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JALECOS BRANCOS: TRAJETÓRIA E DESEMPENHO DE COTISTAS DO CURSO DE MEDICINA DA UNB

WHITE COATS: QUOTA STUDENTS’ TRAJECTORY AND PERFORMANCE IN MEDICAL SCHOOL AT UNB

BATAS BLANCAS: TRAYECTORIA Y DESEMPEÑO DE LOS ESTUDIANTES DE CUOTAS DE LA CARRERA DE MEDICINA DE LA UNB

RESUMO

Este artigo discute a experiência e o desempenho de estudantes cotistas do curso de medicina da Universidade de Brasília. Com base em dados estatísticos e 11 entrevistas realizadas com discentes do curso, discorremos sobre desempenho acadêmico, taxa de evasão, origem familiar, preparação para os processos seletivos, vivência na faculdade e perspectivas futuras dos estudantes. O recorte empírico da pesquisa fundamentou-se no tipo de cotas de ingresso e na raça/cor dos estudantes. Concluímos o texto demonstrando que estudantes cotistas e não cotistas possuem desempenho acadêmico semelhante, bem como mostramos os alcances positivos da política e os desafios para que os corpos que vestem os jalecos brancos não sejam somente brancos, mas tenham a cor/raça da população que será atendida pelas novas gerações de médicos.

Palavras-chave
Negros; Indígenas; Trajetória; Desempenho

ABSTRACT

This article discusses quota students’ experience and performance in the medical school at Universidade de Brasília. Based on statistical data and 11 interviews conducted with students of the course, we discuss academic performance, dropout rate, family origin, preparation for selection processes, college experience, and students’ future perspectives. The empirical focus of the research was based on the type of admission quota and the students’ race/color. We conclude the text by demonstrating that quota and non-quota students have similar academic performance, as well as showing the policy’s positive reach and the existing challenges for the bodies that wear white coats not only to be white, but to have the color/race similar to that of the population that will be served by the new generations of doctors.

Keywords
Black people; Indigenous; Trajectory; Performance

RESUMEN

Este artículo analiza la experiencia y el desempeño de los estudiantes de cuotas en el curso de medicina en la Universidad de Brasilia. Con base en datos estadísticos y once entrevistas con estudiantes del curso, se analiza el rendimiento académico, la tasa de deserción, los antecedentes familiares, la preparación para los procesos de selección, la experiencia universitaria y las perspectivas de futuro de los estudiantes. El enfoque empírico de la investigación se basó en el tipo de cuotas de ingreso y en la raza/color de los estudiantes. Concluimos demostrando que los alumnos de cuotas y no cuotas tienen un rendimiento académico similar, así como mostrar los alcances positivos de la política y los desafíos para que los cuerpos que visten batas blancas no solo sean blancos, sino que tengan el color/raza de la población que será atendida por las nuevas generaciones de médicos.

Palabras clave
Negros; Indígenas; Trayectoria; Performance

Introdução

O presente artigo discute a experiência de estudantes cotistas do curso de medicina da Universidade de Brasília (UnB), levando em conta a dimensão qualitativa e processual, bem como dados estatísticos acerca do desempenho de tais estudantes. O material apresentado é fruto de pesquisa mais ampla acerca das políticas de cotas na UnB1 1 Trata-se da pesquisa Efeito das ações afirmativas na UnB: avaliação e monitoramento da política de cotas, cadastrada na plataforma Brasil sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 54847721.4.0000.5540 e financiada pelo Fundo de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, Edital nº 09/2022; pesquisa Caleidoscópio das ações afirmativas: avaliação, experiência e alcances das políticas de cotas nas universidades públicas (chamada 40/2022); e pesquisa Práticas de racialização e promoção da igualdade racial no Brasil, África do Sul, Reino Unido e Suécia, financiada pelo Swedish Research Council. , para a qual foram realizadas entrevistas com estudantes de diversos cursos, além de levantamentos estatísticos em diferentes bases de dados da universidade.

A UnB destaca-se pelo pioneirismo na implementação de cotas raciais para ingresso em cursos de graduação no Brasil, que antecedem as exigências das leis federais nº 12.711/2012 e nº 13.409/2016BRASIL. Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016. Altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino. Brasília: Presidência da República, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13409.htm. Acesso em: 1º ago. 2022.
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, se somam a elas e as ultrapassam. Já o curso de medicina sobressai por ser aquele com maior dificuldade de ingresso por conta da forte concorrência.

As faculdades de medicina têm sido importantes locais de reprodução de elites nacionais e têm acesso extremamente difícil para estudantes oriundos de estratos socioeconômicos menos favorecidos e que cursaram escolas públicas. Do ponto de vista racial, no passado recente, tais faculdades eram reconhecidas como espaços majoritariamente brancos. Nos últimos anos, as políticas de cotas têm impulsionado profundas transformações na experiência universitária, o que inclui alterações em cotidianos urbanos e o encontro de pessoas com trajetórias biográficas bem mais diversas do que era comum em instituições federais de ensino superior como a UnB (CARVALHO; SEGATTO, 2002CARVALHO, J. J.; SEGATO, R. L. Uma proposta de cotas para estudantes negros na Universidade de Brasília. Brasília: Universidade de Brasília, 2002. 52 p. (Série Antropológica, n. 314.); VELLOSO, 2009VELLOSO, J. Cotistas e não-cotistas: rendimento de alunos da Universidade de Brasília. Cadernos de Pesquisa, v. 39, n. 137, p. 621-644, 2009. https://doi.org/10.1590/S0100-15742009000200014
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; PATRIOTA DE MOURA, 2017PATRIOTA DE MOURA, C. Considerações sobre “motilidade” estudantil nos campi da Universidade de Brasília. In: MARTINS, C. B.; VIEIRA, M. M. (org.). Educação superior e os desafios do novo século: contextos e diálogos Brasil-Portugal. Brasília: Editora UnB, 2017. p. 301-334.; BERNARDINO-COSTA; BORGES, 2021BERNARDINO-COSTA, J.; BORGES, A. Um projeto decolonial antirracista: ações afirmativas na pós-graduação da Universidade de Brasília. Educação & Sociedade, v. 42, e253119, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.253119
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).

Os jalecos da medicina continuam brancos, mas já há uma variedade maior de corpos que os vestem, apesar de ainda existirem estereótipos e dinâmicas de poder que reforçam a ordem da branquidade no ambiente universitário (SANTOS, 2017SANTOS, D. B. R. Curso de branco: uma abordagem sobre acesso e permanência de estudantes de origem popular nos cursos de saúde da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Revista Contemporânea de Educação, v. 12, n. 23, p. 31-50, 2017. https://doi.org/10.20500/rce.v12i23.3229
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; PIRES; SIQUEIRA, 2019PIRES, D.; SIQUEIRA, V. H. F. Multiculturalismo, identidades, formação profissional e as cotas: construções por estudantes de medicina da UFRJ. Revista Eletrônica de Educação, v. 13, n. 3, p. 1082-1102, 2019. https://doi.org/10.14244/198271992546
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; PENA; MATOS; COUTRIM, 2020PENA, M. A. C.; MATOS, D. A. S.; COUTRIM, R. M. E. Percurso de estudantes cotistas: ingresso, permanência e oportunidades no ensino superior. Revista Avaliação, v. 25, n. 1, p. 27-51, 2020. https://doi.org/10.1590/S1414-40772020000100003
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). Como veremos, os relatos dos estudantes entrevistados atestam os desafios de enfrentar obstáculos econômicos e sociais em um ambiente que ainda é permeado por atitudes elitistas e discriminatórias, mas que também tem possibilidades de acolhimento e superação.

As narrativas colhidas, de estudantes com diferentes perfis étnico-raciais e socioeconômicos, indicam que as diferenças nas trajetórias pregressas dos estudantes de medicina têm forte impacto nas suas experiências durante o curso universitário. São diferenças em termos de tipos de desafio enfrentados no cotidiano da vida universitária que tornam a experiência do curso muito diversa para estudantes indígenas, negros, provenientes de escolas públicas e privadas, com variados níveis de renda.

O alto índice de concorrência faz com que todos tenham enfrentado rotinas intensas de estudo e tenham forte empenho pessoal, aliado a altas habilidades individuais. As diferentes formas de ingresso proporcionadas pela UnB possibilitam algum grau de equidade no sentido de que há concorrências diferenciadas de acordo com as várias modalidades em um complexo sistema de cotas.

Veremos, com base nos dados apresentados, que, com todas as diferenças de origem, o desempenho médio daqueles estudantes que ingressam por modalidades definidas pelo sistema de cotas não apresenta significativas discrepâncias. Os índices de evasão são semelhantes. O índice de rendimento acadêmico ao longo do curso tampouco apresenta variações significativas, contrariando argumentos ouvidos (mesmo de um ou outro professor) de que os cotistas – especialmente étnico-raciais – estariam baixando o nível do curso ou que seriam menos capazes do que os que ingressam pelo sistema de Ampla Concorrência.

