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Fobia social e transtorno de pânico: relação temporal com dependência de substâncias psicoativas

Social phobia and panic disorder: temporal relation with psychoactive substance dependence

Fobia Social y trastorno de pánico: relación temporaria con dependencia de sustancias psicoactivas

Resumos

INTRODUÇÃO: O estudo tem por objetivo: 1) determinar a prevalência de transtorno do pânico e de fobia social em pacientes hospitalizados devido ao transtorno do uso de substâncias psicoativas; 2) determinar o relacionamento temporal entre o início desses transtornos de ansiedade e o começo do uso de substâncias psicoativas. MÉTODO: Os diagnósticos psiquiátricos foram obtidos através de entrevista clínica semi-estruturada (SCID-I), baseada nos critérios do DSM-IV. Um questionário foi desenvolvido pelos autores, visando a estudar o relacionamento temporal entre o início do transtorno do uso de substâncias e o princípio do transtorno do pânico e da fobia social. RESULTADOS: Apenas 1 (2 %) paciente apresentou transtorno de pânico antecedendo o uso de substâncias psicoativas. A maioria dos pacientes com ataques de pânico preenchiam critérios para o diagnóstico de transtorno de ansiedade induzido pelo uso de substâncias: 11 (22.9 %) dos pacientes tiveram ataques de pânico apenas durante a intoxicação ou na síndrome de abstinência, ou seja, secundariamente ao uso de drogas. Quanto à fobia social, 16 (33.3 %) pacientes apresentavam este transtorno, sendo que, em todos, a fobia social iniciou antes de começar o uso de substâncias psicoativas. CONCLUSÕES: Os achados confirmam a elevada freqüência de fobia social em pacientes dependentes de substâncias psicoativas e reforçam a hipótese da auto-medicação nesta comorbidade, uma vez que esta fobia tende a preceder o uso de drogas. Quanto ao transtorno de pânico, na nossa amostra, este parece derivar de uma complicação do uso de substâncias psicoativas.

Fobia social; transtorno de pânico; drogas psicoativas; relação temporal


INTRODUCTION: The objective of this study is: 1) to determine the prevalence of panic disorder and social phobia in patients hospitalized due to the use of psychoactive substances; 2) to determine the temporal relation between the beginning of these anxiety disorders and the beginning of the use of psychoactive substances. METHODS: The psychiatric diagnoses were made by means of semi-structured clinical interviews (SCID-I), based on DSM-IV criteria. A questionnaire was developed by the authors for the purpose of studying the temporal relation between the beginning of the disorder due to psychoactive substances and the beginning of panic disorder and social phobia. RESULTS: Only 1 (2 %) patient had panic disorder before using psychoactive substances. Most of the patients suffering from panic disorder fulfilled the criteria for the diagnosis of anxiety disorder induced by use of the substance: 11 (22.9 %) of them had panic attacks only while under the effect of drugs or during the withdrawal syndrome, i.e., secondarily to the use of drugs. Sixteen (33.3 %) of the patients had social phobia, and in all of them, the social phobia began before the use of psychoactive substances. CONCLUSIONS: The findings confirmed the high frequency of social phobia in psychoactive substance-dependent patients and they reinforce the self-medication hypothesis in this comorbidity, since that kind of phobia tends to precede the use of drugs. As for panic disorder, in our sample it appears to derive from a complication of the use of psychoactive substances.

