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A INTERIORIZAÇÃO DA PERFORMATIVIDADE PELAS CRIANÇAS: LÓGICAS DE FABRICAÇÃO DO BOM ALUNO NO ENSINO PRIMÁRIO

THE INTERNALIZATION OF PERFORMATIVITY BY CHILDREN: LOGICS OF FABRICATION OF THE GOOD PUPIL AT PRIMARY SCHOOL

LA INTERIORIZACIÓN DE LA PERFORMATIVIDAD POR PARTE DE LOS NIÑOS: LÓGICAS DE FABRICACIÓN DEL BUEN ALUMNO EN ESCUELA PRIMARIA

RESUMO

O desempenho académico dos alunos tornou-se uma preocupação central, no quadro da alteração dos modos de regulação dos sistemas educativos. Em que medida a ideologia da performatividade estará a ser interiorizada pelas crianças do ensino primário português? A análise de entrevistas a alunos do 3º ano de três escolas distintas sobre o que é um bom aluno aponta para três lógicas: i) a das aptidões naturais para a aprendizagem, ii) a do trabalho escolar tradicional e iii) a do trabalho escolar competitivo. As duas primeiras evidenciam a permanência do modelo de escola típico da primeira modernidade; a lógica escolar competitiva aponta para a reconfiguração precoce do ofício de aluno no quadro de um mandato educativo ancorado nos valores da performance e individualização.

Palavras-chave:
Ofício de aluno; Trabalho escolar; Aluno do ensino primário; Modelos de escola; Excelência académica

ABSTRACT

The academic performance of students has become a central concern, in the context of the change in the regulation of educational systems. To what extent is the ideology of performativity being internalized by Portuguese primary school children? The analysis of interviews with 3rd year students from three schools, about what defines a good student, points to three logics: i) that of natural aptitudes for learning, ii) that of traditional school work and iii) that of competitive school work. The first two evidence the permanence of the school model typical of the first modernity; the competitive school logic points to the early reconfiguration of the pupil metier within the framework of an educational mandate anchored in the values of performance and individualization.

Keywords:
Pupil metier; School work; Primary school pupil; Schooling models; Academic excelence

RESUMEN

El rendimiento académico de los estudiantes se ha convertido en una preocupación central, en el contexto del cambio en la regulación de los sistemas educativos. ¿Hasta qué punto la ideología de la performatividad está siendo interiorizada por los niños de primaria en Portugal? El análisis de entrevistas a estudiantes de 3° año de tres escuelas diferentes, sobre lo que es un buen estudiante, apunta a tres lógicas: i) las aptitudes ‘naturales’ para aprender, ii) el trabajo escolar tradicional y iii) el trabajo escolar competitivo. Los dos primeros evidencian la permanencia del modelo escolar propio de la primera modernidad; la lógica de la escuela competitiva apunta a la reconfiguración temprana de la profesión del estudiante en el marco de un mandato educativo anclado en los valores del desempeño y la individualización.

Palabras-clave:
Ofício de alumno; Trabajo escolar; Alumno de la escuela primária; Modelos de escolarización; Excelencia académica

Introdução

O desempenho e a excelência académica dos alunos tornaram-se preocupações centrais, no quadro da profunda alteração dos modos de regulação dos sistemas educativos, em curso nas últimas décadas, que tem vindo a transformar os Estados em avaliadores (AFONSO, 20142 AFONSO, A. J. Questões, objetos e perspetivas em avaliação. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, Campinas, v. 19, n. 2, p. 487-507, 2014. https://doi.org/10.1590/S1414-40772014000200013
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; BALL, 20004 BALL, S. J. Performativities and fabrications in the education economy: towards the performative society? Australian Educational Researcher, Melbourne, v. 7, n. 2, p. 1-23, 2000. https://doi.org/10.1007/BF03219719
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; EUROPEAN COMISSION/EACEA/EURYDICE, 201515 EUROPEAN COMISSION/EACEA/EURYDICE. Assuring quality in education: Policies and approaches to school evaluation in Europe. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2015.; MAROY, 200823 MAROY, C. Vers une régulation post-bureaucratique des systèmes d’enseignement? Sociologie et Sociétés, Montréal, v. 40, n. 1, p. 31-55, 2008. https://doi.org/10.7202/019471ar
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; MAROY; VOISIN, 201324 MAROY, C.; VOISIN, A. As transformações recentes das políticas de accountability na educação: desafios e incidências das ferramentas de ação pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 881-901, 2013. https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300012
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). Alimentada pela parentocracia protagonizada pelas classes médias e alta (BALL, 20045 BALL, S. J. Performatividade, privatização e o pós-estado do bem-estar. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, 2004. https://doi.org/10.1590/S0101-73302004000400002
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; BROWN, 19908 BROWN, P. The “Third wave”: education and the ideology of parentocracy. British Journal of Sociology of Education, Londres, v. 11, n. 1, p. 65-85, 1990.; VAN ZANTEN, 200541 VAN ZANTEN, A. New modes of reproducing social inequality in education: the changing role of parents, teachers, schools and educational policies. European Educational Research Journal, United Kingdom, v. 4, n. 3, p. 155-169, 2005. https://doi.org/10.2304/eerj.2005.4.3.1
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; 200742 VAN ZANTEN, A. Reflexividad y elección de la escuela por los padres de la clase media en Francia. Revista de Antropologia Social, Madri, n. 16, p. 245-278, 2007.), essa agenda estará a contribuir para uma radicalização do mandato meritocrático da escola (AFONSO, 20131 AFONSO, A. J. Estratégias e percursos educacionais: das explicações às novas vantagens competitivas da classe média. In: COSTA, J. A.; NETO-MENDES, A.; VENTURA, A. (Orgs.). Xplika Internacional: Panorâmica sobre o mercado das explicações. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2013. p. 167-188.; MAGALHÃES; STOER, 2002), acentuando a função seletiva dessa instituição e colocando a tónica na responsabilidade individual pelo sucesso ou insucesso de cada um (BROWN; DURU-BELLAT; VAN ZANTEN, 20109 BROWN, P.; DURU-BELLAT, M.; VAN ZANTEN, A. La méritocratie scolaire. Un modèle de justice à l’épreuve du marché. Sociologie, Paris, v. 1, n. 1, p. 161-175, 2010.). A imposição dessa lógica performativa e os seus efeitos na escola em Portugal tem vindo a ser estudada nos níveis de ensino mais avançados, nomeadamente no ensino secundário (ANTUNES; SÁ, 20103 ANTUNES, F.; SÁ, V. Públicos Escolares e Regulação da Educação. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão, 2010.; QUARESMA, 201730 QUARESMA, M. L.; TORRES, L. L. Performatividade e distinções escolares no contexto da escola pública: tendências internacionais e especificidades do contexto português. Análise Social, v. 52, n. 224, p. 560-582, 2017.; TORRES; PALHARES, 201435 TORRES, L. L.; PALHARES, J. A. (Orgs.). Entre mais e melhor escola em democracia. Lisboa: Mundos Sociais, 2014., por exemplo), sendo, no entanto, escassa a investigação que procura conhecer o seu impacto no início do percurso escolar.

Neste texto apresentam-se resultados parcelares de um projeto de investigação, intitulado De Pequenino se Torce o Menino: a Fabricação do Sucesso Escolar nos Primeiros Anos de Escolaridade, desenvolvido com o objetivo de analisar os processos de fabricação do sucesso escolar no ensino primário1 1 Correspondente em Portugal ao “1º ciclo do ensino básico” e no Brasil ao “ensino fundamental”. (LAHIRE, 200021 LAHIRE, B. Culture écrite et inégalités scolaires. Sociologie de l’échec scolaire à l’école primaire. Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 2000.; PERRENOUD, 198428 PERRENOUD, P. La fabrication de l’excellence scolaire: du curriculum aux pratiques d’évaluation. Genève: Droz, 1984.), no quadro dessa agenda educativa performativa.

