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UNIVERSIDADE E FORMAÇÃO NA ERA DA CULTURA DIGITAL

UNIVERSITY AND FORMATION IN THE AGE OF DIGITAL CULTURE

UNIVERSIDAD Y FORMACIÓN EN LA ERA DE LA CULTURA DIGITAL

RESUMO

O artigo analisa os desafios decorrentes do crescente predomínio da visão neoliberal e da funcionalização da educação no contexto da cultura digital e suas implicações na concepção de formação universitária. O desenvolvimento do texto envolve três tópicos: o primeiro analisa a funcionalização da educação no contexto da cultura digital, o segundo apresenta alguns resultados do avanço da mediação digital na formação universitária e reflete sobre eles, e o terceiro avalia os desafios éticos da formação diante do avanço do tecnopoder e da indústria cultural digital. Concluiu-se que, perante a instrumentalização da razão e da formação, é preciso prevalecer o princípio da responsabilidade, fazendo com que todo o conhecimento produzido tenha como objetivos primeiros afastar os riscos à vida e arrefecer as desigualdades entre as pessoas.

Palavras-chave
Formação; Cultura digital; Universidade; Ética da responsabilidade

ABSTRACT

The article analyzes the challenges arising from the growing predominance of the neoliberal vision and the functionalization of education in the context of digital culture and its implications for the conception of university education. The development of the text involves three topics: the first one analyzes the functionalization of education in the context of digital culture, the second one presents some results arising from the advancement of digital mediation in university formation and reflects on them, and the third one evaluates the ethical challenges of formation in the face of the advance of technopower and the digital cultural industry. It was concluded that, given the instrumentalization of reason and formation, the principle of responsibility must prevail, so that all knowledge produced has the primary objective of avoiding life risks and reducing inequalities between people.

Keywords
Formation; Digital culture; University; Ethics of responsibility

RESUMEN

El artículo analiza los desafíos derivados del creciente predominio de la visión neoliberal y la funcionalización de la educación en el contexto de la cultura digital y sus implicaciones para la concepción de la educación universitaria. El desarrollo del texto involucra tres temas: el primero, que analiza la funcionalización de la educación en el contexto de la cultura digital, el segundo, que presenta y reflexiona sobre algunos resultados derivados del avance de la mediación digital en la formación universitaria, y el tercero, que evalúa los desafíos éticos de la formación ante el avance del tecnopoder y la industria cultural digital. Se concluye que, dada la instrumentalización de la razón y la formación, debe prevalecer el principio de responsabilidad, de modo que todo conocimiento producido tenga como objetivo primordial evitar riesgos de la vida y reducir las desigualdades entre las personas.

Palabras-clave
Formación; Cultura digital; Universidad; Ética de la responsabilidad

Introdução

O avanço da cultura digital, agregado ao crescente predomínio da visão neoliberal hoje presente em todas as dimensões da ação humana, apresenta-se como um dos maiores desafios da formação, especialmente da formação universitária. A universidade, em cuja origem há a concepção de formação (Bildung) enquanto desenvolvimento da autonomia, da liberdade, do esclarecimento e da ética, vê atualmente fenecer tal noção sob a imposição de uma formação reduzida, instrumentalizada, voltada ao controle e à manipulação pelo uso dos diversos recursos fornecidos pela indústria cultural digital.

O tecnopoder, em desenvolvimento por meio da cultura digital, ao mesmo tempo que amplia as informações e facilita a manipulação dos dados, intensifica e torna cada vez mais complexos os processos e os mecanismos de manipulação e controle sobre indivíduos, grupos e instituições. Isso não só limita a ação autônoma e consciente dos indivíduos, como possibilita o seu controle mediante mecanismos cada vez mais sofisticados, que colocam em risco a integridade dos seres humanos, da natureza e do próprio universo.

Refletir acerca do processo em formação e avaliar a contribuição da universidade no desenvolvimento da crítica diante dessa situação são os objetivos deste artigo. Para tanto, ele será desenvolvido em três tópicos. No primeiro, analisa-se a funcionalização da educação no contexto da cultura digital em confronto com a ideia de formação nascida na modernidade, expressa na ideia de Bildung. No segundo tópico, descrevem-se alguns resultados e manifestações que a cultura digital está a promover em diferentes contextos, especialmente no universitário, e reflete-se sobre eles, destacando suas implicações formativas e deformativas, sobretudo quando a formação (Bildung) é convertida em semiformação (Halbbildung) na sociedade cujos comportamentos são instantaneamente metrificados, uma vez que prevalece o processo de digitalização da vida humana em praticamente todas as suas manifestações. No terceiro tópico, sustentado principalmente na crítica de Hans Jonas, amplia-se a crítica diante do atual contexto na perspectiva de suas consequências éticas.

A análise conta com importantes contribuições da crítica atual sobre neoliberalismo e a cultura digital, com destaque para as reflexões de Adorno e Horkheimer (1986)ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986., Heidegger (1997)HEIDEGGER, M. A questão da técnica. In: HEIDEGGER, M. O conceito de tempo. A questão da técnica. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997. (Cadernos de Tradução, n. 2.) p. 40-93., Habermas (2000HABERMAS, J. A nova obscuridade. São Paulo: Editora Unesp, 2000., 2004)HABERMAS, J. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? São Paulo: Martins Fontes, 2004., Hans Jonas (2006JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006., 2013)JONAS, H. Ética, medicina e técnica: sobre a prática do princípio da responsabilidade. São Paulo: Ed. Paulus, 2013., Sutherland (2008)SUTHERLAND, J. Directive decision devices: reversing the locus of authority in human-computer associations. Technological Forecasting & Social Change, v. 75, n. 7, p. 1068-1089, 2008. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2007.08.005
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2007....
, Adorno (2010)ADORNO, T. W. Teoria da semiformação. In: PUCCI, B.; ZUIN, A. A. S.; LASTÓRIA, L. A. C. N. (org.). Teoria crítica e inconformismo: novas perspectivas de pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2010. p. 7-40., Türcke (2010TÜRCKE, C. Sociedade excitada: filosofia da sensação. Campinas: Editora da Unicamp, 2010., 2019)TÜRCKE, C. Digitale Gefolgshaft: auf dem Weg in eine neue Stammesgesellchaft. Munique: C.H. Beck Verlag, 2019., Loh (2018)LOH, J. Trans- und Posthumanismus. Hamburgo: Junius Verlag, 2018., Loveluck (2018)LOVELUCK, B. Redes, liberdade e controle: uma genealogia política da internet. Petrópolis: Vozes, 2018., Van Dick, Poell e De Wall (2018)VAN DICK, J.; POELL, T.; DE WALL. The plataform society: public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018., Mau (2019)MAU, S. The metric society: on the quantification of the social. Cambridge: Polity Press, 2019., Zuboff (2019)ZUBOFF, S. A era do capitalismo de vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019., Wulf (2022)WULF, C. Educação como conhecimento do ser humano na era do antropoceno. São Paulo: Cortez, 2022., entre outros. Cabe ressaltar que, apesar de os autores seguirem orientações teóricas divergentes, eles se aproximam na crítica ao reducionismo da formação promovida pela indústria cultural e pela cultura digital.

Como conclusão, aponta-se que, em vez do incentivo à produção e difusão da instrumentalização da razão, é preciso fazer com que prevaleça o princípio da responsabilidade de que todo o conhecimento produzido tenha como objetivos primevos afastar os riscos e arrefecer as desigualdades entre as pessoas, de maneira especial na vida universitária. Sendo assim, a revitalização da formação no cenário da cultura digital não se resume à sua dimensão cognitiva, pois se trata prioritariamente de fazer com que a sua dimensão ético-moral se faça imanentemente presente em quaisquer formas de produção digital do conhecimento. Nessa linha de raciocínio, a seguir são apresentadas as considerações críticas sobre o processo de funcionalização da educação na sociedade na qual prevalece a denominada cultura digital.

A Funcionalização da Educação Diante do Sistema Maquínico Digital

Vivemos hoje mergulhados em profunda crise econômica, política e cultural que se reflete na educação, gerando incertezas relativas ao futuro que nos espera. Os regimes conservadores opõem-se aos impulsos pedagógicos inovadores voltados para a conscientização crítica das novas gerações e aderem ao modelo educacional posto a serviço do sistema econômico neoliberal. Disso resulta um importante conflito entre os espaços púbico e privado, representando o público a sociedade como um todo com base nos conceitos de direito, justiça e igualdade. Em sentido oposto, a educação de natureza privada privilegia os interesses, especialmente econômicos, de indivíduos e/ou grupos sociais. Em termos genéricos, essa tensão entre o privado e o público representa um enorme desafio para as prática e política pedagógicas na atualidade.