Social phobia; panic disorder; psychoactive drugs; temporal relationship


INTRODUCCIÓN: el estudio tiene por objetivo: 1) determinar la predominancia del trastorno de pánico y de fobia social en pacientes hospitalizados debido al trastorno del uso de sustancias psicoactivas; 2) determinar el relacionamiento temporáneo entre el inicio de esos trastornos de ansiedad y el comienzo del uso de sustancias psicoactivas. MÉTODO: los diagnósticos psiquiátricos fueron obtenidos a través de entrevista clínica semi-estructurada (SCID-I), basada en los criterios do DSM-IV. Un cuestionario fue desenvuelto por los autores, visando estudiar el relacionamiento temporáneo entre el inicio del trastorno del uso de sustancias, y el principio de trastorno de pánico y de la fobia social. RESULTADOS: apenas 1 (2.1 %) paciente presentó trastorno de pánico antes del uso de sustancias psicoactivas. La mayoría de los pacientes con ataques de pánico, cumplían criterios para el diagnóstico de trastorno de ansiedad inducido por el uso de sustancias: 11 (22.9%) de los pacientes tuvieron ataques de pánico apenas durante la intoxicación o en el síndrome de abstinencia, o sea, secundariamente al uso de drogas. Cuanto a la fobia social, 16 (33.3%) pacientes presentaban este trastorno, siendo que, en todos, la fobia social se inició antes de comenzar el uso de sustancias psicoactivas. CONCLUSIONES: lo descubierto confirma la elevada frecuencia de fobia social en pacientes dependientes de sustancias psicoactivas, y refuerza la hipótesis de la auto-medicación en esta comorbidad, una vez que esta fobia tiende a preceder el uso de drogas. Cuanto al trastorno de pánico, en nuestra muestra, este parece derivar de una complicación del uso de sustancias psicoactivas.

Fobia Social; trastorno de pánico; drogas psicoactivas; relación temporal


ARTIGO ORIGINAL

Fobia social e transtorno de pânico: relação temporal com dependência de substâncias psicoativas

Social phobia and panic disorder: temporal relation with psychoactive substance dependence

Fobia Social y trastorno de pánico: relación temporaria con dependencia de sustancias psicoactivas

Mauro Barbosa TerraI; Ivan FigueiraII; Luciana Dias AthaydeIII

IDoutorando em Farmacologia pela FFFCMPA. Mestre em Psiquiatria pelo IPUB/UFRJ. Professor Substituto do Departamento de Psiquiatria e de Medicina Legal da FFFFCMPA e Professor do Curso de Especialização em Psiquiatria do CEJBF/FFFCMPA

IIProfessor Adjunto do IPUB/UFRJ

IIIMédica. Especilista em Psiquiatria pelo CEJBF/FFFCMPA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Mauro Barbosa Terra R. Hilário Ribeiro, 202, Cj. 306 90510-040 – Porto Alegre – RS

RESUMO

INTRODUÇÃO: O estudo tem por objetivo: 1) determinar a prevalência de transtorno do pânico e de fobia social em pacientes hospitalizados devido ao transtorno do uso de substâncias psicoativas; 2) determinar o relacionamento temporal entre o início desses transtornos de ansiedade e o começo do uso de substâncias psicoativas.

MÉTODO: Os diagnósticos psiquiátricos foram obtidos através de entrevista clínica semi-estruturada (SCID-I), baseada nos critérios do DSM-IV. Um questionário foi desenvolvido pelos autores, visando a estudar o relacionamento temporal entre o início do transtorno do uso de substâncias e o princípio do transtorno do pânico e da fobia social.

RESULTADOS: Apenas 1 (2 %) paciente apresentou transtorno de pânico antecedendo o uso de substâncias psicoativas. A maioria dos pacientes com ataques de pânico preenchiam critérios para o diagnóstico de transtorno de ansiedade induzido pelo uso de substâncias: 11 (22.9 %) dos pacientes tiveram ataques de pânico apenas durante a intoxicação ou na síndrome de abstinência, ou seja, secundariamente ao uso de drogas. Quanto à fobia social, 16 (33.3 %) pacientes apresentavam este transtorno, sendo que, em todos, a fobia social iniciou antes de começar o uso de substâncias psicoativas.

