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UNIVERSIDADE EM QUESTÃO: AS INSTITUIÇÕES COMUNITÁRIAS E A DIMENSÃO FORMATIVA DA GESTÃO

UNIVERSITY IN QUESTION: COMMUNITY INSTITUTIONS AND THE FORMATIVE DIMENSION OF MANAGEMENT

LA UNIVERSIDAD EN CUESTIÓN: LAS INSTITUCIONES COMUNITARIAS Y LA DIMENSIÓN FORMATIVA DE LA GESTIÓN

RESUMO

Este artigo constitui-se em um ensaio teórico em que se propõe uma conversação com base na filosofia da educação objetivando pensar a dimensão formativa da gestão em universidades comunitárias e suas especificidades como uma forma de atuação comprometida com a produção do conhecimento e a criação de outras possibilidades de vida. Para tanto, realizamos um diálogo com o clássico conceito de universidade, fundamentado em um diagnóstico do presente marcado pela racionalidade neoliberal, que reduz a formação humana a um léxico empresarial focado em desempenho rapidamente aplicável. Com isso, propomos uma reflexão sobre a necessidade de pensar o acesso ao ensino superior em um país desigual como o nosso, a educação como bem comum e a vida em uma dimensão mais coletiva e comunitária. Entendemos que a gestão não tem, nesse caso, apenas função administrativo-burocrática; ela assume a dimensão intelectual para pensar os efeitos éticos, estéticos e políticos de suas ações nas regiões de atuação e também de modo mais global.

Palavras-chave
Universidades comunitárias; Gestão; Formação humana

ABSTRACT

As a theoretical essay, this article proposes a conversation grounded on the philosophy of education, aiming to think about the educational dimension of management in community universities and its specificities as a way of action committed to both the production of knowledge and the creation of other possibilities of life. In order to do so, we have dialogued with the classic concept of university, based on a diagnosis of the present marked by neoliberal rationality, which reduces human education to a business lexicon focused on quickly applicable performance. Based on that, we have proposed a reflection on the need to think about access to higher education in an unequal country like ours, education as a common good, and life in a more collective and community dimension. We understand that management, in this case, goes beyond an administrative-bureaucratic function and includes the intellectual dimension to consider the ethical, aesthetic, and political effects of its actions in the regions where it operates and also in more global ways.

Keywords
Community universities; Management; Human formation

RESUMEN

Este artículo se constituye como un ensayo teórico que propone una conversación a partir de la filosofía de la educación, con el objetivo de pensar la dimensión formativa de la gestión en universidades comunitarias y sus especificidades como forma de acción comprometida con la producción del conocimiento y la creación de otras posibilidades de vida. Para ello, dialogamos con el concepto clásico de universidad, a partir de un diagnóstico del presente marcado por la racionalidad neoliberal, que reduce la formación humana a un léxico empresarial centrado en desempeño rápidamente aplicable. A partir de esto, proponemos una reflexión sobre la necesidad de pensar sobre el acceso a la educación superior en un país desigual como el nuestro, la educación como bien común y la vida en una dimensión más colectiva y comunitaria. Entendemos que la gestión no tiene, en este caso, sólo una función administrativa-burocrática y que asume la dimensión intelectual para pensar los efectos éticos, estéticos y políticos de sus acciones en las regiones donde actúa y también de forma más global.

Palabras-clave
Universidades comunitarias; Gestión; Formación humana

Introdução

E m um mundo cada vez mais pautado por uma racionalidade neoliberal fortemente orientada pelo mercado e pela técnica, insiste-se em perguntar sobre a finalidade e a função formativa da universidade quando se conjectura sobre seu futuro e as necessárias alternativas de existência e subsistência. A tendência é aderirmos a uma noção de universidade cientificista – passando “da ciência à tecnociência, ignorando a vida” (OLIVEIRA; DAMIANO, 2021OLIVEIRA, W. C.; DAMIANO, G. O império da tecnociência e a universidade: conformismo, resistência e diferença. In: GALLO, S. (org.). Diferenças e educação: escapar ao conformismo. São Paulo: Intermeios, 2021. p. 91-108., p. 95) – e, acrescentamos, utilitarista. Diante disso, é possível afirmar que a universidade, em muitos casos, quando deixa de considerar a relação entre o exercício do pensamento e a cultura, ignora a vida e, portanto, se afasta da sociedade. Esse afastamento deixou um vácuo que rapidamente foi preenchido pelo mercado – mais especificamente, pela demanda utilitarista do mercado. Embora pareça um paradoxo a universidade ter se afastado da vida e ao mesmo tempo se aproximado do mercado, vale refletir que, por mais que o mercado mantenha uma relação de imanência com a sociedade contemporânea, o que ele é capaz de produzir está na ordem do privado, e não do público. Aí, talvez, resida parte das razões que fazem a sociedade sentir e reclamar a ausência da universidade.

