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RANKINGS, TRABALHO DO PESQUISADOR E CAPITAL FINANCEIRO

RANKINGS, RESEARCHER’S WORK AND FINANCIAL CAPITAL

RANKINGS, TRABAJO DE LOS INVESTIGADORES Y CAPITAL FINANCIERO

RESUMO

Neste artigo, analisamos o espaço mercantil estabelecido nas universidades de pesquisa: os rankings classificatórios de educação superior, o oligopólio na indústria editorial científica e o trabalho do pesquisador a serviço e reprodução do capital. Para isso, apresentamos e discutimos o método e os indicadores dos rankings internacionais de educação superior adotados pelo Banco Mundial. Na sequência, detalhamos o caso do oligopólio de editoras científicas por meio de suas histórias, de seu capital e influências na comunidade científica. Por fim, examinamos teoricamente como o capital financeiro impõe o uso da força de trabalho de professores-pesquisadores a serviço de suas propriedades, exaurindo desses trabalhadores a consciência sobre suas atividades.

Palavras-chave
Capital financeiro; Rankings acadêmicos ; Oligopólio editorial

ABSTRACT

In this article, we reflect on the mercantile space established in research universities: the rankings of higher education, the oligopoly in the scientific publishing industry, and the researcher’s work at the service and reproduction of capital. To this end, we present and discuss the method and indicators of the international rankings of higher education adopted by the World Bank. Next, we analyze the case of the oligopoly of scientific publishers through their histories, their capital, and influences on the scientific community. Finally, we examine theoretically how financial capital imposes the use of the labor force of teacher-researchers in the service of its properties, exhausting from these workers the consciousness about their activities.

Keywords
Academic rankings; Financial capital; Publishing oligopoly

RESUMEN

En este artículo reflexionamos sobre el espacio mercantil establecido en las universidades de investigación: los rankings clasificatorios de la educación superior, el oligopolio de la industria editorial científica y el trabajo del investigador al servicio y reproducción del capital. Para ello, presentamos y discutimos el método y los indicadores de las clasificaciones internacionales de educación superior adoptadas por el Banco Mundial. A continuación, presentamos y analizamos el caso del oligopolio de las editoriales científicas a través de sus historias, su capital y sus influencias en la comunidad científica. Por último, examinamos teóricamente cómo el capital financiero está imponiendo el uso de la fuerza de trabajo de los profesores-investigadores al servicio de sus propiedades, agotando de estos trabajadores la conciencia sobre sus actividades.

Palabras clave
Capital financiero; Clasificaciones académicas; Oligopolio editorial

Introdução

“No mundo da mercadoria a pior coisa que pode acontecer a alguém é não ser mercadoria”.

(Oliveira, 2006, p. 73)

A busca pelo status de excelência científica se tornou comum no âmbito acadêmico. Essa realidade pode ser observada com a proliferação do uso dos critérios provenientes do Banco Mundial no intento de estabelecer um novo modelo de universidade (BANCO MUNDIAL, 2009BANCO MUNDIAL. O desafio de estabelecer universidades de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2009.), comprimindo os tempos institucionais por meio de sua mercantilização. Essa organização financeira tem total influência no processo mais amplo de reforma da educação superior, recomendando como se deve realizar a expansão das instituições acadêmicas no cenário internacional. Por meio da internacionalização baseada na mobilidade e nos processos colaborativos entre instituições acadêmicas, as universidades de pesquisa passaram a atuar diante da mundialização do capital, impelidas pelas novas ordens mercantis oriundas do regime de predominância financeira (CHESNAIS, 1996CHESNAIS, F. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.).

Isso provocou a intensificação do uso da capacidade intelectual dos professores-pesquisadores lotados em universidades de pesquisa, pois tais profissionais geram o que Silva Júnior (2017)SILVA JÚNIOR, J. R. The new Brazilian university: a busca por resultados comercializáveis: para quem? Bauru: Canal 6, 2017. chama de “conhecimento-mercadoria”. Diante dessa conjuntura, ponderamos neste artigo questões sobre a classificação de universidades em rankings mundiais e dados da indústria editorial científica, com base nos documentos elaborados e/ou editados por organizações internacionais: Banco Mundial, Ruediger Wischenbart Content and Consulting (RWCC), Ranking Acadêmico das Universidades Mundiais (ARWU), Conselho de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior de Taiwan (HEEACT) e Times Higher Education.

A relevância dessa análise está posta no cotidiano factual, em que o ensino e a pesquisa nas instituições acadêmicas estão cada vez mais orientados pelo capital financeiro. O capital impõe uso da força de trabalho de professores-pesquisadores a serviço de suas propriedades e da comercialização do conhecimento que é produzido por esses trabalhadores. A outra grande questão está no fenômeno mercantil do trabalho do pesquisador. Ou seja, o ser social realiza funções basicamente para circulação da mercadoria, acentuando o contexto econômico internacional do qual faz parte o grande número de intelectuais, expandindo os espaços de reprodução do capital.

Outro aspecto importante a se destacar está no volume de dinheiro que envolve o objeto desse debate. Enquanto o pesquisador é pago para produzir conhecimento e depois paga para divulgar o conhecimento produzido, as grandes editoras com seus periódicos de altos estratos são referência nos rankings internacionais de educação superior. Isso significa que o dinheiro circula continuadamente no âmbito acadêmico, igualando coincidentemente a receita total dos sete maiores editoriais da indústria científica global o valor dos investimentos em educação e ciência no Brasil. Segundo o RWCC (2021)RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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, a receita total das sete maiores editoras científicas foi de US$ 20,7 bilhões em 2020, 7 milhões a mais que o orçamento total para ciência, tecnologia e educação no Brasil para o mesmo ano (ESCOBAR, 2021ESCOBAR, H. Orçamento 2021 compromete o futuro da ciência brasileira. Jornal da USP, 9 abr. 2021. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/orcamento-2021-compromete-o-futuro-da-ciencia-brasileira/. Acesso em: 29 jul. 2022.
https://jornal.usp.br/ciencias/orcamento...
; MARTELLO, 2022MARTELLO, A. Gasto com educação recua pelo 5º ano consecutivo e é o menor em dez anos, mostra levantamento. G1 Política, 24 abr. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/04/24/gasto-com-educacao-recua-pelo-5o-ano-consecutivo-e-e-o-menor-em-dez-anos-mostra-levantamento.ghtml. Acesso em: 13 jul. 2022.
https://g1.globo.com/politica/noticia/20...
).

Nesse contexto, o período base das informações levantadas está no recorte temporal entre 2009 e 2021, intervalo que sustenta informações mais recentes no âmbito do ranqueamento de universidades e receita das maiores editoras científicas do mundo. Abordamos a metodologia utilizada pelos principais rankings internacionais de educação superior adotados pelo Banco Mundial, assim como os indicadores e a média da métrica entre eles. Na sequência, examinamos o processo histórico de formação das maiores editoras do circuito científico global, incluindo a participação delas no mercado internacional de periódicos. Finalizamos o texto racionalizando teoricamente os significados desse complexo circuito econômico e como isso está exaurindo do ser social que ensina e pesquisa os sentidos de suas atividades.

Os Rankings Internacionais de Educação Superior

Os capitalistas no mercado global buscam incessantemente o lucro em cada lacuna da sociedade civil, sendo, assim, o campo acadêmico cada vez mais explorado como fonte de mais-valia. Isso ocorre com intensidade no século 21, principalmente pela nova categoria epistêmica que chamamos de tecnociência. Essa parte da ciência é uma fatia de grande rentabilidade econômica, porque é inesgotável, proveniente do conhecimento continuadamente produzido e acumulado pelos intelectuais que trabalham nas universidades de pesquisa.