Tendo como ponto de partida a reintrodução dos exames no 4º ano de escolaridade em Portugal, que vigorou entre 2012/2015, este projeto começou por perscrutar discursos de professores, pais e crianças, mediatizados pela blogosfera (MELO; DIOGO; FERREIRA, 201626 MELO, B. P.; DIOGO, A. M.; FERREIRA, M. O regresso dos exames do 4º ano: escola, crianças e dinâmicas familiares na blogosfera. Sociologia, Problemas e Práticas, Lisboa, v. 81, p. 141-161, 2016.) e pela TV (FERREIRA; DIOGO; MELO, 201816 FERREIRA, M.; DIOGO, A. M.; MELO, B. P. Performance escolar: os exames do 4.º ano na TV. Análise Social, Lisboa, v. 227, n. 53, p. 280-307, 2018. https://doi.org/10.31447/AS00032573.2018227.02
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), procurando perceber como esses atores se posicionaram com relação aos exames e quais os reflexos dos exames nas práticas escolares e parentais (DIOGO; MELO; FERREIRA, 201811 DIOGO, A. M.; MELO, B. P.; FERREIRA, M. Exames e lógicas de fabricação de bons alunos nas classes médias. Cadernos de Pesquisa, v. 48, n. 169, p.748-775, 2018.). Os resultados dessa pesquisa exploratória apontaram para uma intensificação da mobilização de professores, pais e crianças em torno do trabalho escolar, a par de atitudes de suavização afetiva enquanto trabalho de preparação emocional das crianças para a performance.

Fazendo-se acompanhar de uma retórica que enaltece a excelência académica, a reintrodução de exames no ensino primário, não obstante a sua abolição em 2015, veio alertar para a possibilidade de os primeiros anos de escolarização, em Portugal, estarem a ser contaminados pela pressão para a competição e performatividade, à semelhança do que sucede em níveis de escolaridade mais avançados.

A pesquisa foi aprofundada, a partir de três estudos de caso realizados em três escolas de regiões distintas de Portugal (2016–2019), com o intuito de investigar se a pressão para a produção de resultados escolares estará a refletir-se na escola primária, contribuindo para alterar não só as suas dinâmicas, nomeadamente a forma como professores, pais e crianças se organizam em torno do trabalho escolar, como também o próprio mandato e modelo deste nível de ensino, tradicionalmente assente nas funções de integração social, característica da forma escolar das sociedades industriais da primeira modernidade (DUBET; MARTUCCELLI, 199612 DUBET, F. MARTUCCELLI, D. A l’école. Sociologie de l’expérience scolaire. Paris: Éditions du Seuil, 1996.).

Com a preocupação de indagar em que medida a ideologia da performatividade estará a ser interiorizada pelas crianças do ensino primário, no presente texto apresentam-se resultados da análise multivariada do sistema de categorias que emergiu da análise de conteúdo das entrevistas aos 61 alunos dos três contextos escolares, na qual se procurou perceber que lógicas estruturam os discursos das crianças quando se pronunciam acerca do que define um bom aluno.

Agenda educativa performativa, regulação pelos resultados e mandato neomeritocrático

A preocupação com a qualidade e a excelência na escola adquiriu um lugar central na agenda educativa, no quadro da profunda transformação dos modos de regulação dos sistemas educativos em curso nas últimas décadas, a partir da difusão dos princípios da nova gestão pública, com o objetivo de melhorar a eficiência e a eficácia da educação (VERGER; NORMAND, 201539 VERGER, A.; NORMAND, R. Nueva gestión pública y educación: elementos teóricos y conceptuales para el estudio de un modelo de reforma educativa global. Educação & Sociedade, Campinas, v. 36, n. 132, p. 599-622, 2015. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302015152799
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), tal como tem sido reconhecido por uma vasta literatura (cf. AFONSO, 20142 AFONSO, A. J. Questões, objetos e perspetivas em avaliação. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, Campinas, v. 19, n. 2, p. 487-507, 2014. https://doi.org/10.1590/S1414-40772014000200013
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; ANTUNES; SÁ, 2010; BALL, 20004 BALL, S. J. Performativities and fabrications in the education economy: towards the performative society? Australian Educational Researcher, Melbourne, v. 7, n. 2, p. 1-23, 2000. https://doi.org/10.1007/BF03219719
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; EUROPEAN COMISSION/EACEA/EURYDICE, 201515 EUROPEAN COMISSION/EACEA/EURYDICE. Assuring quality in education: Policies and approaches to school evaluation in Europe. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2015.; MAGALHÃES; STOER, 200222 MAGALHÃES, A.; STOER, S. R. A nova classe média e a reconfiguração do mandato endereçado ao sistema educativo. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 18, p. 25-40, 2002.; MAROY; VOISIN, 201324 MAROY, C.; VOISIN, A. As transformações recentes das políticas de accountability na educação: desafios e incidências das ferramentas de ação pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 881-901, 2013. https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300012
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; QUARESMA;TORRES, 201731 QUARESMA, M. L. Excelência académica em liceus públicos emblemáticos do Chile: perspectivas à luz do olhar de diretores e professores. In: TORRES, L. L.; PALHARES, J. A. (Orgs.). A excelência académica na escola pública portuguesa. Vila Nova Gaia: Fundação Manuel Leão, 2017. p. 51-72.; TORRES; PALHARES; AFONSO, 201837 TORRES, L. L; PALHARES, J. A.; AFONSO, A. J. Marketing accountability e excelência na escola pública portuguesa: a construção da imagem social da escola através da performatividade académica. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 26, n. 134, 2018. https://doi.org/10.14507/epaa.26.3716
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).

Iniciadas na década de 1980, nos EUA e na Inglaterra, essas reformas têm-se desenvolvido e generalizado num contexto globalizado de competição económica em que os Estados procuram aumentar o desempenho dos sistemas educativos e a qualidade do capital humano (MAROY; VOISIN, 201324 MAROY, C.; VOISIN, A. As transformações recentes das políticas de accountability na educação: desafios e incidências das ferramentas de ação pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 881-901, 2013. https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300012
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; RIBEIRO; GOUVEIA, 201733 RIBEIRO, Á.; GOUVEIA, A. Agendas políticas e tendências globais da excelência escolar. In: TORRES, L. L.; PALHARES, J. A. (Orgs.). A excelência académica na escola pública portuguesa. Vila Nova Gaia: Fundação Manuel Leão, 2017. p. 73-86.). Assumem uma diversidade de formatos, uns mais próximos do modelo “duro” das políticas de accountability assentes em quase-mercados dos países anglo-saxônicos, outros pendendo mais para os modelos “suaves” ou “reflexivos” das políticas de monitorização presentes em diversos países do continente europeu (MAROY; VOISIN, 201324 MAROY, C.; VOISIN, A. As transformações recentes das políticas de accountability na educação: desafios e incidências das ferramentas de ação pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 881-901, 2013. https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300012
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, p. 885). Contudo, essas novas formas de regulação têm em comum as suas lógicas pós-burocráticas, na medida em que são baseadas nos resultados e não na verificação do cumprimento das regras e dos procedimentos (MAROY, 200823 MAROY, C. Vers une régulation post-bureaucratique des systèmes d’enseignement? Sociologie et Sociétés, Montréal, v. 40, n. 1, p. 31-55, 2008. https://doi.org/10.7202/019471ar
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). Nesse sentido, apostam no reforço do controlo sobre os produtores (escolas e agentes) e os produtos (as aquisições dos alunos) dos sistemas escolares a partir de uma multiplicidade de instrumentos de avaliação, transformando os Estados em avaliadores (MAROY, 200823 MAROY, C. Vers une régulation post-bureaucratique des systèmes d’enseignement? Sociologie et Sociétés, Montréal, v. 40, n. 1, p. 31-55, 2008. https://doi.org/10.7202/019471ar
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; MAROY; VOISIN, 201324 MAROY, C.; VOISIN, A. As transformações recentes das políticas de accountability na educação: desafios e incidências das ferramentas de ação pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 881-901, 2013. https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300012
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).

No caso de Portugal, mais próximo do modelo reflexivo de accountability (MAROY; VOISIN, 201324 MAROY, C.; VOISIN, A. As transformações recentes das políticas de accountability na educação: desafios e incidências das ferramentas de ação pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 881-901, 2013. https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300012
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), não obstante o seu hibridismo (TORRES; PALHARES; AFONSO, 201837 TORRES, L. L; PALHARES, J. A.; AFONSO, A. J. Marketing accountability e excelência na escola pública portuguesa: a construção da imagem social da escola através da performatividade académica. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 26, n. 134, 2018. https://doi.org/10.14507/epaa.26.3716
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), a regulação pelos resultados tem originado uma heterogeneidade de dispositivos — como os exames nacionais e as provas estandardizadas; a avaliação externa das escolas; os quadros de honra; a avaliação de desempenho docente; a participação em estudos de avaliação comparada internacional como o Programme for International Student Assessment (PISA) — e tem implicado todos os níveis de escolaridade (embora pouco se conheça sobre o seu impacto nos primeiros anos).

