourdieu. Bellecombe-en-Bauges: Éditions du Croquant, 2005.; DORTIER, 2008DORTIER, J.F. Les idées pures n’existent pas. In: DORTIER, J. F. (Org.). Pierre Bourdieu: son oeuvre, son héritage. Auxerre: Sciences Humaines, 2008. p. 6-16.), é justamente esse habitus clivado que constitui a melhor chave de interpretação de seu pensamento. É que essa experiência existencial — geradora de tanto sofrimento — de viver “entre dois universos e seus valores inconciliáveis” (BOURDIEU, 2005BOURDIEU, P. Esboço de auto-análise. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 123)3 3 Essa experiência se inicia já na adolescência, quando o jovem Bourdieu deixa seu universo natal e é recebido como aluno bolsista do ensino médio em um dos mais prestigiosos liceus de Paris (Liceu Louis-le-Grand) e, posteriormente, em uma das mais seletivas e célebres instituições de ensino superior da França, a École Normale Supérieure de Paris, onde ele teria como pares jovens provenientes sobretudo das elites culturais francesas. faz com que o pensador, desde muito cedo, descubra que as relações entre as diferentes classes sociais são estruturadas não por uma simples questão de distância no espaço social, mas sim por um processo que ele designará de violência simbólica, como uma importante dimensão da dominação social4 4 Philippe Corcuff, em sua exegese, afirma que a origem da noção de violência simbólica deve ser buscada na obra de La Boétie que, no século XVI, falava em uma “servidão voluntária” (CORCUFF, 2003, p. 26) a qual, por não se basear no uso da força, torna-se legítima aos olhos dos dominados. Mas, em Bourdieu, segundo ele, a noção teria sofrido uma extensão de modo a englobar o voluntário (o reconhecimento e a adesão, por todos, à ordem dominante) e o involuntário (o desconhecimento da natureza arbitrária dessa ordem). . Tal experiência está na raiz da sensibilidade sociológica que fez dele um observador arguto e um estudioso incansável dos modos e dos mecanismos de dominação social que se exercem por meio dos mais diversos sistemas simbólicos — como a linguagem, a escola, a arte, a ciência, a religião e tantos outros. Foi justamente esse tipo de dominação que Bourdieu colocou no centro de seu trabalho de pesquisa.

Com o propósito de desvendar em profundidade esse fenômeno, o autor forjou e refinou um instrumental teórico e metodológico potente, capaz de romper com o senso comum e desnaturalizar o mundo social — o que, para ele, constituía a finalidade última do conhecimento sociológico. Nesse sentido, deixou-nos como legado ferramentas conceituais fundamentais, como os conceitos de habitus, campo, capital cultural, capital social, capital simbólico, os quais, funcionando em conjunto, compõem o arcabouço de sua teoria.

Do ponto de vista metodológico, Bourdieu nos legou a exortação a um modo de trabalho sociológico que não separa a elaboração conceitual (do objeto de investigação) dos instrumentos de incursão no terreno empírico (estatísticas, questionários, entrevistas, observação etnográfica etc.), convencido que era de que o real não fala por si só, sem a intermediação da formalização teórica (conceitos, hipóteses). E sempre na defesa de que todo modo de produção científica deve extrair sua validade do exercício da reflexividade crítica que consiste no constante trabalho de reflexão do sociólogo sobre suas próprias práticas de pesquisa, por meio do distanciamento da realidade imediata e da objetivação (autoanálise) de seu modus operandi.

Em suma, por seu pioneirismo na iniciativa de desvendar a dimensão simbólica da dominação social e pela robustez do imponente estoque de pesquisas que nos legou, é lícito afirmar que a potência do empreendimento científico de Pierre Bourdieu não esmaeceu, ao longo desses vinte anos desde seu falecimento5 5 Na verdade, sua obra não deve ser tida como fechada e acabada, posto que ele faleceu em plena vida produtiva. Seria igualmente incorreto afirmar que o conjunto da obra esteja isento de “incoerências ou insuficiências” como demonstra Corcuff (2003). Também Lahire (1999) se dedicou a uma leitura crítica da obra de Bourdieu. Mas ambos os autores encaram suas críticas como uma forma de homenagear o legado bourdieusiano, que irriga o pensamento de um e de outro. . Se tal afirmação é válida no que se refere às ciências sociais de modo geral, parece especialmente pertinente quando se trata da produção científica no campo da sociologia da educação.

A produção teórica de Bourdieu nesse campo foi vinculada ao que ficou conhecido como paradigma da reprodução, o qual, em seu conjunto, produziu um abalo irreversível na crença na escola como instrumento neutro de mobilidade e de equidade social. Dentre os vários teóricos da reprodução (ALTHUSSER, 1970ALTHUSSER, L. Idéologie et appareils idéologiques d’État: sur la reproduction des conditions de la production. La Pensée, Paris, p. 3-21, 1970.; BAUDELOT; ESTABLET, 1971BAUDELOT, C., ESTABLET, R. L’école capitaliste en France. Paris: Maspéro, 1971.; BOWLES; GINTIS, 1976BOWLES, S.; GINTIS, H. Schooling in Capitalist America. New York: Basic Books, 1976.), Bourdieu é, de longe, o que permanece como referência mais citada nas discussões sobre as relações entre sistema de ensino e sociedade. É fato que as pesquisas desenvolvidas a partir das últimas décadas do século XX — no bojo de uma reorientação do olhar sociológico, das macroestruturas para as pequenas unidades de análise — já avançaram bastante na identificação e na busca de superação de lacunas analíticas deixadas por aquele paradigma e, especificamente, por diversos construtos bourdieusianos. No entanto os conceitos e as ideias integrantes da teoria da reprodução cultural de Bourdieu continuam sendo largamente utilizados nas análises educacionais, seja de modo mais próximo de sua formulação original, seja em uma perspectiva de “cumulatividade crítica” tal como a desenvolvida por Bernard Lahire (2012, p. 198)LAHIRE, B. Do homem plural ao mundo plural. Entrevista concedida a Sofia Amândio. Análise Social, 202, v. XLVII. 2012. p. 195-208. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1332346897S5iCO2di6Vv51AI5.pdf Acesso em 08 out. 2022.
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; em outras palavras, em um movimento de “pensar, ao mesmo tempo, com e contra [...] Pierre Bourdieu” (LAHIRE, 2002LAHIRE, B. Homem plural: os determinantes da ação. Petrópolis: Vozes, 2002., p. 11).

Esse pensar simultaneamente com e contra — ou pensar ao mesmo tempo “com e para além de Bourdieu”, como propõe Brandão (2010, p. 234)BRANDÃO, Z. Operando com conceitos: com e para além de Bourdieu. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 1, p. 227-241, 2010. https://doi.org/10.1590/S1517-97022010000100003
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— torna-se cada vez mais importante frente à intensidade das mudanças sociais e culturais nas últimas décadas. Nesse sentido, buscaremos destacar neste texto, embora de modo algo subjetivo, duas teses importantes na obra de Bourdieu, que representaram um forte avanço no conhecimento de certos fenômenos sociais, mas que, embora a nosso ver continuem relevantes para as análises sociológicas sobre a educação e a escolarização, estão a demandar uma atualização tendo em vista as transformações verificadas (e intensificadas) nesses processos. São elas: as teses bourdieusianas sobre a relação entre a posse de capital cultural e o sucesso escolar, em particular a hipótese de uma transmissão osmótica — de pais a filhos — dessa forma de vantagem social; e a tese da causalidade do provável, desenvolvida por meio da noção de interiorização das chances objetivas, como hipótese para compreender como cada indivíduo desenvolve suas aspirações e formula seus projetos (de estudos, de profissão, de investimentos, de procriação etc.) — interessando-nos especialmente, neste texto, os projetos no campo educacional.