No sistema do chamado capitalismo de vigilância, magistralmente examinado por Shoshana Zuboff, na sua obra magna, A era do capitalismo de vigilância, o que mais importa na educação contemporânea não são propriamente o ser humano nem a sociedade em si, mas os interesses sistêmicos/produtivistas que moldam o ser humano na atualidade. Nos termos de Zuboff (2019, p. 19)ZUBOFF, S. A era do capitalismo de vigilância. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.:

Os capitalistas de vigilância descobriram que os dados comportamentais mais preditivos provêm da intervenção no jogo de modo a incentivar, persuadir, sintonizar e arrebanhar comportamentos em busca de resultados lucrativos. Pressões de natureza competitiva provocaram a mudança, na qual processos de máquina automatizados não só conhecem nosso comportamento, como também moldam nosso comportamento em escala. Com tal reorientação transformando conhecimento em poder, não basta mais automatizar o fluxo de informação sobre nós; agora a meta é nos automatizar.

Na perspectiva dessa leitura sistêmica, o que mais importa hoje é otimizar a produtividade e a competitividade no contexto de um regime economicista que é tanto melhor quanto mais se ajusta aos interesses do capitalismo sistêmico. Em outros termos, boa educação é aquela que assume, como seu principal eixo de atuação, o ideal da competitividade intrinsecamente relacionado à exclusão do outro, visto que no sistema maquínico contemporâneo não há, por definição, lugar para todos. Assim sendo, não é mais o sistema econômico que serve ao ser humano, mas, inversamente, o ser humano serve ao sistema.

Essa inversão, ocorrida na chamada segunda modernidade e que define novas condições humanas de existência focadas na individualização, levou-nos a vagar em busca de recursos para assegurar uma vida efetiva num contexto econômico no qual as pessoas aparentam ser enaltecidas em sua importância e centralidade quando são reduzidas à condição de meros números num sistema econômico frio e calculista que tem em conta apenas a rentabilidade e o lucro. De todos os lados nos é incutida a ideia de nossa importância, quando não passamos de meros agentes produtivos. Gera-se, assim, um cenário de perplexidade, no qual um número cada vez maior de pessoas não acredita mais na ideia da necessidade do sacrifício pessoal como condição de um mundo melhor no futuro1 1 Estamos enfrentando um sistema diferente no capitalismo industrial que até agora conhecemos, com o crescente domínio das plataformas financeiras, de comunicação, de controle do conhecimento e da indústria da informação pessoal. Sobre tais temas, apontamos as importantes análises de Mazzucato (2019) e Dowbor (2020), que esclarecem como a nova ordem mundial se tornou dependente da plataformização de todas as instâncias sistêmicas, incluindo a educação. Tal ordem não está interferindo somente nessas dimensões, mas promovendo uma nova concepção sobre o ponto de vista antropológico e ético da existência humana. .

Do ponto de vista acadêmico, esse cenário torna incontornável e urgente que a universidade promova uma reflexão crítica relativa a essa condição da educação na atualidade, visando fundamentar, com base em argumentos de natureza histórica/antropológica, a necessidade e urgência da revalorização e reatualização do sentido humanista/clássico da educação e, portanto, afeito à formação (Bildung). Trata-se de evitar que a educação se transforme em agente maquínico do sistema econômico, que inverte a relação homem e máquina, conferindo a esta última uma proeminência nunca antes vista na história. Numa palavra, trata-se de argumentar criticamente sobre o sentido da maquinização, hoje tão em voga, contrapondo-lhe a autonomia social/subjetiva como sentido estruturante de uma antropologia renovada.

Janina Loh (2018)LOH, J. Trans- und Posthumanismus. Hamburgo: Junius Verlag, 2018. inicia seu livro Trans- und Posthumanismus (ainda sem tradução) indicando que esses termos se fundamentam não numa transformação, mas na superação do humanismo tradicional por uma inteligência artificial no pós-modernismo tecnológico. A autora concentra-se em três recortes do humanismo: imagem humana e formação; interpretação do humanismo como correntes individualistas ou coletivistas; e espírito e corpo no pensamento humanista.

Quanto ao primeiro ponto, relativo à imagem e à formação humana, o humanismo fundamenta certa ideia de formação associada a uma imagem do ser humano radicalmente distinta do animal, na medida em que está disposta a cultivar as relações com os demais seres humanos após determinada formação. Diferentemente do animal, o ser humano é capaz, mediante a educação, de transformar-se num ser filantrópico e civilizado, a ponto de sensibilizar-se em relação aos outros. A filantropia humana preserva o potencial de desenvolvimento mediante a educação para não retornar ao nível do animal selvagem.

Assim sendo, a imagem filantrópica do ser humano está posta, porém, em termos de um ideal ainda carente de um desenvolvimento mediado pela educação ao longo da vida para evitar a regressão à crueza selvagem, própria dos animais. Foi na Grécia Antiga que se firmou o espaço do homem como intermediário entre o divino, de um lado, e o animalesco, de outro. Desde então, o esforço do ser humano consiste basicamente na luta pelo distanciamento do animalesco e, em sentido oposto, à aproximação do divino. Nesses termos, entende-se que o relacionamento intra-humano não é apenas um destino que nos é legado por nascimento, mas algo que resulta do processo formativo fundamentado na responsabilidade, na liberdade e na razão, como elementos estruturantes de um abrangente autocultivo.

O humanismo antigo, baseado no conceito latino de humanitas, era de natureza coletivista, ao passo que, no século 19 tal denominação assumiu uma conotação mais individualista. Em outros termos, os dois elementos centrais dessa tradição cultural são, de um lado, o humanismo antigo, coletivista, ainda carente do viés social/crítico, e o humanismo surgido o século 19, que assumiu, pelo menos tendencialmente, uma antropologia de natureza mais individualista, compreendendo o ser humano como autônomo, responsável por si mesmo.

Nesse sentido, em resposta à pergunta se o humanismo é historicamente de natureza individualista ou coletivista, pode-se dizer que, em termos gerais, hoje prevalece a postura individualista, muito embora sejam consideráveis as tentativas históricas de socialização sistêmica da formação humana, ou seja, do uso político/ideológico da formação. Parece bastante evidente que o humanismo abriga, na sua essência, uma concepção individualista, e não coletivista de natureza humana, ainda que a maioria dos sistemas políticos autoritários defenda a natureza coletivista da essência humana. Assim sendo, é plausível argumentar que toda a antropologia privilegia, tendencialmente, uma postura coletivista pelo simples fato de estar fundamentada, de um lado, na ideia de uma essência humana universal e, de outro, ser condição inexcusável da convivência social.

Do ponto de vista pedagógico, o individualismo e o coletivismo são princípios contrapostos, autoritários e coercitivos, inadequados para a regência das redes relacionais intraescolares, entre alunos, professores, dirigentes escolares e funcionários, e extraescolares, que envolvem os familiares. Em outros termos, é preciso preservar o espaço adequado para o exercício da liberdade individual, sem prejuízo para a coletividade escolar. Os diversos atores (alunos, professores, pais e funcionários) devem fazer parte de um projeto pedagógico que visa formar os/as jovens de modo equilibrado para a profissionalidade e a cidadania.

Seja como for, diferentemente de outros seres vivos condicionados por seus instintos, o ser humano tem consciência e capacidade de refletir, com os outros, sobre sua existência e seu entorno na busca de constantes antropológicas comuns a todos que, embora em diferentes níveis de realização, buscam conferir sentido à sua vida. Mesmo assim e apesar desse esforço, persiste até hoje a fundamental dicotomia entre o direito natural à liberdade individual e a pretensão das ideologias dogmáticas ou das religiões que exigem obediência e submissão às respectivas doutrinas. Segundo Habermas (2000, p. 105)HABERMAS, J. A nova obscuridade. São Paulo: Editora Unesp, 2000.:

As ciências modernas renunciaram à pretensão da razão da tradição filosófica. Com elas inverte-se a relação clássica entre teoria e práxis. As ciências naturais, produtoras de um saber tecnicamente útil, transformaram-se em uma forma de reflexão da práxis e na primeira força produtiva. Pertencem ao contexto funcional da sociedade moderna.

Com o surgimento das máquinas eletrônicas, sobretudo o computador, gerou-se um novo espaço público de comunicação intersubjetiva com ambientes inéditos de circulação de conteúdos verdadeiros e falsos, cujos efeitos dependem da capacidade de avaliação das pessoas às quais chegam sem controle nem parâmetros consistentes de veracidade. Essas formas inéditas de sociabilidade que circulam pelos ambientes virtuais na internet se fundamentam em comunidades virtuais de vínculos ad hoc de solidariedade, com base em representações sociológicas e culturais de cooperação que, na forma de escolhas individuais, interferem nos conceitos tradicionais de comunidade e de sociedade, num processo designado por Loveluck (2018, p. 80)LOVELUCK, B. Redes, liberdade e controle: uma genealogia política da internet. Petrópolis: Vozes, 2018. de hibridismo ser humano-máquina que, no fim das contas, resulta num profundo e ambíguo questionamento antropológico pela fetichização da técnica e da perda da solidariedade.

