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Uma revisão sobre depressão como fator de risco na Doença de Parkinson e seu impacto na cognição

A review of depression as a risk factor in Parkinson's disease and the impact on cognition

Revisión sobre la depressión como factor de riesgo en el Mal de Parkinson e impacto sobre la cognición

Resumos

OBJETIVOS: Esta revisão tem dois objetivos. 1. Examinar o impacto da depressão sobre a cognição na Doença de Parkinson (DP). 2. Examinar o papel da depressão como fator de risco tanto para DP como para transtorno cognitivo na DP. METODOLOGIA: Revisão na literatura internacional, Medline, de artigos clínicos seccionais, prospectivos e de caso controle, avaliando a função cognitiva de parkinsonianos com e sem depressão, entre 1967 e 2003. Palavras-chave Doença de Parkinson, Depressão e cognição. RESULTADOS: Os trabalhos sobre o impacto da depressão na cognição de parkinsonianos apresentam afirmações divergentes. Cinco artigos concluem que há impacto e quatro não confirmam esses dados. Pode-se afirmar que a depressão é um fator de risco para DP, assim como a DP é um fator de risco para depressão. No entanto, nenhuma definição foi possível no que se refere à depressão como fator de risco para transtornos cognitivos em parkinsonianos. Observa-se que os dados sobre a prevalência de depressão e déficit cognitivo na DP são inconclusivos, com grande margem percentual entre os autores. A depressão em parkinsonianos está associada com avanço da gravidade da DP, estágio avançado de Hoehn e Yahr, alta pontuação na Unified Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS), ocorrência de quedas, baixa pontuação no Mini Exame do Estado Mental (MEEM) e na Escala Schwab e England, déficit cognitivo, bradicinesia axial, alterações na marcha e no balanço, idade mais avançada, sexo feminino e presença de alteração do pensamento. CONCLUSÃO: A interação entre depressão e DP é complexa e bidirecional. A depressão é um fator de risco para DP, assim como DP é um fator de risco para depressão. É possível se traçar um perfil mais homogêneo do paciente deprimido com DP que evolui com transtorno cognitivo, mas não foi possível definir a depressão como um fator de risco para transtornos cognitivos na DP. Estudos que utilizem critérios diagnósticos definidos e com amostras representativas da população podem trazer esclarecimento sobre o assunto.

Doença de Parkinson; depressão; cognição


OBJECTIVE: The objectives are twofold: 1- To review the impact of depression on cognition of patients with Parkinson's disease (DP) 2- To assess whether depression is a risk factor for PD and cognitive deficit in PD. METHODOLOGY: The bibliographical review considered the 1967-2003 period (Medline), using the keywords Parkinson's disease, depression and cognition. Only clinical cross-sectional, prospective and case control studies were included. RESULTS: Five articles showed a positive conclusion as to the impact of depression on cognition in PD, whereas four showed the opposite. Depression is a risk factor for PD as PD is a risk factor for depression. On the other hand, it was impossible to draw a conclusion about depression as a risk factor for cognitive disorders in patients with PD. Depression in patients with PD is associated with advancing disease severity, high Hoehn and Yahr, high Unified Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS), falls, low Mini-Mental State Examination (MMSE) and Schwab and England scores, impaired cognitive functions, axial bradykinesia, gait and balance impairment, advanced age, female gender and thought disorders. CONCLUSION: The interaction between depression and PD is complex and bi-directional. Therefore, depression is a risk factor for PD as PD is a risk factor for depression. There is a homogeneous profile of depression patients with DP at risk to develop cognitive disorders. On the other hand, it is not possible to establish depression as a risk factor for cognitive disorders in PD. Further studies with representative samples and defined diagnosis criteria are needed to provide more information on this subject.