Capital Cultural e Vantagens Escolares: da Transmissão Osmótica ao Trabalho de Transmissão

De partida, cabe recordar muito resumidamente a origem do conceito de capital cultural, tal como formulado nos anos 1960–1970 por Bourdieu, como instrumento conceitual capaz de dar conta das elevadas e contumazes disparidades de oportunidades educacionais entre as diferentes classes sociais. Com base nas pesquisas realizadas no imediato pós-guerra pelos demógrafos do Institut National d’Études Démographiques, o autor postulava então que, mais do que a renda familiar, são os recursos culturais herdados dos pais que condicionam — para não dizer determinam — o desempenho escolar do aluno.

Rompendo, portanto, com a explicação do êxito escolar pela via de atributos puramente individuais, i.e., com a ideologia do dom, Bourdieu passou a enfatizar o modo preponderante de aquisição da cultura legítima pelos grupos sociais culturalmente privilegiados, a saber: por impregnação e por osmose6 6 O que significa, em contrapartida, que, para as classes populares, só resta a aprendizagem metódica por meio da escola. . Com efeito, no célebre artigo de 1966, ele afirmava que:

A parte mais importante e a mais ativa (escolarmente) da herança cultural, quer se trate da cultura livre ou da língua, transmite-se de maneira osmótica, mesmo na falta de qualquer esforço metódico e de qualquer ação manifesta, o que contribui para reforçar, nos membros da classe culta, a convicção de que eles só devem aos seus dons esses conhecimentos, essas aptidões e essas atitudes, que, desse modo, não lhes parecem resultar de uma aprendizagem.

(BOURDIEU, 1998aBOURDIEU, P. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998a. p. 39-64., p. 46, grifos nossos)

Em livro recente, Sandrine Garcia argumenta que, ainda que em outros momentos — como na obra Os Herdeiros, de 1964 — Bourdieu e Passeron7 7 Como se sabe, as primeiras obras de Bourdieu sobre o mundo social da educação foram escritas em coautoria com Jean-Claude Passeron (BOURDIEU; PASSERON, 1964; 1970). se mostrassem cientes do fato de que as crianças dos meios favorecidos são também municiadas, no universo doméstico, com “hábitos, treinamentos e atitudes” que as auxiliam no trabalho escolar, é a hipótese da “transmissão osmótica que é a mais frequentemente adotada” no conjunto da obra (GARCIA, 2018GARCIA, S. Le goût de l’effort: La construction familiale des dispositions scolaires. Paris: PUF, 2018., p. 14).

Sem querer nem poder negar que, de fato, certas transmissões se fazem efetivamente por impregnação, vários sociólogos passaram, mais recentemente, a se interrogar sobre os efeitos da aceitação, por longos anos, desse modo de interpretação da reprodução do privilégio cultural, tomado como uma evidência que não mereceria questionamento. Foi assim que, em junho de 2020, um grupo de pesquisadores realizou em Paris uma jornada de estudos intitulada “Interroger la transmission par osmose8 8 Para mais informações, ver: https://www.ined.fr/fr/actualites/rencontres-scientifiques/seminaires-colloques-ined/interroger-la-transmission-par-osmose/ ou https://afs-socio.fr/appel-a-communication-journee-detudes-interroger-la-transmission-par-osmose/. Infelizmente, ainda não se tem notícia de possíveis anais do evento. , em cuja chamada se lê: “a ideia de que a transmissão da herança cultural se fazia antes de tudo ‘por osmose’ foi talvez tomada como óbvia9 9 No original: pour argent comptant. , antes mesmo que verificações empíricas fossem empreendidas”.

Além da constatação de que o sistema escolar passou por importantes transformações desde os escritos clássicos de Bourdieu, o pressuposto desse grupo de pesquisadores é o de que os estudos sobre as práticas educativas das famílias das classes médias e superiores mais bem equipadas em capital cultural tendem a se restringir à análise de suas concepções e princípios educacionais gerais ou a suas estratégias e investimentos educativos mais visíveis, sem descer aos pormenores concretos do trabalho parental efetivamente realizado no dia-a-dia dessas famílias. No entanto, acrescentam eles, assistimos hoje a uma renovação das pesquisas sobre os modos de socialização familiar que — ao interrogar a ideia de transmissão automática e inexorável — começam a focalizar as condições concretas de socialização familiar.

E citam, como exemplo, as pesquisas de Lahire (1995LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São Paulo: Ática, 1997.; 2008LAHIRE, B. La raison scolaire: École et pratiques d’écriture, entre savoir et pouvoir. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2008.; 2019)LAHIRE, B. Enfances de classe: de l’inégalité parmi les enfants. Paris: Seuil, 2019., as quais constatam que:

[..] o trabalho educativo objetivamente realizado mostra bem que a herança do capital cultural não se opera nunca naturalmente, inclusive nas famílias mais bem providas. Surpreende constatar o quanto a transmissão desse capital obedece a um trabalho incessante, cotidiano, de fôlego e, às vezes, doloroso para os filhos tanto quanto para os pais.

(LAHIRE, 2008LAHIRE, B. La raison scolaire: École et pratiques d’écriture, entre savoir et pouvoir. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2008., p. 140)

Tais constatações levam Lahire (2008, p. 140)LAHIRE, B. La raison scolaire: École et pratiques d’écriture, entre savoir et pouvoir. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2008. a se perguntar “se a atitude diletante às vezes descrita pela Sociologia da Educação ou pela Sociologia da Cultura não é uma ilusão de ótica, com o sociólogo partilhando a ilusão que os atores querem dar, mas também e sobretudo, dar a si mesmos”.

Também as pesquisas recentes de Garcia (2018)GARCIA, S. Le goût de l’effort: La construction familiale des dispositions scolaires. Paris: PUF, 2018. sobre as relações das classes médias e superiores com a escolarização dos filhos contribuem para essa discussão. Segundo a autora, “a referência à transmissão osmótica constitui ainda hoje um obstáculo à compreensão das práticas [educativas] reais” (p. 199). Tal afirmação é feita em um livro intitulado, em tradução livre, O gosto pelo esforço: a construção familiar das disposições escolares — sendo sintomático, no título, o uso do substantivo construção ao invés de herança. Na apresentação da obra, a autora destaca:

[..] subestimamos largamente o trabalho parental realizado nas classes médias e superiores de acompanhamento educacional de seus filhos e que esse trabalho abrange uma parte de trabalho escolar (e não somente cultural) que é determinante para o sucesso escolar [...]. É esse trabalho educativo oculto que nos propomos a analisar neste livro, para nuançar os efeitos apenas da transmissão por osmose.

(GARCIA, 2018GARCIA, S. Le goût de l’effort: La construction familiale des dispositions scolaires. Paris: PUF, 2018., p. 14-15 e 17, grifos nossos)

Ao final de sua pesquisa, Garcia (2018, p. 22)GARCIA, S. Le goût de l’effort: La construction familiale des dispositions scolaires. Paris: PUF, 2018. conclui que as famílias por ela investigadas realizam um verdadeiro trabalho “de transformação do capital cultural em competência pedagógica”, o qual se antecipa às aprendizagens escolares, completa-as, reforça-as e as compensa em caso de dificuldades.

Na verdade, não se pode afirmar que a constatação do trabalho pedagógico das famílias — a qual, por si, coloca em xeque a ideia de uma transmissão osmótica — seja uma novidade na Sociologia da Educação. Os estudos de Establet (1987)ESTABLET, R. L’école est-elle rentable? Paris: PUF, 1987. já se tornaram clássicos nesse sentido. Para o autor, os pais de classes médias acompanham de modo tão estreito e intenso a escolaridade dos filhos que transformam suas casas em espécies de anexos da escola, desenvolvendo um trabalho de “pais (de alunos) profissionais” (p. 206).