Nesse contexto, a educação, via de regra, ensina aos jovens os meandros e as fórmulas do apoderamento técnico do mundo, mas não lhes ensina a capacidade do fruir dionisíaco e orgiástico da vida e do mundo desprendido das cadeias da utilidade. A escola, embora deva manter estreita relação com a realidade, não pode cair na fatal cilada da pura aderência ao real. Se preferir essa opção, não se tornará apenas reprodutiva, como diziam Bourdieu e Passeron (2012)BOURDIEU, P.; PASSERON, J. C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2012., mas será positivamente produtiva de uma realidade opressora, excludente e injusta.

Por essa razão, a escola não pode imitar a realidade, porém deve conhecê-la e transcendê-la criticamente com base num ideal de ser humano configurado após cuidadosa e profunda reflexão pedagógico-filosófica propensa à revitalização do conceito de formação (Bildung), cuja origem concerne à expectativa vigente, já no fim do século 18 e início do 19, de que o desenvolvimento da individualidade esclarecida, letrada, autônoma e ética comporia o lastro da subjetividade afeita ao movimento gradativo de universalização da cidadania. Caso ocorra o contrário, todo o pensamento se canaliza para o curso da razão instrumental, subserviente aos interesses do sistema econômico.

Na contramão da hegemonia da razão instrumental, nota-se a ênfase posta na relação entre pedagogia e antropologia. Efetivamente, há interdependência entre a pedagogia e a antropologia histórica e cultural com base na qual é possível combinar e recombinar imagens do processo de criação e recriação da realidade. Nesse sentido, a imaginação pode ser performativa, permitindo que sua dinâmica contribua para a organização e reorganização performática do tempo histórico com suas especificidades culturais e econômicas. No dizer de Wulf (2022, p. 35)WULF, C. Educação como conhecimento do ser humano na era do antropoceno. São Paulo: Cortez, 2022.:

Elementos utópicos voltados para a “melhoria” dos seres humanos estão no centro dos conceitos e teorias da educação. Eles estão relacionados com imagens e ideias de pessoas que tornam visível algo que ainda não se tornou realidade. Ao longo da história, muitos desses projetos e utopias revelam seu poder de criar realidade. A fim de poder educar, foram concebidas imagens de seres humanos e desenvolvidos sonhos e concepções com a ajuda dos quais essas imagens de seres humanos deveriam ser realizadas.

Nesses termos, é mister nunca esquecer que os elementos utópicos desempenham um papel relevante no que diz respeito à melhoria da educação. Em razão disso, é acertada a tese de Wulf (2022, p. 51-52)WULF, C. Educação como conhecimento do ser humano na era do antropoceno. São Paulo: Cortez, 2022., segundo a qual “o sonho da educação humana é tão necessário quanto a própria educação”. Efetivamente, os professores não devem apenas trabalhar a realidade como ela é, ou seja, ostentar dados científicos/históricos como fatos, mas entendê-los como construtos históricos de mundo aos quais é inerente uma intenção pedagógica portadora de uma visão histórica de mundo e dos seres humanos. De fato, esse é um aspecto crucial para que se possa fomentar a renovação da formação, na medida em que essa conscientização sócio-histórica se consolida como lastro formativo de reengajamento ético-moral com o outro.

Assim sendo, é de crucial relevância no processo pedagógico reconhecer que já não dispomos de referências seguras, ancoradas em certos pressupostos sociais, culturais, antropológicos ou mesmo religiosos que nos sirvam de orientação e fundamentam a autoridade pedagógica; ao contrário, todas as referências precisam ser debatidas e fundamentadas social/antropologicamente com os estudantes para que estes possam, em termos dialógicos, construir sua própria visão de mundo e, portanto, serem formados. Nesse processo está subentendido que a visão de mundo é um produto de cada época com suas certezas e dúvidas, emergentes da evolução social/histórica e humanista em crise. Ou seja, o futuro da espécie humana deixa de ser considerado um cenário fixo para o qual habilitamos a juventude, seja em função de argumentos utilitaristas, seja de fundamentos antropológicos.

Nesse contexto, um dos mais relevantes desafios pedagógicos da atualidade é o da economização, ou seja, a funcionalização da educação, tanto em relação às diferentes disciplinas quanto à educação de modo geral ao sentido profissionalizante. Assim sendo, os/as jovens e também a população em termos mais amplos precisam aprender a lidar com a realidade social/econômica, visando preparar as novas gerações para essa insurgente e desafiadora realidade. Um breve olhar histórico nos permite constatar que a vertente filosófica desse cenário se fundamenta no cogito, ergo sum cartesiano, que poderia ser traduzido, em termos atuais, por me submeto ao sistema, portanto sou alguém, como a raiz de uma realidade racional que atualmente assume sua mais forte radicalidade resumida na seguinte pergunta: o que prevalece hoje é o sujeito, a sociedade ou o sistema econômico?

Contraditoriamente, a desafiadora luta do ser humano por sua emancipação, autonomia e liberdade, tão caras ao conceito clássico de formação (Bildung), resulta na sua submissão aos interesses economicistas, aceita com crescente naturalidade a cada dia que passa. Em termos pedagógicos, o desafio hoje posto é o da promoção da consciência, segundo a qual é preciso recuperar o sentido humano do desenvolvimento do indivíduo enquanto sujeito integral e autônomo, numa espécie de revitalização dos princípios da Bildung no cenário da cultura digital.

Nesse contexto, marcado pela utilidade e previsibilidade, ressurgem, como ponta de luz, a poesia e a arte como as novas possibilidades de reconciliação do ser humano consigo mesmo e com as circunstâncias não mensuráveis pela ciência. O desafio atual é, portanto, criar quadros de referência e visões de mundo que devem ser debatidos com base num discurso focado no sentido humano dos rumos sociais e epistêmicos do discurso pedagógico na atualidade.

Uma das questões centrais da educação atual é a mediação do digital, que vem ocupando um espaço cada vez maior, sobretudo entre as jovens gerações, muitas vezes designadas como fabricantes ou produtores digitais. Hoje ainda é difícil avaliar os efeitos desse processo mimético, cada vez mais generalizado, sobre os processos pedagógicos, que estão, por assim dizer, reconstituindo as relações das pessoas entre si e com o mundo de forma muito radical. Logo, os professores, em sala de aula, têm entre 20 e 30 alunos à sua frente, sujeitos diferentes entre si na estrutura profunda de sua subjetividade e singularidade. A educação representa um processo mimético de aprendizagem e apropriação em que, apesar de um grupo de alunos receber ensinamentos iguais e coetâneos, cada processo de aprendizagem é sempre individual e único em cada momento.

Hoje a mediação do digital ocupa lugar cada vez mais relevante em todos os contextos sociais, tais como política, economia, técnica, cultura, educação e outras mais. Especialmente na educação, a digitalização está assumindo crescente destaque com as mais diferentes intenções, desde as mais nobres até as mais banais. Na avaliação de Christoph Wulf (2022, p. 172)WULF, C. Educação como conhecimento do ser humano na era do antropoceno. São Paulo: Cortez, 2022.:

Dado o papel central desempenhado pela digitalização e inteligência artificial em nossas sociedades, a educação das gerações futuras nesta área é de considerável importância. Os jovens precisam aprender uma abordagem consciente, reflexiva e crítica das práticas da cultura e da inteligência artificial. Em vista dos muitos resultados da inteligência artificial ou do aprendizado de máquina, é necessário um amplo conhecimento para lidar de maneira independente e reflexiva com sua complexidade.

Sem a digitalização e a inteligência artificial, não parece mais possível uma vida criativa e satisfatória na sociedade atual, na medida em que ambas vêm se tornando parte integrante tanto de nossa imaginação quanto dos pensamentos e também de nossos corpos. Desde os primeiros anos de vida, o digital enfronha-se na tessitura de nosso ser de tal sorte que já não podemos imaginar a vida sem ele. De certa maneira, os recursos digitais já não são externos a nós, uma vez que vêm se tornando, de forma cada vez mais efetiva, instituintes de nossa identidade. Nesse sentido, esses recursos já não são externos, tendo em vista que hoje fazem parte do corpo e do espírito humano, de tal modo que dificilmente é possível uma demarcação de fronteiras entre eles e os sujeitos humanos. Se o mundo se torna cada vez mais imagem e as mídias produtoras de imagens e comentários digitalizados moldam as crianças e os jovens desde os primeiros anos de vida, então se pode dizer que essa é uma das condições instituintes vitais de nossas vidas na sociedade atual.

Diante desse cenário, para o objetivo deste artigo, torna-se cada vez mais relevante a reflexão sobre o modo como a mediação do digital se faz presente no tecido social da universidade, o que acarreta transformações decisivas no processo formativo.

Universidade, Formação e Mediação do Digital

As transformações no processo formativo, decorrentes do modo como a Bildung se revitaliza na era da cultura digital, assim como a denominada semiformação (Halbbildung), também podem ser observadas no âmbito universitário, quer seja na maneira pela qual a produção e a disseminação do conhecimento se realizam pela mediação do digital, quer seja por como as relações entre professores e alunos são digitalmente ressignificadas.