Na mesma esfera, as universidades, que comportam esses intelectuais (professores-pesquisadores) desenvolvendo pesquisas, são avaliadas por diversos tipos de métrica e classificadas em rankings, conforme a lógica neoliberal, que impõe a competição entre as instituições de educação superior e entre os pesquisadores. No cenário global, tais rankings estão proliferando como forma de aferição do desempenho das universidades, a fim de estas serem catalogadas por ordem de reputação e participação no mercado científico mundial.

Segundo o ex-economista-chefe e vice-presidente sênior do Banco Mundial Justin Yifu Lin (apud BANCO MUNDIAL, 2009BANCO MUNDIAL. O desafio de estabelecer universidades de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2009.), à medida que o ambiente global para a educação superior se expande, abrangendo não apenas os tradicionais intercâmbios estudantis e pesquisas colaborativas, mas também questões como investimentos transfronteiriços e concorrência de mercado entre as instituições, “as partes interessadas no ensino superior devem reavaliar suas prioridades e expectativas [...] as pressões internacionais, principalmente por resultados dos fluxos globais de recursos do ensino superior [...] forçam as instituições a reexaminar suas missões” (BANCO MUNDIAL, 2009BANCO MUNDIAL. O desafio de estabelecer universidades de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2009., p. 11).

Além disso, essas pressões internacionais forçam governos a rever as fontes de financiamento para a educação superior, assim como o escopo internacional de pesquisadores, como forma de reexaminar seus compromissos e as expectativas de suas instituições universitárias. Dois dos resultados mais proeminentes desses debates foram o aumento das tabelas de classificação e classificações de vários tipos e, posteriormente, o desejo crescente de competir por um lugar no topo de uma hierarquia global da educação superior (BANCO MUNDIAL, 2009BANCO MUNDIAL. O desafio de estabelecer universidades de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2009.).

Essa competição não é natural; é induzida. Conforme documento oficial do Banco Mundial (2009)BANCO MUNDIAL. O desafio de estabelecer universidades de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2009., no relatório O desafio de estabelecer universidades de classe mundial, representantes dessa organização financeira internacional destacam que a importância das instituições de educação superior de pesquisa no século 21 se deve ao fato de estarem entre as maiores responsáveis pelo desenvolvimento de sistemas nacionais mundialmente envolvidos, sejam eles sociais, sejam políticos, sejam culturais, sejam econômicos.

No entanto, no documento que define a universidade ideal para a instituição financeira – O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial (BANCO MUNDIAL, 2011BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011.) –, as universidades do Hemisfério Norte e Ásia estão consolidadas de acordo com a lógica mercantil no ensino e pesquisa (BANCO MUNDIAL, 2011BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011., p. 12), principalmente no âmbito da produção de conhecimento, institucionalizando a concorrência entre as universidades de pesquisa. O próximo alvo são as universidades da América Latina, porque são instituições de relevância internacional, possuem parcerias com multinacionais, mas são universidades em que predominam financiamentos por meio de fundo público e na maioria instituições públicas.

Nesse caso, existem projetos provenientes do Banco Mundialmirando tais universidades na mesma lógica que orienta as universidades de classe mundial do Hemisfério Norte. Para esse propositivo, a instituição financeira elencou cinco categorias base para estabelecer uma universidade de pesquisa de classe mundial (BANCO MUNDIAL, 2011BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011., p. 54-56):

  • Financiamento: para o Banco Mundial, para o sucesso de uma universidade de pesquisa, “as universidades de pesquisa serão cada vez mais desafiadas a levantar seus próprios fundos de doadores em potencial, por meio da venda de produtos intelectuais e consultoria, e cada vez mais das mensalidades e taxas dos alunos” (BANCO MUNDIAL, 2011BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011., p. 54). Isso significa que a lógica mercantil predominará nas universidades que se orientam e tendem a se orientar pela racionalidade do world class university. Inseridas as universidades no regime de predominância financeira, a fonte de financiamento de pesquisas passa a ser predominantemente privada;

  • Autonomia: numa era de crescente responsabilização, as universidades de investigação serão desafiadas a manter a sua autonomia e a controlar a sua tomada de decisão acadêmica essencial;

  • Reputação/classificação: as universidades com centros de pesquisa serão cada vez mais desafiadas a atrair os melhores talentos, professores e alunos, em um mercado acadêmico global cada vez mais competitivo. As universidades competem não apenas com outras universidades, mas também com um setor de conhecimento crescente e muitas vezes bem pago fora do campus;

  • Privatização: as pressões para privatização das universidades públicas, como resultado da redução do financiamento público, existem em quase todos os lugares. Essa tendência é, em grande parte, medida comum do neoliberalismo nas universidades de pesquisa, porque essas instituições estão engajadas principalmente em atividades de interesse público, como pesquisa básica e ensino de alunos em uma ampla gama de disciplinas;

  • Mundialização: as universidades de pesquisa estão no centro da comunicação e das redes globais de conhecimento. Canalizam novas ideias e conhecimentos para o sistema de ensino superior e também para o país e permitem que a comunidade acadêmica participe da ciência e do conhecimento internacional.

Para isso, tais instituições precisam ser localmente relevantes e engajadas internacionalmente. No mesmo relatório, o Banco Mundial, com foco em universidades de classe mundial (vide caracterização na Fig. 1, mais adiante), examinou o poderio da educação superior para o desenvolvimento da perspectiva da excelência em pesquisa e conquista de novos financiamentos para alcançar níveis mais competitivos. Para tal fim, um dos meios adotados como referência foi e ainda é o uso dos rankings internacionais de educação superior.

Figura 1
Caracterização de uma universidade de classe mundial: alinhamento de fatores-chave.

Em outro relatório, O desafio de estabelecer universidades de classe mundial (Banco Mundial, 2009BANCO MUNDIAL. O desafio de estabelecer universidades de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2009.), também do Banco Mundial, é oportuna a exploração das tabelas de classificação e rankings na condução dos debates sobre políticas de educação terciária em todo o mundo, pois, segundo a instituição, os governos não se sentem mais à vontade em desenvolver seus sistemas de educação superior para servir suas comunidades locais ou nacionais. Nesse contexto, ao buscar uma posição nas listas das melhores universidades do mundo, os governos e as partes interessadas das universidades expandem suas próprias percepções sobre o propósito do Banco Mundial – participar do mercado produtivo e científico global, promovendo elevação do status da instituição.

Em documento posterior, o Banco Mundial (2011)BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011. recomenda que as universidades participem desse circuito global produtivo. Segundo a organização, as capacidades tecnocientíficas da instituição precisam adequar-se aos princípios orientadores de uma universidade de classe mundial (Fig. 1) ou ajustar-se conforme as tendências das práticas científicas internacionais – universidades de pesquisa que geram propriedade intelectual e outras descobertas e inovações que têm valor no mercado (BANCO MUNDIAL, 2011BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011., p. 53).

Nesse contexto, para avaliar a reputação das instituições acadêmicas, o Banco Mundial trabalha com três instituições globais de ranqueamento como referência:

  • Academic Ranking of World Universities (ARWU; em português, Ranking Acadêmico das Universidades Mundiais), coordenado pela Shanghai Jiao Tong University, que classifica as 500 melhores instituições acadêmicas globais;

  • Higher Education Assessment and Accreditation Board (HEEACT; em português, Conselho de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior de Taiwan), que também classifica as 500 melhores universidades, assim como divulga listagem com mais de três mil universidades, priorizando as 500 primeiras;

  • Times Higher Education, a mais visada entre as universidades pelo mundo e mais usada pelo BM, que classifica as 200 melhores universidades do mundo, mas também divulga pontuações das instituições classificadas acima desse número (BANCO MUNDIAL, 2011BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011., p. 35).