Também François de Singly é um sociólogo que, desde a década de 1990, chama a atenção para o trabalho pedagógico das famílias — e, ainda, para o investimento pessoal necessário aos jovens a fim de se apropriar de uma herança que não se herda passivamente. Reconhecendo as importantes contribuições de Bourdieu para a compreensão das funções de reprodução social exercidas pelas famílias nas sociedades contemporâneas — nas quais se observa um “modo de reprodução baseado na educação escolar” (SINGLY, 2007SINGLY, F. Sociologia da família contemporânea. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2007., p. 51)10 10 A primeira edição do original francês data de 1993. —, o autor, ao mesmo tempo, problematiza o uso do conceito de “estratégias de reprodução”. Um dos argumentos apresentados constitui um franco questionamento à ideia de transmissão automática do capital cultural:

A analogia entre herança econômica e herança cultural é tão preciosa para destacar uma transmissão intergeracional frequentemente encoberta, quanto ela deve ser tratada com precaução, principalmente em um contexto de grande competição escolar. [...] Uma leitura ‘moral’ (próxima à denúncia de privilégios) dos termos da herança tende a ocultar que a transformação do capital de origem em capital pessoal exige também um trabalho específico. Não se adquire capital cultural dormindo ou comendo — diferentemente das ‘boas maneiras’ e da liberdade corporal, cujo aprendizado é mais difuso. Se os livros da biblioteca familiar não são abertos, eles perdem sua eficácia. Os jovens que se beneficiam de tal meio devem, se quiserem ‘herdar’, consagrar o tempo necessário a essa atividade e sacrificar outras (ajudados, para isso, pelos conselhos dos pais). Num modo de produção de base escolar, a mobilização das famílias, mesmo as mais ricas, é fundamental se elas quiserem ter chances de permanecer na competição dos diplomas.

(SINGLY, 2007SINGLY, F. Sociologia da família contemporânea. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2007., p. 61-62)

Dessa forma, Singly (1996, p. 156)SINGLY, F. L’appropriation de l’héritage culturel. Lien Social et Politiques — RIAC, Quebec, v. 35, p. 153-165, 1996. https://doi.org/10.7202/005085ar
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argumenta que há um trabalho de mobilização em relação à escola, o qual tem duas faces: “a dimensão parental e a dimensão juvenil” e que é requerido nos diferentes meios sociais, mesmo os mais favorecidos — sem que com isso se possa minimizar os efeitos das desigualdades sobre os diferentes grupos.

Na mesma direção de Singly, a socióloga Agnès Van Zanten (1996, p. 127, tradução nossa)VAN ZANTEN, A. Stratégies utilitaristes et stratégies identitaires des parents vis-à-vis de l’école : une relecture critique des analyses sociologiques. Lien Social et Politiques — RIAC, Quebec, 35, Printemps. p. 153-165, 1996. https://doi.org/10.7202/005124ar
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já alertava para o fato de que, no trabalho de Bourdieu e Passeron, o uso da metáfora da “herança” oculta largamente o “trabalho de transmissão do capital”. Assim, ela indicava que, a partir dos anos 1980, os pesquisadores começam a conceder um importante lugar para “o trabalho educativo de acompanhamento do percurso escolar da criança” (VAN ZANTEN, 1996VAN ZANTEN, A. Stratégies utilitaristes et stratégies identitaires des parents vis-à-vis de l’école : une relecture critique des analyses sociologiques. Lien Social et Politiques — RIAC, Quebec, 35, Printemps. p. 153-165, 1996. https://doi.org/10.7202/005124ar
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, p. 127, tradução nossa). Cabe destacar que a autora é uma das que vêm apontando, nas últimas décadas — em consequência do fenômeno da massificação escolar e do consequente acirramento da concorrência nesse campo — um aumento no investimento em educação por parte de todos os grupos sociais e, no caso das classes médias, uma intensificação e um refinamento das suas estratégias educativas (NOGUEIRA, 2013NOGUEIRA, M. A. Um tema revisitado — as classes médias e a escola. In: APPLE, M.; BALL, S.; GANDIN, L. A. (Orgs.). Sociologia da educação: análise internacional. Porto Alegre: Penso, 2013a. p. 280-290.; VAN ZANTEN, 2007VAN ZANTEN, A. Reflexividad y eleccion de la escuela por los padres de la clase media em Francia. Revista de Antropologia Social, Madri, v. 16, p. 245-278, 2007.).

Enfim, se o potencial heurístico do conceito de capital cultural parece hoje largamente reconhecido (NOGUEIRA, 2011NOGUEIRA, M. A. Capital cultural. In: VAN ZANTEN, A. (Org.). Dicionário de Educação. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 80-82.; 2017NOGUEIRA, M. A. Capital cultural. In: CATANI, A. M.; NOGUEIRA, M. A.; HEY, A. P.; MEDEIROS, C. C. C. (Orgs). Vocabulário Bourdieu. Belo Horizonte: Autêntica, 2017. p. 103-106.), indicando uma continuidade dos estudos com Bourdieu, o trabalho realizado pelas famílias e pelos filhos na transmissão/apropriação da herança — e, de modo mais geral, na adequação às exigências da escolaridade — tem sido destacado nas últimas décadas, colocando em xeque, para além de Bourdieu, a ideia de uma transmissão osmótica desse capital. Nas palavras de Meuret (2011, p. 460)MEURET, D. Igualdade e equidade dos sistemas educativos. In: VAN ZANTEN, A. (Org.). Dicionário de educação. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 458-463.: “O suor exerce uma função que, sem dúvida, Bourdieu e Passeron já subestimavam, mas que posteriormente aumentou: as mães burguesas de hoje perdem mais tempo exigindo o desempenho escolar de suas crianças do que levando-as ao teatro”.

A principal novidade que os trabalhos mais recentes têm trazido, a esse respeito, é a visibilidade dada às práticas cotidianas que compõem o trabalho pedagógico familiar, por meio de estudos microssociológicos que permitem interrogar as dinâmicas intrafamiliares. Talvez um dos exemplos mais significativos seja o estudo de Lareau (2002LAREAU, A. Unequal childhoods: Class, race, and family life. Berkeley: University of California Press, 2002.; 2007)LAREAU, A. A desigualdade invisível: o papel da classe social na criação dos filhos em famílias negras e brancas. Educação em Revista, Belo Horizonte. n. 46, p. 32-82, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-46982007000200002
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, que se valeu de métodos etnográficos para investigar as práticas de criação de filhos em famílias brancas e negras de classes médias e de classes trabalhadoras e pobres, nos Estados Unidos, chamando a atenção para os mecanismos concretos por meio dos quais as vantagens sociais são transmitidas. Acompanhando o cotidiano das famílias, a pesquisadora demonstra, no caso daquelas das classes médias, o “esforço deliberado e contínuo para estimular o desenvolvimento dos filhos e para cultivar suas habilidades cognitivas e sociais” (LAREAU, 2007LAREAU, A. A desigualdade invisível: o papel da classe social na criação dos filhos em famílias negras e brancas. Educação em Revista, Belo Horizonte. n. 46, p. 32-82, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-46982007000200002
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, p. 72). Trata-se do que a autora denomina uma lógica do “cultivo orquestrado”, por envolver uma variedade de atividades estruturadas que os pais precisam gerenciar, atividades essas alinhadas com as lógicas e as demandas escolares — sendo que a vida escolar propriamente dita dos filhos recebe participação direta das famílias, tanto na forma de acompanhamento no lar quanto de presença na escola.