Nossa perspectiva é a de que o sistema de cotas traz importantes ganhos para a sociedade de maneira geral, uma vez que os corpos e as trajetórias de vida dos futuros médicos podem se tornar cada vez mais semelhantes aos corpos e às trajetórias dos “medicados”, ou seja, dos que compõem o agregado social em que vivemos. Se, por um lado, não foram percebidas diferenças de desempenho entre os que se encaixam nas inúmeras modalidades de ingresso na UnB, por outro lado percebemos que as experiências captadas pelas entrevistas são importantes indicadores de que ainda há muito a ser feito para “equalizar” as oportunidades e tornar mais justos os desafios enfrentados nas trajetórias daqueles que vestem os jalecos.

O presente artigo divide-se em seis seções, além desta introdução. Na próxima seção, apresentamos brevemente a faculdade de medicina da UnB e as formas de ingresso. Na terceira seção trazemos os 11 estudantes entrevistados, suas trajetórias de vida, famílias e preparação para entrar no curso de medicina. Na quarta seção se tem o perfil dos discentes do curso de medicina de acordo com a modalidade de concorrência, a taxa de evasão e o desempenho acadêmico. Em relação ao desempenho acadêmico, estabelecemos comparações não somente no tocante à modalidade de concorrência, mas também entre estudantes negros e brancos. Todavia, a vida do estudante não se resume ao desempenho acadêmico. Portanto, na quinta seção abordamos a vivência do estudante no curso, os desafios para a permanência, a integração na vida acadêmica por meio das atividades de pesquisa e os percalços enfrentados, entre eles o racismo. Na penúltima seção refletimos sobre as perspectivas futuras e sonhos dos futuros médicos. Por fim, a conclusão destaca os principais achados da pesquisa, os alcances da política de cotas e alguns de seus desafios.

A Faculdade de Medicina e Suas Formas de Ingresso

O curso de medicina da UnB iniciou suas atividades em 1966, porém somente em 1972 teve seu reconhecimento formal pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), tendo formado gerações e gerações de profissionais que atuam em todo o território nacional.

No currículo vigente, aprovado em 2015, a carga horária da graduação em medicina totaliza 7.920 horas, a serem cursadas em 12 semestres (FACULDADE DE MEDICINA, 2015FACULDADE DE MEDICINA. Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Brasília. Brasília: Universidade de Brasília, 2015. 194 p. Disponível em: http://fm.unb.br/graduacao/projeto-pedagogico-do-curso. Acesso em: 19 ago. 2022.
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). O fluxograma do curso está organizado em três ciclos:

  • Ciclo básico: com duração de quatro semestres (1º ao 4º semestre), dedica-se ao aprendizado do conhecimento de ciências biológicas, estruturas macro e microscópicas, desenvolvimento e funcionamento do corpo humano;

  • Ciclo clínico: com duração de cinco semestres (5º ao 9º semestre), quando o curso conjuga o conteúdo teórico com o prático nos hospitais;

  • Internato: com duração de três semestres (10º ao 12º semestre), quando se dá o treinamento supervisionado para o exercício profissional da medicina (FACULDADE DE MEDICINA, 2015FACULDADE DE MEDICINA. Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Brasília. Brasília: Universidade de Brasília, 2015. 194 p. Disponível em: http://fm.unb.br/graduacao/projeto-pedagogico-do-curso. Acesso em: 19 ago. 2022.
    http://fm.unb.br/graduacao/projeto-pedag...
    , p. 37).

O curso de medicina oferece 40 vagas semestrais, que são preenchidas por candidatos aprovados no Programa de Avaliação Seriada (PAS), vestibular tradicional e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)2 2 A UnB continua a ter acesso pelo Enem, mas, desde o processo seletivo de 2020, não mais integra o Sistema de Seleção Unificada. O candidato, em vez de se inscrever pela plataforma do MEC, inscreve-se em edital próprio da UnB. . Além disso, são ofertadas vagas adicionais para candidatos aprovados no vestibular indígena. O número de vagas ofertadas pelo vestibular indígena pode variar conforme o ano. Por exemplo, em 2020, foram abertas quatro vagas, duas no primeiro semestre e mais duas no segundo (UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA, 2020bUNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. Vestibular Indígena UnB/Funai. Edital nº 1, de 18 de outubro de 2019. Brasília: UnB, 2020b. 43 p. Disponível em: https://cdn.cebraspe.org.br/vestibulares/vestunb_20_indigena/arquivos/ED_1_2019_VESTUNB_20_1_INDIGENA_ABT.PDF. Acesso em: 1º ago. 2022.
https://cdn.cebraspe.org.br/vestibulares...
). Além do vestibular indígena, há também ingressos por transferência obrigatória, transferência facultativa, mudança de curso e em vagas abertas para estudantes estrangeiros (FACULDADE DE MEDICINA, 2015FACULDADE DE MEDICINA. Projeto Pedagógico do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Brasília. Brasília: Universidade de Brasília, 2015. 194 p. Disponível em: http://fm.unb.br/graduacao/projeto-pedagogico-do-curso. Acesso em: 19 ago. 2022.
http://fm.unb.br/graduacao/projeto-pedag...
). Por esse motivo, não é incomum que as turmas de medicina se iniciem com entre 45 e 50 estudantes a cada semestre.

As vagas oferecidas pelo PAS, vestibular tradicional e Enem são distribuídas de acordo com a política de cotas federal (Lei nº 12.711/2012 e Lei nº 13.409/2016) e a política de cotas específica da UnB, que são as cotas para negros3 3 Ao adotar a atual Lei nº 12.711/2012, a UnB decidiu manter 5% de suas vagas para estudantes negros, independentemente do tipo de escola cursado no ensino médio. Para mais detalhes, ver Bernardino-Costa (2022). . Assim, temos as seguintes modalidades de concorrência:

  • Ampla Concorrência;

  • Escola pública com “alta renda”: renda familiar per capita acima de 1,5 salário mínimo (EP-AR);

  • Escola pública com “baixa renda”: renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo (EP-BR);

  • Escola pública com “alta renda”: renda familiar per capita acima de 1,5 salário mínimo para candidatos classificados como Pretos, Pardos, Indígenas (EP-AR-PPI);

  • Escola pública com “baixa renda”: renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo para candidatos classificados como Pretos, Pardos, Indígenas (EP-BR-PPI);

  • Escola pública com “alta renda”: renda familiar per capita acima de 1,5 salário mínimo e pessoas com deficiência (EP-AR-PCD);

  • Escola pública com “baixa renda”: renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e pessoas com deficiência (EP-BR-PCD);

  • Escola pública com “alta renda”: renda familiar per capita acima de 1,5 salário mínimo para candidatos classificados como Pretos, Pardos, Indígenas e pessoas com deficiência (EP-AR-PPI-PCD);

  • Escola pública com “baixa renda”: renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo para candidatos classificados como Pretos, Pardos, Indígenas e pessoas com deficiência (EP-BR-PPI-PCD);

  • Cotas para negros.

De acordo com as modalidades de concorrência, as vagas do curso distribuem-se da seguinte maneira (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das vagas do curso de medicina da Universidade de Brasília.

Conforme dito anteriormente, além das modalidades de concorrência, há também outro sistema de ingresso nos cursos de medicina, o vestibular indígena, que faz parte da política de ação afirmativa da UnB.

O que temos, com as modalidades de concorrência instituídas pelas políticas de cotas da UnB e do governo federal, é um sistema que visa à equidade, uma vez que permite que candidatos com condições de vida aproximadas (tipo de escola, renda, condição racial, pessoas com deficiência – PCDs) concorram entre si.

Para os objetivos deste artigo, embora algumas vezes façamos menções aos estudantes PCDs, estes não serão contemplados na análise a seguir, pelo fato de que não conseguimos realizar nenhuma entrevista com tais alunos. Além disso, teríamos de mobilizar uma ampla literatura sobre capacitismo e anticapacitismo, o que extrapolaria a extensão deste artigo.

Trajetórias e Aprovação nos Processos Seletivos

Entre abril e maio de 2022, entrevistamos 11 estudantes do curso de medicina, que entraram pelas diversas modalidades de concorrência, conforme pode ser visto na Tabela 24 4 Não houve critério temporal preestabelecido para selecionar os entrevistados. A única exigência é que estivessem matriculados na ocasião das entrevistas, realizadas em 2022. . Por causa da pandemia de Covid-19,as entrevistas foram realizadas pela plataforma Teams. A seleção dos entrevistados baseou-se na técnica de bola de neve (FLICK, 2004FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. São Paulo: Bookman, 2004.). Utilizamos um roteiro de entrevista semiestruturado, dividido em 11 blocos de perguntas: identificação; trajetória familiar e escolar; preparação para a universidade; trajetória na universidade; inserção em atividades acadêmicas; experiência no mercado de trabalho; idiomas e línguas estrangeiras; formação identitária na universidade; racismo; política de cotas e perspectivas futuras. As entrevistas duraram em média 1 hora e 30 minutos – a mais curta durou 56 minutos, e a mais extensa, 2 horas e 6 minutos.

Ao analisarmos as entrevistas, não tivemos a pretensão de traçar generalizações estatísticas ou perfis típicos dos estudantes do curso de medicina, mas sim fazer algumas inferências analíticas acerca do funcionamento e dos efeitos da política de cotas nesse curso. Como podemos observar na Tabela 2, temos três estudantes que entraram por Ampla Concorrência, três por EP-BR-PPI, dois por cotas para negros, dois pelo vestibular indígena e um por EP-BR. Na nossa amostra não foi contemplado nenhum estudante EP-AR e nenhum estudante PCD. Por outro lado, entrevistamos sete homens e quatro mulheres; quatro estudantes autoclassificados como brancos, cinco negros (três pretos e dois pardos) e dois indígenas.