Segundo o Banco Mundial (2011, p. 35)BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011., a metodologia de análise desses rankings é composta de diferentes variáveis. A ARWU trabalha com os seguintes indicadores: qualidade da educação apresentada pelos ex-alunos por meio de prêmios Nobel e medalhas Fields (10%); qualidade do corpo docente da instituição e outros pesquisadores com prêmios Nobel e medalhas Fields (20%); pesquisadores altamente citados nos principais periódicos internacionais (20%); pesquisas com resultados publicados na Nature e Science (20%); artigos indexados no Science Citation Index-expandido (20%); e desempenho acadêmico por pesquisador da instituição (10%) (BANCO MUNDIAL, 2011BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011.).

O HEEACT classifica as universidades por meio de pontuação geral calculada com base em oito indicadores, compostos de: produtividade em pesquisa e número de artigos publicados nos últimos 10 anos pelos pesquisadores da instituição (10 %); número de artigos no ano corrente da lista (10%); impacto das pesquisas desenvolvidas e citações na última década (10%); número de citações nos últimos dois anos (10%); número médio de citações na última década (10%); altos índices de citações nos últimos dois anos (20%); número de artigos altamente citados (15%); e número de artigos no ano corrente em periódicos com estratos mais altos (Qualis A1) (15%) (BANCO MUNDIAL, 2011BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011.).

Por fim, a Times Higher Education classifica as universidades por meio de pontuação geral calculada usando 13 indicadores, classificados em cinco categorias:

  • Renda da indústria de inovação: receita de pesquisas comparada com o número de membros da equipe acadêmica (2,5% da pontuação final da classificação);

  • Citações1 1 Ressaltamos que nesse item se considera também o índice H, métrica variável de acordo com o número total de artigos publicados em determinado período. O Banco Mundial (2011) sugere publicações dos últimos cinco anos. : número de vezes que uma universidade publicou trabalhos com citações nos principais periódicos acadêmicos (32,5%);

  • Pesquisa: volume, renda e reputação agregados aos resultados das pesquisas (19,5%); renda de pesquisa da universidade para aumento de poder de compra (5,25%); número de artigos publicados nas revistas acadêmicas indexadas pela Thomson Reuters (4,5%); e renda de pesquisa pública (0,75%);

  • Ensino: resultados de uma pesquisa de reputação sobre o ensino (15%); relação pessoal/aluno (4,5%); número de doutoramentos e bacharelados atribuídos pela instituição (2,25%); número de doutorados registrados em relação ao número de membros do corpo docente (6%); e renda institucional em relação ao número de funcionários acadêmicos (2,25%);

  • Influência internacional: proporção de professores-pesquisadores internacionais e nacionais (3%) e proporção de estudantes estrangeiros para nacionais (2%) (BANCO MUNDIAL, 2011BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011.).

Em geral, ao pormenorizarmos os índices dos três rankings, o que mais se destaca desse estrato são:

  • Citações gerais nos maiores periódicos e reputação por universidades;

  • Participação no mercado científico: pesquisa e inovação (parcerias industriais/financiamento privado);

  • Citações por corpo docente: medida de qualidade da pesquisa, considerando o número total de citações acadêmicas em artigos produzidos pelo corpo docente e cientistas nos últimos cinco anos (média);

  • Proporção de professores-pesquisadores internacionais e estudantes internacionais;

  • Prêmios e indexadores: citações em periódicos de altos estratos, mais prêmios na comunidade científica.

Observamos também que, nos três rankings recomendados pelo Banco Mundial, há influência direta de grandes editoras científicas nos indicadores das organizações. Sendo assim, a indústria editorial científica é parte fulcral no processo metodológico de definição das melhores universidades mundiais. Para uma instituição estar bem classificada nos rankings, o número total de citações da instituição acadêmica e o número de citações e publicações por professor-pesquisador de cada universidade precisam aparecer nos maiores (e melhores) periódicos globais, os quais fazem parte do oligopólio de editoras científicas.

O Oligopólio na Indústria Editorial Científica

A indústria editorial científica está consolidada dentro e fora da comunidade científica, concentrando capital de bilhões de dólares por meio das sete maiores editoras do campo científico do mundo. As altas margens de lucro devem-se à expansão das editoras Reed Elsevier, Thomson Reuters, Wolters Kluwer, Springer Nature, Wiley-Blackwell, Taylor & Francis Group e Sage Publishing após fusões e aquisições de editoras menores e outras empresas, ampliando a concentração do catálogo de revistas científicas. Segundo a RWCC (2021)RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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, responsável pela divulgação e consolidação dos dados do ranking global das 50 maiores editoras internacionais do mundo, entre as 10 primeiras, sete tem como foco publicações científicas.

Em escala regressiva, a maior editora global é a britânica Reed Elsevier, administrada pela multinacional RELX, organização global que atua em diversos campos, tais como científico, médico, análise de risco, jurídico e exposições. Com capital aberto e participação nas principais bolsas como a New York Stock Exchange ou Bolsa de Valores de Nova York, o principal mercado de valores mobiliários do mundo, a RELX opera em 40 países, atendendo clientes em mais de 180 nações.

Fundada em 1992, como resultado da fusão da Reed International, editora britânica de livros e revistas, com a Elsevier, uma editora científica com sede na Holanda, a história do grupo parece nova, porém, bem antes da amálgama das organizações, ambas já atuavam no ramo editorial; sua história vem desde o século 19. Em 1895, Albert E. Reed criou uma fábrica de papel no sul do Reino Unido, e a empresa expandiu-se ao longo de 80 anos para além do ramo editorial, consolidando-se como editora apenas na década de 1970, quando foi fundida com o grupo International Publishing Corporation, passando a se chamar Reed International Limited.

A outra metade, a Elsevier, também tem origem no século 19 e originalmente era chamada de NV Uitgeversmaatschappij Elsevier (Elsevier Publishing Company NV). Criada pelo holandês Jacobus George Robbers, manteve-se como pequena empresa e editora familiar até a década de 1930, expandindo-se como revista semanal após a Segunda Guerra Mundial, fase em que se alavancaram os lucros por meio dos novos periódicos. Nas últimas décadas do século 20, a editora expandiu-se para a América do Norte e Reino Unido, com entrada no âmbito científico, modificando seu nome para Elsevier Scientific Publishers, mantendo-se assim até sua fusão com a Reed, na década de 1990.

Na atualidade, a companhia Reed Elsevier possui mais de 30 mil funcionários e tornou-se, no ano de 2020, um dos três maiores conglomerados editoriais do mundo, competindo com companhias que não atuam diretamente no campo científico e acadêmico, como a Pearson e a Bertelsmann. Segundo o relatório anual publicado pela consultoria RWCC (2021)RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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sobre o ranking global das 50 maiores editoras internacionais do mundo, a RELX apresentou receita2 2 Soma dos valores do capital divulgado nos portais das empresas mãe que administram a divisão financeira das editoras. Informações disponíveis em: https://www.relx.com/corporate-responsibility e https://br.advfn.com/bolsa-de-valores/nyse/RELX/cotacao. Acesso em: 14 jun. 2023. total de US$ 7,1 bilhão em 2020, com aproximadamente US$ 7 milhões provenientes de receitas totais de publicações de artigos. A divisão de receitas do grupo foi gerada por: científico, técnico e médico (38%), risco (34%), jurídico (23%) e exposições (5%).

