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O impacto dos agentes antipsicóticos na densidade mineral óssea de pacientes esquizofrênicos

Resumos

Estudos têm evidenciado o alto risco de osteoporose em pacientes esquizofrênicos. Alguns estudos têm demonstrado que os neurolépticos típicos e a risperidona podem induzir a osteoporose ou reduzir a densidade mineral óssea. Isso pode ser atribuído ao fato de estas drogas, em uso prolongado, induzirem a hiperprolactinemia a níveis acima do normal, em ambos os sexos, e a baixa dos níveis de estrogênio e de testosterona, aumentando o risco para osteopenia/osteoporose. Neste relato, será apresentado um caso de osteopenia em uma paciente mulher de 53 anos, em uso de antipsicóticos há 30 anos, sendo comentados os procedimentos recomendados para detecção dessa ocorrência e as diretrizes existentes para seu manejo.

Relato de caso; esquizofrenia; densidade mineral óssea; antipsicóticos


Studies have shown a high risk of osteoporosis in schizophrenic patients. Some studies have demonstrated that typical neuroleptics and risperidone may induce osteoporosis or reduce bone mineral density. This can be due to the fact that prolonged use of those drugs induces hyperprolactinemia to levels above normal in both genders, and reduces the levels of estrogen and testosterone, thus increasing the risk of osteopenia/osteoporosis. We report on a case of osteopenia in a 53-year-old female patient using antipsychotics for 30 years. We comment on the recommended procedures to detect osteopenia and on the existing guidelines for its management.

Case report; schizophrenia; bone mineral density; antipsychotics


RELATO DE CASO

O impacto dos agentes antipsicóticos na densidade mineral óssea de pacientes esquizofrênicos

Lísia Rejane GuimarãesI; Carmen Lúcia Leitão-AzevedoI; Martha Guerra Belmonte de AbreuII; Clarissa Severino GamaIII; Maria Inês LobatoIII; Paulo Belmonte-de-AbreuIV

INutricionista. Especialista em Nutrição Clínica. Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS

IINutricionista. Especialista em Saúde Pública. Mestre em Medicina: Psiquiatria, UFRGS, Porto Alegre, RS

IIIMédica psiquiatra, Programa de Esquizofrenia, HCPA, Porto Alegre, RS. Doutora em Medicina: Clínica Médica, UFRGS, Porto Alegre, RS

IVMédico psiquiatra, Programa de Esquizofrenia, HCPA, Porto Alegre, RS. Doutor em Medicina: Clínica Médica, UFRGS, Porto Alegre, RS. Membro, Comitê de Peritos em Medicamentos Psicoativos, Coordenação da Política de Atenção Integral à Saúde Mental, Secretaria Estadual do Rio Grande do Sul

Correspondência Correspondência: Lísia Rejane Guimarães Trav. Antilhas, 56, Jardim Lindóia CEP 91050-110 - Porto Alegre, RS E-mail: zicaguimarães@ig.com.br

RESUMO

Estudos têm evidenciado o alto risco de osteoporose em pacientes esquizofrênicos. Alguns estudos têm demonstrado que os neurolépticos típicos e a risperidona podem induzir a osteoporose ou reduzir a densidade mineral óssea. Isso pode ser atribuído ao fato de estas drogas, em uso prolongado, induzirem a hiperprolactinemia a níveis acima do normal, em ambos os sexos, e a baixa dos níveis de estrogênio e de testosterona, aumentando o risco para osteopenia/osteoporose. Neste relato, será apresentado um caso de osteopenia em uma paciente mulher de 53 anos, em uso de antipsicóticos há 30 anos, sendo comentados os procedimentos recomendados para detecção dessa ocorrência e as diretrizes existentes para seu manejo.

Descritores: Relato de caso, esquizofrenia, densidade mineral óssea, antipsicóticos.

INTRODUÇÃO

O uso de antipsicóticos vem sendo apontado como fator para osteopenia/osteoporose ou diminuição da densidade mineral óssea (DMO) em pacientes esquizofrênicos, devido ao aumento dos níveis sangüíneos de prolactina causado pelos fármacos1-6. O tratamento com esses medicamentos resulta no bloqueio do receptor central da dopamina 2 (D2) e conseqüente hiperprolactinemia3. Níveis sangüíneos elevados de prolactina suprimem o sistema endócrino reprodutivo, devido à redução da síntese dos hormônios sexuais. A hiperprolactinemia está associada à supressão da secreção do hormônio de liberação das gonadotropinas (GnRH) e do hormônio luteinizante (LH) do hipotálamo, prejudicando a resposta pituitária do GnRH3. Altos níveis de prolactina têm efeitos inibitórios na liberação de impulsos hipotalâmicos do GnRH e levam à inibição de efeitos positivos de feedback dos níveis de estradiol sobre a secreção do LH. O mecanismo primário da perda óssea é o resultado do hipogonadismo que ocorre em um subconjunto em homens e mulheres com hiperprolactinemia7. Apesar de conhecidos os mecanismos e efeitos mais visíveis da hiperprolactinemia, como amenorréia secundária e diminuição da libido, pouca atenção está sendo dada a esses pacientes em relação à identificação do impacto dos antipsicóticos em outro parâmetro importante para saúde, que é a DMO dessa população3,8.