Tabela 2
Entrevistados/as5 5 Todos os nomes utilizados neste texto são fictícios, para preservar o anonimato e conforme acordado com os sujeitos envolvidos na pesquisa. do curso de medicina por sexo, idade, cor/raça,ano de ingresso e modalidade de concorrência, 2022

O conteúdo das entrevistas nos permite discutir alguns aspectos de trajetórias de vida (antes e ao longo do curso) que enriquecem nossa visão de quem são esses estudantes, como tem se dado sua convivência com colegas e professores, bem como seus sonhos e expectativas quanto ao futuro. Duas das dimensões que nos chamam a atenção são a diversidade de trajetórias de vida e como cada um desenvolveu estratégias singulares para potencializar seus projetos, ainda que com o impulsionamento de familiares e oportunidades proporcionadas por diferentes instituições.

Infância e Família

Antônio (Ampla Concorrência)6 6 Colocamos entre parênteses os termos que identificam a modalidade de concorrência dos entrevistados. cresceu na Ceilândia (DF), em condições muito adversas do perfil que se imagina do estudante de medicina:

Eu nasci em Taguatinga, no Distrito Federal, eu cresci na Ceilândia, que já é uma zona mais periférica do DF. E foi uma relação bem conturbada, morava numa região bem pobre mesmo, de uma região mais pobre ainda, que era no setor P Sul. Morávamos perto ali da usina de lixo. Foi uma relação bem complicada, eram vizinhos que estavam em situação de vulnerabilidade, com envolvimento com crime, outra situação análoga. Era sempre uma rotina de casa–escola, escola–casa, não brincávamos na rua, não tínhamos esse acesso a vizinhos, a amigos, então, quando não isolados, bem privados a qualquer tipo de contato.

Sua mãe é costureira e tem ensino médio completo, e seu pai trabalha como marceneiro, tendo apenas o ensino fundamental. Antônio é o primeiro de sua família a entrar numa universidade pública: “Eu fui o único da família, de toda a família, de todos os primos até hoje, a ingressar num curso na Universidade de Brasília ou em uma instituição pública”, embora outros irmãos/irmãs tenham feito curso superior em faculdades privadas. Toda sua trajetória escolar – do primário à universidade – foi feita em colégios públicos. O curso de medicina é o seu segundo curso superior; ele fez outro curso numa faculdade pública a distância. Sua opção pela Ampla Concorrência foi estratégica: ao ver que sua nota permitia o ingresso por essa modalidade, optou por ela para não “ocupar” uma vaga destinada a estudantes EP-BR e assim permitir que outro candidato com trajetória semelhante à sua pudesse entrar na universidade.

Outra experiência, também cheia de percalços para o ingresso numa universidade pública, foi compartilhada por Cláudio (EP-BR-PPI). Nascido em Feira de Santana (BA), cresceu numa pequena cidade do interior na transição do Recôncavo Baiano para o sertão. Diz que teve uma infância típica de criança da roça, brincando na rua, e que sua família está naquela região há mais de cem anos. Imagina que seus antepassados tenham sido escravizados. Relata que a grande diferença na sua trajetória se deve à mãe, também uma exceção na realidade daquela pequena cidade do interior da Bahia, pois obteve curso superior:

Daí, se não fosse a minha mãe me colocando no eixo, eu acho que eu seguiria o mesmo caminho, entendeu? Assim, a minha família é toda da construção civil, tudo peão, essas coisas. O meu pai conseguiu subir um pouco na carreira, mas, mesmo assim, só tem o ensino médio, ele conseguiu ser mestre de obras, por exemplo.

A trajetória desses dois entrevistados contrasta com as experiências das outras duas candidatas que entraram por Ampla Concorrência: Helena e Karina. Ambas encaixam-se no que é percebido como o perfil típico de estudantes oriundos de colégios particulares. Pai e mãe possuem curso superior, alta renda e são moradores de áreas nobres de Brasília (DF). As estudantes tiveram oportunidade de fazer aulas complementares na infância (balé, idiomas, natação etc.). Como Karina reconhece, “tiveram mais tempo livre para se dedicar somente aos estudos”, o que, todavia, não significa que elas não encontraram percalços e que não tiveram de se dedicar intensamente para os processos seletivos. Muito diferentemente disso, algo que parece uma regra para o ingresso no curso de medicina é a intensa e ampla preparação: longas horas do dia dedicadas aos processos seletivos durante todo o ensino médio e muitas vezes – na maioria dos casos – por alguns anos adicionais, em cursinhos preparatórios.

Preparação Para a Universidade

A despeito das trajetórias familiares diferenciadas dos nossos entrevistados, a preparação de todos para ingresso na UnB foi marcada por um período de extremo esforço e dedicação. A grande maioria frequentou cursinhos preparatórios simultaneamente ao ensino médio. Alguns, no entanto, precisaram de muito mais deslocamentos cotidianos e mudanças de residência para poderem concretizar seus esforços acadêmicos, combinando mobilidades geográficas com diferentes etapas do processo de mobilidade social, a ser concretizado com a formação em medicina, tais quais outros estudantes da UnB oriundos de locais periféricos em relação ao plano piloto de Brasília (PATRIOTA DE MOURA, 2017PATRIOTA DE MOURA, C. Considerações sobre “motilidade” estudantil nos campi da Universidade de Brasília. In: MARTINS, C. B.; VIEIRA, M. M. (org.). Educação superior e os desafios do novo século: contextos e diálogos Brasil-Portugal. Brasília: Editora UnB, 2017. p. 301-334.).

Bruno (EP-BR) cursou o ensino médio numa escola noturna em cidade de três mil habitantes do interior de Goiás. A prefeitura oferecia apenas um turno para o ensino médio, pois poderia concentrar todos os estudantes aptos àquele nível escolar: “O único turno possível era no noturno, pra contemplar esses estudantes que trabalhavam durante o dia”. Ele, como diversos adolescentes e jovens de sua cidade, trabalhava enquanto cursava o ensino médio. Apesar das adversidades – falta de professores e estrutura física precária da escola –, Bruno destacava-se nas olimpíadas de matemática e física do estado de Goiás. Isso fez com que ele ganhasse uma bolsa de estudos integral num cursinho em Goiânia (GO):

Mas, quando eu terminei o ensino médio e ganhei a bolsa no cursinho, aí minha vida mudou completamente, porque eu deixei o trabalho, e aí eu comecei a viver só pro cursinho. Então eu me mudei pra Goiânia, comecei a morar sozinho, nunca tinha morado sozinho, então foi mais esse enfrentamento quando eu ficava sozinho, quase não tinha amigos ainda em Goiânia, então meio que toda a minha carga horária era voltada para o curso pré-vestibular. Eu tinha uma carga horária bem extensa, eu entrava na escola 7h da manhã, aí eu tinha aulas até 12h30, aulas teóricas com professores, tinha horário de almoço, que era duas horas, e das 14 até as 20h, 21 horas eu ficava estudando na biblioteca. Então foi um ano muito intenso pra mim, ficava 12 horas, 13 horas diárias assim estudando. E final de semana, sábado, eu estudava só um turno. O cursinho era de segunda a sábado, aí sábado à tarde eu não gostava de estudar, eu preferia descansar, e na maioria dos domingos a gente tinha simulado, para o Enem, para os vestibulares.

Cláudio (EP-BR-PPI) relata que caminhava oito quilômetros e estudava 12 horas por dia quando cursava o ensino médio:

Andava 4 km pra chegar até o ponto e depois mais 4 km pra voltar de novo. Não era tão fácil assim, não, geralmente eu acordava 4h30 da manhã, saía no escuro, andava até o ponto pra pegar a van às 6h, uma hora até Feira [de Santana], depois a gente andava pra chegar até o cursinho e na volta era a mesma coisa. Eu voltava meio-dia. Bahia, meio-dia, 36º, andando 4 km sob o sol, essa foi minha história. [...] Eram 10, 12 horas de estudo, só estudava. Só que o meu ensino médio foi muito fraco. Eu consegui me equiparar ao pessoal da particular só no fim do ano. E eu conseguia chegar no simulado e ficar entre os dez do cursinho. Mas, mesmo assim, quando chegou no Enem, prova, essas coisas, acabei que não fui bem em matemática, aí acabei não passando por pouco. [...] Aí depois do segundo ano, no fim do ano eu consegui passar.