Importa não esquecer, além disso, que essa agenda é alimentada pela parentocracia protagonizada pelas classes médias e altas (BALL, 20045 BALL, S. J. Performatividade, privatização e o pós-estado do bem-estar. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, 2004. https://doi.org/10.1590/S0101-73302004000400002
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; BROWN, 19908 BROWN, P. The “Third wave”: education and the ideology of parentocracy. British Journal of Sociology of Education, Londres, v. 11, n. 1, p. 65-85, 1990.; VAN ZANTEN, 200541 VAN ZANTEN, A. New modes of reproducing social inequality in education: the changing role of parents, teachers, schools and educational policies. European Educational Research Journal, United Kingdom, v. 4, n. 3, p. 155-169, 2005. https://doi.org/10.2304/eerj.2005.4.3.1
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; 2007). O investimento escolar e as estratégias que os pais desses grupos sociais desenvolvem, decorrentes da sua ansiedade em relação aos percursos dos filhos em cenários de crescente incerteza e competição, têm contribuído para redefinir o mandato da educação, no sentido de uma neomeritocracia (MAGALHÃES; STOER, 200222 MAGALHÃES, A.; STOER, S. R. A nova classe média e a reconfiguração do mandato endereçado ao sistema educativo. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 18, p. 25-40, 2002.) ou, mais recentemente, de uma “radicalização do mandato neomeritocrático” (AFONSO, 20131 AFONSO, A. J. Estratégias e percursos educacionais: das explicações às novas vantagens competitivas da classe média. In: COSTA, J. A.; NETO-MENDES, A.; VENTURA, A. (Orgs.). Xplika Internacional: Panorâmica sobre o mercado das explicações. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2013. p. 167-188., p. 177).

Embora a ideia de mérito tenha estado no centro das sociedades democráticas e liberais, a nova missão colocada à escola nas últimas décadas inscreve-se numa lógica meritocrática exacerbada, ou seja, numa performocracia (BROWN; DURU-BELLAT; VAN ZANTEN, 20109 BROWN, P.; DURU-BELLAT, M.; VAN ZANTEN, A. La méritocratie scolaire. Un modèle de justice à l’épreuve du marché. Sociologie, Paris, v. 1, n. 1, p. 161-175, 2010.). Enquanto uma sociedade meritocrática tem como princípio fundamental dar oportunidades a todos, mesmo que estas sejam desigualmente aproveitadas, numa sociedade performativa o que importa, principalmente, são os resultados alcançados, ou seja, o objetivo é ganhar. As condições do sucesso ficam em segundo plano e a ênfase é colocada na melhoria dos resultados e na hierarquização destes em termos de vencedores (uma minoria) e de vencidos (a maioria) (BROWN et al., 20109 BROWN, P.; DURU-BELLAT, M.; VAN ZANTEN, A. La méritocratie scolaire. Un modèle de justice à l’épreuve du marché. Sociologie, Paris, v. 1, n. 1, p. 161-175, 2010.).

O impacto da performatividade no ensino primário: reconfiguração do ofício de aluno e do mandato educativo

A crescente retórica do mérito exacerba a função seletiva da escola, colocando a tónica na responsabilidade individual pelo sucesso ou insucesso de cada um (DURU-BELLAT, 200914 DURU-BELLAT, M. Le mérite contre la justice. Paris: Presses de Sciences Po, 2009. https://doi.org/10.4000/lectures.784
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). Com efeito, a performatividade não é apenas uma tecnologia e um modo de regulação dos sistemas educativos, imposta exteriormente aos agentes educativos, é também uma cultura incorporada pelos próprios agentes nas suas subjetividades e práticas (BALL, 20034 BALL, S. J. Performativities and fabrications in the education economy: towards the performative society? Australian Educational Researcher, Melbourne, v. 7, n. 2, p. 1-23, 2000. https://doi.org/10.1007/BF03219719
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). Assim, uma das questões que se coloca é a de saber qual o impacto da pressão para a performatividade nos processos educativos ao nível microssociológico, no trabalho escolar e nos diversos atores escolares.

O impacto da performatividade nos agentes educativos, sobretudo nos professores, tem sido especialmente analisada pela sociologia da educação em países anglosaxónicos com políticas “duras” de accountability (MAROY; VOISIN, 201324 MAROY, C.; VOISIN, A. As transformações recentes das políticas de accountability na educação: desafios e incidências das ferramentas de ação pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 881-901, 2013. https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300012
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, p. 885), na esteira de Ball (2003)5 BALL, S. J. Performatividade, privatização e o pós-estado do bem-estar. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, 2004. https://doi.org/10.1590/S0101-73302004000400002
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. Em Portugal, a pressão para a produção de resultados e para a excelência tem vindo também a ser alvo de estudo, nomeadamente a partir de questões como os exames, os rankings de escolas, os quadros de honra ou as explicações, em níveis de escolaridade mais avançados, sobretudo no ensino secundário (ANTUNES; SÁ, 20103 ANTUNES, F.; SÁ, V. Públicos Escolares e Regulação da Educação. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão, 2010.; MATOS, 200825 MATOS, M. Jovens, alunos, ensino secundário – um mundo crescente de contradições. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, v. 27, p. 15-26, 2008.; TORRES; PALHARES, 201435 TORRES, L. L.; PALHARES, J. A. (Orgs.). Entre mais e melhor escola em democracia. Lisboa: Mundos Sociais, 2014.; TORRES; PALHARES; AFONSO, 201837 TORRES, L. L; PALHARES, J. A.; AFONSO, A. J. Marketing accountability e excelência na escola pública portuguesa: a construção da imagem social da escola através da performatividade académica. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 26, n. 134, 2018. https://doi.org/10.14507/epaa.26.3716
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; QUARESMA, 201730 QUARESMA, M. L.; TORRES, L. L. Performatividade e distinções escolares no contexto da escola pública: tendências internacionais e especificidades do contexto português. Análise Social, v. 52, n. 224, p. 560-582, 2017.). Segundo esses estudos, a norma de excelência que predomina na cultura escolar privilegia a componente cognitiva, em detrimento de outras dimensões, como o mérito social, comportamental e atitudinal (ANTUNES; SÁ, 20103 ANTUNES, F.; SÁ, V. Públicos Escolares e Regulação da Educação. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão, 2010.; QUARESMA; TORRES, 201730 QUARESMA, M. L.; TORRES, L. L. Performatividade e distinções escolares no contexto da escola pública: tendências internacionais e especificidades do contexto português. Análise Social, v. 52, n. 224, p. 560-582, 2017., QUARESMA, 201731 QUARESMA, M. L. Excelência académica em liceus públicos emblemáticos do Chile: perspectivas à luz do olhar de diretores e professores. In: TORRES, L. L.; PALHARES, J. A. (Orgs.). A excelência académica na escola pública portuguesa. Vila Nova Gaia: Fundação Manuel Leão, 2017. p. 51-72.; TORRES; PALHARES, 201736 TORRES, L. L.; PALHARES, J. A. (Orgs.). A excelência académica na escola pública portuguesa. Vila Nova Gaia: Fundação Manuel Leão, 2017.; TORRES; PALHARES; BORGES, 201738 TORRES, L. L.; PALHARES, J. A.; BORGES, J. A excelência académica na escola pública portuguesa: tendências e especificidades. In: TORRES, L. L.; PALHARES, J. A. (Orgs.). A excelência académica na escola pública portuguesa. Vila Nova Gaia: Fundação Manuel Leão, 2017. p. 87-106.).

