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Carta aos editores da Revista de Psiquiatria do Rio Grande o Sul

CARTA AOS EDITORES

Carta aos Editores da Revista de Psiquiatria do Rio Grande o Sul

Luiz E. Pellanda

Prezados colegas:

Desejo agradecer o envio do número 1/03 desta prestigiosa Revista, o que me permitiu tomar conhecimento do artigo de Eric M. Kandel, M.D., "A biologia e o futuro da psicanálise: um novo referencial intelectual para a psiquiatria revisitado." Estou inteiramente de acordo com ele quando, referindo-se à aptidão da biologia em responder a questões básicas sobre memória e desejo, diz que "... essas respostas serão mais ricas e significativas se forjadas por um esforço sinérgico entre biologia e psicanálise".

Gostaria de enfatizar que há muito propugno por uma abertura dos meios Psicanalíticos às demais ciências, muito especialmente à Biologia, Informática e Cibernética, como se pode ver, por exemplo, na edição do livro "Psicanálise Hoje: Uma Revolução do Olhar", onde reunimos, Nize e eu, mais de quarenta cientistas, desde Etchegoyen, Matte-Blanco e Kernberg até biólogos da estatura de Kacelnik e Maturana, para nos falar sobre olhares pertinentes ao nosso tema, ou ainda, no trabalho aceito para o 43º IPAC: "Complex Epistemology and Psychoanalysis: Tensioning the frontiers." Esta introdução é necessária para dizer de onde falo ao concordar em princípio com o autor referido, para então poder assinalar algumas restrições e diferenças.

Imagino que todo psicanalista gostaria de poder escrever um texto equivalente ao "Projeto de uma psicologia para neurólogos", mas sempre reconhecemos que os avanços da biologia ainda não nos permitem tal feito, como aliás reconhece Kandel: "... embora esboçamos o que poderia evoluir para uma significativa fundamentação biológica para a psicanálise, estamos recém nos primórdios deste processo. Ainda não temos uma compreensão satisfatória dos complexos processos mentais." (p.142)

Minha restrição maior deve-se mais ao ponto de vista adotado pelo autor, num evidente neo-behaviorismo, buscando entender "a caixa preta" da mente pela análise dos "inputs e outputs" e sua concepção de Psicanálise, bem ao modo norte-americano de pensá-la como apenas o que existe dentro do território local, ignorando mesmo os esforços de Kernberg para incluir outros olhares. Com esta postura, ficam de fora todos os autores Kleinianos e pós Kleinianos, os franceses todos, e toda a Biologia moderna representada pela Escola de Santiago, fundada por Humberto Maturana e Francisco Varela, que postulam a auto-organização como característica do ser vivo e seu diferencial. Por esta postura é que um autor da importância de Antonio Damásio é citado apenas en passant, quando eventualmente lhe caberia o papel central que o Congresso da IPA lhe pretendia dar no adiado conclave de Toronto.

Espero que ele possa comparecer em março ao de New Orleans, para onde foi re-programado esse Congresso, de modo que possamos todos desfrutar de sua palavra sobre o que vem encontrando na neurologia das emoções, em nada contrariando o já afirmado pela Psicanálise, mas a complementando magistralmente.

Que o tema proposto é atual, nenhuma dúvida, haja vista a discussão sobre "controvérsias", que se propõe pela Internet no site do Int. Journal of Psychoanalysis: http://www.ijpa.org/, onde repressão, transferência e reconstrução estão sendo debatidas.

Fico com a impressão de que Kandel segue se preocupando apenas em explicar o inconsciente (como explicitado no primeiro parágrafo da pg. 143), quando a questão hoje é tentar explicar de onde surge a consciência e como: Damásio tem propostas importantes sobre este tema, especialmente as descritas em seus últimos livros: The Feeling of what Happens (1996) e Looking for Spinoza (2003). Maturana também tem contribuição significativa, a qual em parte está exposta em um dos capítulos do livro que editamos, já citado, e que se chama "Biologia da auto-consciência", onde ele defende a idéia de que consciência não é uma "entidade" que se localize no corpo ou no cérebro: "Considero que consciência ocorre como uma dinâmica relacional particular, quando um organismo opera como participante em um domínio de distinções recursivas na linguagem, e que isto não é uma entidade ou propriedade de uma entidade." (1966, p.601).

Fica de fora do artigo publicado o mais importante na minha opinião: o caráter complexo da função mental (ainda que estas palavras compareçam no texto, como citado acima!). A questão aqui é de mudança de paradigma: abandonar o cartesiano e adotar o da complexidade. Somente uma abordagem multifacetada pode tentar uma aproximação adequada: necessitamos da colaboração de Edgar Morin (1990) e de sua proposta do novo paradigma da complexidade; necessitamos ainda de Maturana e de sua autopoiése, expressão do paradigma da auto-organização, bem como dos neurocientistas como Damásio e de tantos outros. Certamente não será com esta aproximação ainda cartesiana que chegaremos ao que von Foerster, pai da cibernética de segunda ordem, diz ser o ideal: "Não seria acaso recomendável renunciar ao critério de Popper e buscar princípios que se confirmem na práxis? (von Foerster, 1996, p.130).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Pellanda N e Pellanda LE. (1996). Psicanálise Hoje: Uma Revolução do Olhar. Ed Vozes, Petrópolis. Índice em: http://www.portoweb.com.br/pessoal/olhar

2. Damasio A. (1999). The Feeling of What Happens. Body and Emotion in the Making of Consciousness. Hartcourt, Inc. San Diego, New York.

3. ___.(2002). Looking for Spinoza Hartcourt, Inc. San Diego, New York.

4. Maturana H. (1966). Biologia da autoconsciência. IN Pellanda N e Pellanda LE. Psicanálise Hoje: Uma Revolução do Olhar. Ed Vozes, Petrópolis.

5. Morin E. (1990). Introdução ao pensamento complexo. Publicações Intituto Piaget, Lisboa, 1991.

6. Von Foerster H. (1996). Reflexiones cibernéticas. IN: Fischer HR y col. El final de los grandes proyectos. Barcelona: Edisa.

Atenciosamente,

Dr. Luiz E. Pellanda

Porto Alegre – RS – Brasil

http://www.portoweb.com.br/pessoal/pellanda

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 2003
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