Janaína (EP-BR-PPI) também relata uma rotina extenuante em escola pública de Ceilândia e auxílio de professores que lhe emprestavam livros e dedicavam horas de plantão para auxiliá-la:

Eu estudava o dia inteiro, eu tinha... No primeiro ano eu tinha escola no período da tarde, que era a partir das 13h30. Eu acordava todos os dias 4h30 da manhã. Eu estudava, assim, tinha aquele cursinho online [nome omitido], então assistia às aulas dele até dar mais ou menos 11 horas, aí tomava banho e me preparava para ir para escola. Ficava na escola, chegava em casa às 18h30, tomava banho e ia estudar também, aí jantava por volta das 20h, mas ficava estudando até 1h da manhã mais ou menos, aí eu ia dormir e acordava no dia seguinte 4h30 e repetia isso todos os dias. Isso quando eu não fazia cursinho, né. Aí no segundo ano eu comecei a fazer cursinho e comecei a estudar de manhã na escola. Então, eu acordava também 4h30 da manhã e ficava estudando até dar mais ou menos umas 6h. Aí, 6h, eu me arrumava e ia para a escola, ficava na escola até meio-dia e chegava em casa, almoçava correndo em 10, 15 minutos, às vezes nem almoçava, porque não dava tempo. Aí eu ia para o cursinho. Ficava lá das 14h geralmente até as 10h da noite, até o cursinho fechar. Minha aula era até as 18h30, mas eu ficava lá na baia de estudo, até o cursinho fechar mesmo, até as 22h. Aí voltava para casa. Às vezes, quando eu tinha disposição, eu estudava um pouquinho mais. Quando não, eu só fazia o exercício da apostila e aí ia dormir e no dia seguinte a mesma coisa. Essa era a minha rotina até eu passar.

Já Davi (EP-BR-PPI) tem uma trajetória ainda mais singular, no sentido de que não frequentou de forma presencial cursinhos preparatórios para vestibulares ou para o Enem, mas acumulou diferentes experiências proporcionadas por instituições de ensino antes de conquistar a vaga no curso de medicina:

Eram oito horas de estudo por dia. Material era a internet. Eu assinei um curso de pré-vestibular online, porque eu não tinha condição de pagar um pré-vestibular mesmo. Eu estudava pelo YouTube, baixava PDF pela internet. Meus materiais foram materiais gratuitos, a maioria. Então, eu não cheguei a comprar livro, apostila, nada disso, foi tudo pela internet. Fui achando em aplicativos e até em redes sociais.

Finalmente, depois da intensidade da preparação para os processos seletivos, a grande recompensa: o ingresso no tão desejado curso de medicina.

Perfil e Desempenho Acadêmico

No período entre 2013 e 2020, o curso de medicina teve o ingresso de 746 estudantes, dos quais 21 entraram por vagas reservadas a estudantes PCDs7 7 Após a Lei nº 13.409/2016, entraram seis estudantes EP-AR-PCD, três EP-BR-PCD, seis EP-AR-PPI-PCD e seis EP-BR-PPI-PCD. Conforme mencionamos, não desenvolvemos análise sobre os estudantes PCD neste texto. Nossa pesquisa terá outros desdobramentos, um deles a ampliação, a fim de contemplar os estudantes PCDs. . Para efeito deste artigo, não compreendemos esses estudantes e, portanto, trabalhamos com um universo de 725 discentes. Destes, 430 (57,6%) estudantes entraram pela Ampla Concorrência; 41 (5,4%), pela modalidade EP-AR; e 53 (7,1%), pela EP-BR. Esses três grupos são responsáveis por 70,1% do corpo discente da faculdade de medicina. Nem todos que entraram pelas três modalidades citadas são brancos, pois pode haver estudantes negros de escolas privadas ou de escolas públicas de “alta” ou “baixa renda” que tenham optado por aquelas formas de concorrência em que não incide a dimensão étnico-racial. Ainda assim, esse é um dado que nos dá uma ideia do predomínio da presença de estudantes brancos no curso de medicina.

Os outros 201 estudantes, que correspondem a 29% do universo discente, se distribuem entre as modalidades de concorrência que possuem algum corte racial: 71 (9,5%) são Pretos, Pardos, Indígenas oriundos de escola pública cujas famílias têm “alta renda” (EP-AR-PPI); e 74 (9,9%) são Pretos, Pardos, Indígenas de “baixa renda” que vieram de escolas públicas (EP-BR-PPI). Também cabe destacar os 44 estudantes que entraram no curso pelo sistema de cotas para negros (sem indicação de renda ou tipo de escola) e os 12 estudantes indígenas que entraram majoritariamente pelo vestibular indígena (Ver Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição de estudantes do curso de medicina por modalidade de concorrência e vestibular indígena na Universidade de Brasília, 2013–2020.

Um dado descritivo importante a respeito do curso de medicina é a taxa de evasão, que se refere a estudantes que foram desligados ou se desligaram do curso por iniciativa própria. A primeira observação que salta aos olhos é a baixa taxa de evasão entre os estudantes de medicina. Em todo o período examinado, no universo de 725 estudantes considerado, apenas 50 evadiram o curso, o que é uma taxa muito baixa se comparada a outros indicadores do ensino superior. Dos 430 que entraram pela modalidade Ampla Concorrência, 40 evadiram o curso, o que corresponde a 9,3%. Outras evasões ocorreram principalmente entre aqueles que entraram pelas modalidades EP-AR e EP-AR-PPI, 9,7 e 4,2%, respectivamente (Tabela 4). Acreditamos que a hipótese mais provável dessa taxa de evasão – o que poderá ser objeto de outras análises – é que esses estudantes tenham sido aprovados em cursos de medicina em outras universidades.

Tabela 4
Evasão de estudantes do curso de medicina por modalidade de concorrência e vestibular indígena na Universidade de Brasília, 2013–2020.

Vejamos agora o índice de rendimento acadêmico (IRA) dos estudantes de medicina no período entre 2013 e 2020 (Fig. 1). O IRA é um índice que varia de 0 a 5 pontos, sendo 5 a nota máxima. O sistema de notas da UnB é baseado em menções (SR, II, MI, MM, MS e SS)8 8 O sistema de menção da UnB possui a seguinte equivalência numérica em uma escala de 0 a 10: sem rendimento (SR) = 0; inferior (II) = 0,1 a 2,9; médio inferior (MI) = 3 a 4,9; médio (MM) = 5 a 6,9; médio superior (MS) = 7 a 8,9; e superior (SS) = 9 a 10. Para efeito de cálculo do IRA, que é uma média ponderada das notas obtidas pelo estudante em cada semestre, utilizam-se os seguintes valores: SS = 5; MS = 4; MM = 3; MI = 2; II = 1; e SR = 0. . Para uma pessoa ter IRA 5, é necessário ter a menção SS em todas as disciplinas cursadas. Menções acima de 4 em geral são o resultado de muitas menções SS, acima de 90%, e um ou outro MS, entre 70 e 89%.

Figura 1
Índice de rendimento acadêmico (IRA) médio dos estudantes de medicina por modalidade de concorrência, 2013–2020.

Das sete categorias consideradas (Gráfico 1), seis têm em média IRA acima de 4. Os grupos de estudantes que têm o melhor desempenho são os estudantes EP-AR e EP-BR, que possuem o mesmo IRA (4,28); em seguida, os estudantes EP-AR-PPI, com IRA = 4,27; depois os estudantes negros, com IRA = 4,18; os estudantes Ampla Concorrência, com IRA = 4,17; e os estudantes EP-BR-PPI, com IRA = 4,11.

A diferença de desempenho no processo seletivo (Enem, PAS, vestibular) praticamente desaparece após o ingresso na faculdade de medicina. Os estudantes Ampla Concorrência, que em geral têm a maior nota de ingresso na universidade, por exemplo, passam a ser o quinto grupo em termos de rendimento acadêmico após o ingresso no curso. De qualquer forma, o que esses dados revelam é que esses estudantes têm desempenhos muito parecidos, sendo a diferença do IRA, entre os seis grupos, de apenas 0,17. Isso nos permite afirmar que as notas no processo seletivo não definem a trajetória acadêmica dos estudantes.

Depois do ingresso no concorridíssimo processo seletivo, inicia-se outro momento da vida estudantil, em que múltiplos fatores poderão explicar o desempenho maior ou menor dos discentes.

Uma diferença significativa de desempenho pode ser notada somente em relação aos estudantes indígenas, que entram na universidade por meio de um vestibular específico. O caso desses estudantes exige análise própria. Por ora, chamamos a atenção para alguns fatores pontuais que podem porventura explicar o menor rendimento acadêmico desses estudantes:

  • Educação escolar do ensino fundamental ao ensino médio diferenciada (escolas indígenas);

  • Migração para Brasília, com uma estrutura de amparo muito diferenciada em relação à dos demais estudantes, por exemplo, sem amparo de sua família, incertezas relativas à moradia e alimentação;

  • Desconhecimento do funcionamento da universidade;

  • Mesmo com todas as políticas de permanência disponíveis na universidade, estas não atendem por completo às particularidades da vida dos estudantes indígenas (AMES; ALMEIDA, 2021AMES, V. D. B.; ALMEIDA, M. L. Indígenas e ensino superior: as experiências universitárias dos estudantes kaingang na UFRGS. Sociologias, v. 23, n. 56, p. 244-275, 2021. https://doi.org/10.1590/15174522-98065
    https://doi.org/10.1590/15174522-98065...
    ; PALADINO, 2021PALADINO, M. Algumas notas para a discussão sobre a situação de acesso e permanência de povos indígenas na educação superior. Práxis Educativa, v. 7, n. esp., p. 175-195, 2021. https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.7iEspecial.0008
    https://doi.org/10.5212/PraxEduc.v.7iEsp...
    ).