Apesar da ausência de investigação sociológica sobre essa questão na escola primária em Portugal, algumas pesquisas realizadas noutros países, com sistemas educativos enquadrados em modelos mais rígidos de accountability, evidenciam a penetração da lógica performativa nos primeiros anos de escolaridade (BRADBURY, 20136 BRADBURY, A. Education policy and the ‘ideal learner’: Producing recognisable learner-subjects through early years assessment. British Journal of Sociology of Education, Londres, v. 34, n. 1, p. 1-19, 2013. https://doi.org/10.1080/01425692.2012.692049
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; 2019; HALL; PULSFORD, 201919 HALL, R.; PULSFORD, M. Neoliberalism and primary education: Impacts of neoliberal policy on the lived experiences of primary school communities. Power and Education, Londres, v. 11, n. 3, p. 241-251, 2019. https://doi.org/10.1177/1757743819877344
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; KEDDIE, 201620 KEDDIE, A. Children of the market: performativity, neoliberal responsibilisation and the construction of student identities. Oxford Review of Education, Oxford, v. 42, n. 1, p. 108-122, 2016. https://doi.org/10.1080/03054985.2016.1142865
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; MOSS et al., 201627 MOSS, P., et al. The organisation for economic co-operation and development’s international early learning study: opening for debate and contestation. Contemporary Issues in Early Childhood, United Kingdom, v. 17, n. 3, p. 343-351, 2016. https://doi.org/10.1177/1463949116661126
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). Essas pesquisas têm revelado o impacto da ideologia da performatividade nas crianças e nas suas subjetividades e, designadamente, como as crianças se comportam como alunos fortemente mobilizados para obter um alto desempenho na escola e na sua vida futura, na esteira dos valores do neoliberalismo, isto é, como “filhas do mercado” (KEDDIE, 201620 KEDDIE, A. Children of the market: performativity, neoliberal responsibilisation and the construction of student identities. Oxford Review of Education, Oxford, v. 42, n. 1, p. 108-122, 2016. https://doi.org/10.1080/03054985.2016.1142865
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, p. 109). Novos valores como o culto da performance, a reflexividade, a responsabilidade, a autonomia, o empreendedorismo, a flexibilidade e a assertividade, bem como a capacidade de autorregulação, autotransformação e autopromoção parecem estar a ser incorporados pelos alunos (BRADBURY, 20136 BRADBURY, A. Education policy and the ‘ideal learner’: Producing recognisable learner-subjects through early years assessment. British Journal of Sociology of Education, Londres, v. 34, n. 1, p. 1-19, 2013. https://doi.org/10.1080/01425692.2012.692049
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; 20197 BRADBURY, A. Making little neo-liberals: The production of ideal child/learner subjectivities in primary school through choice, self-improvement and ‘growthmindsets’. Power and Education, Londres, v. 11, n. 3, p. 309-326, 2019. https://doi.org/10.1177/1757743818816336
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). Simultaneamente, tem sido possível perceber que a responsabilização individual incorporada pelas crianças apresenta outra face: a experiência desse tipo de aluno tende a ser acompanhada por ansiedade e dúvida sobre si próprio, podendo devolver uma imagem de fracasso aos que não atingem os elevados níveis de desempenho, com repercussões na própria identidade pessoal (KEDDIE, 201620 KEDDIE, A. Children of the market: performativity, neoliberal responsibilisation and the construction of student identities. Oxford Review of Education, Oxford, v. 42, n. 1, p. 108-122, 2016. https://doi.org/10.1080/03054985.2016.1142865
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).

Em causa está a naturalização de um conjunto de valores e a incorporação de disposições pelos alunos que parecem implicar uma reconfiguração do ofício de aluno (PERRENOUD, 199529 PERRENOUD, P. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora, 1995.; SARMENTO, 201134 SARMENTO, M. J. A reinvenção do ofício de criança e de aluno. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 3, p. 581-602, 2011.) e do modelo de escola herdados das sociedades industriais da primeira modernidade, assentes predominantemente na função de integração social (DUBET; MARTUCCELLI, 199612 DUBET, F. MARTUCCELLI, D. A l’école. Sociologie de l’expérience scolaire. Paris: Éditions du Seuil, 1996.).

A imposição da forma escolar, através da criação dos sistemas educativos modernos, no final do século XVIII, e de uma frequência escolar generalizada desde o século XIX, representou uma revolução no modo de socialização das crianças (QUEIROZ, 199532 QUEIROZ, J.-M. L’école et ses sociologies. Paris: Nathan, 1995.; VINCENT; LAHIRE; THIN, 1994). Baseada na escrita e na relação pedagógica, essa nova forma de relação social desenvolveu-se em estreita articulação com uma nova forma de regulação social, garantida pelo Estado e suas leis, assente na existência de instituições com regras impessoais e um funcionamento racional e burocrático (QUEIROZ, 199532 QUEIROZ, J.-M. L’école et ses sociologies. Paris: Nathan, 1995.). O modelo de escola que emerge da modernidade tem por função moldar todas as crianças, independentemente das suas diferenças individuais, criando um novo ofício, o ofício de aluno, que implica não só a apropriação de saberes, mas também a aprendizagem de relações de poder (VINCENT; LAHIRE; THIN, 199440 VINCENT, G.; BERNARD, B.; THIN, D. Sur l’histoire et la théorie de la forme scolaire. In: VINCENT, G. (Org.). L’Éducation prisonnière de la forme scolaire? Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1994. p. 11-47.). Como refere Sarmento (2011, p. 11)34 SARMENTO, M. J. A reinvenção do ofício de criança e de aluno. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 3, p. 581-602, 2011., esse ofício consiste em “tomar a forma (no sentido de se deixar formatar), adquirir a cultura escolar”, o que significa antes de mais “ajustar-se à disciplina do corpo e da mente induzida pelas regras e pela hierarquia dos estabelecimentos de ensino”.

Ora, esse modelo de aluno equivalente ao “oficiante-operário” (numa analogia entre a escola e a fábrica) (SARMENTO, 201134 SARMENTO, M. J. A reinvenção do ofício de criança e de aluno. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 3, p. 581-602, 2011., p. 590), inscrito num modelo de escola cuja principal missão era a formação do indivíduo-cidadão em si, parece já não corresponder ao mandato da escola atual, muito mais centrado na função de dotar as novas gerações de competências flexíveis para enfrentar um mercado de trabalho competitivo e um futuro incerto (MAGALHÃES; STOER, 200222 MAGALHÃES, A.; STOER, S. R. A nova classe média e a reconfiguração do mandato endereçado ao sistema educativo. Educação, Sociedade & Culturas, Porto, n. 18, p. 25-40, 2002.).

Para Dubet (2010)13 DUBET, F. Déclin de l’institution et/ou néolibéralisme? Education et sociétés, v. 25, n. 1, p. 17-34, 2010. https://doi.org/10.3917/es.025.0017
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, estão em causa mutações profundas na escola que não podem ser exclusivamente imputadas às políticas neoliberais, nem se cingem aos sistemas educativos que levaram mais longe o mercado escolar, acarretando a alteração do modo de regulação social dominante da modernidade, ou seja, o declínio do modo institucional. O enfraquecimento dos pilares fundamentais da modernidade tem vindo a dar lugar ao individualismo institucionalizado, potenciando um novo ofício de aluno ancorado nos valores do mérito, da competitividade e da autonomia (SARMENTO, 201134 SARMENTO, M. J. A reinvenção do ofício de criança e de aluno. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 3, p. 581-602, 2011.). O ofício de aluno implicará, agora, que a criança realize um trabalho sobre si própria, não apenas em torno das suas capacidades cognitivas, mas também de diversas atitudes e disposições no sentido de desenvolver, compulsivamente, uma criança-aluno competente e autónoma, pois é “no indivíduo — no mérito individual e na sua performatividade — que se consuma o sucesso” (SARMENTO, 201134 SARMENTO, M. J. A reinvenção do ofício de criança e de aluno. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 3, p. 581-602, 2011., p. 592).

No sentido de testar essa hipótese de que ideologia da performatividade estará a penetrar no ensino primário e a ser interiorizada pelos alunos, reconfigurando o ofício de aluno, analisaremos discursos de crianças do 3º ano de escolaridade acerca das condições para se ser um bom aluno.

Trata-se de uma hipótese que ganha força tendo em consideração as alterações organizacionais e pedagógicas ocorridas no ensino primário, nas últimas décadas em Portugal, tornando-o um “ciclo intermédio da educação básica”, muito mais próximo dos restantes ciclos (FORMOSINHO; MACHADO, 201817 FORMOSINHO, J.; MACHADO, J. Do Ensino primário à educação básica: A progressiva extensão da lógica uniformizadora (1997-2018). Medi@ções, Setúbal, v. 6, n. 1, p. 5-29, 2018., p. 9). A tendencial uniformização das práticas organizacionais e pedagógicas da escola primária, através da sua integração em mega-estruturas burocráticas2 2 No sistema educativo português, as escolas encontram-se organizadas em agrupamento de escolas. e do aprofundamento da lógica disciplinar e da compartimentação curricular, sugerem uma profissionalização precoce do ofício de aluno de forma a garantir a adaptação das crianças a um sistema performativo.