O fator de convergência entre a universidade e o mercado se consolida à medida que se anuncia a sociedade da informação, na qual o conhecimento assume o lugar de principal força de produção, dando condições, segundo Lyotard (1984)LYOTARD, J.-F. The postmodern condition. Manchester: Manchester University Press, 1984., ao trabalho pós-industrial e à própria pós-modernidade. Desse modo, ao se estreitarem os laços entre mercado e universidade, de maneira especial no que diz respeito à inovação e à tecnologia, esses temas tornam-se motes fundamentais de uma sociedade cada vez mais volátil, acelerada, competitiva, esmaecendo o papel da produção científica e humanitária da universidade. Esse contexto complexifica-se quando a formação universitária é percebida, prioritariamente, como meio para o ingresso no mercado de trabalho, pois assim temos, de um lado, a redução do papel social da universidade e, por outro, a necessidade de acesso ampliado ao ensino superior.

Com a redução do papel do ensino superior, inúmeras instituições passaram a oferecer cursos de graduação no limite das exigências estabelecidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais. Por exemplo, os currículos passaram a funcionar, na sua grande maioria, com o mínimo da carga horária estabelecida pela legislação; com índices baixíssimos de professores contratados em regime de trabalho de tempo integral ou parcial; com profissionais cuja titulação é inferior à formação de mestrado e doutorado; sem oferta de projetos de pesquisa e/ou extensão; com a exclusão dos trabalhos de conclusão de curso (quando permitido por lei) etc. Isso tudo constitui um combo significativo de enfraquecimento da formação dos egressos, com os objetivos de baratear os cursos e ganhar competitividade. Talvez a radicalização desse modelo de curso de graduação se encontre na descomedida expansão da modalidade educação a distância (EaD), majoritariamente autoinstrucional, que precariza as interações professor-aluno em seus currículos.

A compreensão de educação como produto fez com que muitas instituições de ensino superior (IES) (faculdades, centros universitários e universidades) não só começassem a competir entre si, mas também, em nome do menor custo e do melhor resultado financeiro, a fragilizar a qualidade da formação, a precarizar as condições de trabalho dos professores, a minimizar a importância da relação professor-aluno, a reduzir o investimento na pesquisa e a relativizar o valor da extensão universitária. A crise na educação superior, associada ao modelo de gestão neoliberal, tem modificado significativamente o perfil de muitas instituições, sejam elas privadas, sejam públicas não estatais, como é o caso das universidades comunitárias. À exceção das universidades públicas, cujos investimentos e manutenção são garantidos pelo Estado, a principal preocupação da grande maioria das demais instituições passa, exageradamente, pela lógica da sustentabilidade financeira e/ou ampliação dos resultados (lucros). Nesse sentido, a relação estabelecida entre as IES é a de concorrência, e não a de cooperação, em vista da inovação e da construção de um conhecimento que, por ser público, deve estar a serviço do desenvolvimento da sociedade.

A ideia de uma gestão focada em resultados não é em si mesma um problema para as universidades. Melhor seria, no entanto, se o resultado não fosse apenas consequência de uma simples equação condicionada a receitas e despesas e pudesse ser entendido, sobretudo, também como critério para medir o sucesso e/ouo compromisso dessas instituições com a cientificidade e o conhecimento crítico. Nesses termos, a excelência formativa pode ser pensada por meio de uma gestão comprometida com o projeto acadêmico cuja sustentabilidade financeira se limita à condição de viabilidade de formação qualificada. Em uma universidade, a formação de excelência exige mais do que capacidade de quantificar processos e instrumentalizar avaliações em favor de parâmetros e/ou de padrões de qualidade.

A excelência formativa exige compromisso coletivo com os elementos fundamentais que constituem os valores e a cultura universitária. Do equilíbrio entre essas duas dimensões, nasce uma universidade que é mais do que uma simples corporação, capaz de considerar, à luz de um projeto acadêmico bem estruturado, que formação é mais do que treinamento profissional; que estudantes não são simplesmente consumidores; que o conhecimento não se reduz a habilidades nem a competências; que há algo de intangível na formação; que pesquisa básica é tão importante quanto pesquisa aplicada; e que as ações acadêmicas não podem perder de vista o necessário impacto local, regional. Nosso desafio, portanto, é pensar um projeto acadêmico que garanta excelência formativa com sustentabilidade financeira, sem perder a capacidade de reagir rapidamente às demandas do mundo acadêmico e corporativo, mantendo-nos na vanguarda da inovação no ensino, na pesquisa e na extensão.