Uma primeira conclusão que a fotografia do IRA nos permite visualizar é a de que, independentemente do tipo da modalidade de concorrência, os estudantes do curso de medicina da UnB possuem desempenhos muito semelhantes, contrariando os agouros pessimistas – e por que não racistas? – que diziam que a qualidade do ensino nas universidades cairia em função das modificações nos processos seletivos das universidades públicas. Sabemos que o que está em jogo na opinião pública não é a renovação da Lei de Cotas em sua integralidade, mas se a lei deve ou não manter o quesito racial (MELLO; SANTOS, 2021MELLO, L.; SANTOS, E. G. A revisão da lei 12.711/2012: ações afirmativas em disputa no Congresso Nacional. Revista de Políticas Públicas, v. 25, n. 2, p. 530-546, 2021. https://doi.org/10.18764/2178-2865.v25n2p530-546
https://doi.org/10.18764/2178-2865.v25n2...
)9 9 Essa frase reflete as discussões em torno da revisão da Lei nº 12.711/2012, prevista para ser revisada depois de dez anos de sua publicação. Entre a escrita deste artigo e sua publicação, o cenário avançou um pouco com a aprovação do Projeto de Lei nº 5.385/2020, em agosto de 2023, relatado pela deputada federal Dandara Tonantzin (Partido dos Trabalhadores/MG). O projeto de lei ainda aguarda apreciação e aprovação pelo Senado Federal. . Essa dificuldade de se discutir a questão racial e estratégias para o enfrentamento da desigualdade racial foi abordada em outro artigo (BERNARDINO-COSTA, 2023BERNARDINO-COSTA, J. Política afirmativa, democratização do acesso à universidade e propostas de avaliação. Ciência & Cultura, v. 75, n. 1, p. 1-9, 2023. https://doi.org/10.5935/2317-6660.20230003
https://doi.org/10.5935/2317-6660.202300...
), entretanto podemos examinar a performance acadêmica dos estudantes negros do curso de medicina.

Para tanto, comparamos o desempenho dos estudantes negros que entraram por Ampla Concorrência e o daqueles que entraram nas modalidades EP-AR-PPI e EP-BR-PPI com o rendimento acadêmico dos estudantes das modalidades compostas majoritariamente de brancos (Ampla Concorrência, EP-AR e EP-BR). A Figura 2 mostra que o grupo com maior IRA é o grupo de estudantes negros que entrou por AC (IRA = 4,26), seguido dos brancos (IRA = 4,24) e dos negros pretos, pardos ou indígenas (IRA = 4,19). Novamente a diferença entre esses três grupos é muito pequena ou, se quisermos, insignificante, de apenas 0,7 pontos.

Figura 2
Índice de rendimento acadêmico (IRA) de estudantes de medicina brancos, negros Ampla Concorrência e negros pretos, pardos ou indígenas, 2013–2020.

Todos os dados examinados nos permitem concluir que a atual política de cotas, com sua combinação entre tipo de escola, renda e raça/cor, ao democratizar o acesso à educação superior, não colocou em risco a qualidade do ensino nem a qualidade do profissional formado pelas universidades. Ao contrário, mesmo que os estudantes entrem com notas diferenciadas no processo seletivo – notas que muitas vezes expressam maior destreza para se fazer a prova mais do que propriamente inteligência e capacidade de aprendizagem –, aquelas diferenças são praticamente anuladas quando se inicia a formação na educação superior.

Os relatos que colhemos nas entrevistas, no entanto, apontam para desafios específicos vividos por estudantes que se enquadram nas modalidades para as quais são oferecidas vagas específicas nos sistemas de ingresso. Se, por um lado, estudantes negros e indígenas provenientes de escolas públicas com baixa renda conseguem praticamente se equiparar aos colegas provenientes de famílias brancas de classe média que estudaram em escolas particulares de Brasília, também é verdade que encontram uma série de percalços que os diferenciam e acrescentam dificuldades em suas trajetórias quando comparadas às da grande parte de seus colegas de curso.

Vivências na Faculdade de Medicina: Permanência, Integração e Racismo

Apesar de muitos relatarem exaustão e dificuldades de adaptação à vida universitária, todos se sentem vitoriosos pela conquista. Todavia, isso não significa que estejam trilhando um caminho pavimentado sem percalços. Ao contrário, muitas vezes há buracos na estrada, curvas acentuadas, subidas íngremes.

Não obstante as baixas taxas de evasão, a permanência no curso de medicina está longe de significar “sombra e água fresca”. Como mencionado, o curso possui alta carga horária, exigindo longa e persistente dedicação por parte dos discentes. Além disso, alguns entrevistados relataram os grandes desafios da transição do ensino médio para o ensino superior. Muitos chegaram exauridos física e mentalmente à universidade em decorrência dos enormes esforços de preparação. Foram diversos os relatos acerca de dificuldades para manter a performance da preparação na nova fase da vida. Alguns tiveram até mesmo problemas de saúde mental.

Um dos tópicos mais frequentemente comentados pelos estudantes de baixa renda que chegam à universidade é a dificuldade de permanecer no curso. Leva tempo até os estudantes serem plenamente contemplados pela política de permanência da universidade. Porém, uma vez contemplados, o relato é que essa política garante as condições mínimas para se fazer o curso:

Hoje eu recebo... É o socioeconômico, 465 reais, devido estar cadastrado no CadÚnico [Cadastro Único] e ter todo um perfil de vulnerabilidade, daí eu tenho acesso hoje a essa bolsa. E também sou de iniciação científica, Pibic [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica], que hoje é pela própria UnB, então acumulo as duas bolsas. Isso já faz uma diferença. Não são valores exorbitantes, mas assim, já facilita (Antônio, Ampla Concorrência).

Embora módicas, as condições que auxiliavam esse estudante a fazer o curso foram postas em questão pelo ensino remoto durante a pandemia de Covid-19. Não dispondo de um bom computador nem de plano de dados de internet para as aulas online, essa situação somente foi sanada quando a universidade, por meio da Diretoria de Desenvolvimento Social, lhe permitiu acesso a um computador melhor10 10 Durante a pandemia, a Diretoria de Desenvolvimento Social, ligada ao decanato de assuntos comunitários, abriu um edital para emprestar, doar ou conceder auxílio financeiro para estudantes que não tinham equipamentos eletrônicos adequados para acompanhar as aulas. .

Alguns, por não serem moradores de Brasília, migram para a capital sem terem sequer moradia garantida. Foi o caso dos estudantes indígenas como Gustavo. Ele narra que chegou a Brasília numa sexta-feira, portando apenas uma mala e R$ 100. Após efetuar sua matrícula no fim do expediente de uma sexta-feira, não tinha para onde ir. As funcionárias do decanato de ensino de graduação passaram o contato de um professor que trabalhava com os estudantes indígenas, e alguns destes foram então ao encontro do calouro, que passou o fim de semana no pequeno apartamento daqueles estudantes e na semana seguinte foi para uma pensão na W3 Norte, onde tradicionalmente estudantes indígenas e quilombolas ficam: “Era um buraco mesmo, porque era no subsolo. [...] Enquanto isso, tinha outros em cima. Estudantes indígenas, quilombolas também, estudantes estrangeiros. E aí eu fiquei nesse lugar acho que um semestre” (Gustavo, vestibular indígena).

Naquela semana começou a longa odisseia desse estudante indígena por moradia no Distrito Federal. Embora com direito à bolsa permanência do Convênio MEC/Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), relatou a demora em recebê-la e os constantes atrasos. Daquele primeiro dia na universidade até o momento da entrevista, Gustavo já tinha morado em sete diferentes localidades do DF, havendo até mesmo sofrido ameaça de despejo em decorrência do atraso de pagamento de aluguel.

Ao ser contemplado pela política de moradia da universidade, que dá direito a uma vaga no Centro do Estudante Universitário, Gustavo teve a infelicidade de compartilhar o apartamento com uma jovem que insistia em querer convertê-lo à sua igreja e demonizava sua cultura e todos os seus adereços indígenas. No meio dessa longa jornada pela UnB, o estudante indígena trancou o curso algumas vezes e voltou para o seio do seu povo, entretanto no presente momento já está no ciclo do internato, na reta final do curso.

As dificuldades de adaptação à universidade não são exclusividade de um ou outro estudante, porém são diferenciadas de acordo com a procedência em termos econômicos, culturais, familiares etc. Há, por exemplo, filhos de médicos que fazem o curso de medicina ou filhos de uma elite econômica e burocrática que têm maior facilidade para mobilizar recursos (capital social, cultural e econômico) para o enfrentamento das dificuldades.

A despeito das dificuldades e percalços, colhemos, via de regra, relatos positivos acerca da faculdade de medicina entre nossos entrevistados. Não só a qualidade dos professores foi relatada, como também o “espírito acolhedor” das turmas de medicina, em que os veteranos apoiam os calouros. Além disso, há as ligas acadêmicas, que são projetos criados por iniciativa dos estudantes, que promovem palestras e atividades vinculadas a uma especialidade médica.

A oportunidade de integrar ligas acadêmicas e projetos de iniciação científica é relatada por Helena (Ampla Concorrência):

Os pontos-chave da minha graduação foram as ligas acadêmicas e os trabalhos científicos e as oportunidades que elas me deram e, assim, a UnB como um todo, né? Que cada professor é só ouro ali, né? São maravilhosos, então por exemplo aí eu comecei na liga de neurologia e neurocirurgia no segundo semestre, que era uma liga que aceitava mais calouros, então eu fiz uma prova, uma entrevista e entrei. Dali até hoje eu estou nessa liga acadêmica, dentro dela tive a oportunidade de escrever capítulos de livro, eu lembro de uma contribuição sobre dor de cabeça e um capítulo que escrevi sobre traumatismo craniano sob orientações de neurocirurgiões e neurologistas, foi maravilhoso.