Análise dos discursos das crianças: opções metodológicas de uma pesquisa baseada em três estudos de caso

Os resultados apresentados baseiam-se numa pesquisa empírica mais vasta, assente em três estudos de caso, que implicou o acompanhamento de três turmas de escolas públicas, durante três anos letivos, desde que se encontravam no início do 2º ano até ao final do 4º ano (entre 2016/17 e 2018/19), por meio da observação regular de aulas e de entrevistas às professoras, às crianças e aos pais.3 3 Os estudos de caso foram conduzidos de acordo com os cuidados éticos exigidos pela comunidade científica, tendo-se obtido consentimentos informados juntos de todos os participantes. Para assegurar o anonimato, as escolas e as turmas são designadas com nomes fictícios.

Procurou-se, assim, analisar os processos em causa através da observação de três contextos com características diferenciadas. Para além de se situarem em três regiões diferentes do país (Região Centro, Área Metropolitana de Lisboa e Região Autónoma dos Açores), as turmas diferenciam-se em inserção territorial urbana, dimensão da escola, número de alunos da turma e, especialmente, composição social: marcadamente desfavorecida no caso da turma da escola da Colina, maioritariamente favorecida na turma da escola da Várzea e heterogénea na turma da escola da Urze. Em comum, destaca-se o facto de as professoras terem uma experiência profissional equivalente, em termos de duração da sua carreira: cerca de 20 anos (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização do contexto socioescolar das turmas

No presente texto analisam-se dados recolhidos através de entrevistas semi-diretivas a um total de 61 crianças,4 4 Este número corresponde à quase totalidade das crianças das três turmas. Um pequeno número de crianças manifestaram não desejar participar nas entrevistas. dos três estudos de caso, inquiridas em pequenos grupos (duas ou três crianças), em fevereiro de 2018.5 5 As entrevistas tiveram uma duração que oscilou entre 15 e 35 minutos e foram realizadas na escola. As características das crianças entrevistadas, por turma, variam consideravelmente, como revela a Tabela 2. As duas primeiras turmas apresentam uma proporção quase equitativa de ambos os géneros, embora as raparigas estejam ligeiramente mais representadas aí, enquanto a turma da Colina tem uma composição maioritariamente masculina.

Tabela 2
Caraterísticas sociodemográficas das crianças entrevistadas por turma

No que respeita à origem social das crianças, observando o nível de instrução dos pais e o quantitativo de beneficiários da Ação Social Escolar (ASE),6 6 A Ação Social Escolar (ASE) refere-se a um conjunto de apoios (transporte, alimentação, material escolar, etc.) destinados a alunos de famílias economicamente carenciadas. as turmas diferenciam-se substancialmente: cerca de ⅔ as crianças da turma da Várzea tem progenitores com ensino superior e nenhuma recebe apoio da ASE, em contraste com a turma da Colina, onde a percentagem de pais com esse nível de escolaridade é nulo ou quase nulo e quase ¾ é beneficiária da ASE; já a turma da Urze situa-se numa posição intermédia – cerca de um terço das mães tem o ensino superior —, mas com forte peso de crianças beneficiárias da ASE.

As classificações nas diversas áreas disciplinares do ensino primário refletem a diversidade social das crianças: a turma da Várzea apresenta uma larga maioria de alunos com muito bons resultados (cerca de ⅔); em contraste com a turma da Colina que tem muito poucos alunos com nota muito bom; enquanto a turma da Urze, numa posição intermédia, tem uma percentagem de 20 a 30% alunos com essas notas. Esta última turma, mais heterogénea também do ponto de vista do aproveitamento escolar, é a única que tem alguns alunos (embora num número reduzido) com um percurso escolar já marcado por insucesso escolar.

Ao longo da entrevista as crianças pronunciaram-se acerca do que se faz na escola em geral e no ano em que se encontravam (3º ano); as diferenças em relação ao ano anterior; o que gostavam e não gostavam de fazer na escola; os seus resultados académicos; como se posicionavam na hierarquização das classificações escolares; e o que era necessário para ser um bom aluno.

Apresentam-se os resultados de análises multivariadas aplicadas às categorias resultantes da análise de conteúdo das entrevistas. Esta baseou-se na análise categorial das unidades de análise em que as crianças se pronunciam sobre as condições necessárias para ser um bom aluno por referência ao próprio aluno,7 7 Ao abordar as condições necessárias para ser um bom aluno, as crianças identificaram ainda outro tipo de condições que foram sistematizadas em três categorias: por referência à relação com os outros; por referência ao comportamento da turma; por referência ao trabalho da professora. Neste texto analisamos apenas as referências à primeira categoria, relativas às condições por referência ao próprio aluno, claramente predominantes nos discursos de crianças. Este dado é, desde logo, revelador da consciência, por parte das crianças, do trabalho sobre si que a escola exige para se obter sucesso. tendo-se apurado o sistema de categorias apresentado na Tabela 3.8 8 A apresentação detalhada da análise de conteúdo é realizada num outro texto, submetido para publicação.

Tabela 3
Condições para ser bom aluno por referência ao próprio aluno – Sistema de categorias

Com base na contagem de ocorrências das subcategorias, foram realizadas as análises multivariadas — análise de correspondências múltiplas (ACM) e análise de clusters, seguindo de perto a abordagem metodológica e técnica de Carvalho (2008)10 CARVALHO, H. Análise multivariada de dados qualitativos: Utilização da Análise de Correspondências Múltiplas com o SPSS. Lisboa: Edições Sílabo, 2008. —, de forma a identificar a forma como se estruturam as conceções das crianças acerca do que define um bom aluno, com o objetivo de perceber em que medida indiciam uma reconfiguração do ofício de aluno e do mandato educativo enunciados no quadro de uma crescente lógica performativa.

As conceções das crianças acerca do que define um bom aluno: três lógicas de fabricação da excelência escolar

A ACM das subcategorias relativas às condições para ser bom aluno9 9 Foi criada uma base de dados no SPSS com as subcategorias da análise de conteúdo como variáveis quantitativas (número de ocorrências), contudo, para efeitos da ACM estas foram transformadas em variáveis dicotómicas, tal como consta na Tabela 5. permite identificar as duas principais dimensões a partir das quais as conceções das crianças se estruturam.

A primeira dimensão salienta as seguintes subcategorias: não resistência à ordem escolar; estar atento; dar provas de que sabe; pedir autorização; disciplina corporal e material (ver medidas de discriminação e contribuições na Tabela 4). A observação das quantificações das categorias deste eixo (Tabela 5) mostra que o que diferencia as crianças entre si, em primeiro lugar, é o facto de umas referenciarem bastante as questões da ordem escolar em oposição às que referem pouco ou nada estas questões como condição para ser bom aluno. Trata-se, por conseguinte, de um eixo relativo à conformidade à ordem escolar. Na segunda dimensão salientam-se sobretudo subcategorias relacionadas com a aprendizagem: aptidões individuais, esforçar-se e estudar (ver Tabela 4). As crianças diferenciam-se, assim, em segundo lugar, a partir de uma dimensão relativa ao que permite aprender, opondo as que valorizam as aptidões individuais às que valorizam o esforço e estudo (ver Tabela 5). Trata-se, pois, de um eixo referente a fatores de aprendizagem.

Tabela 4
Medidas de discriminação e contribuições (ACM)
Tabela 5
Quantificações das categorias das variáveis de cada dimensão

Esses dois eixos, que validam substancialmente as duas principais categorias da análise de conteúdo referidas anteriormente, são também reveladoras de que os pontos de vista das crianças incorporam as duas dimensões essenciais da forma escolar: a dimensão do poder e a dimensão cognitiva (VINCENT; LAHIRE; THIN, 199440 VINCENT, G.; BERNARD, B.; THIN, D. Sur l’histoire et la théorie de la forme scolaire. In: VINCENT, G. (Org.). L’Éducation prisonnière de la forme scolaire? Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1994. p. 11-47.).