Para Davies e Rizk (2018, p. 339)DAVIES S.; RIZK, D. The three generations of cultural capital research: a narrative review. Review of Educational Research, State College, v. 88, n. 3, p. 331-365, 2018. https://doi.org/10.3102/0034654317748423
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, Lareau se aproxima de Bourdieu por focalizar as diferenças culturais ligadas às classes sociais e o modo como são desigualmente recompensadas no sistema educacional; mas se distingue dele “ao enfatizar as práticas muito ativas — ‘até mesmo frenéticas’ — pelas quais os pais da classe média personalizam as experiências de seus filhos e atraem profissionais educacionais para cumprir seus desejos”. Ainda segundo esses autores, Lareau inaugurou uma tradição específica nos estudos sobre capital cultural, a qual tem sido continuada por pesquisadores em todo o mundo. Tais pesquisadores têm em comum a visão do capital cultural não necessariamente como um bem cultural adquirido de maneira osmótica, mas como um recurso que permite aos pais mais favorecidos “vantagens para explorar uma variedade de espaços discricionários nas escolas” (DAVIES; RIZK, 2018DAVIES S.; RIZK, D. The three generations of cultural capital research: a narrative review. Review of Educational Research, State College, v. 88, n. 3, p. 331-365, 2018. https://doi.org/10.3102/0034654317748423
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, p. 345), em um processo que envolve a “geração ativa de capital cultural” (DAVIES; RIZK, 2018DAVIES S.; RIZK, D. The three generations of cultural capital research: a narrative review. Review of Educational Research, State College, v. 88, n. 3, p. 331-365, 2018. https://doi.org/10.3102/0034654317748423
https://doi.org/10.3102/0034654317748423...
, p. 343).

No Brasil, já contamos com algumas pesquisas que buscam desvendar os processos familiares cotidianos de “transformação do capital cultural em competência pedagógica” (GARCIA, 2018GARCIA, S. Le goût de l’effort: La construction familiale des dispositions scolaires. Paris: PUF, 2018., p. 22). Um dos primeiros trabalhos nacionais nesse sentido foi o de Nogueira (2000)NOGUEIRA, M. A. A construção da excelência escolar — um estudo de trajetórias feito com estudantes universitários provenientes das camadas médias intelectualizadas. In: NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. (Orgs.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 125-154., que buscou, por meio de uma abordagem microssociológica, conhecer, através de entrevistas, as trajetórias escolares de 37 estudantes universitários pertencentes a famílias de camadas médias intelectualizadas — com pais professores universitários, altamente diplomados —, bem como as estratégias desenvolvidas pelas famílias e pelos próprios jovens no decorrer desses itinerários. O objetivo geral era o de compreender como se deu, no interior das trajetórias, “o processo de conversão de capital cultural em capital escolar” (NOGUEIRA, 2000NOGUEIRA, M. A. A construção da excelência escolar — um estudo de trajetórias feito com estudantes universitários provenientes das camadas médias intelectualizadas. In: NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. (Orgs.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 125-154., p. 150). A pesquisadora identifica forte mobilização tanto por parte dos pais quanto dos próprios jovens, havendo, em relação à carreira escolar, uma gestão muito planejada, cuidadosa, informada por um forte conhecimento do sistema educativo. Quanto à tese de Bourdieu a respeito dos efeitos da herança cultural sobre os destinos escolares, Nogueira afirma que ela “permanece como a referência afirmada, refinada, relativizada, nuançada, matizada, mas nunca ignorada ou negada pelo pesquisador”; pesquisador esse que almeja, contemporaneamente, através de estudos microssociológicos, “captar os processos concretos e cotidianos capazes de facilitar ou, ao contrário, de impedir a transmissão cultural” (NOGUEIRA, 2000NOGUEIRA, M. A. A construção da excelência escolar — um estudo de trajetórias feito com estudantes universitários provenientes das camadas médias intelectualizadas. In: NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. (Orgs.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 125-154., p. 127).

Nessa direção, o trabalho de Fialho (2012)FIALHO, F. B. Mobilização parental e excelência escolar: Um estudo das práticas educativas de famílias das classes médias. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-8TYK2V. Acesso: 14 set. 2022.
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focalizou as estratégias educacionais de 20 famílias de classe média alta, realizando entrevistas separadamente com mães e com filhos — sendo estes, na época, estudantes de 5ª série de um prestigioso estabelecimento privado da cidade de Belo Horizonte. Entre seus achados, a autora destaca “um processo de intensa e contínua mobilização parental”, no qual “os pais assumem um papel (hiper) ativo que os leva a adotar e monitorar cotidianamente estratégias diversas, visando assegurar a alta produtividade escolar dos filhos” (FIALHO, 2012FIALHO, F. B. Mobilização parental e excelência escolar: Um estudo das práticas educativas de famílias das classes médias. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-8TYK2V. Acesso: 14 set. 2022.
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, p. 106). Tais estratégias incluem o monitoramento constante dos estudos, tanto em casa quanto na escola; a preparação exaustiva para as avaliações; a proposição de atividades complementares, de reforço e de ampliação das aprendizagens; a organização de uma rotina intensa de atividades extraescolares, na lógica do “cultivo orquestrado” (LAREAU, 2007LAREAU, A. A desigualdade invisível: o papel da classe social na criação dos filhos em famílias negras e brancas. Educação em Revista, Belo Horizonte. n. 46, p. 32-82, 2007. https://doi.org/10.1590/S0102-46982007000200002
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, p. 13). Os pais investigados são, nas palavras da pesquisadora, “incansáveis e fortemente determinados em seus esforços” (FIALHO, 2012FIALHO, F. B. Mobilização parental e excelência escolar: Um estudo das práticas educativas de famílias das classes médias. 2017. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUOS-8TYK2V. Acesso: 14 set. 2022.
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, p. 106). Assim, mais uma vez o que se vê é um trabalho intenso de mobilização, que afasta a imagem de transmissão relativamente automática do capital cultural.

Um grupo de estudos no qual o trabalho parental de acompanhamento ganha relevo em relação à ideia de uma herança que se transmitiria por osmose é aquele que investiga as práticas educativas de pais professores (LASNE, 2018LASNE, A. Transmettre un capital culturel scolairement rentable: la spécificité des pratiques éducatives des parents enseignants. Revue Française de Pédagogie, Lyon, v. 203, n. 2, p. 29-47, 2018. https://doi.org/10.4000/rfp.8092
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; NOGUEIRA, 2018NOGUEIRA, M. O. Práticas culturais, estilo de vida e docência: o caso dos pais professores. Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 17, n. 1, 2018.; ZANTEN, 2018; OLIVEIRA; NOGUEIRA, 2019OLIVEIRA, R. K.; NOGUEIRA, M. O. Pais professores homens e o acompanhamento da vida escolar dos filhos. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 49, n. 169 174, p. 182-203, 2019. https://doi.org/10.1590/198053146641
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). Nesse caso, o forte conhecimento das regras do jogo escolar favorece o desenvolvimento de estratégias de rentabilização das chances de construção de capital escolar pelos filhos, mesmo em contextos de escassez de práticas e de bens culturais que pudessem configurar uma alta herança cultural, no sentido clássico.

Uma última onda de pesquisas, por fim, tem chamado a atenção para uma série de investimentos familiares que se realizam fora da escola, envolvendo diferentes agentes e recursos. O coletivo de pesquisadores participantes da Jornada “Interroger la transmission par osmose” (2020), por exemplo, apontou o fato de que aquele trabalho parental nem sempre visível, documentado nos estudos acima citados, articula-se hoje “com outros agentes de socialização postos a serviço do sucesso escolar”, em particular as atividades paraescolares ou extraescolares. O recurso a esse tipo de atividade, em um contexto de aumento da competitividade escolar, vem-se intensificando de modo exponencial nos últimos anos, compondo o que tem sido chamado de “shadow education” ou “educação-sombra” (BRAY, 2014BRAY, M. The shadow education system: private tutorin and its implications for planners. Fundamentals of Educational Planning, n. 61, Paris: IIEP-UNESCO, 2007. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000118486. Acesso em 14 set. 2022.
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; GALVÃO, 2022GALVÃO, F. V. A literatura sobre shadow education: recortes de pesquisa. Pro-posições, Campinas, v. 33, e20200129, 2022. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2020-0129
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; JERRIM, 2017JERRIM, J. Extra time: Private tuition and out-of school study, new international evidence. 2017. Disponível em: https://www.suttontrust.com/wp-content/uploads/2017/09/Extra-time-report_FINAL.pdf. Acesso: 17 jul. 2019.
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; MARTINS, 2019MARTINS, L. S. R. A educação na sombra: contratação de empresas de acompanhamento escolar como estratégia educativa de famílias das camadas médias. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019.).