As experiências de desenvolver projetos de iniciação científica também são relatadas por estudantes indígenas como Gustavo: “Fiz lá dois projetos de pesquisa, dois Pibics. Fiz o terceiro agora também. Fiz com o professor [nome omitido]. Fiz algumas coisas, fiz monitoria também”.

Mesmo tendo oportunidades de fazer Pibic e reconhecendo a importância e a singularidade de obter formação numa universidade pública de altíssima qualidade, isso não significa que não haja problemas no dia a dia da faculdade de medicina. Dois tipos de percalço foram relatados por nossos entrevistados, principalmente os de baixa renda, negros e indígenas: o senso de deslocamento por não partilhar do mesmo universo da maioria dos estudantes de medicina; e casos que podemos descrever como de racismo.

Percalço 1: Universos Distintos

As políticas de ação afirmativa têm transformado o perfil socioeconômico e racial dos estudantes universitários brasileiros (SILVA, 2020SILVA, T. D. Ação afirmativa e população negra na educação superior: acesso e perfil discente. Brasília/Rio de Janeiro: Ipea, 2020. 47 p. (Texto para Discussão, n. 2569.)) e não seria diferente no curso de medicina, até então um curso tradicionalmente frequentado por estudantes brancos e provenientes das elites econômicas, burocráticas e políticas do país. Essa transformação no perfil estudantil coloca universos distintos em contato. Os filhos dos trabalhadores da construção civil, das trabalhadoras domésticas, das costureiras, das famílias negras e indígenas chegaram à universidade.

Por um lado, esse encontro de mundos permite que todos possam sonhar, mas, por outro, coloca em contato pessoas com realidades socioeconômicas muito distintas e apresenta desafios para a política de permanência das universidades. Por exemplo, Gustavo (indígena) relata que um dia estava conversando com um amigo, ele preocupado se receberia a bolsa permanência do convênio MEC/Funai, e seu amigo preocupado se seu pai faria o depósito ainda naquele dia para efetuar o pagamento da prestação do carro. Ou ainda Flávio, o outro entrevistado indígena, relata que tinha de enviar parte de sua bolsa permanência para a esposa, que ficara na sua aldeia.

Esses mundos distintos também se apresentavam para outros estudantes. Janaína (EP-BR-PPI) conta que muitas vezes as conversas de suas amigas não pertenciam ao seu mundo:

É muito difícil conversar com essas pessoas, porque são pessoas que só falam sobre a viagem que fez em Miami, a bolsa que comprou em Nova York, e tipo são coisas que eu..., que não é do meu mundo assim, então, sabe, não consigo ter um relacionamento muito bom com essas pessoas, realmente não converso, não falo e fica por assim mesmo. Eu tenho mais proximidade com as pessoas que são mais parecidas comigo, então tem um colega meu que mora no Sol Nascente 11 11 Uma das regiões mais carentes do DF. Inicialmente uma ocupação irregular, hoje uma Região Administrativa do DF. , que é super meu amigo, que também foi da mesma turma do meu cursinho.

Percalço 2: Racismo e Discriminação

Outro percalço enfrentado especialmente pelos estudantes negros e indígenas são as práticas de racismo e discriminação. Os alunos cotistas provenientes de escolas públicas também relataram ter sido alvo de comportamentos discriminatórios.

Praticamente todos os entrevistados contaram o caso de um professor que pedia para que os estudantes cotistas de escola pública se levantassem na sala de aula e em seguida falava que aqueles eram os estudantes que iriam rebaixar a nota da faculdade, ou, ainda, que não iria misturá-los com os outros estudantes para que eles não se sentissem inferiores. Outro caso relatado foi o de um professor que falava que os cotistas fariam uma avaliação diferenciada, mais fácil:

O centro acadêmico já protagonizou essa luta para que um professor fosse disciplinarmente corrigido, de entrar em alguma chacota ou alegar que estudantes de cota não fariam determinada avaliação, fariam uma avaliação específica, porque não tinham estudado o suficiente, enfim, comentários bem aleatórios nesse sentido (Antônio, Ampla Concorrência).

Entretanto, na percepção dos entrevistados, esses casos ocorreram no passado e atualmente inexistem. Indícios apresentados nas entrevistas nos levam a crer que houve dois processos ao longo dos anos que conduziram à modificação daquelas atitudes:

  • Letramento racial12 12 O conceito de letramento racial foi originalmente desenvolvido por France Winddance Twine (2003, p. 129) para se referir “a forma de socialização racial e treino antirracista que pais de crianças negras (African-descendant) praticavam no esforço de defender suas crianças contra o racismo”. Para os nossos propósitos, utilizamos esse conceito para nos referirmos ao aprendizado do antirracismo por parte da comunidade universitária, especialmente, professores. em relação à política de cotas por parte do corpo docente da faculdade;

  • Organização de coletivos estudantis – negros, indígenas e antirracistas –, que têm enfrentado esse tipo de comportamento ao longo dos anos.

Hoje o estudante negro não está mais sozinho na universidade; tem o apoio de seus pares. É particularmente interessante a perspectiva de Cláudio (EP-BR-PPI) no que tange a ter colegas negros na sala de aula. Diferentemente de alguns anos atrás, ele se sente mais confortável do ponto de vista racial na universidade do que no seu cursinho preparatório para o vestibular:

Assim, na minha turma, claro, a gente é minoria, né? Mas eu comecei a me atentar mais para a questão racial no cursinho, porque eu era o único numa turma de 250. Então isso já me dava um espanto, eu já andava assim meio sem jeito. Porque, assim, eu saí de um local que, lá, onde eu morava, é perto de um rio e perto do Recôncavo, possivelmente os meus tataravôs eram escravos, saíram, construíram a casa ali perto do rio e vieram mais pra perto da cidade, foi basicamente isso. E aí, todo mundo negro onde eu morava, você se sente mais à vontade. Aí você chega no cursinho e a maioria branco, isso já foi o primeiro choque, eu andava sem jeito. Na universidade, eu já sabia que ia ter. Mas com a política de cotas eu sabia que ia ter gente parecida ali comigo. Mesmo que fosse duas, três. Seria aqueles que seriam meus amigos, que seriam pobres também, seriam pretos também, eu conseguiria conversar sobre meus problemas. Eu chego na UnB e minha sala especialmente é diferente da maioria. Minha sala é muito diversa. Mesmo tendo a sua maioria em brancos, minha sala ainda consegue ter 11 pessoas negras, 11 pessoas numa turma de 40 e poucos é muito. Claro, a gente queria metade, mas a gente sabe que não é assim. A gente tem 11 pessoas negras.

Se atualmente muitos não percebem o racismo direto, isso não significa que não haja desconforto por parte dos estudantes negros em circular entre os corpos brancos vestidos de jalecos brancos.

Eduardo (cotas para negros) também fala das frequentes vezes no seu internato em que não foi reconhecido como estudante de medicina, tendo sido confundido pelos pacientes com um enfermeiro ou técnico em enfermagem. Por essa razão, explica que sempre está com seu jaleco e seu crachá à amostra para evitar essas situações constrangedoras. Segundo ele, os médicos não o confundem com um técnico porque ele faz parte da equipe, mas já aconteceu a confusão quando um médico não sabia que ele era da equipe: “Os médicos me conhecem, sabem que eu sou da equipe, mas, quando não me conheciam, algumas pessoas da equipe até perguntavam se eu era o novo enfermeiro, se era o novo técnico. Eu falava, não, sou um novo interno”.

Esse mesmo entrevistado chama a atenção para outra dimensão do racismo, a qual podemos qualificar como racismo epistemológico. Não se trata de sofrer agressão verbal, uma discriminação ou de ser impedido de fazer alguma coisa, senão da maneira como os livros didáticos estão organizados, de forma a associar imagens de algumas doenças às pessoas negras: “Se for para representar doenças infectocontagiosas rudimentares – sífilis, beribéri, doenças nutricionais, doenças que foram vistas, entre aspas, como eliminadas, né? –, a gente já tem pessoas negras, né?” (Eduardo, cotas para negros).

Todavia, mais grave para esse entrevistado são os corpos nos laboratórios de anatomia:

Todos os corpos dali foram de pessoas em situação de rua... Todas as peças anatômicas foram de pessoas negras, e eu ver aquele bando de gente branca manipulando esses corpos como se eles fossem nada, sem entender que ali existiam pessoas, histórias. Foi meu grande questionamento dentro do curso. Eu estava no primeiro semestre. E aí eu conversei com o meu professor de anatomia e eu falei assim: “Professor, de onde vieram esses corpos?”. E falou assim: “A maioria são de doações do [Instituto Médico Legal] IML”. Aí eu falei: “Você já parou para perceber que nenhum dos... Nenhum desses corpos são brancos?”13 13 O comentário desse aluno tem nítida correlação com o filme M-8: Quando a Morte Socorre a Vida, do diretor Jeferson De (2019, 84 min.). . Aí ele ficou um pouco em silêncio (Eduardo, cotas para negros).