As duas dimensões anteriores foram submetidas a uma análise de clusters,12 12 Mais especificamente, com base nos “object scores”, valores de cada caso (criança) nas dimensões retidas (CARVALHO, 2008). salientando três grupos de crianças distintas quanto às suas perspetivas acerca das condições necessárias para se ser bom aluno (ver projeção nos planos fatoriais da ACM na Fig. 1).

Figura 1
Configuração das categorias relativas às condições necessárias para se ser bom aluno (ACM) e clusters.
Tabela 6
Caracterização dos clusters13 13 Cruzamento dos clusters com as variáveis que definem as dimensões 1 e 2.

Lógica ancorada em aptidões naturais para a aprendizagem

O primeiro grupo (cluster 1) abrange 24 crianças (38%) e situa-se predominantemente no quadrante inferior esquerdo dos planos fatoriais, correspondente à conjugação dos polos negativos das dimensões 1 e 2. Tal sugere que essas crianças têm em comum o facto de valorizarem as aptidões individuais como condição para se ser bom aluno e de invocarem pouco as questões relativas à ordem escolar.

Com efeito, observando as percentagens relativas ao cruzamento dos clusters com as variáveis que definem as duas dimensões retidas (ver Tabela 6), constata-se que esse primeiro grupo é maioritariamente composto por alunos que não referem, ou referem poucas vezes, aspetos como a necessidade de “ser bem-comportado” (87,5%); de “pedir autorização” (95,8%); de evidenciar uma “disciplina do corpo e material” (83,3%); de “estar atento” (91,7%); e de não ter comportamentos de oposição à ordem escolar (87,5%). Além de pouco preocupados com a conformidade à ordem escolar, destacam-se também por não mencionarem (ou mencionarem pouco) o envolvimento no trabalho escolar como fator para ser bom aluno: 95,8% nunca referem a necessidade de se esforçar e 70,8% referem uma vez ou nunca a importância de estudar. Esse grupo surge, assim, sobretudo definido pela negativa, isto é, aquilo que as crianças desse cluster têm em comum é o facto de não valorizarem os itens referentes à ordem escolar e ao trabalho escolar, valorizados nos outros dois grupos. A perspetiva dessas crianças assenta sobretudo numa lógica naturalista e fatalista: ter aptidões individuais, especialmente dotes naturais — invocando-se a necessidade de ser “esperto”, “inteligente” e não “burro”, ou de “ter uma cabeça grande, para ter muitas coisas na cabeça, um cérebro grande” — é o único requisito para se ser bom aluno que surge destacado neste grupo (41,7%).

A leitura anterior sugere que esse grupo de crianças tende a ser bastante menos expressivo a pronunciar-se sobre as condições necessárias para se ser bom aluno, o que é confirmado pelo menor número de ocorrências que apresenta (241 ocorrências)14 14 Este número refere-se ao total de vezes que as categorias da análise de conteúdo são referidas pelo conjunto das crianças que formam este cluster. e, especialmente, pela menor média de ocorrências por criança (10,0),15 15 Número de ocorrências / número de crianças do cluster. em contraste com os grupos 2 e 3, com uma média, respetivamente, de 21,6 e de 29,6 ocorrências por criança.16 16 O total de ocorrências no cluster 2 é de 563 ocorrências e no cluster 3 de 326. Esses dados refletem, da parte das crianças do primeiro grupo, um discurso que é relativamente parco e/ou pouco preocupado em abordar a ordem e trabalho escolares, o que pode ser interpretado como indicador de uma relação distanciada com a escola.

O facto de esse grupo revelar uma menor adesão ao ofício de aluno, não significa, no entanto, que sejam colocados em causa os pilares estruturantes do trabalho escolar nos primeiros anos de escolaridade na contemporaneidade: a ordem e a aprendizagem, segundo a lógica da integração social, característica do modelo de escola da primeira modernidade (DUBET; MARTUCCELLI, 199612 DUBET, F. MARTUCCELLI, D. A l’école. Sociologie de l’expérience scolaire. Paris: Éditions du Seuil, 1996.; VINCENT; LAHIRE; THIN, 199440 VINCENT, G.; BERNARD, B.; THIN, D. Sur l’histoire et la théorie de la forme scolaire. In: VINCENT, G. (Org.). L’Éducation prisonnière de la forme scolaire? Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1994. p. 11-47.).

Caracterizando o contexto socioescolar (turma) e o perfil social e académico dessas crianças (ver Tabela 7), observa-se que essa lógica marca forte presença na turma da Colina (77,3%) — um contexto maioritariamente desfavorecido do ponto de vista da sua composição social e académica —, nos alunos com notas insuficientes, maioritariamente rapazes, com pais de baixa escolaridade.

Tabela 7
Cruzamento dos clusters com a turma, as variáveis sociodemográficas e as notas (%)

Os rapazes de condição social desfavorecida constituem, precisamente, o perfil de alunos com uma relação mais distanciada com a escola, de acordo com o que a sociologia da educação tem mostrado (cf. GRÁCIO, 199718 GRÁCIO, S. Dinâmicas da escolarização e das oportunidades individuais. Lisboa: Educa, 1997.). Se, por um lado, a socialização de género, no caso masculino, promove uma relação com o corpo que dificulta a adesão à ordem e trabalho escolar, essa dificuldade é, ainda, reforçada por uma socialização de classe realizada em descontinuidade com a cultura escolar.

Lógica do trabalho escolar tradicional

Outro grupo (cluster 3), o menor, abrange 11 crianças (18%) e situa-se predominantemente no quadrante inferior direito, na conjugação dos polos de elevada preocupação com a conformidade à ordem escolar e de valorização das aptidões individuais.

As crianças desse grupo destacam-se por mencionarem todas as categorias referentes à disciplina e à ordem na sala de aula e afins, com percentagens acima do valor médio global, considerando o total de crianças: ter um bom comportamento por 72,7%; não falar também por 72,7%; pedir autorização por 36,4%; manter a ordem material e disciplina do corpo por 54,5%; não resistência à ordem escolar por 90,9%; estar atento por 100% e dar provas de que sabe por 72,7% (Tabela 6). Contrariamente aos outros dois grupos que se referem pouco a todas essas categorias de disciplina e ordem, neste grupo o discurso das crianças é muito expressivo relativamente a essas questões, enunciando com muito detalhe as normas escolares e elencando pormenorizadamente comportamentos aceitáveis e não aceitáveis em sala de aula, como revelam os exemplos seguintes:

Prestar atenção, respeitar as regras, respeitar a professora, não bater nas crianças da pré, não passar pela pré, eu já não faço isso, e para ser bem-educada, ficar com os olhos abertos, ouvir a professora o que é que diz e essas coisas

(aluno 8).

Está atento ao que a professora está dizendo, fica assim com atenção, não está mexendo nos lápis, porque se a gente for mexer nos lápis já não vai prestar a nossa atenção no quadro, vai prestar atenção no lápis

(aluno 15).

Contudo, para essas crianças o sucesso não é produto apenas desse ajustamento minucioso a todas as regras do modo de estar na sala de aula. A par dessa preocupação normativa, esse grupo destaca-se também por ser aquele onde mais crianças valorizam as aptidões individuais como ingrediente essencial para se ser bom aluno, referidas por 72,7%, como é ilustrado na seguinte passagem:

Eles conversem mas todos conversem, os que são atentos, mas eles puxam a matéria para a sua cabeça. Eles conseguem por aquela matéria na cabeça o que às vezes não acontece

(aluno 15).

Tendo em comum, com o grupo anterior, uma visão naturalista das aprendizagens, este conjunto de alunos situa-se em clara oposição a esse, em termos da sua relação com a ordem escolar. Ao enfatizarem minuciosa e detalhadamente todas as regras e procedimentos a que se devem conformar no seu ofício de aluno — deixando-se formatar (SARMENTO, 201134 SARMENTO, M. J. A reinvenção do ofício de criança e de aluno. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 3, p. 581-602, 2011.) —, as crianças dão conta de uma conceção de bom aluno que implica um processo de interiorização de disposições e atitudes típicas da lógica da integração social, característica do modelo de escola da primeira modernidade (DUBET; MARTUCCELLI, 199612 DUBET, F. MARTUCCELLI, D. A l’école. Sociologie de l’expérience scolaire. Paris: Éditions du Seuil, 1996.; VINCENT; LAHIRE; THIN, 1994). Este segundo grupo de crianças é o que se alicerça mais plenamente numa lógica tradicional do trabalho escolar.