Parkinson's disease; depression; cognition


OBJETIVOS: Este trabajo tiene dos objetivos: 1) Examinar el impacto de la depresión sobre la cognición en el Mal de Parkinson (MP). 2) Examinar el papel de la depresión como factor de riesgo tanto para el MP como para trastorno cognoscitivo en el MP. METODOLOGÍA: Revisión de la literatura internacional (Medline), de artículos clínicos, seccionales, prospectivos y de caso control evaluando la función cognoscitiva de Parkinsonianos con y sin depresión, entre 1967 y 2003. Palabras clave: Mal de Parkinson, Depresión y Cognición. RESULTADOS: Los trabajos sobre el impacto de la depresión en la cognición de parkinsonianos presentan afirmaciones divergentes. Cinco artículos concluyen que hay impacto e cuatro no confirman esos datos. Puede afirmarse que la depresión es un factor de riesgos para MP así como el MP es un factor de riesgo para la depresión. No en tanto, ninguna definición fue posible en lo que se refiere a la depresión como factor de riesgo para trastornos cognoscitivos en parkinsonianos. Se observa que los datos sobre a prevalencia de la depresión y déficit cognoscitivo en el MP son inconclusivos con grande margen porcentual entre los autores. La depresión en parkinsonianos está asociada con el avance de la gravedad del MP, estado avanzado de Hoehn y Yahr, puntuación alta en la Unified Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS) ocurrencia de caídas, baja puntuación en el Mini Examen del Estado Mental (MEEM) y en la escala de Schwab y England, déficit cognoscitivo, bradykinesia axial, alteraciones en el caminar y en el balance, edad más avanzada, sexo femenino y presencia de alteración del pensamiento. CONCLUSIÓN: La interacción entre la depresión y MP es compleja y bi-direccional. La depresión es un factor de riesgo para MP así como MP es un factor de riesgo para la depresión. Es imposible trazar un perfil mas homogéneo del paciente deprimido con MP que desenvuelve trastorno cognoscitivo pero no fue posible definir la depresión como un factor de riesgo para trastornos cognoscitivos en el MP. Estudios que utilicen criterios diagnósticos definidos y con muestras representativas de la población puede traer un esclarecimiento sobre el asunto.

Mal de Parkinson; depresión; cognición


ARTIGO DE REVISÃO

Uma revisão sobre depressão como fator de risco na Doença de Parkinson e seu impacto na cognição

A review of depression as a risk factor in Parkinson's disease and the impact on cognition

Revisión sobre la depressión como factor de riesgo en el Mal de Parkinson e impacto sobre la cognición

Cláudia Débora SilbermanI; Jerson LaksII; Cláudia Soares RodriguesIII; Eliasz EngelhardtIV

IMestranda em Psiquiatria no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro

IICoordenador do Centro de Doença de Alzheimer e outros trantornos mentais na velhice do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro

IIICardiologista, Mestranda em Epidemiologia pelo Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro

IVCoordenador do Setor de Neurologia do Comportamento do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência E ndereço para correspondência Jerson Laks Av. Nossa Senhora de Copacabana, 749/802 22050-00 - Rio de Janeiro - RJ E-mail: jlaks@centroin.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: Esta revisão tem dois objetivos. 1. Examinar o impacto da depressão sobre a cognição na Doença de Parkinson (DP). 2. Examinar o papel da depressão como fator de risco tanto para DP como para transtorno cognitivo na DP.

METODOLOGIA: Revisão na literatura internacional, Medline, de artigos clínicos seccionais, prospectivos e de caso controle, avaliando a função cognitiva de parkinsonianos com e sem depressão, entre 1967 e 2003. Palavras-chave Doença de Parkinson, Depressão e cognição.

RESULTADOS: Os trabalhos sobre o impacto da depressão na cognição de parkinsonianos apresentam afirmações divergentes. Cinco artigos concluem que há impacto e quatro não confirmam esses dados.

Pode-se afirmar que a depressão é um fator de risco para DP, assim como a DP é um fator de risco para depressão. No entanto, nenhuma definição foi possível no que se refere à depressão como fator de risco para transtornos cognitivos em parkinsonianos. Observa-se que os dados sobre a prevalência de depressão e déficit cognitivo na DP são inconclusivos, com grande margem percentual entre os autores.

A depressão em parkinsonianos está associada com avanço da gravidade da DP, estágio avançado de Hoehn e Yahr, alta pontuação na Unified Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS), ocorrência de quedas, baixa pontuação no Mini Exame do Estado Mental (MEEM) e na Escala Schwab e England, déficit cognitivo, bradicinesia axial, alterações na marcha e no balanço, idade mais avançada, sexo feminino e presença de alteração do pensamento.

CONCLUSÃO: A interação entre depressão e DP é complexa e bidirecional. A depressão é um fator de risco para DP, assim como DP é um fator de risco para depressão. É possível se traçar um perfil mais homogêneo do paciente deprimido com DP que evolui com transtorno cognitivo, mas não foi possível definir a depressão como um fator de risco para transtornos cognitivos na DP. Estudos que utilizem critérios diagnósticos definidos e com amostras representativas da população podem trazer esclarecimento sobre o assunto.