Se, em relação aos estudantes negros, não existe um explícito comportamento racista – embora os estudantes negros vivenciem o drama interior de serem negros e de terem o receio de não ser bem tratados nos espaços médicos de Brasília, por exemplo –, tal comportamento explícito existe no que toca a estudantes indígenas. Isso ocorre sobretudo na realização dos trabalhos em grupo, em que indígenas são deixados por último. Embora não tenhamos entrevistado nenhum estudante PCD, a narrativa de suas exclusões aparece em diversas falas, como na seguinte: “Aí, por exemplo, lá tem cinco grupos de oito pessoas, aí já colocam nome, nome, nome, nome, nome, aí no último grupo, geralmente esse último grupo é preenchido por esses estudantes indígenas e PCDs” (Helena, Ampla Concorrência).

Se todos os entrevistados contaram que apenas ouviram falar de um professor que pediu para cotistas ficarem em pé, Gustavo (vestibular indígena) vivenciou isso no seu primeiro dia de aula, ainda em 2013:

O professor fez eu e meu amigo, que entrou comigo, o outro indígena, e mais duas meninas que entraram por cortesia14 14 Matrícula por cortesia refere-se a uma forma de ingresso de estudantes estrangeiros na UnB. Essa forma de matrícula é acionada quando o aluno é oriundo de um país que tem acordos de reciprocidade com o Brasil, independentemente da existência de vagas e com isenção de participação nos processos seletivos. Para o discente ser matriculado por cortesia, faz-se preciso que tenha um visto diplomático ou oficial. Para mais informações, ver: https://saa.unb.br/matricula-cortesia. Acesso em: 29 jul. 2022. ficarmos em pé em sala de aula, para falar o quanto a gente ia atrasar a turma, ia cair o ranking da universidade e deu todas as justificativas baseadas na genética mesmo. Não sei de onde ele tirou isso naquela época, mas falou que geneticamente a gente tinha alguma coisa que limitava o conhecimento e que isso ia interferir no ranking da universidade e no andamento da turma... Então, meu primeiro dia de aula, começou nessa pegada.

Perspectivas Futuras

Se temos esses relatos pontuais, porém graves, desumanizadores e dolorosos, também temos relatos positivos da experiência da faculdade de medicina e acerca da política de cotas. Diversas entrevistas demonstraram que alguns professores fazem menção positiva à política de cotas. Foi recorrente a referência a uma professora que disse ter parado de dar aulas no curso de medicina por um tempo porque o curso era muito elitizado, mas depois da política de cotas se motivou a dar aulas novamente.

A referência positiva não ocorre somente por parte dos alunos cotistas – nas suas múltiplas combinações –, mas também dos alunos que entraram no curso pela Ampla Concorrência. A oportunidade de entrar numa universidade tão diversa do ponto de vista de classe e raça é narrada como uma experiência única, uma vez que os estudantes relatam ter vindo de espaços monocromáticos no ensino médio e descrevem suas famílias como algo semelhante a bolhas formadas por pessoas brancas e abastadas.

Eu sinto que mais assim, quando eu entrei é, na faculdade, como eu sempre estudei em colégio, tipo, que tinham pessoas com uma renda muito alta, né, que era o [nome omitido], eu fiquei, era muito diferente da minha realidade quando eu entrei, mas não de um jeito ruim, só era diferente, né? E aí eu achei que foi bom, acho que eu cresci como pessoa. Ver realidades muito diferentes da minha. Acho que eu aprendi muito. Assim, quando eu entrei, eu era contra a cota, eu não achava certo e hoje em dia minha visão é diferente. Eu acho que tem que ter, sim, eu sou a favor (Karina, Ampla Concorrência).

Essa estudante continua sua narrativa e questiona seus privilégios raciais e de classe:

Eu acho muito importante, porque eu sinto que, se não tivessem as cotas, as pessoas que iam passar pelo sistema hoje em dia são as mesmas pessoas [com] que eu estudava. As pessoas que acabam tendo muito mais acesso à informação, muito mais tempo disponível, tipo, uma vida mais fácil, vou colocar assim, para poder só estudar e aí se fosse baseado só na nota seriam essas pessoas que passariam, né? E aí ia ser, tipo, sempre a mesma coisa, eu nunca teria conhecido várias pessoas que mudaram muito o meu jeito de pensar e meu jeito de ver e tal, né? Tanto que eu falei [que] eu, tipo, era contra as cotas quando eu entrei e hoje em dia eu sou a favor, porque eu vejo as pessoas da minha turma assim, têm histórias de vida, é muito diferente da minha, que eu sinto que, se eu tivesse, se eu tivesse na vida daquela pessoa, eu não sei se eu conseguiria ter entrado na faculdade, não sei se conseguiria lidar com a faculdade tão bem quanto as pessoas lidam assim. Eu sinto que é muito importante a gente conviver com pessoas que são diferentes da gente, tem histórias de vida diferente da gente, porque faz a gente entender mais sobre o mundo, né? E ver que o mundo não é o nosso mundo (Karina, Ampla Concorrência).

Além dessa dimensão pedagógica das políticas de ação afirmativa, e também da óbvia abertura de oportunidades para estudantes de baixa renda, negros e indígenas, essa política constituiu-se num mecanismo de democratização de sonhos.

Todos os 11 entrevistados vislumbram um futuro com mais esperanças, apesar das exigências do curso, dos percalços e do contexto político-nacional desesperançoso15 15 Essa frase reflete o período em que as entrevistas foram realizadas, marcado pela crise política do país e pela pandemia de Covid-19. . Os sonhos vão desde ascensão social, que poderá se materializar no direito de viajar por lugares interessantes, ir a bons restaurantes, proporcionar conforto à sua futura família até a formulação de projetos sociais. Um dos nossos entrevistados, Davi (EP-BR-PPI), criado numa cidade do interior de Minas Gerais, fala que por meio da política de cotas foi possível sonhar – “Dá pra sonhar. Eu não sou obrigado a ficar nas mãos dos coronéis da minha cidade” – e, da mesma forma, quer proporcionar essa oportunidade a crianças de sua cidade mediante projetos educativos.

Gustavo (vestibular indígena) recorda que quando criança teve pneumonia e precisou ser tratado num hospital convencional. Sua mãe falava que quando sua bisavó, uma curandeira, ia visitá-lo, levava uma folhinha para colocar na sua mão, botar na sua testa, e os médicos não deixavam porque diziam que aquela planta poderia ser um foco de contaminação, desconsiderando todos os aspectos culturais e simbólicos do seu povo. Sem desmerecer a relevância da medicina convencional nem sua gratidão por aqueles médicos importantes para sua cura, seu sonho é ser aquele médico que deveria ter lhe atendido quando ele era aquela criança.

Conclusão

Quando iniciamos o debate sobre a necessidade de cotas nas universidades brasileiras, especialmente na UnB, os professores José Jorge de Carvalho e Rita Laura Segato (2002)CARVALHO, J. J.; SEGATO, R. L. Uma proposta de cotas para estudantes negros na Universidade de Brasília. Brasília: Universidade de Brasília, 2002. 52 p. (Série Antropológica, n. 314.) apresentavam uma fala estarrecedora: as universidades brasileiras até então não haviam formado um médico que se identificasse como indígena. Os únicos médicos indígenas no país estavam sendo formados em Cuba, naquela ocasião. Desde então, as universidades brasileiras passaram por uma perceptível transformação no seu corpo discente. Médicos e outros profissionais indígenas têm sido formados, mesmo que a conta-gotas.

Mesmo ainda restando muito a ser feito, o quadro também não era auspicioso para a população negra, especialmente na medicina. Mesmo existindo médicos negros nos finais dos anos 1990, a presença deles era residual. Sua entrada nas faculdades de medicina no país se dava por infiltração pessoal. Com o advento das cotas raciais, em 2004 na UnB e depois da Lei de Cotas, promulgada em 2012, aquela realidade tem se modificado a olhos vistos. A presença de estudantes negros nos cursos de medicina passou a ser um fenômeno coletivo que não somente franqueia processos de ascensão social e democratiza o direito de sonhar para seus beneficiários diretos, mas promove transformações nos estudantes não cotistas que, muitas vezes, não tinham convivência horizontal com a diferença tanto em termos de classe quanto de raça. Outrora, aquele estudante socializado numa redoma em que os pares eram brancos somente teria contato com pessoas pobres e negras no contexto de sua atuação profissional, ou com serviçais em seus círculos de sociabilidade. O não cotista, portanto, também é um beneficiário indireto das políticas de cotas. Ele é exposto ao Brasil complexo, diverso e contraditório já na graduação.

A universidade também passa por um processo de aprendizado. Sente-se obrigada a aprimorar sua política de permanência. A faculdade de medicina beneficia-se com a presença desses estudantes, passando por um “letramento racial”. As entrevistas indicam que os casos de racismo e discriminação econômica e capacitista, se ainda não desapareceram, têm diminuído. O comportamento racista não é mais acobertado, não encontra respaldo. Isso é um grande avanço.