CONCLUSÕES: Os achados confirmam a elevada freqüência de fobia social em pacientes dependentes de substâncias psicoativas e reforçam a hipótese da auto-medicação nesta comorbidade, uma vez que esta fobia tende a preceder o uso de drogas. Quanto ao transtorno de pânico, na nossa amostra, este parece derivar de uma complicação do uso de substâncias psicoativas.

Descritores: Fobia social, transtorno de pânico, drogas psicoativas, relação temporal.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The objective of this study is: 1) to determine the prevalence of panic disorder and social phobia in patients hospitalized due to the use of psychoactive substances; 2) to determine the temporal relation between the beginning of these anxiety disorders and the beginning of the use of psychoactive substances.

METHODS: The psychiatric diagnoses were made by means of semi-structured clinical interviews (SCID-I), based on DSM-IV criteria. A questionnaire was developed by the authors for the purpose of studying the temporal relation between the beginning of the disorder due to psychoactive substances and the beginning of panic disorder and social phobia.

RESULTS: Only 1 (2 %) patient had panic disorder before using psychoactive substances. Most of the patients suffering from panic disorder fulfilled the criteria for the diagnosis of anxiety disorder induced by use of the substance: 11 (22.9 %) of them had panic attacks only while under the effect of drugs or during the withdrawal syndrome, i.e., secondarily to the use of drugs. Sixteen (33.3 %) of the patients had social phobia, and in all of them, the social phobia began before the use of psychoactive substances.

CONCLUSIONS: The findings confirmed the high frequency of social phobia in psychoactive substance-dependent patients and they reinforce the self-medication hypothesis in this comorbidity, since that kind of phobia tends to precede the use of drugs. As for panic disorder, in our sample it appears to derive from a complication of the use of psychoactive substances.

Key words: Social phobia, panic disorder, psychoactive drugs, temporal relationship.

RESUMEN

INTRODUCCIÓN: el estudio tiene por objetivo: 1) determinar la predominancia del trastorno de pánico y de fobia social en pacientes hospitalizados debido al trastorno del uso de sustancias psicoactivas; 2) determinar el relacionamiento temporáneo entre el inicio de esos trastornos de ansiedad y el comienzo del uso de sustancias psicoactivas.

MÉTODO: los diagnósticos psiquiátricos fueron obtenidos a través de entrevista clínica semi-estructurada (SCID-I), basada en los criterios do DSM-IV. Un cuestionario fue desenvuelto por los autores, visando estudiar el relacionamiento temporáneo entre el inicio del trastorno del uso de sustancias, y el principio de trastorno de pánico y de la fobia social.

RESULTADOS: apenas 1 (2.1 %) paciente presentó trastorno de pánico antes del uso de sustancias psicoactivas. La mayoría de los pacientes con ataques de pánico, cumplían criterios para el diagnóstico de trastorno de ansiedad inducido por el uso de sustancias: 11 (22.9%) de los pacientes tuvieron ataques de pánico apenas durante la intoxicación o en el síndrome de abstinencia, o sea, secundariamente al uso de drogas. Cuanto a la fobia social, 16 (33.3%) pacientes presentaban este trastorno, siendo que, en todos, la fobia social se inició antes de comenzar el uso de sustancias psicoactivas.

CONCLUSIONES: lo descubierto confirma la elevada frecuencia de fobia social en pacientes dependientes de sustancias psicoactivas, y refuerza la hipótesis de la auto-medicación en esta comorbidad, una vez que esta fobia tiende a preceder el uso de drogas. Cuanto al trastorno de pánico, en nuestra muestra, este parece derivar de una complicación del uso de sustancias psicoactivas.

Palabras-clave: Fobia Social, trastorno de pánico, drogas psicoactivas, relación temporal.

1) INTRODUÇÃO

De acordo com Strakowski e cols.1, uma síndrome é definida como antecedente, em uma comorbidade, se sua idade de início precede a idade de início do outro transtorno comórbido por mais de um ano. Entender a cronologia pode ser importante para a identificação de fatores de risco.