Neste artigo, propomo-nos a estabelecer um diálogo crítico, de um lado, com o clássico conceito de universidade – o de uma instituição que articula ensino, pesquisa e extensão – e, por outro, com a concepção de universidade comunitária no presente. Fundamenta-se no entendimento de que a universidade é, por princípio, uma instituição comprometida com a política, com a sociedade, com a cultura e com a vida. Mais do que isso, baseia-se no pressuposto de que esse compromisso se consolida pela produção do conhecimento e de um espaço permanente e sempre aberto de conversação e invenção de outras possibilidades de vida e de pensamento. Assim, desafiamo-nos a pensar a gestão universitária na perspectiva da formação para além da linguagem da produção. Em outros termos, nosso problema de investigação detém-se na possibilidade de a gestão universitária ainda resguardar sua autonomia e independência em relação ao que lhe ocorre externamente, mas sem deixar de exercer sua função social, oriunda de sua capacidade de ler a realidade e de posicionar-se por meio da produção de conhecimento e daquilo que consideramos mais caro, a formação humana.

Nosso problema concentra-se nas seguintes perguntas: em que medida essas universidades se distinguem de outras IES? Por que retomar seus marcos referenciais é imprescindível para fortalecer sua função social? Essas IES têm, ainda, força de resistência para se manterem ativas, apesar da invasão da lógica de mercado em seus modelos de gestão? Na busca de respostas a essas reflexões, fazemos, inicialmente, algumas considerações sobre o cenário atual em que a universidade e seu papel social se encontram, demonstrando de maneira especial de que modo as IES e seus projetos de gestão são invadidos por predicados neoliberais que esmaecem a potência da sua dimensão formativa. Posteriormente, argumentamos que a retomada do espectro formativo da gestão universitária implicaria, para as IES comunitárias, a retomada dos próprios princípios que marcam e fundam o perfil comunitário como um diferencial na formação de nível superior.

Universidade de Ontem e de Hoje

Mesmo que de forma rápida, pois não caberia entrar em detalhes sobre diferentes modelos de universidade, vale lembrar as principais transformações pelas quais passou a universidade moderna desde a sua fundação, como universidade de investigação, em 1810, por Wilhelm von Humboldt, até a institucionalização da universidade-empresa, nos moldes como percebemos tais instituições atualmente.

Conforme retomou Alves (2019a)ALVES, A. A tradição alemã do cultivo de si (Bildung) e sua significação história. Educação & Realidade, v. 44, n. 2, p. e83003, 2019a. https://doi.org/10.1590/2175-623683003
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, Humboldt tinha como ideia-chave a Bildung. Ou seja, de maneira bastante simplificada, ele vislumbrava a construção de uma universidade capaz de fornecer as condições para uma formação integral e desinteressada. Desinteressada no sentido de proporcionar um tempo para o estudo, a pesquisa e a escrita sem ter de explicar necessariamente a sua aplicação rápida e pragmática. A Bildung, embora alvo de críticas diversas quanto à sua possibilidade, exige que o indivíduo se relacione, aja, se comunique assumindo uma vida ativa e livre. Talvez pensar na Bildung seja um desafio que devemos nos colocar caso essa ainda seja a concepção que queremos assumir como proposta de universidade e, ainda mais, como ideais de sociedade. Desse modo:

Entre o último quarto do século XVIII e o primeiro do século XIX, esse ideal educativo teve uma função emancipadora e estava fortemente associado a ideias como a independência de toda a autoridade externa (igreja, Estado, partidos, etc.), a liberação das hierarquias estamentais, que nessa época ainda regulavam as relações sociais e o rechaço à universidade moderna, que ao longo do século XIX se expandiria até diversos países em todo o mundo, tinha em seu centro as ideias de totalidade, formação e autonomia

(RÜEGG, 2004 apud ALVES, 2019bALVES, A. La racionalidad neoliberal y la transformación estructural de la universidad. Pedagogía y Saberes, n. 51, p. 67-74, 2019b. https://doi.org/10.17227/pys.num51-9358
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, p. 70).

A universidade idealizada por Humboldt estava mais protegida de exigências externas. Baseava-se no pressuposto de que a referida instituição, ao dar conta de sua finalidade, atenderia a uma parte das necessidades do Estado. A perspectiva idealista da universidade humboldtiana, para muitos, afastou a universidade das conexões complexas entre ciência e sociedade. Não se trata aqui de filiar-se a uma perspectiva salvacionista, romântica ou mesmo nostálgica, mas de perguntar o que estamos nos tornando no presente e quais são as possibilidades de alguns movimentos de resistência nesse presente neoliberal, que não se reduz a um funcionamento de mercado, mas que atravessa e produz nossos modos de vida e pensamento. Trata-se de perguntar pelos nossos modos de servidão no presente.

Max Weber (2011, p. 17)WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2011., ao comparar a universidade alemã com a norte-americana, fez críticas a ambos os modelos, porém focou no modelo norte-americano – este ocupado em destacar o desempenho, a concorrência, a técnica, em um modelo de universidade mais articulado aos problemas sociais. Em Ciência e política: duas vocações, o autor salienta a relação entre docência e pesquisa. Para ele, a docência e a pesquisa podem não se encontrar em um mesmo sujeito. Há uma separação da docência como dom (o que se faz necessário problematizar) e da pesquisa como algo que exige método e rigor. Tal separação não é algo que deve passar sem chamar a atenção, pois pode ajudar a entender parte da crise da universidade contemporânea, com destaque aqui à universidade privada sem fins lucrativos, que faz da base que não desenvolve pesquisa a sustentação daqueles que a realizam e que são postos em uma posição hierárquica diferenciada. Weber (2011)WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2011. apostava na formação do especialista que permitia dar respostas às demandas sociais. O Estado e a economia demandavam profissionais específicos e qualificados, fato que contribuiu para a consolidação da profissionalização e para a proliferação de especialidades.