Ao datar deste texto (2022), segundo a plataforma digital do grupo Reed Elsevier, as taxas de publicação de artigos em seus periódicos custam entre US$ 150 e US$ 6 mil, excluindo impostos. O custo de cada artigo para venda diretamente do site varia entre US$ 30 e US$ 45. A companhia lidera também o número de periódicos dos mais altos estratos. Conforme dados de Antunes e Flach (2020)ANTUNES, J.; FLACH, L. Periódicos científicos: o perfil das revistas Qualis A1. In: CONGRESSO DE CONTROLADORIA E FINANÇAS: A CONTABILIDADE E AS NOVAS TECNOLOGIAS, 10., 2020. Anais... Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2020., a editora Reed Elsevier lidera a lista possuindo a maior quantidade de periódicos Qualis A1, totalizando 96 periódicos, 29,72% dos editoriais globais.

Em 2020, primeiro ano de pandemia de Covid-19, a América do Norte gerou 46% das vendas da Reed Elsevier, enquanto a Europa representou 23%, e o resto do mundo, 31%. As vendas de assinaturas produziram 76% da receita; vendas transacionais, 23%; e publicidade, 1% (RWCC, 2021RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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). Vale ressaltar que a receita de impressão, que foi impactada por problemas de distribuição relacionados a Covid-19 no primeiro semestre, caiu cerca de duas vezes nos últimos anos.

Com sede em Toronto, Canadá, o grupo editorial Thomson Reuters foi fundado em 2008 proveniente da compra da empresa britânica Reuters Group pela norte-americana Thomson Corporation. Também originário do século 19, o grupo Reuters foi a empresa pioneira no ramo de serviços telegráficos do mundo, enquanto a Thomson foi um grupo de mídia formado nas primeiras décadas do século 20. A família Thomson permanece responsável pelo grupo por meio de uma subsidiária chamada Woodbridge Company, uma forma de holding empresarial. Sob domínio do grupo Thomson, diversas marcas são gerenciadas pela Woodbridge, incluindo a fusão com a Reuters, com ampla participação nos âmbitos editoriais de educação e ciência.

Segundo o relatório da RWCC (2021)RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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, a Thomson Reuters possui mais de 24 mil funcionários trabalhando nas unidades globais e encerrou o ano de 2019 com receita total de US$ 5,9 bilhões. Esse valor também é proveniente da venda de parte dos negócios, sendo 55% do setor de finanças e riscos para o grupo Blackstone, o que lhe rendeu US$ 17 bilhões, mas mantendo participação de 45% na nova empresa, focando assim no campo editorial, ampliando a receita por meio de assinaturas de seus periódicos. Assim como a Reed Elsevier, a Thomson Reuters tem participação em diversas áreas da educação e ciência, porém com venda de revistas científicas em campos específicos, tendo como carro-chefe os periódicos do campo do direito.

Outro caso de editoriais centenários, fundada em 1836, a Wolters Kluwer é uma organização holandesa de serviços de informações globais que se dedica à divulgação de periódicos nos âmbitos jurídico, comercial, tributário, contábil, financeiro e atua nas áreas de auditoria, risco, conformidade e saúde. O grupo possui unidades em mais de 100 países e operações fixas em mais de 30 países. A atual sede localiza-se na cidade Alphen aan den Rijn, Holanda, e o capital é mantido aberto no índice Amsterdam Exchange, o mercado de ações composto de empresas holandesas que negociam na Euronext Amsterdam.

Do mesmo modo como outras grandes editoras foram formadas por fusões, a Wolters Kluwer NL, inicialmente chamada de Schoolbook, fez sua primeira fusão pouco depois de cem anos de atuação no mercado editorial. A integração foi realizada com a editora Noordhoff, empresa fundada na mesma cidade de Schoolbook, Groningen, na Holanda. Na década de 1980, com o novo nome de Wolters Samson, a companhia expandiu seus negócios na Ásia, atendendo a multinacionais chinesas.

Nessa mesma época, o grupo Elsevier, antes da fusão com a Reed International, tentou adquirir ações e as operações da Wolters Samson, porém sem sucesso (IDCH, 2000INTERNATIONAL DIRECTORY OF COMPANY HISTORIES (IDCH). St. James Press, v. 33, 2000. Disponível em: http://www.fundinguniverse.com/company-histories/wolters-kluwer-nv-history/. Acesso em: 27 jul. 2022.
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). Nesse período, a organização Kluwer, outrora focada no atendimento de escritórios de advocacia, aceitou fundir-se com a Wolters no intento de afastar a Elsevier das negociações, formando assim a Wolters Kluwer. Na década de 1990, a companhia expandiu-se para outras regiões adquirindo e incorporando novas editoras dos ramos educacional, jurídico e científico, como a norte-americana J. B. Lippincott & Co. e a editora sueca Liber. No início dos anos 2000 já atuava na Eslováquia, Espanha, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Singapura e Hong Kong (IDCH, 2000INTERNATIONAL DIRECTORY OF COMPANY HISTORIES (IDCH). St. James Press, v. 33, 2000. Disponível em: http://www.fundinguniverse.com/company-histories/wolters-kluwer-nv-history/. Acesso em: 27 jul. 2022.
http://www.fundinguniverse.com/company-h...
).

Nas duas primeiras décadas do século 20, a Wolters Kluwer já estava estabelecida no ramo editorial científico com aporte organizacional nos âmbitos financeiro e gerenciamento de risco, no entanto passou a vender alguns setores e firmas diretamente para outros grupos editoriais científicos, como a Springer, cedendo-a a Kluwer Academic Publishers, responsável por periódicos do campo da medicina. Segundo relatório do RWCC (2021)RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
https://www.wischenbart.com/ranking...
, em 2020 o grupo contava com 19 mil funcionários, tendo finalizado o ano fiscal com receita de US$ 4,6 bilhões. Atualmente, além dos periódicos e revistas sazonais no âmbito da medicina, atua no ramo de serviços corporativos, finanças, impostos, contabilidade, software jurídico e regulatório, serviços, ferramentas de fluxo de trabalho e publicações.

Na sequência, de acordo com o ranking global das 50 maiores editoras internacionais do mundo (RWCC, 2021RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
https://www.wischenbart.com/ranking...
), o grupo britânico-germânico Springer Nature aparece como a quarta maior empresa da indústria editorial científica. A fusão do grupo Springer com a Nature ocorreu em 2015. Esse é outro caso de integração de duas organizações originárias do século 19. A Springer teve origem em Berlim, Alemanha, e, assim como a Reed Elsevier, passou por inúmeras mudanças até se estabelecer no ramo editorial científico com o nome de Springer Publishing, na metade do século 20, em Nova York, Estados Unidos. A outra parte, a Nature, teve sua primeira publicação realizada em 1869 e chamava-se Nature Publishing Group, com sede em Londres, Reino Unido.

Antes da fusão, tais editoras eram consideradas influentes no campo científico, pois seus periódicos estavam entre os mais buscados do planeta. Segundo dados do relatório de citações em periódicos divulgado pela Clarivate Analytics, o fator de impacto da Nature ultrapassou os 42 mil pontos (apud COLLIER, 2019COLLIER, K. Announcing the 2019 Journal Citation Reports. Clarivate, 20 jun. 2019. Disponível em: https://clarivate.com/blog/announcing-the-2019-journal-citation-reports/. Acesso em: 26 jul. 2022.
https://clarivate.com/blog/announcing-th...
). No mesmo ano, segundo o RWCC (2021)RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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, a receita total da fusão da britânica Nature Publishing Group com a Springer Science foi de US$ 1,7 bilhão.