Os estudos existentes indicam que, no atual contexto de competitividade intensificada, a educação sombra tem sido cada vez mais acionada pelas famílias a fim de obter vantagens educacionais para seus filhos — desde a superação de dificuldades no desempenho escolar até a busca de aprovação em exames de acesso ao ensino superior, passando pelo desenvolvimento de habilidades diversificadas tanto no campo acadêmico quanto nos campos das artes, dos esportes, das línguas, da música (JERRIM, 2017JERRIM, J. Extra time: Private tuition and out-of school study, new international evidence. 2017. Disponível em: https://www.suttontrust.com/wp-content/uploads/2017/09/Extra-time-report_FINAL.pdf. Acesso: 17 jul. 2019.
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). Por um lado, esse crescimento da educação-sombra recoloca a importância do capital econômico e de suas reconversões em capital cultural e escolar, uma vez que a contratação de atividades extraescolares pressupõe, em geral, investimentos financeiros. Nesse sentido, a exacerbação das desigualdades é uma das principais preocupações que têm acompanhado o crescimento da educação-sombra. Por outro lado, o investimento em atividades extras e, principalmente, a rentabilidade escolar delas, dependem, em vários sentidos, do capital cultural familiar, o qual influenciará na definição dos tipos de atividade a serem contratados, do momento, do profissional, da adequação ao perfil e às necessidades de cada filho, às demandas da escola frequentada, dentre outros aspectos. Sendo assim, é todo um trabalho de gerenciamento que passa a ser assumido pelas famílias, o qual exige competências pedagógicas específicas — a ponto de levar ao surgimento de novos perfis profissionais que poderíamos relacionar à educação-sombra, como os coaches educacionais (que ajudam os pais, dentre outros processos, nesse gerenciamento de oportunidades educativas para os filhos) e os educadores parentais (que desenvolvem atividades de orientação aos pais, muitas vezes voltadas para a formação geral dos filhos, mas que podem também se direcionar especificamente ao apoio à escolaridade).

A pesquisa de Martins (2019)MARTINS, L. S. R. A educação na sombra: contratação de empresas de acompanhamento escolar como estratégia educativa de famílias das camadas médias. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. coloca em relevo a educação-sombra como nova forma de investimento parental. Entrevistando 12 famílias de classe média (pais com formação e ocupações de nível superior) que contratavam, para os filhos, serviços de acompanhamento escolar gerenciados por empresas especializadas, Martins verifica que tal contratação não significa que as famílias estejam se omitindo face ao acompanhamento, mas, ao contrário, que estão investindo em possibilidades mais eficazes para favorecer a trajetória escolar dos filhos. Nas palavras da autora:

[...] não se verificou uma substituição da ação parental, a qual continua ocorrendo, inserida em outra relação — não mais ‘família-escola’, mas agora ‘família-escola-empresa’. Ou seja, no que se refere às famílias investigadas neste estudo, a contratação não significa ‘menos envolvimento’ e sim ‘mais investimento’”.

(MARTINS, 2019MARTINS, L. S. R. A educação na sombra: contratação de empresas de acompanhamento escolar como estratégia educativa de famílias das camadas médias. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019., p. 100)

Mapear esses diferentes tipos de investimentos realizados pelas famílias na educação da prole e analisar seu grau de influência sobre a escolaridade é uma perspectiva que continua aberta para os estudos no campo da sociologia das desigualdades escolares.

A Escolha do Destino Escolar: Da Causalidade do Provável ao Desafio Do Improvável

Nas sociedades contemporâneas, em que o grau de escolarização se tornou um dos elementos centrais na definição da posição social, uma importante dimensão a ser considerada, na compreensão das estratégias escolares de diferentes grupos sociais, é a formulação de aspirações e projetos de futuro. A propensão a investir no trabalho escolar depende não apenas do capital cultural familiar, mas também, nas palavras de Bourdieu, das “atitudes a respeito da escola, da cultura escolar e do futuro oferecido pelos estudos” (BOURDIEU, 1998BOURDIEU, P.; CHAMPAGNE, P. Os excluídos do interior. In: BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 217-227.a, p. 46). Tais atitudes é que serão definidoras das escolhas (sempre entre aspas, na perspectiva bourdieusiana) em relação à escolarização.

Falar de escolhas, no sentido bourdieusiano, significa remeter à teoria da ação desenvolvida pelo autor, a qual se volta para as diferentes esferas de atuação do sujeito, dentre elas a educacional. Tal teoria tem, no conceito de habitus, sua principal ferramenta conceitual. Como os indivíduos formulam suas aspirações e projetos de futuro, segundo Bourdieu? Por meio de quais processos escolhem um curso, uma profissão, um cônjuge? Para responder de modo sintético: através de um ajuste entre sua experiência anterior (internalizada na forma de disposições duráveis para pensar, sentir, agir, julgar, escolher, ou seja, na forma de habitus) e a probabilidade objetiva que têm de realizar esse ou aquele desejo, essa ou aquela aspiração, este ou aquele projeto; probabilidade que é intuitivamente calculada por meio de um processo não-reflexivo de interiorização das chances objetivas, para seu grupo social, de alcançar tal realização. Em síntese, trata-se de um processo de conversão das chances objetivas em esperanças e/ou motivações subjetivas, o que proporciona ao indivíduo a ilusão de agir livremente e segundo suas inclinações pessoais. E é esse mecanismo que responde pelo fato de que as práticas coletivas são coerentes, ou seja, obedecem a regularidades sociais que fazem com que os indivíduos se comportem segundo o esperado para seu meio social, ao exteriorizar sua interioridade.

Em conhecido artigo de 1974, Bourdieu já escrevia:

Tudo se passa como se o futuro objetivo, que está em potência no presente, não pudesse advir senão com a colaboração ou até a cumplicidade de uma prática que, por sua vez, é comandada por esse futuro objetivo; como se, em outras palavras, o fato de ter chances positivas ou negativas de ser, ter ou fazer qualquer coisa predispusesse, predestinando, a agir de modo a que essas chances se realizem. Com efeito, a causalidade do provável é o resultado dessa espécie de dialética entre o habitus, cujas antecipações práticas repousam sobre toda a experiência anterior, e as significações prováveis, isto é, o dado que ele se dá por meio de uma apreensão seletiva e uma apreciação enviesada dos índices do futuro para cujo evento deve contribuir (coisas ‘a serem feitas’, ‘a serem ditas’ etc.).

(BOURDIEU, 1998bBOURDIEU, P. Futuro de classe e causalidade do provável. In: BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998b. p. 81-126., p. 111)

E, mais tarde, acrescentaria que:

[...] mesmo sem fazer planos, projetos, os agentes sociais são ‘razoáveis’, que eles não são loucos, que eles não cometem loucuras (no sentido em que se diz de alguém que fez uma compra ‘acima de suas posses’, que ‘fez uma loucura’) [...] e isso precisamente porque interiorizaram, ao cabo de um longo e complexo processo de condicionamento, as chances objetivas que lhes são oferecidas, e que eles sabem ler o futuro que lhes convém, que é feito para eles e para o qual eles são feitos.

(BOURDIEU; WACQUANT, 1992BOURDIEU, P., WACQUANT, L. Réponses — Pour une anthropologie réflexive. Paris: Éditions du Seuil, 1992., p. 105, tradução nossa)

Ocorre que essa tese de Bourdieu, de transmutação das chances objetivas em esperanças e/ou motivações subjetivas, passou a influenciar fortemente boa parte dos estudos que focalizam as estratégias escolares dos diferentes grupos sociais. É graças a ela que acreditamos tornar inteligíveis tanto o sentimento de naturalidade dos grupos favorecidos com relação às aspirações escolares elevadas que expressam, quanto o fenômeno da autoeliminação escolar dos desfavorecidos.