Um dos questionamentos mais frequentes à política de ação afirmativa é quanto ao desempenho dos estudantes cotistas de escola pública, de baixa renda e raciais. Os dados apresentados neste artigo demonstram que os estudantes têm desempenho muito semelhante, a despeito de suas notas de aprovação no processo seletivo. Da mesma forma, alunos negros também têm performance acadêmica semelhante e em muitos casos superior à dos estudantes brancos. Portanto, após a primeira década da Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 29 jul. 2022.
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), as evidências empíricas refutam a suposição racista e preconceituosa de que estudantes cotistas teriam um desempenho aquém do dos demais estudantes.

O recurso às narrativas dos próprios discentes destaca a singularidade de cada pessoa reconhecida em sua condição de humanidade plena. Todos são estudantes com inteligência excepcional que fizeram um grande esforço para superar as adversidades e conquistar uma vaga no concorrido curso de medicina. Muitos nasceram em famílias com baixa escolaridade. Nossas entrevistas indicam que percalços têm sido enfrentados na faculdade de medicina, universos distintos têm se encontrado, racismo e discriminações têm emergido, porém o horizonte que se descortina perante esses estudantes é mais auspicioso do que sem a existência de tais políticas.

Nas entrevistas, embora não seja o foco deste artigo, emergiu também o tema das fraudes, um calcanhar de Aquiles ao longo dos últimos 10 anos que está em vias de ser resolvido, uma vez que a universidade aprovou em 2022 a adoção das bancas de heteroidentificação nos seus processos seletivos de graduação e pós-graduação.

Alguns desafios continuam postos para as universidades, especialmente no que concerne à política de permanência. Apesar da estruturação progressiva das políticas de permanência das universidades, desde 2015 tem havido cortes substanciais em seus financiamentos, contudo esse é um desafio bem-vindo. Melhor termos esse desafio e buscarmos recursos e soluções criativas para resolvê-lo do que termos um cenário como o anterior ao das políticas de cotas, em que políticas de permanência não se faziam necessárias porque o corpo discente era formado pela elite (branca) de Brasília e de outros lugares.

A UnB, diferentemente de outras instituições de ensino superior, já se encontra na sua segunda década de ações afirmativas. Trata-se de um excelente palco de observações não somente em decorrência da Lei nº 12.711/2012, mas também da sua política de cotas para negros e seu vestibular indígena, existentes desde 2004, mesmo que com percentuais menores no caso das cotas para negros.

Nossa pesquisa sobre a faculdade de medicina, bem como a pesquisa em curso sobre toda a universidade, confirma o acerto dessa política e a necessidade de sua manutenção para revertermos o quadro de desigualdades raciais construído ao longo dos séculos no Brasil. Com base em pesquisas empíricas como a que apresentamos, não há nenhum indício de que a lei deva ser alterada. Começamos a dar os primeiros passos para formarmos turmas de medicina racialmente diversas, que tenham alguma proximidade em termos raciais com a cara do nosso país. Na continuidade e no aprimoramento dessa política, temos a esperança de que os corpos que vestem os jalecos brancos não sejam somente os brancos, mas tenham a cor/raça da população que é “medicada”.

Notas

  • 1
    Trata-se da pesquisa Efeito das ações afirmativas na UnB: avaliação e monitoramento da política de cotas, cadastrada na plataforma Brasil sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) nº 54847721.4.0000.5540 e financiada pelo Fundo de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, Edital nº 09/2022; pesquisa Caleidoscópio das ações afirmativas: avaliação, experiência e alcances das políticas de cotas nas universidades públicas (chamada 40/2022); e pesquisa Práticas de racialização e promoção da igualdade racial no Brasil, África do Sul, Reino Unido e Suécia, financiada pelo Swedish Research Council.
  • 2
    A UnB continua a ter acesso pelo Enem, mas, desde o processo seletivo de 2020, não mais integra o Sistema de Seleção Unificada. O candidato, em vez de se inscrever pela plataforma do MEC, inscreve-se em edital próprio da UnB.
  • 3
    Ao adotar a atual Lei nº 12.711/2012, a UnB decidiu manter 5% de suas vagas para estudantes negros, independentemente do tipo de escola cursado no ensino médio. Para mais detalhes, ver Bernardino-Costa (2022)BERNARDINO-COSTA, J. Linha do Tempo: política de ação afirmativa na UnB. Nexo Políticas Públicas, 2022. Disponível em: https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-tempo/2022/Pol%C3%ADtica-de-a%C3%A7%C3%A3o-afirmativa-na-UnB. Acesso em: 29 jul. 2022.
    https://pp.nexojornal.com.br/linha-do-te...
    .
  • 4
    Não houve critério temporal preestabelecido para selecionar os entrevistados. A única exigência é que estivessem matriculados na ocasião das entrevistas, realizadas em 2022.
  • 5
    Todos os nomes utilizados neste texto são fictícios, para preservar o anonimato e conforme acordado com os sujeitos envolvidos na pesquisa.
  • 6
    Colocamos entre parênteses os termos que identificam a modalidade de concorrência dos entrevistados.
  • 7
    Após a Lei nº 13.409/2016, entraram seis estudantes EP-AR-PCD, três EP-BR-PCD, seis EP-AR-PPI-PCD e seis EP-BR-PPI-PCD. Conforme mencionamos, não desenvolvemos análise sobre os estudantes PCD neste texto. Nossa pesquisa terá outros desdobramentos, um deles a ampliação, a fim de contemplar os estudantes PCDs.
  • 8
    O sistema de menção da UnB possui a seguinte equivalência numérica em uma escala de 0 a 10: sem rendimento (SR) = 0; inferior (II) = 0,1 a 2,9; médio inferior (MI) = 3 a 4,9; médio (MM) = 5 a 6,9; médio superior (MS) = 7 a 8,9; e superior (SS) = 9 a 10. Para efeito de cálculo do IRA, que é uma média ponderada das notas obtidas pelo estudante em cada semestre, utilizam-se os seguintes valores: SS = 5; MS = 4; MM = 3; MI = 2; II = 1; e SR = 0.
  • 9
    Essa frase reflete as discussões em torno da revisão da Lei nº 12.711/2012, prevista para ser revisada depois de dez anos de sua publicação. Entre a escrita deste artigo e sua publicação, o cenário avançou um pouco com a aprovação do Projeto de Lei nº 5.385/2020, em agosto de 2023, relatado pela deputada federal Dandara Tonantzin (Partido dos Trabalhadores/MG). O projeto de lei ainda aguarda apreciação e aprovação pelo Senado Federal.
  • 10
    Durante a pandemia, a Diretoria de Desenvolvimento Social, ligada ao decanato de assuntos comunitários, abriu um edital para emprestar, doar ou conceder auxílio financeiro para estudantes que não tinham equipamentos eletrônicos adequados para acompanhar as aulas.
  • 11
    Uma das regiões mais carentes do DF. Inicialmente uma ocupação irregular, hoje uma Região Administrativa do DF.
  • 12
    O conceito de letramento racial foi originalmente desenvolvido por France Winddance Twine (2003, p. 129)TWINE, F. W. Racial literacy in Britain: antiracist projects, black children, and white parents. Contours: a Journal of the African Diaspora, v. 1, n. 2, p. 129-153, 2003. para se referir “a forma de socialização racial e treino antirracista que pais de crianças negras (African-descendant) praticavam no esforço de defender suas crianças contra o racismo”. Para os nossos propósitos, utilizamos esse conceito para nos referirmos ao aprendizado do antirracismo por parte da comunidade universitária, especialmente, professores.
  • 13
    O comentário desse aluno tem nítida correlação com o filme M-8: Quando a Morte Socorre a Vida, do diretor Jeferson De (2019, 84 min.)M-8: Quando a morte socorre a vida. Direção: Jeferson Dê. Produção: Downtown Filmes/Paris Filmes. Brasil, 2021..
  • 14
    Matrícula por cortesia refere-se a uma forma de ingresso de estudantes estrangeiros na UnB. Essa forma de matrícula é acionada quando o aluno é oriundo de um país que tem acordos de reciprocidade com o Brasil, independentemente da existência de vagas e com isenção de participação nos processos seletivos. Para o discente ser matriculado por cortesia, faz-se preciso que tenha um visto diplomático ou oficial. Para mais informações, ver: https://saa.unb.br/matricula-cortesia. Acesso em: 29 jul. 2022.
  • 15
    Essa frase reflete o período em que as entrevistas foram realizadas, marcado pela crise política do país e pela pandemia de Covid-19.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio da direção da faculdade de medicina e do centro acadêmico de medicina na divulgação da pesquisa na faculdade, o que foi fundamental para a realização das entrevistas. Agradecemos também a André Lopes e Cinara Lobo o apoio na diagramação das tabelas e gráficos.

  • Os autores agradecem as seguintes agências financiadoras da pesquisa: Fundação de Amparo à Pesquisa do Distrito Federal, por meio do Edital nº 09/2022 – Demanda Espontânea; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo 421465/2022-0, Edital Pró-Humanidades 2022, chamada 40/2022); e Swedish Research Council (Processo 2016-04759).

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  • BRASIL. Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016 Altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnicos de nível médio e superior das instituições federais de ensino. Brasília: Presidência da República, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13409.htm Acesso em: 1º ago. 2022.
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Editor de Seção: Ana Maria Almeida https://orcid.org/0000-0002-4504-0423

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2023
  • Aceito
    04 Out 2023
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