É interessante notar como as produções acadêmicas, já no momento de sua concepção, são elaboradas com o escopo de que seus objetos sejam aptos a se tornar visíveis e, portanto, acessados em escala mundial. Não por acaso, atualmente proliferam os rankings e ratings de professores e professoras universitários, cujos resultados de pesquisas são visibilizados nas redes sociais em plataformas tais como o Google Scholar, o Academia.edu e o ResearchGate.

Todavia, não apenas as redes sociais e plataformas se adaptam ao processo de codificação do mundo da vida, por meio da visibilidade algoritmicamente calculada e quantificada. Também as agências de fomento à pesquisa passam a valorizar a quantidade do número de citações das produções acadêmicas daqueles que pleiteiam recursos financeiros para a concretização de seus planos de pesquisa. Em todas as ocasiões que os pesquisadores e pesquisadoras preenchem os dados de suas súmulas curriculares, seja na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, seja no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, são-lhes questionadas as quantidades de vezes que tiveram seus trabalhos citados em outros artigos, de tal modo que seja possível calcular seus respectivos índices h. Ao se transformar numa espécie de commodity cultural, esses índices tornam-se elementos relevantes de avaliação, de tal maneira que, da comparação resultante, seja possível identificar quais pesquisadores e pesquisadores receberão, ou não, os aportes financeiros para a viabilização suas pesquisas.

No caso dos rankings acadêmicos, são elencados em listas classificatórias tanto os professores e professoras quanto as universidades que mundialmente mais se destacam quando são comparados itens tais como as quantidades de publicações nacionais e internacionais, a qualificação do corpo docente, intercâmbios entre grupos de pesquisa nacionais e internacionais, entre outros. Já em relação aos ratings, os professores e professores são avaliados por meio de suas performances principalmente nas salas de aula. Um dos sites mais conhecidos de avaliação é o RateMyProfessors.com, originariamente produzido por John Swapceinski, em 1999. Desde então, os e as estudantes têm acesso a um espaço online para que possam realizar avaliações dos desempenhos dos seus professores, numa escala de 1 a 5, em países tais como Estados Unidos, Canadá e Reino Unido.

São mensurados elementos tais como a presteza do professor e da professora em imediatamente dirimir quaisquer dúvidas que lhes sejam apresentadas; a leveza dos e das docentes em relação às respostas das questões feitas pelo corpo discente, de modo que não seja exposto nenhum tipo de discriminação ou mesmo desdém quanto às perguntas que lhes são feitas; e a clareza presente no raciocínio dos professores e professoras que não tergiversam sobre o que lhes foi questionado, de tal maneira que as respostas são cartesianamente elaboradas de forma clara e objetiva. Nesse mesmo site, é proporcionada também a possibilidade de os e as estudantes expressarem o que pensam de seus professores e professoras num espaço de 350 caracteres.

Diante desse quadro, consolidam-se os alicerces que sustentam as bases da chamada sociedade métrica, cujas forças produtivas, notadamente as de caráter tecnológico, possibilitam fazer com que sejam quantificados todos os comportamentos humanos propalados via online. De acordo com Steffen Mau (2019, p. 6, grifos do original)MAU, S. The metric society: on the quantification of the social. Cambridge: Polity Press, 2019.:

Primeiramente, a linguagem dos números modifica nossa percepção cotidiana de valor e status social. A disseminação do meio numérico está também se dirigindo em direção à “colonização do mundo da vida” por meio dos conceitos de predicabilidade, mensurabilidade e eficiência. Em segundo lugar, a mensuração quantitativa dos fenômenos sociais fomenta a expansão, senão a universalização, da competição, de modo que a disponibilidade da informação quantitativa reforça a tendência em direção à comparação social e, consequentemente à rivalidade [...]. Em terceiro lugar, emerge uma tendência, cada vez mais presente, da hierarquização social, de modo que representações tais como tabelas, gráficos, lista ou pontuações fundamentalmente transformam diferenças qualitativas em desigualdades quantitativas.

Dessa forma, os professores e professoras que obtiverem as melhores avaliações tenderão a ser mais, por assim dizer, acessados, seja por meio de seus perfis virtuais, seja pelas recomendações dos e das estudantes que são cotidianamente visualizadas nas redes sociais e nos sites de avaliação acadêmica, tal como o RateMyProfessors.com. Em decorrência dessa espetacularização da imagem docente, aqueles e aquelas que mais se destacarem também se transformam em commodities atraentes para as universidades, que propagandeiam nas redes sociais seus respectivos quadros docentes.

No atual contexto da visibilidade acadêmica algoritmicamente calculada, quanto mais os perfis sociais dos professores e professoras mais bem avaliados pelos estudantes forem acessados, mais reconhecimento social será obtido, de tal forma que também no meio universitário se confirma a ontologia da sociedade do espetáculo corrente, a de que ser significa ser midiática e eletronicamente percebido (TÜRCKE, 2010TÜRCKE, C. Sociedade excitada: filosofia da sensação. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.). Ou seja, se a pessoa não for percebida nem se fazer perceber, sobretudo por meio das redes sociais, é como se ela fosse uma não existência viva. A luta titânica que é cotidianamente travada com o objetivo de capturar a atenção também se espraia no mundo acadêmico, haja vista o modo como os chamados fatores de impacto não mais se delimitam ao ranqueamento de periódicos de todas as áreas de conhecimento, pois chamar a atenção se configura como exigência de sobrevivência também na vida universitária.

Impactar visualmente se transforma no imperativo categórico da sociedade como um todo. O meio universitário, e o da própria produção das pesquisas, não poderia ser excluído de tal demanda, a ponto de os próprios objetos das pesquisas serem previamente concebidos com o desígnio de se notabilizar na comparação com os que não são, por assim dizer, tão atraentes. Assim, caso determinado objeto de pesquisa se refira a uma questão absolutamente pontual e local, a tendência é a de que o pesquisador ou a pesquisadora desista de estudá-lo em virtude do seu pequeno potencial de visibilidade acadêmica.

Na chamada sociedade plataforma (VAN DICK; POELL; DE WALL, 2018VAN DICK, J.; POELL, T.; DE WALL. The plataform society: public values in a connective world. Oxford: Oxford University Press, 2018.), se um objeto de pesquisa não for potencialmente apto a ser visualizado nas redes sociais e plataformas, então dificilmente será acessado por outros pesquisadores e pesquisadoras, fazendo-se com que as produções científicas decorrentes sejam pouquíssimo citadas. Sendo assim, quanto mais citações, quanto mais os produtos acadêmicos forem visualmente impactantes, maior será o índice h dos pesquisadores e pesquisadoras, de tal forma que maiores serão as possibilidades de angariar bolsas de estudo e subsídios para suas pesquisas. Na sociedade do espetáculo hodierna, não basta apenas publicar para não perecer; é preciso cada vez mais aparecer midiática e eletronicamente, caso se deseje permanecer atuante e competitivo no meio acadêmico (BIANCHETTI; ZUIN; FERRAZ, 2018BIANCHETTI, L.; ZUIN, A. S. S.; FERRAZ, O. Publique, apareça ou pereça: produtivismo acadêmico, “pesquisa administrada” e plágio nos tempos da cultura digital. Salvador: EDUFBA, 2018.).

Por consequência, a atual universalização da competição acadêmica ocorre na conjuntura da sociedade métrica anteriormente citada (MAU, 2019MAU, S. The metric society: on the quantification of the social. Cambridge: Polity Press, 2019.), na qual a tecnologia digital permite fazer com que todos os comportamentos sejam algoritmicamente mensurados e imediatamente disponibilizados por meio dos gadgets digitais. É nessa sociedade que as avaliações são ininterruptamente realizadas em quase todas as esferas do mundo da vida. Em qualquer estabelecimento comercial, seja físico, seja virtual, por exemplo, solicita-se aos clientes que avaliem, de forma online, se o serviço foi feito de maneira adequada e satisfatória.

A própria identificação de ser cidadão também se torna ressignificada, haja vista a intenção do governo chinês, por exemplo, de metrificar digitalmente os comportamentos humanos, a ponto de, por meio do cruzamento de dados algoritmicamente obtidos, atribuir uma pontuação à determinada pessoa. Ou seja, por meio das informações digitalmente obtidas sobre multas de trânsito, danos ao patrimônio público, participações em manifestações públicas contra o governo, entre outros itens, cada cidadão chinês obterá um escore que definirá que tipo de punição lhe será imputado (MAU, 2019MAU, S. The metric society: on the quantification of the social. Cambridge: Polity Press, 2019.). É por isso que não é fortuita a utilização de câmeras nas salas de aula com sensores capazes de ler o fluxo sanguíneo das faces dos alunos e alunas, a ponto de os seus softwares deliberarem que tipo de comportamento pode ser imputado ao corpo discente. Ou seja, caso as faces do aluno e da aluna sejam algoritmicamente caracterizadas como desatentas, imediatamente os celulares dos professores e dos pais receberão em seus visores tal veredito (SUTHERLAND, 2008SUTHERLAND, J. Directive decision devices: reversing the locus of authority in human-computer associations. Technological Forecasting & Social Change, v. 75, n. 7, p. 1068-1089, 2008. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2007.08.005
https://doi.org/10.1016/j.techfore.2007....
).