Com relação aos grupos favorecidos, por exemplo: no estudo já mencionado neste texto, a respeito das trajetórias escolares de estudantes universitários pertencentes às camadas médias intelectualizadas, Nogueira (2000, p. 132) identifica que “a ida para a universidade aparece, nessas trajetórias, com a força de uma quase ‘evidência’”; é vista como algo inevitável, que está “inscrito no destino escolar” dos sujeitos. As falas de alguns jovens estudantes entrevistados pela pesquisadora ilustram a “estatística intuitiva” que está na origem dessa “certeza íntima” (NOGUEIRA, 2000NOGUEIRA, M. A. A construção da excelência escolar — um estudo de trajetórias feito com estudantes universitários provenientes das camadas médias intelectualizadas. In: NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. (Orgs.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 125-154., p. 132) da chegada à universidade:

“Minha mãe havia feito [faculdade], meu pai havia feito. Era uma carreira normal. Eu não entendia muito bem alguma coisa fora disso.”

(Rafael, estudante de Engenharia de Minas, cf. NOGUEIRA, 2000NOGUEIRA, M. A. A construção da excelência escolar — um estudo de trajetórias feito com estudantes universitários provenientes das camadas médias intelectualizadas. In: NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. (Orgs.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 125-154., p. 133)

“Eu sempre tive certeza que eu ia fazer tudo [no caso, o ensino médio e a faculdade]. Eu nunca pensei em parar. Os meus colegas não iam parar. Todo mundo ia continuar. Eu não via sentido em parar.

(Olívia, estudante de Administração, cf. NOGUEIRA, 2000NOGUEIRA, M. A. A construção da excelência escolar — um estudo de trajetórias feito com estudantes universitários provenientes das camadas médias intelectualizadas. In: NOGUEIRA, M. A.; ROMANELLI, G.; ZAGO, N. (Orgs.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 125-154., p. 133)

Cabe ressaltar que, no contexto de ampliação do acesso ao ensino superior brasileiro nas últimas décadas, de aumento da competitividade escolar e de globalização crescente, estudos recentes têm demonstrado um refinamento nos critérios de distinção escolar e, consequentemente, nas aspirações desses grupos socioeconomicamente favorecidos, seja no que se refere à escolha do curso superior, seja no que tange ao investimento em recursos simbólicos internacionais, por meio de viagens ao exterior, intercâmbios, escolha de estabelecimentos de ensino internacionais no Brasil, estudo de línguas (CALDEIRA; ALVES, 2021CALDEIRA, B. F.; ALVES, M. T. G. Protagonistas para o mundo: mercado escolar e aspirações das elites pelo ensino superior. Educação & Sociedade, Campinas, v. 42, e239138, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.239138
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; NOGUEIRA, AGUIAR; RAMOS, 2008NOGUEIRA, M. A.; AGUIAR, A. M. S.; RAMOS, V. C. C. Fronteiras desafiadas: a internacionalização das experiências escolares. Educação & Sociedade, Campinas, v. 29, n. 103, p. 355-376, 2008. https://doi.org/10.1590/S0101-73302008000200004
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). Ou seja, o horizonte de aspirações (o social vivido como natural) se desloca para um pouco mais além.

No que se refere aos setores mais desfavorecidos da hierarquia social, os estudos sobre trajetórias escolares em meios populares oferecem numerosos exemplos de como a formulação de projetos é limitada pelas possibilidades concretas, as quais são contabilizadas pelos sujeitos implícita ou explicitamente, fazendo com que os objetivos sejam estabelecidos aos poucos, por etapas, com a marca da condicionalidade (“talvez”, “se der”) e das ambições modestas, ajustadas à realidade circundante:

[...] eu faço de acordo com o meu alcance, eu sonho com aquilo que eu tenho possibilidades... No momento agora tô pensando em subir de cargo, completar o 2º grau, depois eu vejo o que fazer.

(Gustavo, 17 anos, estudante-trabalhador cursando a 1ª série do ensino médio. Cf. ZAGO, 2000ZAGO, N. Processos de escolarização nos meios populares — as contradições da obrigatoriedade escolar. In: NOGUEIRA, M. A., ROMANELLI, G., ZAGO, N. (Orgs.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 17-43., p. 38)

Mais para a frente eu estava pensando em fazer faculdade.... se der [...]. Eu acho que é importante porque, para prestar concurso, tem sempre que ter estudo.

(Delmo, 14 anos, aluno de escola pública; pai aposentado por invalidez e mãe diarista. Cf. PRESTA; ALMEIDA, 2008PRESTA, S.; ALMEIDA, A. M. A. Fronteiras imaginadas: experiências educativas e construção das disposições quanto ao futuro por jovens dos grupos populares e médios. Educação & Sociedade, Campinas, v. 29, n. 103, p. 401-424, 2008. https://doi.org/10.1590/S0101-73302008000200006
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, p. 401)

[...] nunca pensei em fazer curso superior, nunca; achei que eu ia formar para ser secretária, no máximo. [...] Eu nunca tive... criança fala... o que você vai ser quando crescer? [...] Posso até tentar, mas eu vou virar secretária, nada que exigisse um curso superior.

(Gilda, estudante de Odontologia na UFMG, de origem popular. Cf. VIANA, 2014VIANA, M. J. B. Em que consiste a excelência escolar nos meios populares? O caso de universitários da UFMG que passaram pelo Programa Bom Aluno de Belo Horizonte. In: PIOTTO, D. C. (Org.). Camadas populares e universidades públicas: trajetórias e experiências escolares. São Carlos: Pedro & João, 2014. p 13-43., p. 34)

Então... eu não tinha expectativa nenhuma. Alguns entraram também querendo fazer uma faculdade, preparar para o vestibular, né? Eu não tinha expectativa nenhuma disso. Na minha família ninguém fez faculdade. Então, o máximo, pra mim, que eu teria, é que eu iria ter um bom currículo pra conseguir um bom emprego. [...] Antes a gente não via muita oportunidade pra nós assim, de baixa renda, assim, é só trabalhar mesmo, e arrumar um serviço bom, trabalhando, assim... na verdade, de carteira assinada já era bom.

(Maria, egressa do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, sobre a escolha dessa escola para cursar o Ensino Médio. Cf. QUEIRÓS, 2022, p. 135 e 142)

As tendências expressas acima de modo qualitativo, nos discursos dos sujeitos, manifestam-se em termos quantitativos, por exemplo, nas estatísticas relativas ao público do ensino superior. Assim como já demonstrado para o caso francês em Les Héritiers (BOURDIEU; PASSERON, 1964BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. Les héritiers. Paris: Minuit, 1964.), tanto o acesso a esse nível de ensino quanto a escolha por cursos e instituições de maior ou menor prestígio dentro dele revelam, no Brasil contemporâneo, fortes correlações com o meio social de origem (ALMEIDA; ERNICA, 2015ALMEIDA, A. M. F., ERNICA, M. Inclusão e segmentação social no ensino superior público no Estado de São Paulo (1990-2012). Educação & Sociedade, Campinas, v. 36, n. 130, p. 63-83, 2015. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302015139672
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; CARVALHO; WALTENBERG, 2015CARVALHO, M. M.; WALTENBERG, F. D. Desigualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior no Brasil: uma comparação entre 2003 e 2013. Economia Aplicada, Ribeirão Preto, v. 19, n. 2, p. 369-396, 2015. https://doi.org/10.1590/1413-8050/ea124777
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; MARTINS; MACHADO, 2018MARTINS, F. S.; MACHADO, D. C. Uma análise da escolha do curso superior no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Populacionais, Belo Horizonte, v. 35, n. 1, 2018. e0056. https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0056
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). No que se refere especificamente à escolha dos cursos superiores, ao se levar em conta tais correlações, continua importante a hipótese da autoeliminação dos grupos menos favorecidos em relação às carreiras mais disputadas (PAUL; SILVA, 1998PAUL, J.-J.; SILVA, N. V. Conhecendo o seu lugar: a auto-seleção na escolha de carreira. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, Brasília, v. 14, n. 1, p. 115-130, 1998.), na perspectiva de uma causalidade do provável, em que pese a complexidade do processo de escolha e a existência de diferentes referenciais teóricos que buscam explicá-lo (NOGUEIRA, 2012NOGUEIRA, C. M. M. Escolha racional ou disposições incorporadas: diferentes referenciais teóricos na análise sociológica do processo de escolha dos estudos superiores. Estudos de Sociologia, Recife, v. 2, n. 18, 2012.).