Descritores: Doença de Parkinson, depressão e cognição.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The objectives are twofold: 1- To review the impact of depression on cognition of patients with Parkinson's disease (DP) 2- To assess whether depression is a risk factor for PD and cognitive deficit in PD.

METHODOLOGY: The bibliographical review considered the 1967-2003 period (Medline), using the keywords Parkinson's disease, depression and cognition. Only clinical cross-sectional, prospective and case control studies were included.

RESULTS: Five articles showed a positive conclusion as to the impact of depression on cognition in PD, whereas four showed the opposite.

Depression is a risk factor for PD as PD is a risk factor for depression. On the other hand, it was impossible to draw a conclusion about depression as a risk factor for cognitive disorders in patients with PD.

Depression in patients with PD is associated with advancing disease severity, high Hoehn and Yahr, high Unified Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS), falls, low Mini-Mental State Examination (MMSE) and Schwab and England scores, impaired cognitive functions, axial bradykinesia, gait and balance impairment, advanced age, female gender and thought disorders.

CONCLUSION: The interaction between depression and PD is complex and bi-directional. Therefore, depression is a risk factor for PD as PD is a risk factor for depression. There is a homogeneous profile of depression patients with DP at risk to develop cognitive disorders. On the other hand, it is not possible to establish depression as a risk factor for cognitive disorders in PD. Further studies with representative samples and defined diagnosis criteria are needed to provide more information on this subject.

Keywords: Parkinson's disease, depression and cognition.

RESUMEN

OBJETIVOS: Este trabajo tiene dos objetivos: 1) Examinar el impacto de la depresión sobre la cognición en el Mal de Parkinson (MP). 2) Examinar el papel de la depresión como factor de riesgo tanto para el MP como para trastorno cognoscitivo en el MP.

METODOLOGÍA: Revisión de la literatura internacional (Medline), de artículos clínicos, seccionales, prospectivos y de caso control evaluando la función cognoscitiva de Parkinsonianos con y sin depresión, entre 1967 y 2003. Palabras clave: Mal de Parkinson, Depresión y Cognición.

RESULTADOS: Los trabajos sobre el impacto de la depresión en la cognición de parkinsonianos presentan afirmaciones divergentes. Cinco artículos concluyen que hay impacto e cuatro no confirman esos datos.

Puede afirmarse que la depresión es un factor de riesgos para MP así como el MP es un factor de riesgo para la depresión. No en tanto, ninguna definición fue posible en lo que se refiere a la depresión como factor de riesgo para trastornos cognoscitivos en parkinsonianos. Se observa que los datos sobre a prevalencia de la depresión y déficit cognoscitivo en el MP son inconclusivos con grande margen porcentual entre los autores.

La depresión en parkinsonianos está asociada con el avance de la gravedad del MP, estado avanzado de Hoehn y Yahr, puntuación alta en la Unified Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS) ocurrencia de caídas, baja puntuación en el Mini Examen del Estado Mental (MEEM) y en la escala de Schwab y England, déficit cognoscitivo, bradykinesia axial, alteraciones en el caminar y en el balance, edad más avanzada, sexo femenino y presencia de alteración del pensamiento.

CONCLUSIÓN: La interacción entre la depresión y MP es compleja y bi-direccional. La depresión es un factor de riesgo para MP así como MP es un factor de riesgo para la depresión. Es imposible trazar un perfil mas homogéneo del paciente deprimido con MP que desenvuelve trastorno cognoscitivo pero no fue posible definir la depresión como un factor de riesgo para trastornos cognoscitivos en el MP. Estudios que utilicen criterios diagnósticos definidos y con muestras representativas de la población puede traer un esclarecimiento sobre el asunto.

Palabras-claves: Mal de Parkinson, depresión y cognición.

INTRODUÇÃO

Demência e depressão são as duas grandes síndromes que podem agravar e trazer conseqüências problemáticas na evolução do processo da Doença de Parkinson (DP). Elas têm influência sobre a qualidade de vida do paciente, aumentam os custos diretos e indiretos do tratamento e sobrecarregam ainda mais o cuidador1-2.

A depressão ocorre em aproximadamente 40% dos pacientes com DP3-6 com uma incidência de 1,86% ao ano e um risco cumulativo de 8,6% ao longo da vida7. Porém, há variação na literatura entre 4-70%, incluindo pacientes com depressão maior, depressão menor e distimia2. Esta variação ocorre devido aos diferentes critérios diagnósticos2 e metodologia utilizadas. A prevalência de depressão na DP é freqüentemente bimodal, ocorrendo em estágios iniciais e finais. Após a fase inicial, os parkinsonianos atravessam uma fase de "lua de mel" com a doença. No entanto, o aumento do comprometimento motor contribui para a recorrência de depressão8.