Os ratings virtuais de professores e professoras, que são avaliados pelos(as) estudantes universitários, inserem-se nesse contexto de metrificação onipresente, sendo uma tendência que parece se consolidar como algo absolutamente afeito ao zeitgeist contemporâneo. Se essa suposição for correta, compreende-se o modo como o emprego da tecnologia digital permite fazer com que não somente a competição seja universalizada, como também recrudesçam o desengajamento moral e a dessensibilização em relação ao outro, na medida em que as ações passam a ser instrumentalmente regidas com o propósito de que punições sejam evitadas e recompensas sejam amealhadas.

A instrumentalização das ações de receber recompensas e evitar punições não surge somente na sociedade cujas relações humanas são portentosamente digitalizadas, mas é nessa sociedade que o, por assim dizer, ethos maquinal encontra um modo de se espraiar inaudito: o do tempo e do espaço virtual algoritmicamente produzido e reproduzido. O grande júri virtual do Facebook, para usar uma expressão de Christoph Türcke (2019)TÜRCKE, C. Digitale Gefolgshaft: auf dem Weg in eine neue Stammesgesellchaft. Munique: C.H. Beck Verlag, 2019., sentencia quem deverá ser cancelado ou não, de tal modo que nenhuma pessoa que participe, a princípio, dessa avaliação possa ser responsabilizada pelos seus likes ou dislikes. Sendo assim, a performance virtual, que engendra resultados reais, gradativamente vai se sobrepondo como determinante em detrimento da capacidade de se exercer empatia ou mesmo se sensibilizar quanto às consequências dos comportamentos em relação aos outros.

Quando a performance adquire tamanha visibilidade no meio universitário, também a relação entre professor(a) e estudantes se modifica, de tal maneira que os fins justifiquem os meios no que concerne à mediação do digital no cotidiano universitário. Se nas escolas de ensinos fundamental e médio já é controverso o uso de aparelhos celulares para os denominados fins pedagógicos nas salas de aula, por sua vez na universidade não há sequer um debate sobre o modo como a utilização de tais aparelhos impacta o processo de ensino e aprendizagem como um todo.

Com efeito, notam-se as mais variadas reações, pois há os que simplesmente proíbem o uso de celulares, assim como os que encontram outras alternativas. Ou seja, já há casos de professores que, nos 15 encontros com os estudantes, aplicam 15 provas, de tal modo que, se os estudantes usarem seus celulares para, por assim dizer, surfar nas redes sociais no transcorrer de tais aulas, não serão capazes de responder às questões da prova aplicada na parte final de cada uma das 15 aulas. Logo, o problema da ausência da concentração dos estudantes que manuseiam seus celulares durante as aulas é resolvido mediante a ameaça da punição decorrente da má performance na prova. Novamente, os fins (garantir a concentração nas aulas) justificam os meios (ameaça contínua de punição).

Os(as) estudantes não se aquietam diante de tais ameaças e, em muitos casos, revidam por meio de práticas de cyberbullying contra professores também no meio acadêmico, na medida em que, com seus celulares, registram imagens humilhantes dos e das docentes e as postam nas redes sociais, como no YouTube. Situações como essas denotam a dificuldade do estabelecimento de práticas dialógicas, as quais poderiam ser o esteio de contratos pedagógicos entre os corpos docente e discente sobre formas e tempos de utilização dos celulares nas aulas.

Talvez a observância dessas mesmas dificuldades possa impulsionar a reflexão sobre a forma como a chamada revitalização da Bildung poderia ser decisiva para a efetivação do potencial emancipatório que o digital porta consigo, como força produtiva tecnológica historicamente produzida que é, e tal revitalização será analisada com maior ênfase no próximo tópico deste artigo. No momento, torna-se relevante refletir sobre o modo como Adorno (2010)ADORNO, T. W. Teoria da semiformação. In: PUCCI, B.; ZUIN, A. A. S.; LASTÓRIA, L. A. C. N. (org.). Teoria crítica e inconformismo: novas perspectivas de pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2010. p. 7-40. definiu a semiformação (Halbbildung) como a inimiga mortal da formação, por ser uma “fraqueza em relação ao tempo, à memória, única mediação capaz de fazer na consciência aquela síntese da experiência que caracterizou a formação cultural em outros tempos” (ADORNO, 2010ADORNO, T. W. Teoria da semiformação. In: PUCCI, B.; ZUIN, A. A. S.; LASTÓRIA, L. A. C. N. (org.). Teoria crítica e inconformismo: novas perspectivas de pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2010. p. 7-40., p. 33).

Nos tempos atuais da memória digital, as informações podem ser recuperadas de forma inédita também nas relações entre docentes e discentes estabelecidas nas salas de aula. Se em vez da partilha da atenção – que ocorre todas as vezes que estudantes e/ou professores(as) usam seus celulares para consulta de suas redes sociais particulares – prevalecer o compartilhamento da atenção num mesmo objeto de estudo, então há uma chance real de que quaisquer informações obtidas por meio do uso dos celulares possam ser conjuntamente articuladas a ponto de se metamorfosear em conceitos. Se esse processo sobressair, avulta-se a possibilidade de que as mediações históricas, relacionadas às condições humanas que engendraram tais conceitos, revigorem também o engajamento moral afeito à gênese da formação, por meio da qual foi acalentado o sonho de que o indivíduo fosse “livre e radicado em sua própria consciência, ainda que não tivesse deixado de atuar na sociedade e sublimasse seus impulsos” (ADORNO, 2010ADORNO, T. W. Teoria da semiformação. In: PUCCI, B.; ZUIN, A. A. S.; LASTÓRIA, L. A. C. N. (org.). Teoria crítica e inconformismo: novas perspectivas de pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2010. p. 7-40., p. 13).

Se, na sociedade da cultura digital, na qual a memória digitalmente produzida pode fazer com que tudo seja lembrado, novas formas de esquecimento sejam geradas no formato das fake news, essa mesma memória digital também pode proporcionar a resistência à produção do pensamento fragmentado e dos preconceitos delirantes, na medida em que professores(as) e estudantes se reengajam moralmente quando resgatam a historicidade das contradições humanas imanentemente presentes em todos os conceitos.

Se o poder das atuais notícias falsas se nutre, entre outros fatores, da mera recepção da informação disseminada por meio das redes sociais, então cada vez mais se torna premente o alerta de Hegel (1991)HEGEL, G. W. F. Escritos pedagógicos. México: Fondo de Cultura Ecnómica, 1991. de que, se o ato de aprender se restringir a uma atitude meramente receptiva, então “o resultado não seria muito melhor do que se escrevêssemos frases sobre a água; pois não é o receber, mas sim a autoatividade compreensiva e a capacidade de utilizá-la novamente que convertem um conhecimento numa propriedade nossa” (HEGEL, 1991HEGEL, G. W. F. Escritos pedagógicos. México: Fondo de Cultura Ecnómica, 1991., p. 91).

Em tempos de hegemonia do digital e da sociedade métrica, para que as relações entre os corpos docente e discente não se liquefaçam, torna-se decisivo o movimento de que tanto a autoatividade compreensiva quanto a capacidade de utilizá-la sejam coletivamente praticadas por meio de um engajamento ético-moral coletivo que prevaleça no ambiente universitário. Nessa linha de raciocínio, são apresentadas a seguir considerações sobre o modo como a atualização do conceito de formação se torna um elemento fulcral para que se possa fomentar o engajamento ético-moral também no ambiente universitário da sociedade da cultura digital.

Universidade, Formação e Ética na Era Digital

A questão ética acompanha a tarefa formativa da universidade desde a sua origem. Na atualidade, no entanto, ela assume novas dimensões, à medida que cresce o poder de intervenção das ciências e das novas tecnologias em decorrência do desenvolvimento de mecanismos de manipulação e de controle sobre o ser humano, a natureza e o sistema social. A preocupação do presente tópico é refletir sobre a necessária cautela intelectual e prudência ética que devemos ter diante dos riscos das novas tecnologias para não inviabilizar a existência das futuras gerações nem a da própria vida na Terra. Trata-se de avaliar as limitações e as ameaças que o avanço das novas tecnologias pode produzir sobre os indivíduos, o meio social e o meio natural. A universidade tem um envolvimento umbilical com essa questão.

Tal como foi destacado no início deste artigo, vivemos um momento em que se intensifica a visão de mundo em que tudo se torna recurso de exploração capitalista e a própria vida das pessoas se faz disponível ao controle e à exploração do mercado e da indústria da informação. Pressionadas crescentemente pela lógica do capital, as universidades perdem sua condição de instituições relativamente autônomas, com liberdade de produção e de socialização dos conhecimentos científicos e das tecnologias. Soma-se a isso a compulsão de dominação que a civilização tecnológica vem proporcionando em diferentes setores, colocando em risco as diferentes formas de vida e a própria natureza.