Vários estudos2-4 demonstram que a fobia social tende a preceder o início dos problemas com o álcool. Em relação ao transtorno de pânico, este tende a apresentar uma seqüência cronológica variada em relação ao alcoolismo. Alguns estudos5,6 mostram que o transtorno tende a começar antes do uso de drogas, enquanto que outros 7-13 demonstram que o transtorno inicia depois (vide tabela I).

O objetivo do presente trabalho é estudar a comorbidade, transtorno de pânico ou fobia social/dependência de substância psicoativa, quanto à ordem de início dos diferentes transtornos, ou seja, estabelecer o relacionamento temporal entre o início do transtorno de ansiedade e o aparecimento da dependência de substância psicoativa. Levantamos ainda hipóteses sobre o relacionamento causal entre os transtornos.

Além disso, estudamos também a ocorrência do transtorno de pânico e fobia social em pacientes dependentes químicos (álcool, cocaína, maconha) hospitalizados, visando a constatar a freqüência com que esses transtornos ocorrem nesses pacientes, uma vez que sua presença pode dificultar, ainda mais, a recuperação desses indivíduos, prejudicando o curso e o prognóstico; a não identificação desses transtornos pode levar o tratamento ao insucesso e à manutenção do quadro de dependência da droga.

2) MÉTODO

Foi realizado um estudo transversal, sendo examinados, consecutivamente, 56 pacientes dependentes de substâncias psicoativas (álcool, cocaína, maconha), que estavam internados na Clínica Pinel, em Porto Alegre. Foram excluídos 8 pacientes, dos quais 3 apresentavam transtorno bipolar com sintomas psicóticos, 3 demência devido ao uso de álcool, 1 retardo mental leve e 1 delirium por abstinência de álcool. A amostra final ficou composta por 48 pacientes. Foram utilizados os seguintes critérios de exclusão: esquizofrenia, outros transtornos psicóticos, transtorno bipolar, retardo mental e quadros demenciais.

Os pacientes tinham de preencher os critérios diagnósticos para dependência de substância psicoativa, segundo o DSM-IV e a CID-10. Foi também aplicado o SCID-I (Entrevista Clínica Semi-estruturada baseada no DSM-IV da APA-1994) em todos os pacientes, para examinar a ocorrência de transtorno de pânico e fobia social. Os pacientes foram entrevistados após estarem há, pelo menos, 7 dias internados e em abstinência.

Foi desenvolvido um instrumento para coletar as seguintes variáveis: ordem de início das diferentes comorbidades e a relação entre a fobia social e o transtorno de pânico e o uso de drogas. Na análise estatística dos dados, foi avaliada a existência de associação entre variáveis, mediante a utilização do Teste Qui-quadrado de independência ou do Teste Exato de Fisher, quando o primeiro não atendia às exigências necessárias. Os resultados foram gerados no pacote estatístico SPSS for Windows (Statistical Package for the Social Sciences). Foi adotado p<0.05 como índice de significância estatística.

O Comitê de Ética em Pesquisa da Clínica Pinel aprovou o estudo, e todos os indivíduos que participaram da pesquisa deram seu consentimento por escrito.

3) RESULTADOS

As características sócio-demográficas da amostra estão apresentadas na tabela II.

Quanto ao número de drogas utilizadas por paciente, verificou-se que 25 pacientes (52.1%) faziam uso de apenas um tipo de droga, sendo que 21 pacientes (43.7%) só bebiam álcool e 4 pacientes (8.3%) usavam apenas cocaína, e 23 pacientes (47.9%) eram poliusuários (vide tabela III). No total, 41 pacientes (85.4%) faziam uso de álcool, 25 (52.1%) de cocaína, 14 (29.1%) de maconha e 1 (2.0%) de benzodiazepínicos.