O grupo editorial possui 10 mil funcionários alocados nos cinco continentes (RWCC, 2021RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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), com 44 periódicos3 3 Em destaque: Adis International, Apress, Asser Press, BioMed Central, Bohn Stafleu van Loghum, J. B. Metzler, Macmillan Education, Natureza (revista), Palgrave Macmillan, Nature Research, SciGraph, Springer Healthcare, Springer VS, Springer Verlag, Springer Gabler, Springer Vieweg, Springer Medicine e Springer Nature Technology and Publishing Solutions. classificados como Qualis A1; o preço para publicação em suas subsidiárias varia entre US$ 199 e US$ 5 mil. Para Jeronymo (2018)JERONYMO, G. Quanto custa publicar um artigo? ADUSP, 13. nov. 2018. Disponível em: https://www.adusp.org.br/files/revistas/63/13.pdf. Acesso em: 26 jul. 2022.
https://www.adusp.org.br/files/revistas/...
, existem financiamentos coletivos nas universidades estatais brasileiras para tentativa de publicação em periódicos de alto estrato, como a Nature: “Entre coautores e financiamento por agências e programas são alguns dos meios utilizados para bancar publicações que chegam a custar US$ 5 mil – cerca de R$ 18.700” (JERONYMO, 2018JERONYMO, G. Quanto custa publicar um artigo? ADUSP, 13. nov. 2018. Disponível em: https://www.adusp.org.br/files/revistas/63/13.pdf. Acesso em: 26 jul. 2022.
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).

A quinta maior editora do circuito científico global é a Wiley-Blackwell, administrada pela organização John Wiley & Sons, com sede em Nova Jérsei, Estados Unidos. Parte do grupo tem origem também da fusão de duas companhias, a Blackwell Publishers e a Blackwell Science, ambas fundadas, respectivamente, nas décadas de 1920 e 1930 em Oxford, no Reino Unido. A integração dessas duas empresas ocorreu no início do século 20, criando, segundo Poynder (2003)POYNDER, R. Change is very exciting. Information Today, v. 20, n. 8, set. 2003., a maior companhia erudita do planeta, adquirindo posteriormente outros grupos de divulgação científica como a BMJ Books, rede de publicação de periódicos médicos existente desde o século 19.

Em 2007, a editora Blackwell foi adquirida pelo centenário grupo John Wiley & Sons, Inc., uma das empresas do ramo editorial científico mais antigas do mundo, fundada na primeira década do século 19. Naquela época, a primeira instalação da editora situava-se na região central de Manhattan e funcionava com foco na publicação de obras de autores da época, como Edgar Allan Poe. O grupo Wiley não se iniciou no ramo editorial diretamente no âmbito científico; por quase cem anos, a companhia foi ocupando outras áreas técnicas até firmar-se no campo da ciência, estabelecendo-se no mercado científico apenas na primeira década do século 20, passando a publicar os trabalhos provenientes do Prêmio Nobel.

Conforme nota pública divulgada em novembro de 2006, o valor da compra do grupo Blackwell pela John Wiley & Sons foi de £$ 572 milhões (SPILKA; HANDLEY, 2006SPILKA, S.; HANDLEY, P. Wiley adquirirá a Blackwell Publishing (Holdings) Ltd. John Wiley & Sons, 17 nov. 2006. Disponível em: http://www.blackwellpublishing.com/pdf/wiley.pdf. Acesso em: 25 jul. 2022.
http://www.blackwellpublishing.com/pdf/w...
), formando assim a editora Wiley-Blackwell, responsável por negócios e publicações nas mais diversas áreas da ciência, como medicina, medicina veterinária, humanidades, psicologia, odontologia, ciências sociais, matemática, estatística, ciências da terra e do espaço, ciência da computação, economia, arquitetura, entre outras.

De acordo com a RWCC (2021)RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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, no século 21 as operações da editora Wiley-Blackwell foram expandidas para América do Norte, Europa, Ásia e Oceania. A ênfase da companhia está no segmento de editoração de livros científicos, profissionais e educacionais, conteúdo relacionado em formatos impresso e digital, bem como serviços de preparação para testes e ferramentas de fluxo de trabalho para bibliotecas, corporações, estudantes, profissionais e pesquisadores. Até o fechamento do ano fiscal de 2020, o grupo contava com sete mil funcionários, e a receita desse ano foi de aproximadamente US$ 2 milhões na divisão de publicação de artigos e pesquisas. Já a receita geral dos negócios da companhia foi próxima dos US$ 400 milhões (RWCC, 2021RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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).

No período de 2019 a 2021, a Wiley-Blackwell investiu US$ 298 milhões para adquirir a Hindawi, empresa egípcia especializada em publicações de pesquisas de acesso aberto (FARAVELLI; NAGARAJAIAH, 2021FARAVELLI, L.; NAGARAJAIAH, S. Announcing a New Partnership. Wiley Online Library, 2021. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/journal/15452263. Acesso em: 25 jul. 2022.
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); comprou a companhia Zyante Inc., grupo fornecedor de cursos de ciência da computação; e adquiriu os ativos da Knewton, empresa fornecedora de material didático tecnocientífico de aprendizagem adaptativa.

Conforme tabela de preços da biblioteca digital do grupo, os valores para publicação de artigos na Wiley variam por área. Os menores valores são próximos de US$ 300 (WILEY JOURNAL, 2023WILEY JOURNAL. Wiley Journal Price List. Wiley Journal, 2023. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/pb-assets/_PriceLists/Wiley_journals_price_list-1658311845167.xls. Acesso em: 25 jul. 2022.
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), como a revista ACEP Now, até US$ 10 mil, na American Journal of Industrial Medicine. O acervo de artigos da Wiley-Blackwell vem expandindo-se para acesso aberto, e parte do conteúdo pode ser baixado diretamente do repositório digital da empresa. Os periódicos do grupo possuem preços variáveis por área, custando entre US$ 30 e US$ 100, sendo 34 deles classificados como Qualis A1.

Apesar de os grupos Taylor & Francis Group e Sage Publishing não aparecerem entre as maiores editoras científicas do planeta no que se refere à participação no mercado e capital, ambas possuem relevância científica. Diferentemente da Reed Elsevier, Springer Nature e Wiley, que atuam também além do âmbito editorial científico, a Sage Publishing e Taylor & Francis Group têm como foco apenas os periódicos científicos.

Taylor & Francis Group tem origem no século 19, tendo sido fundado em 1852 no Reino Unido, nascido da fusão de duas empresas que abrangiam negócios no campo editorial nas áreas de agricultura, química, educação, engenharia, geografia, direito, matemática, medicina e ciências sociais. Ao longo de mais de 150 anos de atuação no ramo editorial, o grupo adquiriu dezenas de outras empresas, ampliando o catálogo de periódicos com entrada na América do Norte e na Europa.

Segundo o Relatório Anual de Demonstrações Financeiras do grupo de consultoria Informa (2018)INFORMA. Annual report and financial statements 2017. Informa, 2018. Disponível em: https://www.informa.com/globalassets/documents/investor-relations/2018/results/20180228-informa-2017-fy-results-statement.pdf. Acesso em: 27 jul. 2022.
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, o grupo Taylor & Francis publica mais de 2.700 periódicos e cerca de sete mil novos livros por ano, sendo 41 dessas revistas classificadas como Qualis A1, dominando 12,69% dos periódicos internacionais dos estratos mais altos. Com foco nas áreas de humanidades, ciências sociais, psicologia, educação, direito, ciência e tecnologia, medicina, engenharias e matemática, o grupo possui dois mil funcionários e terminou o ano fiscal de 2020 com receita de US$ 600 milhões. De acordo com a tabela de preços para autores, o custo para publicação varia, de acordo com o estrato do periódico, entre US$ 100 e US$ 10 mil.