Em síntese, esse conjunto de dados endossa a validade de se continuar contando com as contribuições da teoria de Bourdieu para a compreensão dos processos de “escolha do destino” (BOURDIEU, 1998BOURDIEU, P.; CHAMPAGNE, P. Os excluídos do interior. In: BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 217-227.a, p. 46) escolar e social. No entanto os mesmos dados também sinalizam movimentos teóricos e metodológicos que têm buscado, para além do legado bourdieusiano, novas possibilidades de dar inteligibilidade a tais processos, considerando, especialmente, as intensas modificações sociais das últimas décadas.

Assim como referido no item anterior com relação à transmissão do capital cultural, um primeiro movimento digno de nota é aquele que busca dar visibilidade aos sujeitos e a suas práticas cotidianas. Nesse movimento, a explicação sociológica ultrapassa a constatação da associação entre pertencimento social e disposições para a ação (e para a escolha) e, reconhecendo as experiências educativas/socializadoras como importante mediação entre ambos, busca esclarecer as condições em que se dão tais experiências e tais associações (PRESTA; ALMEIDA, 2008PRESTA, S.; ALMEIDA, A. M. A. Fronteiras imaginadas: experiências educativas e construção das disposições quanto ao futuro por jovens dos grupos populares e médios. Educação & Sociedade, Campinas, v. 29, n. 103, p. 401-424, 2008. https://doi.org/10.1590/S0101-73302008000200006
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). Dessa forma, vêm à tona novos aspectos que, ao lado dos patrimônios materiais e simbólicos dos grupos familiares, precisam ser considerados para se compreender a construção das estratégias e das aspirações relativas à escolarização dos membros desses grupos. Por exemplo, no estudo de Presta e Almeida (2008)PRESTA, S.; ALMEIDA, A. M. A. Fronteiras imaginadas: experiências educativas e construção das disposições quanto ao futuro por jovens dos grupos populares e médios. Educação & Sociedade, Campinas, v. 29, n. 103, p. 401-424, 2008. https://doi.org/10.1590/S0101-73302008000200006
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— voltado para a investigação da construção, por adolescentes de 13 e 14 anos, de disposições quanto ao futuro em relação à escola e ao trabalho —, as autoras identificam alguns elementos que comporiam o “ajustamento fino entre disposições quanto ao futuro e posição social dos pais” (p. 409). Um dos elementos por elas analisado é o percurso social das famílias (ascendente ou descendente, mais ou menos marcado por instabilidades); outro é a força dos vereditos escolares que, em alguns casos, podem contrariar, positiva ou negativamente, as probabilidades estatísticas relacionadas à origem social.

A respeito desse último ponto, é interessante observar que, se a teoria de Bourdieu joga luz na força causal do que é provável, vários estudos contemporâneos buscam enfrentar o desafio sociológico de dissecar as configurações sociais que possibilitam a concretização do improvável (LAHIRE, 1997LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares: as razões do improvável. São Paulo: Ática, 1997.). Os trabalhos de Viana (2014)VIANA, M. J. B. Em que consiste a excelência escolar nos meios populares? O caso de universitários da UFMG que passaram pelo Programa Bom Aluno de Belo Horizonte. In: PIOTTO, D. C. (Org.). Camadas populares e universidades públicas: trajetórias e experiências escolares. São Carlos: Pedro & João, 2014. p 13-43. e Queirós (2022)QUEIROS, B. T. M. A escolha de um estabelecimento federal de ensino médio e seus significados para jovens e famílias de diferentes meios sociais: um estudo no IFNMG — Campus Janaúba. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/40780. Acesso em 10 out. 2022.
https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/...
, dos quais foram extraídos os trechos de depoimentos transcritos acima, apresentam exemplos nesse sentido. Desse tipo de abordagem emerge a constatação de que as configurações sociais, na paisagem contemporânea, trazem a marca da pluralidade dos contextos socializadores (LAHIRE, 2002LAHIRE, B. Homem plural: os determinantes da ação. Petrópolis: Vozes, 2002.), de modo que a participação em um programa de bolsas estudantis (caso de Gilda, na pesquisa de Maria José Viana) ou em um projeto social (exemplo de Maria, sujeito da investigação desenvolvida por Bruna Queirós) pode constituir-se em uma situação decisiva para que a causalidade do provável seja quebrada e novos horizontes de possibilidades sejam abertos. Identificar esses diferentes contextos e processos de socialização e aquilatar sua influência na conformação dos destinos escolares é tarefa ainda por ser continuada.

Ganha relevo também, nessas abordagens, o novo contexto social no qual a expansão da cobertura escolar em todas as camadas sociais e as políticas de democratização de acesso ao ensino superior fazem sentir seus efeitos. As aspirações dos sujeitos entrevistados por Zago (2000)ZAGO, N. Processos de escolarização nos meios populares — as contradições da obrigatoriedade escolar. In: NOGUEIRA, M. A., ROMANELLI, G., ZAGO, N. (Orgs.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 17-43., por exemplo, já deixavam entrever, duas décadas atrás, alguns efeitos da expansão da obrigatoriedade escolar e do aumento progressivo da exigência de diplomas para a inserção no mercado de trabalho. Assim, se a causalidade do provável ficava patente nos depoimentos reunidos pela pesquisadora, também já se insinuava, em alguns deles, a necessidade de desafiar o improvável, ainda que aos poucos e em movimentos paradoxais, oscilando entre negação e adesão à escola. É lícito indagar, passadas duas décadas e implementadas, desde então, diversas políticas de democratização escolar, até que ponto há mudanças significativas nessa equação.

Tal indagação se reveste de especial interesse no caso do ensino superior brasileiro, considerando as políticas de inclusão levadas a cabo nesse intercurso temporal dos vinte últimos anos. Em que medida, nesse contexto, as chances objetivas dentro do sistema de ensino se tornam maiores para os diferentes grupos sociais? Até que ponto as esperanças subjetivas também estariam se modificando, especialmente no caso dos grupos mais desfavorecidos socialmente? Estaria a autoeliminação se tornando mais rara? Qual o efeito, nesse processo, de fatores como o maior acesso às informações, o fortalecimento dos movimentos sociais, o hibridismo das manifestações culturais?

Se essas questões parecem bastante instigantes e promissoras do ponto de vista da ampliação do campo de conhecimento sociológico, é importante ressalvar que elas não devem ser formuladas sem uma significativa dose de cautela. Afinal, já aprendemos, com Bourdieu, que as distâncias sociais tendem a se manter, ainda que globalmente passem por uma translação; e que a exclusão pode se dar no interior mesmo do sistema de ensino (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1998BOURDIEU, P.; CHAMPAGNE, P. Os excluídos do interior. In: BOURDIEU, P. Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 217-227.). E temos visto, com e para além de Bourdieu, isso se manifestar na forma das desigualdades horizontais cada vez mais evidenciadas, por exemplo, nas pesquisas sobre o ensino superior brasileiro (CARVALHAES; RIBEIRO, 2019CARVALHAES, F.; RIBEIRO, C. A. C. Estratificação horizontal da educação superior no Brasil: desigualdades de classe, gênero e raça em um contexto de expansão educacional. Tempo Social, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 195-233, 2019. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2019.135035
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; RIBEIRO; SCHLEGEL, 2015RIBEIRO, C. A. C.; SCHLEGEL, R. Estratificação horizontal da educação superior no Brasil (1960 a 2010). In: ARRETCHE, M. (Org.). Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Editora da UNESP; CEM, 2015. p. 133-162.).