3.1) Ocorrência de Transtorno de Pânico

Apenas 1 dos 48 (2%) pacientes examinados apresentou transtorno de pânico. Onze dos 48 (22.9%) pacientes apresentaram ataques de pânico, mas em todos estes os ataques ocorriam ou durante a intoxicação ou como parte da síndrome de abstinência (não havendo ataques de pânico fora dessas duas situações), caracterizando, portanto, um transtorno de ansiedade induzido por substâncias (vide tabela 3). Entre estes 11 pacientes, 10 usavam álcool (90.9%), 8 (72.7%) cocaína, 7 (63.6%) eram poliusuários. Entre os 21 pacientes que utilizavam só álcool, 3 (14.2%) tiveram ataques de pânico.

3.2) Ocorrência de Fobia Social

Dos 48 pacientes, 16 (33.3%) apresentavam fobia social. Além desses, 1 paciente (2%) apresentou ataques fóbicos sociais, apenas quando intoxicado. Entre os 21 pacientes que usavam apenas álcool, 9 (42.8%) tinham fobia social. Foi constatado que dos 16 pacientes com fobia social, em todos, a fobia iniciou antes de começar o uso de drogas, enquanto que em apenas 1 paciente com ataques de pânico este quadro de ansiedade surgiu antes do uso de drogas (P<0.0001) (vide tabela III).

4) DISCUSSÃO

Em nossa amostra, apenas 1 (2%) dos 48 pacientes que examinamos apresentou transtorno de pânico primário. Onze (22.9%) pacientes, com história de repetidos ataques de pânico, tiveram estes ataques secundariamente ao uso de drogas (ocorrendo durante a intoxicação ou no período de abstinência).

Este resultado difere de alguns estudos5,14,15,6 que demonstram que o transtorno de pânico pode preceder o abuso/dependência de drogas em cerca de 50% ou mais dos pacientes. Assim, no Brasil, em uma amostra de 119 pacientes com transtorno de pânico, da qual 8 apresentavam dependência ou abuso de álcool, Maciel e Gentil Filho15 encontraram que apenas 2 deles tiveram seu primeiro ataque de pânico durante a embriaguez. Anteriormente, Lotufo Neto e Andrade14 observaram, em sua amostra, que 81,8% dos agorafóbicos contavam que o quadro fóbico iniciara antes do alcoolismo, sendo que 54,5% bebiam deliberadamente para suportar a fobia.

Esta diferença pode se dever a características próprias da nossa amostra, pois a mesma era composta por pacientes dependentes de drogas internados e havia um pequeno número de mulheres, que correspondia a 14.5% do total. Chignon e Lépine6 mostram que, entre elas, o transtorno de pânico, mais freqüentemente, começa antes da dependência de drogas e que, entre os homens, o alcoolismo e o uso de outras drogas tendem a ser primários, desencadeando ataques de pânico. Esta diferença entre homens e mulheres pode ter implicações clínicas. Nos homens, talvez apenas o controle do uso de substâncias melhore a síndrome do pânico. Já nas mulheres, talvez ocorra maior necessidade da entrada de psicofármacos para controlar o transtorno do pânico, que pode ser primário.