Nesse contexto, os ideais da Bildung, como autoformação, autodesenvolvimento, autoconsciência, maioridade, aperfeiçoamento, fazer uso da própria razão, autonomia, singularidade, universalidade e ética, tornam-se problemáticos, perdendo seus vieses positivos e revelando inúmeros riscos. Com efeito, muitas são as críticas que têm sobrelevado a queda do predomínio das questões éticas na perspectiva positivista, denunciando os ideais culturais e tecnológicos decorrentes da racionalidade moderna. Em nenhum momento da história da humanidade, o agir humano foi tão dependente de fatores externos e dos artefatos que o próprio ser humano produz. O que se tem percebido, conforme analisam Lastória, Guimarães e Pucci (2001)LASTÓRIA, L. N.; GUIMARÃES, B. C. C.; PUCCI, B. (org.). Teoria crítica, ética e educação. Piracicaba: Editora Unimep, 2001., é o crescimento da racionalidade técnica e da cultura digital que tem promovido um ethos social atrofiador da capacidade do agir moral dos indivíduos. O saber técnico está se sobrepondo aos demais saberes humanos, implementando uma forma de ser e de agir que limita o sentido da existência cotidiana dos indivíduos e coloca o futuro da vida em perigo.

O que podemos constatar, especialmente, é o crescimento intenso no uso de tecnologias nas tomadas de decisão que envolvem situações complexas e que vão substituindo prerrogativas consideradas, até recentemente, de natureza subjetiva. Os computadores estão deixando de ser considerados dispositivos destinados a fazer cálculos, sistematizar ou classificar dados e informações, transformando-se em recursos que passam a realizar tarefas próximas a ações humanas autônomas. Assim, além de previsões sobre economia, natureza e política, as novas tecnologias podem ser utilizadas para prever e até programar o comportamento individual. No campo das ciências naturais, constatamos os avanços do poder de interferências sobre diferentes formas de vida e sobre a própria ordem natural das espécies vivas. A biotecnologia já possui o poder de programar a vida, seja ela a humana, seja de diferentes espécies, o que pode colocar em risco a própria existência da vida. Apesar dos benefícios que a biotecnologia pode trazer, é preciso atentar para os riscos que a possibilidade da manipulação da vida representa.

A pergunta que cabe ser feita é se a possibilidade de um progresso sem fim da ciência e da técnica pode ser acompanhada do desenvolvimento da humanidade do ponto de vista ético. Ou seja, o progresso científico e tecnológico pode contribuir para o desenvolvimento ético da coletividade e de cada individualidade? Que implicações decorrem dessa preocupação ética no desenvolvimento da ciência e da tecnologia? Quais são as implicações éticas que as novas tecnologias trazem para a universidade e para a formação que lhe cabe desenvolver? Em que termos as novas tecnologias impactam a formação do sujeito racional e do homem virtuoso, considerando as crescentes influências externas que estão sendo promovidas pelas novas tecnologias digitais?

As respostas a essas questões não são de fácil solução, pois envolvem muitos aspectos que ainda não foram analisados em profundidade, no entanto a universidade, de modo especial, não pode se furtar de enfrentar esses desafios. Inicialmente, é preciso compreender que os atuais processos de desenvolvimento científico e tecnológico se inscrevem no interior das práticas que vêm sendo promovidas desde o surgimento da modernidade, intensificadas, porém, graças aos novos recursos e artefatos produzidos pela indústria contemporânea. São inúmeras as análises que tratam das implicações que tal desenvolvimento tem promovido, mormente em suas consequências éticas e socioambientais.

Hans Jonas é uma dessas importantes referências. Retomando reflexões de Nietzsche e Heidegger sobre racionalidade, ciência e técnica, propõe repensar a ética no contexto dos avanços do poder das novas tecnologias (JONAS, 2006JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006.). Com base na crítica de Heidegger (1997)HEIDEGGER, M. A questão da técnica. In: HEIDEGGER, M. O conceito de tempo. A questão da técnica. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997. (Cadernos de Tradução, n. 2.) p. 40-93. sobre técnica e a metafísica tradicional enquanto a história do esquecimento do ser, Jonas (2006)JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006. acolhe a concepção do pensador alemão de que a técnica é a configuração mais acabada dessa metafísica, decorrendo daí sua redução a uma atividade meramente instrumental e manipulativa. O reducionismo técnico é consequência do esquecimento do ser que se intensifica na modernidade, produzindo uma visão distorcida sobre a própria técnica. Para superar essa visão que se desenvolveu no pensamento ocidental, Heidegger (1997)HEIDEGGER, M. A questão da técnica. In: HEIDEGGER, M. O conceito de tempo. A questão da técnica. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997. (Cadernos de Tradução, n. 2.) p. 40-93. procura esclarecer a essência da técnica, apontando o seu poder de produção e de desvelamento do ser. Para tanto, alerta acerca do problema que o esquecimento do ser produziu, apontando para a necessidade de se avaliar os riscos que uma compreensão distorcida da técnica pode produzir.

Jonas (2006)JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006. esclarece que existe uma associação entre o diagnóstico da decadência da civilização ocidental e o processo de desenvolvimento científico e tecnológico, que culmina com a ruptura da relação entre homem e o mundo. Constata que progressivamente se faz presente uma concepção de realidade que concebe o mundo como um lugar inóspito e a natureza como um corpo morto, o que o levou a afirmar que a ciência moderna se apoia em uma “ontologia da morte”. Nela o próprio ser humano se define enquanto ser em si, negando seu pertencimento ao âmbito da vida. Estabelece-se, assim, um dualismo entre vida e morte, entre natureza e ser humano. A proposição do filósofo é o desenvolvimento de uma ontologia da vida, em que a preservação de todas as formas de vida se torna um princípio universal.

Jonas (2006)JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006. afirma que a ética precisa ser repensada na perspectiva das consequências que a técnica pode trazer para a sobrevivência da Terra. Concebe que a técnica atual apresenta algo de novo e de especial, à medida que tem aumentado seu poder de intervenção em relação ao que ocorria no passado, sobrepondo-se à capacidade de controle e de decisão do próprio ser humano.

Justificando seu princípio da responsabilidade, Jonas (2013)JONAS, H. Ética, medicina e técnica: sobre a prática do princípio da responsabilidade. São Paulo: Ed. Paulus, 2013. aponta cinco razões que vêm tornando a questão da tecnologia um desafio universal: a ambivalência dos efeitos, o seu uso automático e quase compulsório, a extensão global no espaço e no tempo, o rompimento com o antropocentrismo e a provocação da questão metafísica que pergunta se deve haver humanidade e se a vida deve ser mantida na forma como a evolução natural a produziu. Cada um desses fundamentos implica em um conjunto de questões que historicamente não estavam presentes nas tecnologias do passado. O fato mais preocupante é que tal processo está criando uma situação de irreversibilidade, o que torna cada vez mais efetiva a possibilidade de uma catástrofe universal. Nos termos de Jonas (2006, p. 253)JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006., “o poder se tornou autossuficiente (selbstmächtig), enquanto sua promessa se converteu em ameaça, sua perspectiva de salvação em apocalipse”.

Ao comentar a argumentação desenvolvida pelo filósofo alemão, Giacoia Jr. (1999)GIACOIA JR., O. Hans Jonas: por que a técnica moderna é um objeto para a ética. Natureza Humana, v. 1, n. 2, p. 407-420, 1999. ressalta a necessidade de se levar em consideração seu alerta sobre os riscos do desenvolvimento tecnológico conforme o único critério da eficácia no controle e na manipulação da natureza e da vida humana, sem um concomitante desenvolvimento ético:

Estamos em face do aspecto paradoxal da técnica moderna, que, segundo Jonas, pode levar à ameaça de uma catástrofe pelo excesso de sucesso, onerando de modo irreversível o ideário programático da ciência moderna, formulado por Bacon, segundo o qual essa comportaria a apropriação tecnológica da natureza como meio para realização do universal domínio humano. [...] O perigo emergente desse superdimensionamento da civilização tecnológica em escala planetária é o apocalipse de uma catástrofe universal, como consequência do curso e do rumo atual da própria realização do ideal baconiano de dominação tecnológica da natureza. Esse perigo é uma resultante direta não do fracasso, mas da exorbitância do sucesso daquele programa ideal

(GIACOIA JR., 1999GIACOIA JR., O. Hans Jonas: por que a técnica moderna é um objeto para a ética. Natureza Humana, v. 1, n. 2, p. 407-420, 1999., p. 417-418).