A Sage Publishing, anteriormente chamada de Sage Publications, é a editora mais nova entre as citadas, tendo sido fundada em meados da década de 1960 em Nova York, Estados Unidos. Atualmente conta com mais de 200 revistas científicas no catálogo, sendo 22 delas classificadas como Qualis A1. O autor que pretende submeter um artigo para revisão e publicação pagará entre US$ 800 e US$ 1.200, segundo tabela de preços da organização. Com parceria com centenas de universidades, a maioria dos artigos pode ser baixada gratuitamente. Segundo o RWCC (2021)RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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, a receita total da Sage Publications, Inc. foi de US$ 454 milhões.

A Hegemonia das Grandes Editoras

Conforme detalhamos, os principais editoriais globais do âmbito científico monopolizam as publicações científicas de alto estrato e mantêm a hegemonia no circuito acadêmico. É de interesse das universidades que são classificadas como instituições de classe mundial e que pretendem alcançar o nível proposto pelo Banco Mundial que seus pesquisadores publiquem nos periódicos dessas editoras por quatro razões:

  • Visibilidade para a instituição: a universidade que busca permanecer como de classe mundial precisa que seus pesquisadores mantenham publicações nos principais periódicos globais, a fim de usar os números de publicações dos seus autores e participação no circuito editorial científico como propaganda para atrair financiamento público e privado, assim como estar no radar da clientela globalizada de estudantes-clientes;

  • Visibilidade para o pesquisador: para Slaughter e Rhoades (2004)SLAUGHTER, S.; RHOADES, G. Academic capitalism and the new economy: markets, state, and higher education. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2004., o professor-pesquisador está diante do avanço acelerado do capitalismo acadêmico global. Logo, para ter mais chances de financiamento de suas pesquisas, é recomendável que o pesquisador publique em periódicos de altos estratos. As referidas editoras detêm 237 periódicos internacionais classificados no Brasil como Qualis A1, característica que induz os pesquisadores a investirem na publicação nessas revistas;

  • Financiamento: as universidades classificadas como de classe mundial já operam com predominância do financiamento de pesquisas por meio de fundos privados. São parcerias com grandes conglomerados internacionais que buscam novos produtos por meio da tecnociência – é a ciência como fonte de lucro para capitalistas proveniente dos centros de pesquisa das universidades. Nesse caso, as universidades podem utilizar o escore de seus cientistas nos periódicos internacionais mais bem classificados como forma de concorrência entre as instituições na busca por financiamento. Situação factual que está acelerando a competição entre universidades, fomentando a quarta e última razão;

  • Ranqueamento das universidades: a metodologia que determina o ranking das melhores universidades mundiais se serve de indicadores como a reputação da instituição no âmbito de divulgação científica – nesse caso, o número de citações em periódicos internacionais nos mais altos estratos. O grupo de consultoria QS Quacquarelli Symond, fornecedor mundial de serviços, análises e insights para o setor global de educação superior, é responsável pela elaboração do ranking mundial de universidades chamado Top Universities. Entre os cinco indicadores que determinam a classificação das instituições acadêmicas, dois têm envolvimento direto com os grupos editoriais científicos: o número de citações das instituições nos melhores periódicos internacionais por área e o número de citações dos pesquisadores dessas instituições.

Enquanto os pesquisadores arriscam oportunidades pagando para publicar nos melhores e maiores periódicos internacionais, os grupos da indústria editorial científica aumentam seus lucros. Para se ter uma ideia do volume fiscal das editoras científicas citadas, somando a receita total dos sete grupos ponderados, ela totalizou mais de US$ 20 bilhões em 2020 (RWCC, 2021RUEDIGER WISCHENBART CONTENT AND CONSULTING (RWCC). Global 50 Ranking of the International Publishing Industry. Disponível em: https://www.wischenbart.com/ranking. Acesso em: 24 jul. 2022.
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). Isso demonstra sobejamente que o comércio científico é lucrativo. Consequentemente, esse circuito de produção de mais-valia não para. Por isso, notamos universidades cada vez mais precarizadas na América Latina. Esse é o caso das universidades estatais brasileiras, que estão sendo postas cada vez mais na lógica do mercado científico e acadêmico, razão minimamente definida nos ideários neoliberais: busca por fundo privado ao mesmo tempo que o fundo público disponível é sequestrado pelo privado (CARVALHO; SILVA JR., 2017CARVALHO, C. P. F.; SILVA JR., J. R. Pesquisa, pós-graduação e conhecimento-mercadoria aplicado no Brasil. EccoS – Revista Científica, São Paulo, n. 44, p. 23-42, set./dez. 2017. https://doi.org/10.5585/eccos.n44.8015
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; SILVA JÚNIOR; FARGONI, 2019SILVA JÚNIOR, J. R.; FARGONI, E. H. E. Mundialização da educação superior: notas sobre economia, produção de conhecimento e impactos na sociedade civil. Trabalho & Educação, Belo Horizonte, v. 28, n. 3, p. 35-49, 2019. https://doi.org/10.17648/2238-037X-trabedu-v28n3-15366
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).

Outros fatores determinantes que revelam o poderio das maiores editorias científicas do mundo e sua influência na produção de conhecimento nas universidades são o tempo de mercado e a consistência no ramo. Das sete maiores editoras científicas, seis têm origem no século 19 e por mais de cem anos, com aquisições e fusões, se estabeleceram no capitalismo mundial, consolidando sua hegemonia no âmbito científico. A título de exemplo, 78,55% dos periódicos internacionais classificados como Qualis A1 são de posse da Reed Elsevier, Springer Nature, Taylor & Francis, Wiley-Blackwell e Sage Publishing.

Rankings e o Capital Financeiro

Até pouco tempo atrás, um dos principais problemas do capital era reduzir a distância entre ciência e tecnologia. Embora tenha havido aproximação entre universidade e indústria, a solução dos problemas foi muito tardia. Os intelectuais empregados nas indústrias se distanciaram dos processos de pesquisa e dos seus pares, que permaneceram nas universidades, mantendo assim os centros de pesquisa distantes da lógica industrial e econômica do lócus acadêmico.

Entretanto, com o fracasso do sistema econômico monopolista de produção e o surgimento da predominância financeira, houve uma mudança radical na economia. A partir desse momento, o ciclo de capital portador de juros passou a gerar dinheiro sem trabalho. Isso significa que os investidores passaram a ganhar dinheiro sem precisar trabalhar ou produzir algo. Essa situação tornou-se preocupante, porque ultrapassa o âmbito científico e reverbera no social, elevando a desigualdade social e aumentando a concentração de riqueza nas mãos de poucos.

A equação marxista D´>D ajuda a compreender esse processo na prática. Quando o dono do dinheiro investe ou empresta dinheiro, ele recebe juros como forma de pagamento. Essa operação é jurídica e econômica e impõe taxas de juros e tempo de pagamento. O processo real de produção de valor é desconsiderado nessa operação. Isso significa que o proprietário do dinheiro pode ganhar muito dinheiro sem precisar trabalhar ou produzir algo; basta a propriedade privada do capital na forma dinheiro.