Essa lógica não se encontra tão intensamente concentrada num contexto escolar específico (turma) como nos outros casos, mas é na turma da Urze que apresenta uma maior representação (33,3%) (Tabela 7). Os alunos dessa turma encontram-se, todavia, disseminados pelos três tipos de conceções, o que não poderá ser dissociado da maior heterogeneidade social e académica desse contexto.

Além disso, são predominantemente as raparigas, os alunos com notas intermédias — suficiente e bom — e os filhos de pais com escolaridades baixas, independentemente da turma a que pertencem, que apresentam discursos situados nessa lógica.

O facto de este grupo apresentar um perfil distinto, sobretudo, em termos de género, comparativamente com o grupo anterior, vem reforçar a ideia de uma maior adesão à forma escolar por parte das raparigas de condição social baixa, face à dos rapazes (GRÁCIO, 199718 GRÁCIO, S. Dinâmicas da escolarização e das oportunidades individuais. Lisboa: Educa, 1997.).

Lógica do trabalho escolar competitivo

O último grupo (cluster 2) é o mais numeroso — compreende 26 crianças (43%) —, e situa-se nos dois quadrantes superiores dos planos fatoriais, aproximando-se do polo do envolvimento no trabalho escolar.

Em oposição aos outros dois grupos que valorizam as aptidões individuais como uma das condições necessárias para se ser bom aluno, a totalidade das crianças deste grupo nunca se refere a esse aspeto (100%) (Tabela 6). Em contrapartida, este grupo destaca-se por uma representação bastante acima do valor médio global (valor registado para o total de crianças) e dos valores dos outros clusters, especialmente nas categorias referentes ao empenho no trabalho escolar: 80,8% referem 2–10 vezes estudar; 38,5% mencionam esforçar-se 1–7 vezes (nos outros grupos a percentagem situa-se abaixo de 10%).

Este grupo tende a aproximar-se do primeiro grupo no que se refere à sua reduzida atenção/preocupação com alguns aspetos referentes à ordem escolar: “não falar” (84,6%); “dar provas que sabe” (80,8%); “pedir autorização” (88,5%); “ordem material e disciplina do corpo” (76,9%); “não resistência à ordem escolar” (65,4%). Contudo, ao invés desse grupo, neste salienta-se a menção ao bom comportamento em geral: 80,8% das crianças mencionam 3-16 vezes esta categoria como condição para ser bom aluno (no grupo 1 o valor é de apenas 12,5%). Este grupo parece, assim, reconhecer a importância da conformidade à ordem escolar, mas através de uma referência sintética, numa expressão que condensará em si, implicitamente, as múltiplas posturas a assumir na sala de aula, sem, contudo, denotarem estas crianças uma preocupação em desenvolver este assunto e enumerar a lista das regras. Tudo leva a crer (pelos traços já descritos e pelo seu perfil, como se verá) que para este grupo a ordem escolar será algo naturalizado, com o qual não têm que se debater.

O que preocupa ativamente as crianças deste grupo é a necessidade de se empenharem e de trabalharem para serem bons alunos, como ilustram os seguintes excertos:

Estudar, saber as coisas. Trabalhar com empenho e tentar fazer o máximo

(aluno 10).

Eu ando a tirar… apontamentos dos cadernos e acho que vou pesquisar testes no computador. [...] testes, para se for esses, já estar preparado

(aluno 47).

Temos de trabalhar, esforçar-nos, fazer todos os TPC ou ainda mais… Por exemplo, a professora manda, por exemplo, para casa, fazer uma conta três vezes, três contas… Não, faz quatro, por exemplo… Se quisermos, fazemos três, se quisermos, fazemos quatro! É melhor fazermos quatro pr’aprendermos mais! Mesmo se não quisermos temos de fazê-lo

(aluna 52).

Contrariamente aos dois grupos anteriores, com uma visão naturalista do sucesso escolar e enquadrada num modelo de escola tradicional, assente na integração social, estamos, aqui, perante uma perspetiva segundo a qual o sucesso depende do trabalho individual e, principalmente, de um trabalho do aluno sobre si, numa lógica performativa e competitiva. Além da mobilização de capacidades cognitivas, o ofício de aluno implica empenho, capacidade de trabalho, autonomia, autorregulação, autossuperação e autopromoção, ou seja, a incorporação de disposições que parecem refletir a atual ideologia da performatividade, apontando para uma reconfiguração do ofício de aluno no quadro de um mandato educativo ancorado numa socialização para a individualização e performance (SARMENTO, 201134 SARMENTO, M. J. A reinvenção do ofício de criança e de aluno. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 3, p. 581-602, 2011.).

Não é surpreendente que a lógica do trabalho competitivo se encontre esmagadoramente presente entre crianças pertencentes à turma da Várzea (81,0% dos alunos da Várzea situam-se nessa lógica), um contexto marcadamente favorecido no que se refere à sua composição social e académica, bem como sobrerrepresentada entre raparigas, filhos de detentores de diplomas do ensino superior e alunos com classificações de muito bom (Tabela 7). Nesse caso, e comparativamente com os grupos anteriores, a socialização de classe e a socialização de género agem cumulativamente, potenciando a relação destas crianças com a competição escolar (GRÁCIO, 199718 GRÁCIO, S. Dinâmicas da escolarização e das oportunidades individuais. Lisboa: Educa, 1997.), preparando-as melhor para jogar o jogo escolar que vem conhecendo, nas últimas décadas, uma intensificação da lógica performativa e competitiva.

Conceções de bom aluno e modelos de escola: notas finais

Não obstante o valor do mérito ter estado sempre presente nas sociedades democráticas e liberais, a nova missão colocada à escola nas últimas décadas inscreve-se cada vez mais numa lógica meritocrática exacerbada, acentuando a função seletiva dessa instituição e colocando a tónica na responsabilidade individual pelo sucesso ou insucesso de cada um.

A performatividade tem vindo a dominar os sistemas educativos, não apenas como uma tecnologia e um modo de regulação dos sistemas educativos, mas também como uma cultura incorporada pelos próprios agentes nas suas subjetividades e práticas (BALL, 20035 BALL, S. J. Performatividade, privatização e o pós-estado do bem-estar. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, 2004. https://doi.org/10.1590/S0101-73302004000400002
https://doi.org/10.1590/S0101-7330200400...
). Os reflexos dessa ideologia da performatividade têm sido evidenciados, principalmente, em níveis de escolaridade mais avançados, em países com modelos de accountability diversificados.

Embora alguns estudos realizados nos países anglo-saxónicos mostrem que os primeiros anos de escolaridade também têm vindo a ser contaminados pela pressão para a excelência académica e responsabilização individual (BRADBURY, 20136 BRADBURY, A. Education policy and the ‘ideal learner’: Producing recognisable learner-subjects through early years assessment. British Journal of Sociology of Education, Londres, v. 34, n. 1, p. 1-19, 2013. https://doi.org/10.1080/01425692.2012.692049
https://doi.org/10.1080/01425692.2012.69...
; 2019; HALL; PULSFORD, 201919 HALL, R.; PULSFORD, M. Neoliberalism and primary education: Impacts of neoliberal policy on the lived experiences of primary school communities. Power and Education, Londres, v. 11, n. 3, p. 241-251, 2019. https://doi.org/10.1177/1757743819877344
https://doi.org/10.1177/1757743819877344...
; KEDDIE, 201620 KEDDIE, A. Children of the market: performativity, neoliberal responsibilisation and the construction of student identities. Oxford Review of Education, Oxford, v. 42, n. 1, p. 108-122, 2016. https://doi.org/10.1080/03054985.2016.1142865
https://doi.org/10.1080/03054985.2016.11...
; MOSS et al., 201627 MOSS, P., et al. The organisation for economic co-operation and development’s international early learning study: opening for debate and contestation. Contemporary Issues in Early Childhood, United Kingdom, v. 17, n. 3, p. 343-351, 2016. https://doi.org/10.1177/1463949116661126
https://doi.org/10.1177/1463949116661126...
), em Portugal este tema não tem sido investigado ao nível do ensino primário.