A depressão antecede os sintomas motores em cerca de 25% dos parkinsonianos deprimidos5. Há uma associação positiva entre depressão e subseqüente risco de DP9. Apesar disso, neurologistas não reconhecem ou não diagnosticam depressão e ansiedade em mais de 50% das vezes em consultas de rotina9.

Por outro lado, estudos que avaliaram cognição em transtorno bipolar e unipolar do humor (depressão maior) observam que há disfunção executiva e de memória de trabalho, além de déficit de memória, tanto na fase clínica como no período assintomático10. Estes dados apontam para evidência de transtornos cognitivos que seriam fatores de vulnerabilidade para depressão, com impacto sobre a evolução da doença.

O tratamento precoce e eficaz da depressão tem impacto positivo sobre o desempenho cognitivo dos parkinsonianos11,3, o que chama a atenção para a necessidade eventual de reconhecimento da sintomatologia depressiva para a melhora destes pacientes. Além disso, o diagnóstico precoce de depressão pode dirimir dúvidas sobre a ocorrência de demência na evolução da DP, uma vez que este diagnóstico diferencial nem sempre é simples.

A busca por consenso para este assunto leva à indagação sobre qual conjunto de artigos e pesquisas podem nortear a prática clínica. Neste sentido, a revisão de artigos de estudos prospectivos, seccionais e de caso controle sobre depressão, cognição e DP pode ser útil para a compreensão do tema.

Objetivos: Esta revisão tem dois objetivos. 1. Examinar o impacto da depressão sobre a cognição na DP. 2. Examinar o papel da depressão como fator de risco tanto para DP como para transtorno cognitivo na DP.

Metodologia: Revisão na literatura internacional, Medline, de artigos avaliando a função cognitiva de parkinsonianos com e sem depressão no período de 1967 até 2003.

Foram incluídos na revisão somente artigos de pesquisas clínicas seccionais, prospectivas ou de caso controle. Os relatos de casos, os artigos de revisão, de neurocirurgia, neuroimagem e psicofarmacologia foram excluídos deste trabalho por não interessarem diretamente ao objetivo traçado. Os artigos que tratavam exclusivamente de depressão na DP ou de cognição na DP foram excluídos.

RESULTADOS

A tabela 1 mostra artigos sobre o impacto da depressão na cognição de parkinsonianos, e a tabela 2 apresenta artigos que associam ou não a depressão como fator de risco para DP e para transtorno cognitivo em parkinsonianos.

Impacto da depressão sobre a cognição na DP

Os estudos abordando o impacto da depressão sobre a cognição na DP (tabela 1) contaram com um total de 971 pacientes e 213 controles saudáveis.

Dois artigos11-12 observaram que parkinsonianos com depressão maior apresentam pior desempenho cognitivo em testagens neuropsicológicas, especialmente em funções frontais, quando comparados com parkinsonianos sem depressão. Mayeux13 encontrou resultado semelhante. No entanto, correlacionou este comprometimento cognitivo à gravidade da depressão (especialmente para cálculo, digit span e habilidades visuomotoras). Um outro trabalho14 afirma que a DP afeta todos os níveis de funcionamento cognitivo e atribui à depressão a causa de hipomnesia na DP. No entanto, Younjohn e cols15 concluiu que a depressão não é responsável por todas as alterações neuropsicológicas associadas com a DP.

Há associação positiva entre apatia e déficit cognitivo em parkinsonianos16. As dificuldades enfrentadas na clínica são compatíveis com os limites tênues entre as três síndromes supracitadas.

Alterações quantitativas, mas não qualitativas dos déficits cognitivos são descritas em pacientes com depressão e DP17. Dois artigos não encontraram qualquer impacto da depressão na cognição de parkinsonianos18-19, sendo que um deles19 ainda descreve melhor desempenho dos pacientes com depressão em testes frontais.

Depressão como fator de risco tanto para DP como para transtorno cognitivo na DP

Um artigo9 encontrou associação fortemente positiva entre depressão e subseqüente incidência de DP (tabela 2). Há evidências também de que a depressão na DP seja conseqüência de disfunção cerebral1. Parkinsonianos com o início da sintomatologia da DP pelo dimídio direito20e cujo hemisfério dominante está afetado primariamente apresentam depressão mais grave. Estes pacientes têm história familiar para depressão, o que serviria como um marcador biológico.