A proposição de Jonas (2006)JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006. é a de sobrepor à tradicional ética da imputabilidade, baseada na liberdade subjetiva, uma ética da responsabilidade, em que o critério de validação é a preservação das condições de sobrevivência da vida humana e da própria natureza em condições de dignidade. Para ele, trata-se de uma nova ética, uma vez que a ética tradicional não ultrapassa o âmbito das relações antropológicas, ou seja, as relações restritas dos homens entre si. Escreve o autor:

Todas as éticas até hoje conhecidas – quer as que formulam inequivocamente injunções de fazer certas coisas e não fazer outras, quer as que definem princípios para tais injunções, ou ainda as que estabelecem o fundamento da obrigação que leva à obediência àqueles princípios – tinham em comum as seguintes premissas independentes: que a condição humana, determinada pela natureza do homem e pela natureza das coisas, era um dado intemporal; que, nessa base, o bem humano era imediatamente determinável; e que o âmbito da ação e, logo, da responsabilidade humanas, se encontrava cuidadosamente delimitado

(JONAS, 2013JONAS, H. Ética, medicina e técnica: sobre a prática do princípio da responsabilidade. São Paulo: Ed. Paulus, 2013., p. 27).

Essa visão ética já não é suficiente, o que traz o desafio de construção de uma nova compreensão da ética diante dos riscos que a técnica contemporânea pode trazer. Como manifesta Jonas (2013, p. 27)JONAS, H. Ética, medicina e técnica: sobre a prática do princípio da responsabilidade. São Paulo: Ed. Paulus, 2013.:

A minha discussão encarregar-se-á de mostrar que estas premissas já não são válidas e de refletir sobre a repercussão desse facto na nossa condição moral. De maneira mais específica caber-me-á objetar que certos desenvolvimentos dos nossos poderes fizeram com que mudasse a natureza da ação humana e que, uma vez que a ética diz respeito à ação, deveria concluir-se que a mudança de natureza da ação humana exige uma igual mudança na ética; e isto não apenas no sentido de novos objetos de ação se terem acrescentado ao material empírico ao qual há que aplicar regras de conduta tidas como válidas, mas no sentido mais profundo de que a natureza qualitativamente nova de certas das nossas ações abriu uma dimensão inteiramente nova de significado ético, para a qual não existe precedente nos modelos ou cânones da ética tradicional.

Jonas (2013)JONAS, H. Ética, medicina e técnica: sobre a prática do princípio da responsabilidade. São Paulo: Ed. Paulus, 2013. entende que uma nova ética precisa defrontar-se com o poder tecnológico de criar artefatos que apresentam uma capacidade de agir sobre a natureza e sobre a própria existência humana jamais vistos. É preciso atentar para o fato de o progresso científico e tecnológico ter cobrado um preço muito alto da humanidade, traduzido na crescente incapacidade de se poder compartilhar, com critérios éticos, tudo aquilo que a humanidade vem produzindo. As explicações que se apresentam são apenas funcionais ou decorrentes de uma visão fatalista que afirma não ser possível fazer diferente diante dos recursos disponíveis e da ordem instituída. Tal fato tem-se tornado comum nas explicações de cientistas e especialistas e é acolhido sem maior questionamento pelo cidadão comum. Daí a predominância da visão fatalista e a crescente presença de superstições e de explicações pseudocientíficas. O homo faber está-se impondo ao homo sapiens. Com o descompromisso ético que daí surge, ocorre uma redução da experiência humana individual que, em decorrência da crescente exigência da especialização, acaba pagando o preço do crescimento cognitivo coletivo de dominação, com um conhecimento individual cada vez mais fragmentário e parcial. Diante disso, para Jonas (2013)JONAS, H. Ética, medicina e técnica: sobre a prática do princípio da responsabilidade. São Paulo: Ed. Paulus, 2013. o desafio maior é superar o descompromisso ético presente no conhecimento e na tecnologia atualmente em desenvolvimento.

Qual é o princípio que Jonas (2013)JONAS, H. Ética, medicina e técnica: sobre a prática do princípio da responsabilidade. São Paulo: Ed. Paulus, 2013. apresenta para o enfrentamento dos problemas causados pela ciência e pela tecnologia? A resposta dele é categórica: o princípio da responsabilidade, ou seja, do desenvolvimento de uma ética para a civilização tecnológica, que se traduz no seguinte imperativo: “Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra” (JONAS, 2006JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006., p. 47). Pensar a atual pertinência do princípio da responsabilidade pode ser um elemento importante tanto para a revitalização da dimensão ético-moral da Bildung quanto para a crítica de uma sociedade cujas relações se digitalizam a ponto de se promover práticas contínuas de desengajamento moral, uma vez que, diante da metrificação absoluta dessas relações, se fomenta o comportamento de tratar cada vez mais o outro como coisa, como objeto, com o escopo de se evitar punições e se obter recompensas.

Com efeito, a principal questão do filósofo é conciliar a liberdade de ação dos cientistas e dos técnicos com as consequências de suas descobertas. Por isso, a responsabilidade em Jonas (2006, p. 39)JONAS, H. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto / PUC-Rio, 2006. envolve dois aspectos: “Uma melhor seleção e condução social da direção do progresso técnico e, sobretudo, uma melhor distribuição mais igualitária dos seus frutos”. Acima de tudo, é preciso enfrentar o potencial de destruição da vida humana e da natureza e preservar a existência futura. Para tanto, conciliar a necessidade da liberdade de criação das ciências e das tecnologias com a responsabilidade quanto a previsibilidade dos resultados do uso das tecnologias é uma das tarefas principais da ética contemporânea.

Para que se possa desenvolver tal ética da responsabilidade, Jonas (2013)JONAS, H. Ética, medicina e técnica: sobre a prática do princípio da responsabilidade. São Paulo: Ed. Paulus, 2013. aponta outros dois aspectos que precisam ser confrontados diante do modo de agir das tecnologias atuais: em primeiro lugar, a busca de solução para a questão da dispersão temporal e causal das sequências de causa-efeito e a irreversibilidade que a prática tecnológica põe em marcha, mesmo quando voltada a questões imediatas; em segundo, o enfrentamento da cumulatividade que tal processo desencadeia, cujos efeitos vão se somando uns aos outros, tornando cada momento diferente do anterior e exigindo, em cada passo, uma nova forma de agir.

A acumulação de experiências desconectadas da possibilidade da reversibilidade, além de desconsiderar a importância da experiência de cada indivíduo e de cada grupo, pode mudar a sua origem e destruir sua base, impedindo o poder de qualquer retorno ou reversão. A questão torna-se problemática na medida em que tanto a irreversibilidade como a cumulatividade são processos que alimentam a prática científica e tecnológica da atualidade, sendo aceitas como riscos a ela inerentes. Isso traz presente a concepção de Benjamin (1987)BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987. de que nossa capacidade de pensar, o nosso poder de concentração, depende do objeto e de sua coerência. Em tempos de dispersão da concentração, essa capacidade de compartilhar coletivamente a atenção para o mesmo objeto se torna uma questão fundamental para que sejam estabelecidas relações dialógicas entre os agentes educacionais também nas universidades.

Porém, diante do atual modo de produção científica e tecnológica, tal dialogicidade torna-se dificultada, o que ameaça a continuidade e a coerência da própria formação e sua destinação ética. Como revelam, por exemplo, as diferentes análises sobre a questão do poder das mídias e de suas plataformas, tal força baseia-se na capacidade de moldar os segmentos com que atua por meio de suas bases tecnológicas, o que envolve, principalmente, a moldagem do modo de ser e agir dos próprios indivíduos, suprimindo ou manipulando sua origem e sua história de constituição. Daí decorrem problemas éticos que, como vimos, não podem ser desconsiderados e que afetam não somente as pesquisas dos professores universitários, cujos temas passam ser previamente escolhidos com a intenção de impactar outros pesquisadores e obter mais citações de seus trabalhos, como também as performances dos professores, para que possam ser mais bem avaliados em plataformas tais como a RateMyProfessor.com.

Perante esse cenário, um papel central nesse processo de responsabilização cabe à universidade, cuja vigilância intelectual e crítica é indispensável. A universidade não pode se tornar refém das plataformas digitais nem dos sistemas de controle que elas tentam impor e manipular. As informações e os conhecimentos produzidos pela humanidade precisam ser avaliados de forma crítica e da perspectiva ética ao serem apropriados e manipulados pela indústria digital. Para tanto, cabe à universidade manter a possibilidade do acesso livre e do uso público dos conhecimentos e das tecnologias produzidas pela humanidade. A retomada de alguns princípios apontados por Humboldt (1997)HUMBOLDT, W. Sobre a organização interna e externa das instituições científicas superiores em Berlim. In: CASPER, G.; HUMBOLDT, W. (org.). Um mundo sem Universidades? Rio de Janeiro: Editora Uerj, 1997. p. 79-100. e reforçados por Casper (1997)CASPER, G. O mundo sem universidades? In: CASPER, G.; HUMBOLDT, W. (org.). Um mundo sem universidades? Rio de Janeiro: Editora Uerj, 1997. p. 35-77. nos parece pertinente e atual: autonomia científica e tecnológica dos pesquisadores e das instituições, liberdade de investigação, respeito à lógica interna da ciência, interdisciplinaridade, direito ao uso público da razão e de suas consequências ético-morais, autonomia, combate à dispersão, ao negacionismo e à produção das chamadas fake news.