A execução desse processo pode ser realizada por grupos empresariais, Estados nações e até amigos. Os principais agentes institucionais que operam no mundo são dos fundos mútuos, que pertencem ao sistema monetário mundial. Esses agentes estão subordinados aos fundos de pensão, sobretudo dos grupos predominantemente industriais, o que caracterizou o regime de predominância financeira. Por isso, as grandes corporações têm papel importante nesse processo, influenciando toda a cadeia da economia global.

Do ponto de vista jurídico, o ciclo financeiro não apenas comprime o ciclo do capital em funções – que são as relações sociais de produção, mas também as relações sociais em geral. Isso altera a sociabilidade e a subjetividade de todo cidadão e exige a produção de valor real em tempo recorde do trabalho vivo, o que significa que as pessoas precisam trabalhar mais para produzir maior valor em menor tempo. Para Silva Júnior (2018)SILVA JÚNIOR, J. R. Prefácio. In: BIANCHETTI, L.; ZUIN, A. S. A.; FERRAZ, O. Publique, apareça ou pereça: produtivismo acadêmico, pesquisa administrativa e plágio nos tempos da cultura digital. Salvador: Edufba, 2018., é nessa conjunção de fatores que estão o verdadeiro problema do capital e a imprescindibilidade de eliminar o gap entre ciência e tecnologia:

Neste ponto, a universidade e a pesquisa nela produzida cumprem o papel estratégico. Como? Redefinindo a ciência e o conhecimento, conforme a referida necessidade. Por esta via, a racionalidade econômico-financeira interpõe-se nas práticas cotidianas da vida universitária. O que as pesquisas, o trabalho do pesquisador e do professor precisam apresentar é o conhecimento-mercadoria. Interessa que ele dure um ciclo econômico e que novos conhecimentos dessa natureza sejam produzidos indefinidamente

(SILVA JÚNIOR, 2018SILVA JÚNIOR, J. R. Prefácio. In: BIANCHETTI, L.; ZUIN, A. S. A.; FERRAZ, O. Publique, apareça ou pereça: produtivismo acadêmico, pesquisa administrativa e plágio nos tempos da cultura digital. Salvador: Edufba, 2018., p. 10).

Nesse processo econômico e financeiro que invadiu o lócus de trabalho da vida universitária, o autor ressalta:

Isso está na raiz das explicações das reformas universitárias, no financiamento das universidades, na sua organização e gestão, na avaliação, na importância dos rankings, na necessidade da expansão e da internacionalização da educação superior, em nova divisão internacional do trabalho científico, no acesso e no conhecimento que é produzido nessas instituições. É imprescindível destacar que muitas pesquisas neste âmbito apresentam denúncias cientificamente consistentes nos seus estudos: a necessidade da publicação. Esta tornou-se mercadoria nas mãos de sete editoras no mundo todo para as quais as universidades vendem os direitos autorais de produções de seus pesquisadores profissionais

(SILVA JÚNIOR, 2018SILVA JÚNIOR, J. R. Prefácio. In: BIANCHETTI, L.; ZUIN, A. S. A.; FERRAZ, O. Publique, apareça ou pereça: produtivismo acadêmico, pesquisa administrativa e plágio nos tempos da cultura digital. Salvador: Edufba, 2018., p. 11).

Nesse cenário, os pesquisadores recebem pagamentos adicionais quando vendem seus direitos autorais para as universidades onde trabalham, contudo publicações em diversas áreas do conhecimento, como farmacêutica, tecnológica e matemática, só aparecem depois que se tornam patentes ou que uma equação matemática as transforma em produtos financeiros nas bolsas de valores. Dessa forma, podemos inferir que os artigos ou qualquer tipo de publicação mais acadêmica são menos para a socialização do conhecimento e mais caracterizados como publicidade do produto e do próprio pesquisador.

Tais mudanças são estruturais na academia, exigindo que os pesquisadores publiquem profusamente e muitas vezes repitam o que já escreveram, porém em formatos diferentes (ensaios, resenhas, artigos, livros, entre outros). Como é o caso da tecnologia da informação, que encurta o tempo de publicação e aumenta o tempo em que o texto e seu autor aparecem. Por conseguinte, o pesquisador pode identificar-se imprudentemente com a ciência financeirizada. Isso se reflete na compressão espaçotemporal típica da sociedade contemporânea e exigida pela economia mundial dominada pelo capital financeiro, em que se exige compressão do tempo epistêmico e neurológico do pesquisador, causando muito sofrimento. Essa situação aliena o pesquisador na universidade, e seu trabalho é focado em encontrar resultados comercializáveis. Desse modo, podemos dizer que o trabalho do pesquisador está sendo exaurido pelo capital financeiro, como nos revela Silva Júnior (2018, p. 12)SILVA JÚNIOR, J. R. Prefácio. In: BIANCHETTI, L.; ZUIN, A. S. A.; FERRAZ, O. Publique, apareça ou pereça: produtivismo acadêmico, pesquisa administrativa e plágio nos tempos da cultura digital. Salvador: Edufba, 2018.:

Suas dimensões humanas estilhaçam-se e o fazem voltar-se contra si mesmo e identificar-se com a necessidade de “mais”, como o Mito de Tântalo4 4 O mito de Tântalo é uma história da mitologia grega que conta a história de Tântalo, antigo rei da Frígia. Nessa mitologia, Tântalo foi condenado a um suplício de fome e sede eternas no Tártaro por ter tentado enganar os deuses para alimentar os mortais. Assim, o mito busca mostrar a ambição sem ética e a satisfação inatingível dos mortais, que sempre buscam mais. . Nunca há satisfação. The Rolling Stones, em brilhante música de Mick Jagger e Keith Richards I Can’t Get No Satisfaction, já nos alertava em 1965. Sem a satisfação humana contrária à meritocracia fake, a saída é a busca de momentos de paz artificial produzida pelo álcool, drogas ou, o pior, as drogas legais que não curam, mas produzem dependência para aumentar os lucros dos laboratórios farmacêuticos

(SILVA JÚNIOR, 2018, p. 12).

O fato que pode ser considerado um marco que deu origem à menção ao chamado produtivismo acadêmico, tendo sido pesquisado por diversos autores (SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009SGUISSARDI, V.; SILVA JÚNIOR, J. R. O trabalho (intensificado) nas federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico. São Paulo: Xamã, 2009.; BIANCHETTI; ZUIN; FERRAZ, 2018BIANCHETTI, L.; ZUIN, A. S. A.; FERRAZ, O. Publique, apareça ou pereça: produtivismo acadêmico, pesquisa administrativa e plágio nos tempos da cultura digital. Salvador: Edufba, 2018.), consiste na publicação da Lista dos Improdutivos da USP pelo periódico Folha de S.Paulo em 1999. A lista do referido jornal continha o nome de mais de mil docentes da Universidade de São Paulo (USP) que supostamente não produziam o suficiente. A lista foi criticada por muitos acadêmicos e professores por ser uma tentativa de desacreditar o trabalho científico da universidade pública e de seus professores. No ano de divulgação da lista, Flávio Aguiar, ex-professor da USP e vice-presidente da Associação dos Docentes da instituição à época, expressou sua crítica e narrou o histórico do ocorrido em seu blogue:

Lembro-me do episódio jornalístico e acadêmico que no passado ficou conhecido com o nome de “A lista dos improdutivos”. Na ocasião, eu era vice-presidente da Associação dos Docentes da USP. O então reitor da USP, José Goldemberg, recebeu uma lista de professores da instituição que não tinham nenhuma publicação registrada nos relatórios entregues aos canais competentes, durante o ano anterior. Por estas estranhas alquimias, a lista foi parar nas mãos de jornalistas da Folha de S. Paulo. E o jornal, numa edição de domingo, publicou a relação de nomes, sob o título injuriante de “A lista dos improdutivos”. Isto virou um rumoroso caso, com processo judicial, debates acalorados, gente querendo depor Goldemberg. Houve até quem perdesse a voz por ter seu nome assim exposto em praça pública, como se fosse num antigo pelourinho. Vamos e venhamos: ser improdutivo é pelo menos duas vezes pior que ser um detrator

(AGUIAR, 2020AGUIAR, F. Estou fora da lista, mas posso explicar: eu também sou um detrator! Rede Brasil Atual, 2022. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/blog-do-velho-mundo/estou-fora-da-lista-mas-posso-explicar-eu-tambem-sou-um-detrator/. Acesso em: 20 jun. 2023
https://www.redebrasilatual.com.br/blogs...
).