A crise do modelo de universidade humboldtiana deixou brechas para que uma reorganização das funções da universidade fosse desenhada, abrindo a instituição para uma abordagem capitalista neoliberal no presente. Em palestra, Weber (2011, p. 19)WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2011. ressalta que “os grandes institutos de ciência e de medicina se transformaram em empresas de capitalismo estatal. Já não é possível geri-las sem dispor de recursos financeiros consideráveis”.

A universidade, assim, ao adotar um sistema burocrático, regulatório e de resultados, coloca-se em posição de perder a dimensão clássica da formação integral e desinteressada do sujeito, passando a “atender às práticas das sociedades modernas por meio da investigação científica e da formação de profissionais qualificados nas mais diversas áreas” (ALVES, 2019ALVES, A. A tradição alemã do cultivo de si (Bildung) e sua significação história. Educação & Realidade, v. 44, n. 2, p. e83003, 2019a. https://doi.org/10.1590/2175-623683003
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, p. 71). A abertura da universidade exigiu-lhe, principalmente a partir dos anos de 1960, a ampliação da sua função social, que passou a compor uma maquinaria econômica de mercado e a valoração de modos de vida pautados pela concorrência. Conforme Alves (2019)ALVES, A. La racionalidad neoliberal y la transformación estructural de la universidad. Pedagogía y Saberes, n. 51, p. 67-74, 2019b. https://doi.org/10.17227/pys.num51-9358
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, há uma simbiose entre universidade e mercado, o que acaba limitando a autonomia intelectual e organizacional da instituição ao exigir-lhe semelhanças com o sistema de empresas. Tais semelhanças conduzem a pensar em uma universidade mais afastada de uma dimensão acadêmica.

Cowen (2013)COWEN, R. A universidade e os atuais desafios: mercado, mobilidade e performatividade. Curitiba: CRV, 2013., por sua vez, ao retomar a história da universidade inglesa e discutir o sistema universitário, alerta para a importância de se analisar, quando se estuda e se reprograma a concepção de universidade, a possibilidade de uma dupla-política, ou seja, uma política que foca na dimensão dos movimentos históricos da própria instituição, portanto, local, e uma política que enfatiza a dimensão internacional. Para ele, é a dupla-política que faz vislumbrar as regras do caos, permitindo que não abandonemos práticas fundamentais para uma identidade universitária calcada tanto na tradição quanto na modernização de suas funções, estas cada vez mais desafiadoras e complexas.

A partir dos anos de 1980, as universidades norte-americanas e europeias são reestruturadas, passando a operar em uma lógica de mercado. Conforme Alves (2019, p. 71, tradução nossa)ALVES, A. A tradição alemã do cultivo de si (Bildung) e sua significação história. Educação & Realidade, v. 44, n. 2, p. e83003, 2019a. https://doi.org/10.1590/2175-623683003
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:

Todos os elementos de currículo se transformam em mercadorias sujeitas à flutuação da oferta e da procura, o que conduz à desvalorização crescente da investigação básica e das humanidades. [...] A universidade se reorienta para a formação de especialistas para atividades orientadas ao lucro a curto prazo: obtenção de patentes e copyrights, geração de startups e todo o tipo de produtos suscetíveis de geração de retorno comercial, como os cursos EaD.

Essa dimensão pode ser percebida desde todo o léxico empresarial que invade a linguagem universitária com as habilidades e competências até todo um deslocamento da linguagem da educação para a linguagem da aprendizagem (BIESTA, 2013BIESTA, G. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., p. 30), em um contexto no qual não mais se pergunta pela finalidade do processo educativo universitário. Esse maquinismo da linguagem, como diria Lazzarato (2014)LAZZARATO, M. Signos, máquinas, subjetividades. Tradução: Paulo D. Oneto. São Paulo: Edições Sesc; n-1, 2014., opera na condução dos processos, ditando programas, índices, taxas, conforme a lógica do empresariamento de si, em que o sujeito se autorresponsabiliza por seu sucesso ou fracasso. Essa linguagem da produção, antes de ser meramente linguística, é política. Trata-se de uma racionalidade neoliberal que fortalece o modelo empresa na condução das condutas.