No entanto, em outros estudos, os sintomas do alcoolismo também têm sido encontrados, como em nossa amostra, antes dos sintomas de ansiedade. Ilustrando essa constatação, Breier e cols.7 relataram que 80% dos pacientes que sofrem conjuntamente de agorafobia e de alcoolismo tinham tido seu primeiro ataque de pânico depois do início do abuso de álcool. Johannessen e cols.9 observaram, em um estudo com 154 alcoolistas internados, com história de ataques de pânico, que, em 50% dos indivíduos, os ataques iniciaram depois do início do problema com álcool; 39% referiram que os sintomas de pânico precederam o uso de álcool e 11% relataram que ambas as condições se desenvolveram ao mesmo tempo. Chambless e cols.8 encontraram que o transtorno de pânico iniciava mais freqüentemente depois dos comportamentos alcoólicos em pacientes hospitalizados. Otto e cols.10 verificaram que 83.3% dos pacientes com transtorno de pânico e história de dependência de álcool iniciaram o uso da droga antes deste transtorno. Krystal e cols.11, dentro do projeto ECA, utilizando o DSM-III e o DIS, encontraram, em sua amostra, que, entre indivíduos que apresentavam alcoolismo e ataques de pânico, 60% relataram que os sintomas de pânico começaram, pelo menos, um ano depois do alcoolismo; 33% referiram que os ataques de pânico iniciaram, no mínimo, um ano antes do alcoolismo e 6% relataram que ambas as condições surgiram no mesmo ano. Starcevic e cols.12 observaram, em uma amostra de 54 pacientes com transtorno de pânico, segundo o SCID-UP-R para o DSM-III-R, que em 82.3% o uso de drogas precedia o início do transtorno de pânico em 5.9% o uso de drogas era contemporâneo ao começo do transtorno do pânico; e em 11.8% o uso de drogas seguia-se ao início do transtorno do pânico. Para Brady e Lydiard 4, os sintomas do transtorno do pânico estão freqüentemente associados com a abstinência do álcool e mais comumente parecem ocorrer após o início do alcoolismo. Schuckit e Hesselbrock13 concluíram que estudos indicam que, em pelo menos 2/3 dos indivíduos com transtorno de pânico e problemas com álcool, a síndrome alcoólica ocorreu primeiramente. Estes dados sugerem que vários pacientes não bebem como uma forma de auto-medicação.

Poucos estudos anteriores encontraram um percentual tão baixo de transtorno do pânico em amostras de dependentes de drogas. Isto pode se dever ao fato de a maioria dos estudos considerar como transtorno do pânico casos em que os pacientes apresentam ataques de pânico secundariamente ao uso de drogas.

O percentual de fóbicos sociais foi de 33.3% (16/48). Este é um índice elevado que se aproxima do encontrado em outros estudos anteriores2,16,14, corroborando a alta prevalência da comorbidade fobia social/dependência de drogas. É ainda maior se considerarmos apenas aqueles que utilizavam só álcool (42.8%). Em todos os 16 pacientes, a fobia social precedeu a dependência de drogas, podendo-se levantar a hipótese da auto-medicação, ou seja, o uso de drogas para combater a fobia.

Este achado está de acordo com Lépine e Pélissolo17, segundo os quais evidências clínicas e epidemiológicas sugerem uma relação entre fobia social e alcoolismo, com estudos retrospectivos mostrando que a fobia social tipicamente precede os problemas com o álcool. Para Regier, Rae e cols.18, os transtornos de ansiedade, especialmente a fobia social e fobias simples parecem ter um início precoce na adolescência com severas conseqüências potenciais, predispondo os indivíduos afetados a uma maior vulnerabilidade para a depressão maior e transtornos aditivos. Segundo Figueira e cols.19, há vários indícios de que o abuso de álcool comórbido seja uma tentativa de automedicação em um número considerável de fóbicos sociais, sendo esta uma importante complicação de fobia social. Por outro lado, mesmo para aqueles cujo abuso/dependência do álcool é primário, uma vez que um período de abstinência tenha sido atingido, os sintomas da fobia social podem contribuir para a recidiva do uso do álcool.

Da mesma forma, anteriormente, Mullaney e Trippett2, em um estudo com 102 alcoolistas internados, encontraram que os transtornos fóbicos (fobia social e agorafobia) precediam o início do uso de álcool em 82% dos pacientes. Em um estudo com fóbicos sociais, Schneier e cols.20 encontraram que o início da fobia social precedeu o começo do alcoolismo em 15 de 16 pacientes duplamente diagnosticados. A idade média para o início da fobia social foi muito mais precoce (10.4 anos), quando comparada com o início do alcoolismo (20.7 anos). Schneier e cols.3, no estudo ECA, observaram em uma amostra de 361 fóbicos-sociais, com 18.8% de abusadores de álcool, que a fobia social antecedeu o abuso de álcool em 85% dos casos. Lydiard e cols.21 também constataram que o começo da fobia social significativamente precedia o início do abuso de álcool. Myrick e Brady22 verificaram, em seu estudo, que em 95.4% dos casos, o início da fobia social precedeu o começo da dependência de cocaína.