Posteriormente, a Folha de S.Paulo, buscando redimir-se, organizou um debate sobre a questão em seu auditório e retirou a lista do site do jornal.

Num segundo momento o que entra em pauta consiste na busca da ciência, tecnologia e inovação (aqui, relativamente, as patentes aumentaram). Essa visibilidade da tentativa de desqualificação do professor e da universidade pública impõe buscar as razões do evento. Sabíamos da necessidade da incursão na economia política. Por isso, reencontramos Marx no Grundrisse e no livro III de O capital, leituras fundamentais para compreender a realidade vigente até hoje. O central consiste em que se diminua o preço do trabalho vivo, material ou imaterial.

Considerações Finais

O primeiro momento deste texto, seu ponto de partida, mostra com clareza solar a indução do Banco Mundial por meio dos rankings ao oligopólio das universidades de classe mundial pautada nos critérios lá apresentados. Os critérios e a metodologia dos rankings conformaram um número reduzido de editoras que concentram mais de 70% dos periódicos A1. É, portanto, esse conglomerado, com capital aberto nas grandes bolsas de valores do mundo, que impõe a classificação. Por outro lado, muitas universidades e pesquisadores já institucionalizaram as regras que imediatamente têm origem no capital financeiro e, o que nos parece pior, é que os próprios pesquisadores já institucionalizaram tal competição, no Brasil e alhures, e as universidades fazem marketing por meio de suas posições nos rankings. Recentemente analisamos um ranking em que o Brasil tinha 13 universidades entre as 20 melhores da América Latina, contudo vimos as 13 individualmente vendendo suas posições, verdadeiro mercado de conhecimento. Algo horrível para nossa geração.

As consequências são muitas. Duas, que há muito chamam a atenção, são o sequestro da autonomia da sua própria pauta de pesquisa e sua ausência de relação com as necessidades locais das instituições. A pauta é, em última instância, induzida pelo Banco Mundial. Isso resulta na perda de autonomia dos pesquisadores em seus campos temáticos. O pesquisador não escolhe seu objeto de investigação e estranha-o. É-lhe imposto um tempo para finalizar o trabalho que jamais consiste no tempo científico; esse tempo decorre da pressão dos ciclos de movimentação do capital. Há aí outra imposição exógena. Em acréscimo, o processo de trabalho também lhe é estranho. Vale destacar a distância que o trabalho mantém em sua condição de protoforma da atividade humana, que aumenta a cada passo.

No Brasil há uma miríade de pequenas editoras em que o autor paga para publicar e estão em processo de abertura de capital na bolsa de valores ou, se bem organizada, ser comprada pelo oligopólio de editoras, estendendo assim sua área de exploração em escala mundial. Tais editoras apostam na ingenuidade do autor. Ele trabalha e não vende seu produto, mas paga para publicar – o ápice da alienação. No processo de construir-se a si mesmo, destrói-se, estranha a si mesmo correndo atrás de posições em rankings.

Aqui vale lembrar a epígrafe deste texto, de autoria de Francisco de Oliveira (2006, p. 73)OLIVEIRA, F. O vício da virtude: autoconstrução e acumulação capitalista no Brasil. Novos Estudos Cebrap, n. 74, p. 67-85, mar. 2006. https://doi.org/10.1590/S0101-33002006000100005
https://doi.org/10.1590/S0101-3300200600...
: “No mundo da mercadoria a pior coisa que pode acontecer a alguém é não ser mercadoria”. Se não somos mercadorias, estamos abaixo da linha da pobreza, engrossamos os milhões de desempregados? A categoria mercadoria é uma contradição: se assumimos ser mercadoria, devemos ter consciência dela para diminuir a sua reiteração e, pesadamente, o fetichismo. Aqui parece que a materialidade da mercadoria é desconsiderada, e o que joga peso na movimentação do processo é o fetichismo.

Uma professora de uma universidade federal teve um artigo seu aprovado na área de química e pagou cerca de US$ 1 mil para publicar o fruto de seu próprio trabalho. O que dizer? Por questão ética, não faremos essa análise, porém a pesquisadora não traz consigo a consciência de si. Isso é muito recorrente em associações científicas e similares. Tal como o ex-diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e atualmente vice-presidente sênior da Elsevier Research Networks, Carlos Henrique de Brito Cruz, que disse em entrevista que trará uma subsidiária da corporação para a Universidade Estadual de Campinas (apud APPLE, 2023APPLE. Collaboration and data as drivers of progress: a conversation with Professor Carlos Henrique de Brito Cruz. Apple Podcasts Preview, 2023. Disponível em: https://podcasts.apple.com/us/podcast/collaboration-and-data-as-drivers-of/id1483080362?i=1000532124541. Acesso em: 3 jun. 2023.
https://podcasts.apple.com/us/podcast/co...
).

As consequências do exposto para a saúde do pesquisador sinteticamente podem ser assim arroladas: sofrimento, adoecimento biológico e mental (sobretudo), vícios, de maneira especial em drogas lícitas para dormir, para aumentar a produtividade. Dessa forma, o capital controla o sono, o ritmo de trabalho, e lucra com isso. A vaidade e o hedonismo colocam-nos em uma armadilha que pode ser mortal.

Notas

  • 1
    Ressaltamos que nesse item se considera também o índice H, métrica variável de acordo com o número total de artigos publicados em determinado período. O Banco Mundial (2011)BANCO MUNDIAL. O caminho para a excelência acadêmica: a criação de universidades de pesquisa de classe mundial. Washington, D.C.: World Bank, 2011. sugere publicações dos últimos cinco anos.
  • 2
    Soma dos valores do capital divulgado nos portais das empresas mãe que administram a divisão financeira das editoras. Informações disponíveis em: https://www.relx.com/corporate-responsibility e https://br.advfn.com/bolsa-de-valores/nyse/RELX/cotacao. Acesso em: 14 jun. 2023.
  • 3
    Em destaque: Adis International, Apress, Asser Press, BioMed Central, Bohn Stafleu van Loghum, J. B. Metzler, Macmillan Education, Natureza (revista), Palgrave Macmillan, Nature Research, SciGraph, Springer Healthcare, Springer VS, Springer Verlag, Springer Gabler, Springer Vieweg, Springer Medicine e Springer Nature Technology and Publishing Solutions.
  • 4
    O mito de Tântalo é uma história da mitologia grega que conta a história de Tântalo, antigo rei da Frígia. Nessa mitologia, Tântalo foi condenado a um suplício de fome e sede eternas no Tártaro por ter tentado enganar os deuses para alimentar os mortais. Assim, o mito busca mostrar a ambição sem ética e a satisfação inatingível dos mortais, que sempre buscam mais.

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Editor de seção: Nelson Cardoso do Amaral https://orcid.org/0000-0002-3593-9582

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Ago 2022
  • Aceito
    04 Jul 2023
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