Neste artigo, analisámos os discursos de crianças do 3º ano de escolaridade, nomeadamente as suas lógicas de fabricação do bom aluno, com o objetivo de testar a hipótese de a ideologia da performatividade estar a penetrar no ensino primário e a ser interiorizada pelos alunos, reconfigurando o ofício de aluno que emergiu do modelo de escola da primeira modernidade (DUBET; MARTUCCELLI, 199612 DUBET, F. MARTUCCELLI, D. A l’école. Sociologie de l’expérience scolaire. Paris: Éditions du Seuil, 1996.).

Os resultados, decorrentes da análise multivariada das categorias da análise de conteúdo, revelaram que os discursos das crianças se encontram, antes de mais, estruturados a partir de dois grandes eixos, um primeiro, e mais determinante, relativo à conformidade à ordem escolar, e um segundo referente à aprendizagem. Esses dois eixos mostram que os pontos de vista das crianças incorporam as duas dimensões essenciais da forma escolar, a dimensão do poder e a dimensão cognitiva (VINCENT; LAHIRE; THIN, 199440 VINCENT, G.; BERNARD, B.; THIN, D. Sur l’histoire et la théorie de la forme scolaire. In: VINCENT, G. (Org.). L’Éducation prisonnière de la forme scolaire? Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1994. p. 11-47.), e atestam como estes continuam a ser os pilares estruturantes do trabalho escolar nos primeiros anos de escolaridade na contemporaneidade.

No cruzamento desses dois eixos foi possível, todavia, perceber que as crianças se repartiam por três tipos de discursos relativamente à forma de encarar o ofício de aluno e a excelência escolar que parecem revelar três tipos de lógicas:

i) Uma lógica ancorada em aptidões naturais para a aprendizagem, evidenciada por um grupo de alunos essencialmente oriundos da turma da Colina, contexto socialmente desfavorecido, constituído maioritariamente por rapazes, com notas insuficientes e com pais pouco escolarizados. Este grupo revela uma menor adesão ao ofício de aluno, sem, no entanto, colocar em causa a lógica da integração social, característica do modelo de escola da primeira modernidade

(DUBET; MARTUCCELLI, 199612 DUBET, F. MARTUCCELLI, D. A l’école. Sociologie de l’expérience scolaire. Paris: Éditions du Seuil, 1996.; VINCENT; LAHIRE; THIN, 1994).

ii) Uma lógica do trabalho escolar tradicional que se encontra sobrerrepresentada nas raparigas, nos alunos com notas intermédias, nos filhos de pais com escolaridades baixas e na turma da Urze, contexto socialmente heterogéneo. Partilhando com o grupo anterior a conceção naturalista e determinista das aprendizagens, este conjunto de alunos diferencia-se pela adesão às regras e procedimentos da ordem escolar, conformes à lógica da integração social, característica do modelo de escola da primeira modernidade

(DUBET; MARTUCCELLI, 199612 DUBET, F. MARTUCCELLI, D. A l’école. Sociologie de l’expérience scolaire. Paris: Éditions du Seuil, 1996.; VINCENT; LAHIRE; THIN, 199440 VINCENT, G.; BERNARD, B.; THIN, D. Sur l’histoire et la théorie de la forme scolaire. In: VINCENT, G. (Org.). L’Éducation prisonnière de la forme scolaire? Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1994. p. 11-47.).

iii) Uma lógica do trabalho escolar competitivo com uma esmagadora presença nas crianças da turma da Várzea, contexto marcadamente favorecido, bem como nas raparigas, com classificações de muito bom e com pais detentores de diplomas do ensino superior.

Contrariamente aos dois grupos anteriores, cuja lógica evidencia um tipo de regulação do sistema educativo assente na integração institucional (DUBET, 201013 DUBET, F. Déclin de l’institution et/ou néolibéralisme? Education et sociétés, v. 25, n. 1, p. 17-34, 2010. https://doi.org/10.3917/es.025.0017
https://doi.org/10.3917/es.025.0017...
), as crianças que expressaram a lógica escolar competitiva denotaram uma perspetiva segundo a qual o sucesso depende do trabalho individual e, principalmente, de um trabalho do aluno sobre si, que implica mobilização de capacidades cognitivas, mas também empenho, capacidade de trabalho, autonomia, autorregulação, autossuperação e autopromoção. Trata-se, portanto, da incorporação de disposições que parecem refletir a atual ideologia meritocrática exacerbada e dão conta de uma regulação do sistema educativo de tipo performativo.

Num contexto em que a forma escolar da primeira modernidade coexiste, na contemporaneidade, com um mandato neomeritocrático, ancorado numa socialização para a individualização e performance (SARMENTO, 201134 SARMENTO, M. J. A reinvenção do ofício de criança e de aluno. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 3, p. 581-602, 2011.), esses sinais parecem apontar para uma reconfiguração do ofício de aluno dos primeiros anos de escolaridade. Nesse sentido, os dados apontam para a incorporação de disposições distintas por parte das crianças, preparando-as desigualmente para se adaptarem à crescente competição que marca as sociedades contemporâneas.

Notas

  • 1
    Correspondente em Portugal ao “1º ciclo do ensino básico” e no Brasil ao “ensino fundamental”.
  • 2
    No sistema educativo português, as escolas encontram-se organizadas em agrupamento de escolas.
  • 3
    Os estudos de caso foram conduzidos de acordo com os cuidados éticos exigidos pela comunidade científica, tendo-se obtido consentimentos informados juntos de todos os participantes. Para assegurar o anonimato, as escolas e as turmas são designadas com nomes fictícios.
  • 4
    Este número corresponde à quase totalidade das crianças das três turmas. Um pequeno número de crianças manifestaram não desejar participar nas entrevistas.
  • 5
    As entrevistas tiveram uma duração que oscilou entre 15 e 35 minutos e foram realizadas na escola.
  • 6
    A Ação Social Escolar (ASE) refere-se a um conjunto de apoios (transporte, alimentação, material escolar, etc.) destinados a alunos de famílias economicamente carenciadas.
  • 7
    Ao abordar as condições necessárias para ser um bom aluno, as crianças identificaram ainda outro tipo de condições que foram sistematizadas em três categorias: por referência à relação com os outros; por referência ao comportamento da turma; por referência ao trabalho da professora. Neste texto analisamos apenas as referências à primeira categoria, relativas às condições por referência ao próprio aluno, claramente predominantes nos discursos de crianças. Este dado é, desde logo, revelador da consciência, por parte das crianças, do trabalho sobre si que a escola exige para se obter sucesso.
  • 8
    A apresentação detalhada da análise de conteúdo é realizada num outro texto, submetido para publicação.
  • 9
    Foi criada uma base de dados no SPSS com as subcategorias da análise de conteúdo como variáveis quantitativas (número de ocorrências), contudo, para efeitos da ACM estas foram transformadas em variáveis dicotómicas, tal como consta na Tabela 5.
  • 10
    As medidas de discriminação variam entre 0 e 1, sendo que quanto mais próximas de 1 mais discriminam numa dimensão (CARVALHO, 200810 CARVALHO, H. Análise multivariada de dados qualitativos: Utilização da Análise de Correspondências Múltiplas com o SPSS. Lisboa: Edições Sílabo, 2008.).
  • 11
    As contribuições indicam a proporção da variância de cada variável em cada dimensão (CARVALHO, 200810 CARVALHO, H. Análise multivariada de dados qualitativos: Utilização da Análise de Correspondências Múltiplas com o SPSS. Lisboa: Edições Sílabo, 2008.).
  • 12
    Mais especificamente, com base nos “object scores”, valores de cada caso (criança) nas dimensões retidas (CARVALHO, 200810 CARVALHO, H. Análise multivariada de dados qualitativos: Utilização da Análise de Correspondências Múltiplas com o SPSS. Lisboa: Edições Sílabo, 2008.).
  • 13
    Cruzamento dos clusters com as variáveis que definem as dimensões 1 e 2.
  • 14
    Este número refere-se ao total de vezes que as categorias da análise de conteúdo são referidas pelo conjunto das crianças que formam este cluster.
  • 15
    Número de ocorrências / número de crianças do cluster.
  • 16
    O total de ocorrências no cluster 2 é de 563 ocorrências e no cluster 3 de 326.

Agradecimentos

As autoras agradecem às professoras, famílias e crianças das Escolas da Urze, Colina e Várzea, que, por terem aceitado participar nos três estudos de caso, dando-nos o seu consentimento informado, tornaram possível esta pesquisa.

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Editor de Seção: Licínio Lima

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2022
  • Aceito
    02 Jan 2023
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