Considerações Finais

Conforme Corcuff (2017, p. 170)CORCUFF, P. O coletivo ante o desafio do singular: falando sobre habitus. In: VISSER, R.; JUNQUEIRA, L. (Org.). Dossiê Bernard Lahire. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2017. p. 169-200., uma obra não se faz importante apenas “pelo que ela faz enxergar, mas também por suas zonas sombrias e suas insuficiências”, na medida em que os obstáculos podem ser transformados em recursos e os limites podem possibilitar a descoberta de novas pistas investigativas. Nesse sentido, para o autor, as análises críticas que permitem “pensar contra Bourdieu ou à distância dele constituem [...] um tributo prático à sua atividade intelectual, ao mesmo tempo que outra forma de avançar em sua obra” (CORCUFF, 2008CORCUFF, P. Respect critique. In: DORTIER, J. F. (Org.). Pierre Bourdieu: son ouvre, son héritage. Auxerre: Sciences Humaines, 2008. p. 76-86., p. 76, tradução nossa). E a possibilidade de “abrir novos horizontes” a partir das lacunas deixadas pela teoria bourdieusiana “é necessariamente uma homenagem” a Pierre Bourdieu (CORCUFF, 2017CORCUFF, P. O coletivo ante o desafio do singular: falando sobre habitus. In: VISSER, R.; JUNQUEIRA, L. (Org.). Dossiê Bernard Lahire. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2017. p. 169-200., p. 195).

Como professoras e pesquisadoras no campo da Sociologia da Educação, temos vivenciado cotidianamente o quanto a obra de Bourdieu é profícua no sentido de fazer enxergar ou de permitir compreender/explicar diversos processos ligados às desigualdades educacionais e sociais. No período mesmo em que preparávamos este artigo, uma das autoras ministrou uma aula para uma turma de graduação, sobre os conceitos básicos da teoria da reprodução cultural. Ao final, duas estudantes fizeram questão de expressar o quanto o contato com aqueles conceitos fizera sentido para que elas pudessem enxergar/compreender suas trajetórias individuais e suas angústias diante das dificuldades enfrentadas na vida acadêmica (incluindo diversas formas de violência simbólica). Uma delas declarou, visivelmente emocionada: “Essa aula deu nomes para o que eu estou vivendo, mas até agora não entendia”. Talvez esta seja, no âmbito do ensino, a melhor homenagem para o sociólogo que escreveu, como conclusão do livro em que esboçou, ele próprio, sua auto(sócio)análise:

E nada me deixaria mais feliz do que lograr levar alguns dos meus leitores ou leitoras a reconhecer suas experiências, suas dificuldades, suas indagações, seus sofrimentos etc. nos meus e a poder extrair dessa identificação realista [...], meios de fazer e de viver um pouco melhor aquilo que vivem e fazem.

(BOURDIEU, 2005BOURDIEU, P. Esboço de auto-análise. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 135)

No âmbito da produção científica, os conceitos e teses bourdieusianos têm sido instrumentos fundamentais em nossas pesquisas e, de modo geral, no campo da Sociologia da Educação. Concordamos, no entanto, com Corcuff (2008, p. 76) no sentido de que, certamente, a melhor homenagem, nesse âmbito — mais coerente com a perspectiva bourdieusiana e com a reflexividade que lhe é tão cara —, não será um “‘bourdieusismo’ esquemático, sectário e dogmático”, baseado na “imitação estéril”, mas sim um esforço permanente de “abrir novos horizontes” a partir do legado do autor. Este artigo pretendeu oferecer uma modesta contribuição neste sentido, reunindo algumas discussões contemporâneas que se realizam com, contra e para além de duas teses centrais na teoria de Bourdieu: a da transmissão osmótica do capital cultural e a da causalidade do provável. Trata-se de discussões aqui abordadas em caráter ensaístico, que demandam maior aprofundamento, por meio de levantamentos bibliográficos mais sistemáticos, de elaborações teóricas mais robustas e de novas pesquisas empíricas, capazes de apreender, dentre outros aspectos, as práticas concretas das famílias e as influências plurais, sobre o sujeito, de diferentes contextos socializadores.

Notas

  • 1
    Em sua tese de doutorado, Melo examinou um corpus composto de teses e dissertações acadêmicas, artigos científicos e ementas de disciplinas ministradas em programas de pós-graduação no Brasil na área das Ciências Sociais, na década de 1990. A partir de minucioso exame bibliométrico, o autor constatou que Bourdieu constituía a referência mais citada nas teses e dissertações defendidas nas três áreas de conhecimento que compõem as Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política). Mais recentemente, Davies e Rizk (2018)DAVIES S.; RIZK, D. The three generations of cultural capital research: a narrative review. Review of Educational Research, State College, v. 88, n. 3, p. 331-365, 2018. https://doi.org/10.3102/0034654317748423
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    assinalaram que Bourdieu figura na lista dos 10 autores mais citados em periódicos da área educacional na América do Norte.
  • 2
    Seu pai era trabalhava como carteiro no serviço público dos correios e telégrafos da época.
  • 3
    Essa experiência se inicia já na adolescência, quando o jovem Bourdieu deixa seu universo natal e é recebido como aluno bolsista do ensino médio em um dos mais prestigiosos liceus de Paris (Liceu Louis-le-Grand) e, posteriormente, em uma das mais seletivas e célebres instituições de ensino superior da França, a École Normale Supérieure de Paris, onde ele teria como pares jovens provenientes sobretudo das elites culturais francesas.
  • 4
    Philippe Corcuff, em sua exegese, afirma que a origem da noção de violência simbólica deve ser buscada na obra de La Boétie que, no século XVI, falava em uma “servidão voluntária” (CORCUFF, 2003CORCUFF, P. Bourdieu autrement — fragilités d’un sociologue de combat. Paris: Textuel, 2003., p. 26) a qual, por não se basear no uso da força, torna-se legítima aos olhos dos dominados. Mas, em Bourdieu, segundo ele, a noção teria sofrido uma extensão de modo a englobar o voluntário (o reconhecimento e a adesão, por todos, à ordem dominante) e o involuntário (o desconhecimento da natureza arbitrária dessa ordem).
  • 5
    Na verdade, sua obra não deve ser tida como fechada e acabada, posto que ele faleceu em plena vida produtiva. Seria igualmente incorreto afirmar que o conjunto da obra esteja isento de “incoerências ou insuficiências” como demonstra Corcuff (2003)CORCUFF, P. Bourdieu autrement — fragilités d’un sociologue de combat. Paris: Textuel, 2003.. Também Lahire (1999)LAHIRE, B. Le travail sociologique de Pierre Bourdieu: dettes et critiques. Paris: La Découverte, 1999. se dedicou a uma leitura crítica da obra de Bourdieu. Mas ambos os autores encaram suas críticas como uma forma de homenagear o legado bourdieusiano, que irriga o pensamento de um e de outro.
  • 6
    O que significa, em contrapartida, que, para as classes populares, só resta a aprendizagem metódica por meio da escola.
  • 7
    Como se sabe, as primeiras obras de Bourdieu sobre o mundo social da educação foram escritas em coautoria com Jean-Claude Passeron (BOURDIEU; PASSERON, 1964BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. Les héritiers. Paris: Minuit, 1964.; 1970BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. La reproduction. Paris: Minuit, 1970.).
  • 8
  • 9
    No original: pour argent comptant.
  • 10
    A primeira edição do original francês data de 1993.

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Editora de Seção: Ivany Pino

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2022
  • Aceito
    17 Out 2022
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