Desse modo, vivemos nas universidades hoje um deslocamento do processo formativo, no sentido da criação do espírito científico, para a necessidade de aplicação da ciência à produção (LAZZARATO, 2014LAZZARATO, M. Signos, máquinas, subjetividades. Tradução: Paulo D. Oneto. São Paulo: Edições Sesc; n-1, 2014.). Assim, o exercício do pensamento é reduzido à resolução de problemas para aplicação imediata, e os conhecimentos que não são pragmaticamente aplicáveis são considerados inúteis. Adorno (2020)ADORNO, T. W. Educação e emancipação. 2. ed. Tradução de W. L. Marr. São Paulo: Paz e Terra, 2020. ajuda-nos a pensar que os conhecimentos tidos como inúteis são aqueles que nos auxiliam a problematizar nossa existência.

Essa lógica neoliberal associa-se, no presente, a uma perspectiva neoconservadora, muitas vezes negacionista, em que a fala da universidade e dos cientistas vem perdendo cada vez mais espaço. Dessa maneira, esmaece o papel da pesquisa, do conhecimento, do professor, do pesquisador, da ciência, fortalecendo ainda mais as já tão fortes desigualdades em nosso país – isso em nome da inovação, que vai valorar somente o que pode ser medido e estimado quantitativamente.

Ao abordarmos o processo civilizatório, há questões que necessitam ser mais uma vez colocadas – dizer o indizível, como diria Adorno (2020)ADORNO, T. W. Educação e emancipação. 2. ed. Tradução de W. L. Marr. São Paulo: Paz e Terra, 2020. – nessa tagarelice contemporânea que invade o espaço público: o que podem, ainda, as universidades públicas e comunitárias na produção de uma diferenciação existencial e política? Como podemos pensar a gestão universitária atravessada pela perspectiva da formação, e não do desempenho e da concorrência generalizada? Como ainda pensar os espaços universitários como aqueles que problematizam as barbáries do nosso tempo?

A técnica por si mesma, afastada do processo formativo, pode levar-nos a consequências humanas muito graves. Daí advêm a crise da formação, o esmaecimento da memória e a perda de referências em tempos de produtivismo acelerado e individualismo exacerbado. Se a ligação com a cultura, com o conhecimento, com o pensamento, precisa ser rápida e com pouco esforço, se o saber se transforma em instrumento para a eficácia da produção, há que se refletir: o que significam universidades que ainda buscam operar com o saber vinculado à formação e ao estudo? Tal conjectura ancora-se no fato de que a formação não se reduz às competências a serem desenvolvidas, mas é parte de cada aula, cada conteúdo, cada pesquisa, cada interação entre professor e aluno, e isso exige certa interrupção na velocidade, exige certa atenção consigo, com o mundo e com os demais.

Não se trata aqui de uma tese alarmista, mas de tentar entender as forças que circulam no presente e como estão produzindo verdades e modos de existência para que, com base em tal diagnóstico do presente, possamos pensar criticamente possibilidades outras.

A Universidade Comunitária e seus Pressupostos

A conversão da gestão da universidade a um modelo empresarial exige a revisão de seus princípios básicos vinculados à modernidade, os quais se referem à autonomia intelectual das instituições, à convergência entre ensino e pesquisa, ao desenvolvimento de hábitos de estudo intensos e prolongados e ao avanço do conhecimento como um fim em si mesmo.

Na contemporaneidade, como vimos, a gestão universitária vem assumindo outros princípios, pretendendo assegurar flexibilidade, agilidade, competitividade, performatividade e empreendedorismo no perfil de seus egressos. Tais preceitos exigem que a gestão universitária, cada vez de forma mais absoluta, tome uma dimensão administrada (TERRA, 2014TERRA, R. R. A universidade entre a excelência administrada e o social-desenvolvimentismo. Novos Estudos Cebrap, n. 100, p. 81-95, 2014. https://doi.org/10.1590/S0101-33002014000300005
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), capaz de produzir impactos significativos nos próprios processos educativos. Esses impactos impõem que a ação pedagógica assuma, como já vimos também, a linguagem das aprendizagens como produto quantificável, esmaecendo a própria noção de ensino e aprendizagem e o papel do professor.

Olhando especificamente para as IES comunitárias, cuja origem está associada à capacidade de organização da sociedade civil e do poder público local, pode-se observar que a identidade comunitária está em risco, na medida em que a política educacional se fragiliza substancialmente no embate com a competitividade exigida por uma racionalidade neoliberal, que reduz a universidade ao modelo empresa mercado. Focada na sustentabilidade da instituição, a gestão educacional mercantil acaba consentindo apenas atividades acadêmicas que não resultem em prejuízos financeiros.

O equilíbrio financeiro sempre foi o objetivo das gestões de instituições comunitárias, anseio não somente de quem está na gestão, como também daqueles que apoiaram e promoveram seu surgimento, mas esse não pode ser critério exclusivo na tomada de decisões. É com base nessa consciência que universidades regionais que contaram com o aporte associativo de diversos movimentos locais, tanto em Santa Catarina quanto no Rio Grande do Sul, procuraram, apesar da diversidade cultural, fomentar um modelo de gestão democrático e participativo.