Liberdade e autonomia, princípios caros à Bildung, continuam valendo como preceitos éticos que não podem ser deixados de lado no enfrentamento da atual cultura dos monopólios digitais e da ampliação do poder das biotecnologias. Soma-se a eles a necessidade de se levar em consideração a dignidade e os direitos de todo o ser vivo na produção e na utilização dos artefatos humanos.

Habermas (2004)HABERMAS, J. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? São Paulo: Martins Fontes, 2004. oferece-nos uma importante recomendação sobre o desafio ético que as universidades precisam enfrentar diante do atual processo científico e tecnológico. Trata-se da exigência de se estabelecer um discurso público sobre a correta compreensão da forma de vida diante das possibilidades de novos tipos de intervenção que as tecnologias apresentam:

O progresso das ciências biológicas e o desenvolvimento das biotecnologias ampliam não apenas as possibilidades de ação já conhecidas, mas também possibilitam um novo tipo de intervenção [...]. As novas tecnologias nos impingem um discurso público sobre a correta compreensão da forma de vida cultural enquanto tal. E os filósofos não têm mais nenhum bom motivo para abandonar esse objeto de discussão dos biólogos e dos engenheiros entusiasmados pela ficção científica

(HABERMAS, 2004HABERMAS, J. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? São Paulo: Martins Fontes, 2004., p. 17).

Essa colocação de Habermas (2004)HABERMAS, J. O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? São Paulo: Martins Fontes, 2004. pode ser articulada com a prudente colocação de Jonas, que, antevendo os riscos e desafios da racionalidade moderna, já em 1979 falava do princípio da responsabilidade, alertando a respeito do desafio da superação de nossa visão míope sobre o nosso poder e a importância de promover uma compreensão mais abrangente acerca da natureza e da realidade externa que nos envolve.

A questão que a universidade precisa enfrentar é a de refletir quanto aos riscos que as ciências e as novas tecnologias representam para a humanidade e para a própria natureza. Para Jonas, a ética que deve orientar a ação científica e tecnológica é a do cuidado da natureza e da condição humana. Afinal, ao suspender a proteção à vida, estamos autorizando que esta se torne disponível, exposta a uma violência permanente. Consequentemente, responsabilidade científica, defesa da democracia e preservação da vida em todas as suas formas de manifestação são diretrizes imprescindíveis de uma ética universitária.

Conclusão

Diante do atual desenvolvimento das forças produtivas, notadamente as concernentes à tecnologia digital, a revitalização da Bildung adquire uma relevância que não se circunscreve exclusivamente ao desenvolvimento da dimensão cognitiva, haja vista a necessidade de que se fomente a reflexão sobre a dimensão ético-moral que esteia a própria produção do conhecimento nas suas mais variadas áreas, sobretudo no âmbito universitário.

Em tempos nos quais a vida é biotecnologicamente digitalizada nas suas manifestações mais recônditas, além da possibilidade de qualquer manifestação do comportamento humano ser algoritmicamente selecionada, mensurada, interpretada e visibilizada em quaisquer tempos e espaços, torna-se até mesmo irônica a lembrança da constatação de Kant (1986)KANT, I. Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. São Paulo: Brasiliense, 1986., em seu texto “Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita” de que “mediante a arte e a ciência somos cultivados em alto grau. Nós somos civilizados até a saturação por toda espécie de boas maneiras e decoros sociais. Mas ainda falta muito para nos consideramos moralizados” (KANT, 1986KANT, I. Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. São Paulo: Brasiliense, 1986., p. 19, grifos do original).

Com efeito, para o filósofo prussiano, não era possível asseverar, nos estertores do século 18, incondicionalmente a vigência hegemônica da moralidade entre os indivíduos, uma vez que vicejava a chamada aparência de moralidade, alicerçada sobretudo em práticas de decoro consideradas civilizadas. Para que a moralidade deixasse de ser superficialmente vivida e passasse a ser substancialmente experimentada, o cultivo das artes e das ciências, nas condições de produções humanas que portavam consigo promessas de felicidade, por assim dizer, representaria uma condição fulcral para que ocorresse a experiência formativa, a mesma experiência que capacitaria ao indivíduo a possibilidade de que deixasse de ser menor, de ser tutelado pelos imperativos normativos principalmente da Igreja.

É irônica essa afirmação de Kant (1986)KANT, I. Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. São Paulo: Brasiliense, 1986. se for considerada a forma como as relações entre as forças produtivas e as relações de produção capitalista dinamizaram instrumentalmente o cultivo das artes e, sobretudo, das ciências. Pois a dimensão ético-moral não só deixou de ser substancialmente cultivada, como também prevaleceu a ideia de que os fins justificariam os usos dos meios, os mesmos meios que, ao se fetichizarem, se apartaram da grande esperança de que a produção tecnológica contribuiria para a consolidação de uma sociedade mais justa e menos desumana.

A maldição do progresso irrefreável só pode engendrar a regressão irrefreável, já asseveravam Adorno e Horkheimer (1986)ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. na Dialética do esclarecimento. É importante enfatizar que não é todo progresso que faz com que, na trajetória de seu desenvolvimento, inevitavelmente ocorra o processo regressivo das naturezas externa e interna, pois é o progresso adjetivado como irrefreável aquele que produz tais regressões, na medida em que os meios tecnológicos são fetichizados quando as suas “finalidades – uma existência digna do ser humano – são encobertas e arrancadas do consciente humano” (ADORNO, 1986ADORNO, T. W. Educação após Auschwitz. In: COHN, G. (org.). Theodor W. Adorno. São Paulo: Ática, 1986. (Coleção Grandes Cientistas Sociais.) p. 33-45., p. 42).

A advertência, elaborada por Adorno e Horkheimer (1986)ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986., sobre a dimensão histórica do progresso do poder tecnológico porta consigo o anelo de que seja promovida outra materialização do conhecimento científico que contribua efetivamente para o arrefecimento das atuais formas de produção e disseminação da barbárie. Para tanto, a universidade precisa fazer com que o conhecimento digitalmente produzido e disseminado, por meio da interface cada vez mais frequente entre as mais diversas áreas do conhecimento, não revigore os princípios da chamada razão instrumental nos tempos da denominada cultura digital.

Mais do que nunca, é preciso afirmar categoricamente que não existe nenhum tipo de produção de conhecimento científico esconjuntado de juízos de valor, de tal modo que é plenamente equivocada, para não dizer ideológica, a denominada pretensão de neutralidade científica. Assim como também é muitas vezes criminosa a postura das plataformas e suas redes sociais de tentar isentar-se da responsabilidade de disseminação de fake news e de incentivos ao preconceito delirante, quando afirmam que devem permanecer neutras diante dos conteúdos publicados, pois estes são totalmente imputados às escolhas feitas por seus usuários. Dessa forma, torna-se premente a difusão, no meio universitário, da crítica à pretensa neutralidade científica em suas mais variadas áreas, bem como espraiar a ênfase na dimensão ético-moral imanente a todo tipo de conhecimento produzido. Propalar e reforçar tais aspectos resultam na possibilidade de reiterar a formação tanto no ambiente universitário quanto para além de seus muros.

Por fim, em vez do incentivo à produção e difusão da instrumentalização da razão, é preciso fazer com que prevaleça o princípio da responsabilidade de que todo conhecimento produzido tem como objetivo primevo arrefecer as desigualdades entre as pessoas, especialmente quando se faz justiça à maioria dos excluídos, no caso do objeto deste artigo, da vida universitária. Se for desse modo, há uma chance de que prevaleça a concepção de que a dimensão ética se faz imanentemente presente na forma e no conteúdo do conhecimento digitalmente produzido, revivescendo assim a Bildung nos tempos da digitalização onipresente da vida humana.

Notas

Notas

  • 1
    Estamos enfrentando um sistema diferente no capitalismo industrial que até agora conhecemos, com o crescente domínio das plataformas financeiras, de comunicação, de controle do conhecimento e da indústria da informação pessoal. Sobre tais temas, apontamos as importantes análises de Mazzucato (2019)MAZZUCATO, M. O valor de tudo: fazer e tirar no capitalismo global. Lisboa: Temas e Debates, 2019. e Dowbor (2020)DOWBOR, L. O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais. São Paulo: Sesc, 2020., que esclarecem como a nova ordem mundial se tornou dependente da plataformização de todas as instâncias sistêmicas, incluindo a educação. Tal ordem não está interferindo somente nessas dimensões, mas promovendo uma nova concepção sobre o ponto de vista antropológico e ético da existência humana.

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Editora de Seção: Ivany Pino https://orcid.org/0000-0001-6227-972X

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2023
  • Aceito
    17 Maio 2023
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