Parkinsonianos com depressão maior apresentam declínio cognitivo significativamente maior, deterioração em atividades de vida diária e maior avanço em estágios da escala de Hoehn e Yahr do que DP com depressão menor ou sem depressão21.

A depressão em parkinsonianos está associada com o avanço da gravidade da DP, com o estágio avançado de Hoehn e Yahr22 e alta pontuação na Unified Parkinson's Disease Rating Scale (UPDRS)23. Do ponto de vista da cognição e evolução da doença, pode-se dizer que a evolução é mais rápida, com ocorrência de quedas, baixa pontuação no Mini Exame do Estado Mental (MEEM)24 e na Escala Schawab e England25 e déficit cognitivo. Quanto aos aspectos motores da doença, há mais bradicinesia axial, alterações na marcha e no balanço; idade mais avançada, sexo feminino e presença de alteração do pensamento são outros fatores de risco para depressão na DP21,26-29,25,30.

DISCUSSÃO

A existência de diferenças entre a depressão da DP e transtornos do humor, o impacto da depressão na cognição de parkinsonianos, o substrato neuroanatômico da depressão na DP e os fatores de risco para depressão na DP ainda são assuntos controversos.

Impacto da depressão na cognição de parkinsonianos

Os trabalhos sobre o impacto da depressão na cognição de parkinsonianos apresentam afirmações divergentes: parkinsonianos com depressão maior apresentam déficits cognitivos especialmente em funções frontais11,31 e a depressão influencia na quantidade e não na qualidade dos déficits cognitivos de parkinsonianos17. Em relação aos testes neuropsicológicos, os parkinsonianos apresentam escores mais elevados em testes frontais, apesar de apresentarem diminuição significativa do desempenho cognitivo19, mas não parece haver relação entre sintomas neuropsiquiátricos e déficit cognitivo18. A depressão não é responsável por todas as alterações neuropsicológicas associadas com a DP15,11 e existe correlação entre gravidade da depressão e comprometimento cognitivo13.

Possíveis causas da alta incidência de depressão na DP

Uma das questões que permanece sem resposta é a causa da alta incidência de depressão na DP. Cogitam-se duas causas: psicológica (em conseqüência das questões relacionadas com um doença de conseqüências motoras limitantes e até mesmo incapacitantes) e/ou disfunção cerebral. Estudos que definem a depressão em parkinsonianos como conseqüência de disfunção cerebral1 são corroborados por trabalhos que evidenciam associação significativa entre depressão maior e DP rígido-acinético12 e envolvimento de mecanismos não dopaminérgicos na depressão de parkinsonianos DP32. A vulnerabilidade biológica da depressão em parkinsonianos é ainda confirmada por um estudo que encontrou associação fortemente positiva entre depressão e subseqüente incidência de DP9. Em cerca de 25% dos parkinsonianos deprimidos, a depressão antecede os sintomas motores da DP5. Cogita-se a "hipótese serotonérgica" como possível explicação para o aumento da incidência de DP em pacientes com transtornos depressivos anteriores. Essa hipótese considera a baixa atividade serotonérgica em cérebros de pacientes com DP como fator de risco para depressão2,33-34. A serotonina tem função inibitória da liberação de dopamina no striatum. Assim, a redução da atividade de serotonina pode ser um mecanismo compensatório para a redução da atividade de dopamina na DP. Por outro lado, a redução da atividade de serotonina aumenta o risco de depressão. Logo, os parkinsonianos teriam uma vulnerabilidade biológica para transtornos depressivos. Como a redução da serotonina já existe antes do início dos sintomas motores, o risco de depressão também aumenta antes de sintomas parkinsonianos serem aparentes. Existe a possibilidade do aumento da incidência de DP em pacientes com uma história prévia de depressão ser o reflexo da presença desse fator de risco biológico para depressão em estágios da DP pré-clínicos9. Logo, a interação entre depressão e DP é complexa e bidirecional. Pode-se afirmar que depressão é um fator de risco para DP, assim como DP é um fator de risco para depressão.

A depressão em parkinsonianos apresenta evidências que sugerem o papel de mecanismos não dopaminérgicos35 e há indícios de que a depressão idiopática difere da depressão em parkinsonianos. A ativação de neurônios que liberam corticotropina no núcleo paraventricular, recentemente observados na depressão idiopática, não ocorre na depressão em parkinsonianos36.