No caso do Rio Grande do Sul, as primeiras instituições comunitárias regionais datam da década de 1940 e nasceram ligadas à tradição associativa do século XIX, vinculada às regiões de colonização alemã e italiana. Dito de outra forma, as instituições comunitárias gaúchas buscam, desde sua origem, fomentar o desenvolvimento regional, superando o déficit de investimento do Estado na prestação dos serviços públicos. No início dos anos 1990, essas universidades regionais criaram o Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), cuja oficialização ocorreu no ano de 1996. Em Santa Catarina, por sua vez, o movimento de origem das universidades comunitárias também está associado ao forte vínculo dessas instituições com a sua região. Nesse sentido, a Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe), fundada em 1974, congrega um conjunto de instituições que, na sua maioria, foram criadas pelos poderes públicos municipal e estadual. Em comum, na origem, as instituições gaúchas e catarinenses têm o propósito de se constituírem em agentes de desenvolvimento regional, por meio da potencialização das experiências geradas por essas diferentes regiões. Assim:

O enraizamento das instituições nas comunidades regionais [...] é comum a todas as instituições, que “têm como principal mola propulsora e como base de atuação o envolvimento com a sua região e a intenção/missão de ser agente de desenvolvimento regional. Essa característica está já marcada desde a sua criação e inserida mesmo em suas cartas instituidoras”

(LIMA, 2009 apud SCHMIDT, 2017SCHMIDT, J. P. Universidades comunitárias e terceiro setor: fundamentos comunitaristas da cooperação em políticas públicas. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2017., p. 41).

Com base em tais discussões, podemos elencar dimensões importantes que caracterizam, ainda, o funcionamento comunitário dessas instituições. Como um primeiro ponto, pode-se destacar o compromisso com a concepção de educação como bem público, e não como produto, vinculado às ações de interesse social. Essa postura desdobra-se na manutenção das licenciaturas; em institutos sociais envolvidos em pensar criticamente o seu tempo; no desenvolvimento de pesquisa básica e de pesquisa aplicada, buscando pensar melhorias para a região nas mais diferentes áreas; na manutenção de cursos de extensão gratuitos para a comunidade regional; na prestação gratuita de serviços comunitários, envolvendo as áreas jurídica, da educação, da saúde, da assistência social; na manutenção e no incentivo a diversas expressões artísticas e culturais, entre tantas outras iniciativas que poderíamos citar e que diferenciam essas instituições comunitárias regionais das IES privadas, com foco somente em resultados financeiros.

Um segundo ponto importante a ser salientado se refere à manutenção dos valores acadêmicos, como a pesquisa, o ensino e a extensão. Falar em valores acadêmicos significa não orientar toda a ação para a obtenção de certificação ou quantificação da ação, mas manter, mesmo que em brechas, o estudo e a experiência coletiva. Significa preservar esses tempos e espaços para reunir jovens e adultos em torno de algo em comum, independentemente de seus antecedentes, de modo a alcançar um universo possível, que abra portas para um recomeço e, portanto, que se constitua em um espaço possível de renovação do mundo. Não importa a graduação que estejam cursando, é importante que os sujeitos acessem uma formação que reúna tanto as habilidades técnicas para o trabalho específico quanto promova um encontro com eles mesmos, com os demais e com o mundo, sob a mediação de um professor que os convida a olhar mais uma vez, a escutar mais uma vez, a ler mais uma vez, a escrever mais uma vez. Isso não faz da universidade uma torre de isolamento; pelo contrário, aproxima as pessoas entre si e responsabiliza-as pelo mundo a ser criado, de forma mais colaborativa.

Um terceiro ponto ainda a ser enfatizado sobre o caráter comunitário dessas IES diz respeito ao acolhimento da pluralidade constituinte da sociedade brasileira, sobretudo dos que se encontram em situações mais vulneráveis. Políticas educacionais iniciadas nos anos 2000, como o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior e o Programa Universidade para Todos, ambos do governo federal, fomentaram largamente o acesso ao ensino superior, no entanto foram fortemente prejudicadas, tanto por decisões governamentais contrárias a partir de 2016 e pela crise econômica vivida no país quanto pela pandemia de Covid-19. Diante desse quadro, algumas IES optaram por criar alternativas de crédito com bancos para ampliar o financiamento do ensino superior para a parcela hipossuficiente da sociedade, o que trouxe dificuldades para as instituições quando esses alunos não conseguiram mais saldar suas dívidas. Esse contexto histórico, político e econômico instaurou nas IES comunitárias maior disposição para ceder às determinações do mercado, renunciando a seus pressupostos formativos, em nome da sustentabilidade financeira.

Daí a importância de políticas comprometidas com o acesso de jovens e adultos menos favorecidos em termos econômicos a essas instituições, que historicamente vêm produzindo diferenciais na formação de ensino superior. Ao longo do tempo, as IES comunitárias, em defesa da qualidade do ensino e da formação integral de seus egressos, subsidiaram o desenvolvimento de pesquisas de ponta, fomentadoras de importantes processos de inovação e de atendimento e superação de problemas sociais.