RELATO DE CASO

Mulher, 53 anos, caucasiana, índice de massa corporal 23,87 kg/m2 (eutrófica), não-fumante, com diagnóstico de esquizofrenia indiferenciada (Classificação Estatística Internacional de Doenças, Vol. 10, ou CID-10), iniciada aos 23 anos. Faz uso de antipsicóticos há 30 anos, incluindo haloperidol (dose média de 10 mg) e sulpirida (dose média de 1.200 mg), além de biperideno (dose média de 2 mg). Iniciou o uso de lítio no ano de 2001 (dose média de 600 mg), sendo mantidas as demais medicações. Há 18 meses, faz uso de clozapina 100 mg. Entrou na menopausa aos 47 anos. Conforme pesquisa de prontuário do hospital, em 12/09/97, foi registrada prolactina de 264 ng/dl e thyroid stimulating hormone (TSH) de 2,47 µUI/mL; em 27/08/99, follicle stimulating hormone (FSH) de 96,1 miliUI/mL, LH de 37,4 miliUI/mL e estradiol de 31,0 pg/mL. No ano de 2002, a paciente apresentou hipotiroidismo por uso de lítio e, após a suspensão, ficou eutireóidea. A solicitação da densitometria óssea ocorreu após verificação de hiperprolactinemia causada pelos antipsicóticos e conseqüente efeito deletério no osso por hipogonadismo. Os resultados demonstraram osteopenia da coluna e no fêmur proximal total, conforme critérios da Organização Mundial da Saúde (Tabela 1).

DISCUSSÃO

A literatura alerta para a necessidade de uma maior atenção aos pacientes psiquiátricos, já que antipsicóticos parecem induzir a hiperprolactinemia, aumentando o potencial para desenvolverem osteoporose1,3,4. Pesquisas têm demonstrado um aumento da prolactina em cerca de 60% dos pacientes que fazem uso de antipsicóticos típicos4,6, havendo a evidência do aumento dos níveis médios de prolactina de aproximadamente três vezes acima do limite normal em ambos os sexos. No entanto, outros estudos sugerem que neurolépticos atípicos podem ser mais seguros do que os típicos em termos de redução da DMO2 e parecem reduzir o efeito provocado pelo hormônio da prolactina6. Os antipsicóticos não são reconhecidos pela Organização Mundial da Saúde ou pelo Royal College of Physicians como fator de risco para osteoporose, e não há, ainda, estudos epidemiológicos para verificar a prevalência da diminuição da DMO em esquizofrênicos. Portanto, mais estudos são sugeridos3.

A osteoporose pode ser esperada em pacientes mulheres que desenvolveram amenorréia após hiperprolactinemia secundária aos antipsicóticos, embora não haja mecanismos plausíveis nos homens5. Em homens, sugere-se que a hiperprolactinemia resulte em hipogonadismo e perda óssea1. Vários outros fatores que não foram avaliados neste estudo induzem a diminuição da DMO: tabagismo, dieta inadequada, sedentarismo, gênero, raça, entre outros. Segundo as diretrizes para osteoporose preconizadas pelo Ministério da Saúde, são recomendados a investigação adequada da história clínica e exame físico com busca ativa do diagnóstico em pacientes considerados de risco, bem como o tratamento preventivo da osteoporose9. Portanto, alertamos os profissionais que trabalham com esses pacientes da necessidade de investigar, na prática clínica, presença de amenorréia, alterações sexuais, infertilidade e níveis aumentados de prolactina sangüínea, já que a osteoporose vem somar como uma co-morbidade crônica de grande impacto na saúde pública.

Recebido em 09.08.2005.

Aceito em 21.03.2006.

Este trabalho foi realizado no Programa de Esquizofrenia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS.

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  • Correspondência:

    Lísia Rejane Guimarães
    Trav. Antilhas, 56, Jardim Lindóia
    CEP 91050-110 - Porto Alegre, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006
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