Depressão como fator de risco para transtornos cognitivos na DP

Ao se avaliar a depressão como fator de risco para transtornos cognitivos em parkinsonianos, observa-se que os dados sobre a prevalência de depressão e déficit cognitivo na DP são inconclusivos, com grande margem percentual entre os autores. As amostras estudadas não permitem qualquer afirmação sobre o assunto, uma vez que não se conhece a prevalência de déficits cognitivos em parkinsonianos com e sem depressão. Torna-se, assim, impossível calcular o tamanho amostral ideal para a realização das pesquisas selecionadas. Mais importante do que o tamanho amostral seria a discussão da validade de cada amostra. No entanto, os estudos geralmente utilizam amostras não-aleatórias e não discutem a validade dessas amostras.

A heterogeneidade da nomenclatura utilizada também afeta os resultados dos estudos. Alguns estudos utilizaram o diagnóstico de depressão maior, distimia e depressão menor de acordo com a DSM-III-R37,11-12,19. Observam-se ainda quatro artigos que aplicaram escalas para a realização do diagnóstico de depressão, sem a utilização de critérios clínicos estruturados como na DSM-IV38,13,17-18, nos quais o diagnóstico de depressão foi realizado através do Inventário de Beck (IDB). O IDB a escala Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) foram utilizados para investigar o humor de parkinsonianos e realizar o diagnóstico de depressão16.

Diagnóstico da síndrome depressiva na DP

O diagnóstico diferencial entre as síndromes depressiva, apato-abúlica e demencial na DP pode se constituir em difícil tarefa. Na DP sintomas como bradicinesia, fadiga, dificuldade de concentração, alterações do sono e diminuição da libido podem estar presentes, sem que o paciente esteja deprimido16. Eventualmente o parkinsoniano pode descontinuar atividades sociais em virtude de discinesias incapacitantes ou mesmo desconforto com sua aparência que pode mimetizar a de um paciente deprimido (bradicinesia e diminuição da expressão facial).

Neurologistas custam a reconhecer depressão na vigência de DP39 durante visitas de rotina. Os médicos falharam em identificar depressão, ansiedade e fadiga em mais da metade dos parkinsonianos40. A depressão aumenta o risco de declínio cognitivo ou demência na DP41. Assim, reconhecer depressão o mais precocemente possível e tratá-la pode ser importante para alteração do curso clínico da doença.

Algumas críticas devem ser levadas em consideração ao se avaliar os resultados gerados pela presente revisão. Somente um dos autores avaliou toda a base de dados (CDS), o que pode ter deixado de fora alguns artigos que eventualmente preenchessem critérios de inclusão para a revisão. Outro ponto passível de crítica é o fato desta revisão ter se limitado à base Medline, em Inglês. Como decorrência, dados positivos e negativos, com possível relevância clínica para o assunto, podem ter sido negligenciados devido a isto. A revisão realizada apresenta, possivelmente, um viés de publicação, pois raramente os artigos publicados evidenciam associações negativas ou resultados sem significância estatística. De todos os artigos selecionados, apenas três constituem uma exceção, dois sobre fisiopatologia da depressão na DP e um sobre o impacto da depressão sobre a cognição nos pacientes com DP32,19,35.

CONCLUSÃO

A revisão deste trabalho não permite concluir que a depressão tenha impacto sobre a cognição nos pacientes com DP. Cinco artigos concluem afirmando esta hipótese e quatro não a confirmam.

Pode-se afirmar que a interação entre depressão e DP é complexa e bidirecional, ou seja: depressão é um fator de risco para DP, assim como DP é um fator de risco para depressão. É possível se traçar um perfil mais homogêneo do paciente deprimido com DP que evolui com transtorno cognitivo.

Divergências e contradições marcam o conjunto de estudos sobre cognição, DP e depressão. Há limites tênues entre os déficits cognitivos relacionados à depressão e à própria DP. O entendimento do substrato neuroanatômico da depressão em parkinsonianos pode contribuir para o conhecimento de tais limites. Assim, não foi possível definir a depressão como um fator de risco para transtornos cognitivos na DP. Estudos que utilizem critérios diagnósticos definidos e com amostras representativas da população podem trazer esclarecimento sobre o assunto.

Recebido em 10/12/2003

Revisado em 16/12/2003

Aprovado em 15/04/2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2004

    Histórico

    • Aceito
      15 Abr 2004
    • Revisado
      16 Dez 2003
    • Recebido
      10 Dez 2003
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