O desenvolvimento tecnológico, por exemplo, é devedor às universidades e ao próprio Estado pelas descobertas científicas decorrentes das pesquisas realizadas pela academia e financiadas pelo dinheiro público. Apesar de o mercado receber as honras, uma vez que acaba entregando um produto à sociedade, sem o investimento governamental e sem a ousadia das ciências dificilmente teríamos a rapidez e a intensidade das transformações que acompanhamos atualmente (a exemplo da vacina contra a Covid-19 no Brasil, dos testes rápidos e de tantas outras ações desenvolvidas). Todavia, a pesquisa realizada pela universidade e o fomento dado pelo Estado implicam sempre um risco de nada encontrar ou de não atender à rapidez que o mercado espera. Apesar disso, apenas a universidade e o Estado aceitam correr esse risco e arcar com os prejuízos de investimentos em pesquisas que, porventura, não atingem o objetivo esperado. O mercado não só não corre esse risco, como também é o maior beneficiário em termos de retorno financeiro. Esse tema é tratado com propriedade pela economista italiana Mariana MazzucatoMAZZUCATO, M. O Estado empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. São Paulo: Portfolio-Penguin, 2014. em sua obra O Estado empreendedor (2014), demonstrando que a inovação e o empreendedorismo, com frequência atribuídos ao empresariado, são dependentes dos investimentos estatais e do conhecimento e expertise dos pesquisadores das universidades.

Em outros termos, não é possível fazer emergir da universidade a sua dimensão formativa sem um funcionamento de gestão que se proponha a investir recursos humanos, financeiros, estruturais e estratégicos em pesquisa e desenvolvimento. Ademais, quando as pesquisas e os seus resultados são oriundos da integração Estado e universidade, garantem que o conhecimento e a educação sejam tomados como bens públicos de acesso universal. É importante registrar, porém, que o caráter público do saber não se refere somente à sua dimensão gratuita de acesso e uso, mas ao bem comum, objetivando fomentar melhorias para a vida social e coletiva.

Um quarto ponto a se destacar no exercício das IES comunitárias é o modelo coletivo de vida, que, amparado em seus regulamentos e estatutos, pretende garantir a existência de espaços colegiados para apreciação dos processos e tomadas de decisão (FIOREZE, 2020FIOREZE, C. A gestão das IES privadas sem fins lucrativos diante dos tensionamentos da mercantilização da educação superior e o caso das universidades comunitárias regionais: a caminho do hibridismo? Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 101, n. 257, p. 79-98, jan.-abr. 2020. https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.101i257.4356
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). Esse caráter colegiado, apesar de mais moroso em alguns momentos, garante a democracia, característica das instituições comunitárias, aspecto que de modo geral não se encontra em instituições mercantis, marcadas pela verticalidade da gestão. Essa característica suscita o aspecto formativo da gestão, uma vez que abre espaço para a participação ativa de discentes, docentes e funcionários, e muitas vezes também do corpo discente, nas tomadas de decisão. Esse funcionamento de gestão não vive sempre em harmonia com a velocidade característica do mercado de trabalho do século XXI. A sustentação da democracia exige, na contramão, tempo, diálogo, encontros não apenas para encontrar soluções mais amadurecidas, mas também para prover um espaço de formação da comunidade e de seus partícipes.

Para finalizarmos, um quinto ponto pode ser identificado na defesa de uma formação ampla, marcada pela presença de disciplinas e conteúdos das humanidades, com pretensão de educação não só técnico-profissional, mas, diríamos, ético-profissional, que exigiria um egresso capaz de considerar o coletivo em suas tomadas de decisão, atento aos problemas morais, sociais e políticos que envolvem a sua área de atuação profissional. Essa dimensão implica a sensibilidade de entender os problemas alheios, de olhar além de sua nacionalidade ou regionalidade, de escolher sem privilegiar aqueles que são mais próximos etc. Como diz Cenci (2010, p. 93, grifos nossos)CENCI, A. V. Ética geral e das profissões. Ijuí: Editora Unijuí, 2010.:

É inegável que um bom profissional começa pela aptidão e competência no seu ofício, o que demanda também um status corporativo. Uma das principais exigências éticas de toda profissão é a competência no seu exercício, que é condição para prestar um serviço de qualidade à sociedade – o que significa contribuir para sua melhoria – e ser reconhecido como profissional. Não são suficientes, porém, a excelência técnica e a observância de preceitos legais; faz-se necessária também a excelência moral.

Para tanto, a formação requer que os projetos pedagógicos dos cursos prevejam esses conteúdos, bem como a constituição de um quadro docente com profissionais preparados para o seu desenvolvimento. Precisam pensar projetos institucionais que perpassem a gestão e seus princípios, assegurados pelos projetos pedagógicos institucionais. O envolvimento acadêmico com esses conteúdos contribui significativamente para o estudante desenvolver sua capacidade de olhar a realidade regional e mundial de maneira mais crítica, interessar-se por seus problemas e trabalhar em busca de soluções técnicas e/ou políticas, potencializando tanto a formação do pesquisador quanto a do extensionista.