No Brasil, Maciel e Gentil Filho15 notaram que 70% dos fóbicos sociais por eles estudados referiram que o quadro fóbico começou antes do alcoolismo, sendo que 60% bebiam deliberadamente para suportar a fobia. De acordo com Marques da Silva23, a interpretação do uso de álcool por pacientes fóbico-sociais tem convergido para a hipótese da auto-medicação. Diz que a maior parte dos pacientes não bebe nos finais de semana, mas principalmente durante a semana para enfrentar situações geradoras de ansiedade. Lotufo Neto e Gentil Filho24 encontraram, entre alcoolistas fóbicos, que em 55% o alcoolismo era primário e que 52% tinham usado álcool para enfrentar a situação temida.

Assim, na nossa amostra, o uso primário de drogas levou, em alguns casos, aos ataques de pânico, e a fobia social, quando presente, aparece como um possível fator de risco para a dependência de drogas.

Quanto ao fato de não se ter uma amostra "pura", apenas com usuários de álcool ou cocaína, pode-se considerar que esta amostra tem a vantagem de ser representativa do "mundo real", uma vez que, muitas vezes, as pesquisas procuram ser tão "limpas", com tantos critérios de exclusão, que tornam as generalizações e extrapolações difíceis.

O presente estudo apresenta diversas limitações. Além de não ter sido feita uma maior diferenciação entre os pacientes que utilizam diferentes tipos de drogas, a amostra é pequena e foi composta basicamente por homens (85.4%), o que impossibilita a generalização dos resultados para as mulheres.Os dados foram colhidos através de entrevistas com os pacientes e não foi feito um contato com seus familiares para conseguir informações mais precisas. É possível também levantar dúvidas sobre a veracidade de alguns destes dados, pois a amostra era composta por pacientes dependentes químicos que poderiam apresentar déficits de memória devido ao uso de drogas, uma tendência à negação; alguns tinham, também, um transtorno de personalidade associado. Entretanto, quase todos os relatos pareceram confiáveis, pois os pacientes entrevistados repetiam as informações de modo coerente e pareceu-nos que a sua memória não estava afetada a ponto de comprometer os dados relatados.

5) CONCLUSÕES

Nossos achados salientam a elevada freqüência de fobia social em pacientes dependentes de substâncias psicoativas e reforçam a hipótese da auto-medicação nesta comorbidade, uma vez que a mesma tende a preceder o uso de drogas. Quanto aos ataques de pânico, encontramos que estes são, mais freqüentemente, secundários à dependência de drogas, ocorrendo tanto durante a intoxicação quanto no período de abstinência, constituindo uma complicação do uso de substâncias.

Maiores estudos, nesta área, são necessários, para um melhor esclarecimento, com o uso de uma metodologia mais sofisticada, como estudos de caso-controle e de natureza prospectiva.

Recebido em 24/01/2003.Revisado em 11/03/2003

Aprovado em 19/11/2003

Instituição: CEJBF – Centro de Estudos José de Barros Falcão. Departamento de Psiquiatria da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre

Copyright ã Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul – SPRS

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  • Endereço para correspondência
    Mauro Barbosa Terra
    R. Hilário Ribeiro, 202, Cj. 306
    90510-040 – Porto Alegre – RS
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Recebido
      24 Jan 2003
    • Revisado
      11 Mar 2003
    • Aceito
      19 Nov 2003
    Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul Av. Ipiranga, 5311/202, 90610-001 Porto Alegre RS Brasil, Tel./Fax: +55 51 3024-4846 - Porto Alegre - RS - Brazil
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