Considerações Finais

Buscamos, neste ensaio teórico, pensar as universidades comunitárias focando na problematização do papel formativo da gestão, para que possamos, ainda, pensar em um futuro mais democrático e solidário. Para isso, buscamos recuperar a constituição das universidades e seu atravessamento contemporâneo por uma racionalidade neoliberal que produz modos de vida em que o estudo, o conhecimento vinculado à formação e o saber como bem comum são tidos como obsoletos. Em troca, o universo neoliberal propõe a rapidez, a superconcorrência e a aplicabilidade pragmática das habilidades e competências; em nome da inovação pela inovação, traz reformas conforme uma lógica individualizante e instrumental (LAVAL, 2019LAVAL, C. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. São Paulo: Boitempo, 2019.).

Nesse cenário, tem-se um funcionamento pautado por uma formação rápida, voltada às necessidades do mercado, vendendo a ideia de que universidades públicas e comunitárias são lentas, pouco inovadoras, com currículos antiquados, o que, por conseguinte, não prepararia o estudante para as necessidades do mercado, prejudicaria o seu ingresso no mundo do trabalho e impediria o desenvolvimento da sociedade. Trata-se, contudo, de uma competição desleal, visto que se estabelece um universo de disputa. No Brasil e no mundo, abre-se uma competição agressiva com as universidades tradicionais, especialmente com as comunitárias, que seguem um modelo público não estatal no que diz respeito a questões acadêmicas – e que, por isso, sempre procuraram manter a excelência dos indicadores citados – e, por outro lado, o modelo privado no que tange à autossustentação financeira, apesar de não terem fins lucrativos. Por isso, quando buscamos pensar ainda na importância das IES comunitárias comprometidas com o processo formativo, estamos refletindo sobre um sintoma de sociedade que pode tornar-se uma questão de civilização.

Com base nisso, problematizamos a gestão operada simplesmente como sistemática, como administração. Ousamos pensar a função formativa da gestão como uma postura ética, estética e política que busca propor a conversação com a comunidade universitária e com a sociedade, para além dos totalitarismos e das palavras de ordem da produção. Isso não significa fazer uma gestão fora do seu tempo, mas assumir o paradoxo desse tempo. Tal postura afirma-se na composição, no exercício de pensar com o outro, de forma colegiada, o que não significa pensar da mesma maneira.

Assim, entendemos que o aspecto formativo da gestão significa uma gestão que não se deixa pautar somente pela lógica empresarial e que coloca seus próprios problemas no coletivo, buscando algumas brechas de respiro. É disto que se trata a função intelectual da gestão como formação: pensar radicalmente a vida, a vida universitária, a pesquisa, a docência, o exercício do pensamento, de forma democrática e coletiva, nesse tempo que nos coube viver.

Para encerrar, concordamos com Lazzarato (2014)LAZZARATO, M. Signos, máquinas, subjetividades. Tradução: Paulo D. Oneto. São Paulo: Edições Sesc; n-1, 2014., que nos convida a pensar qual racionalidade vem pautando as perguntas. Comumente, pedem-se às universidades respostas para as perguntas da sociedade, mas quem elabora tais perguntas? Em quais perspectivas? Podemos inverter essa lógica em dois sentidos, tomando a potência da dimensão formativa da gestão nas universidades comunitárias. Nesse cenário, há que se considerar, em primeiro lugar, o entendimento de que talvez a universidade possa colocar perguntas à sociedade e, segundo, a reflexão de que o exercício do pensamento, conforme Deleuze (2006)DELEUZE, G. Diferença e repetição. 2. ed. Tradução: L. Orlandi e R. Machado. São Paulo: Graal, 2006., teria mais a ver com a colocação de perguntas do que necessariamente com a definição de respostas. São os problemas, portanto, que dariam expressividade às perguntas e às respostas.

Desse modo, pondera-se se nessa sociedade em que vivemos – do espetáculo, do superdesempenho e da concorrência – não seriam as universidades comprometidas com o bem comum que ainda poderiam contribuir com a elaboração de bons problemas para que, com isso, voltássemos a pensar sobre aquilo que efetivamente importa.

Portanto, escolas e universidades são ainda fundamentais para pensarmos os processos civilizatórios quando se trata do cuidado consigo, com os demais, com o planeta, porque se trata de formação humana em toda a sua complexidade na relação entre pensamento e cultura. Como universidade, pois, continuaremos colocando questões em um país que ainda enfrenta abismais desigualdades e forte precarização da vida.

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Editora de Seção: Ivany Pino https://orcid.org/0000-0001-6227-972X

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2023
  • Aceito
    28 Jun 2023
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