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Affect dysregulation and disorders of the self

RESENHA

Affect dysregulation and disorders of the self

Maurício Marx e Silva

Psiquiatra. Membro aspirante, Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA), Porto Alegre, RS. Subeditor para Neurociências, Rev Psiquiatr RS

Correspondência Correspondência: Maurício Marx e Silva Rua Mostardeiro, 333/514 CEP 90430-001 - Porto Alegre, RS E-mail: maurimarx@terra.com.br

Allan N. Schore

The Norton Series on Interpersonal Neurobiology New York, WW Norton & Company, 2003

Allan Schore, PhD, é professor de psiquiatria e ciências biocomportamentais na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), lecionando também no Instituto de Psicanálise do sul da Califórnia. É editor especial do Infant Mental Health Journal e pertence ao corpo editorial do periódico Neuro-Psychoanalysis. Tem inúmeros artigos, capítulos e alguns livros publicados nos campos da psicanálise, neurociências, teoria do apego, saúde mental infantil, psicologia e psicopatologia do desenvolvimento e teoria da regulação do afeto.

Desde o início da década de 90, a "década do cérebro", especialmente a partir da publicação do seu livro Affect regulation and the origin of the self, em 1994, Schore vem pesquisando e publicando sobre a integração dos achados das neurociências básicas com a psicologia do desenvolvimento e a psicodinâmica, construindo, paulatinamente, uma teoria muito bem embasada do self e dos afetos como reguladores do self em sua interação com o ambiente, notadamente o ambiente intersubjetivo.

Com este livro, no qual o autor desenvolve a integração das evidências coletadas nos últimos anos dentro dos enquadres de uma neurociência desenvolvimental dos afetos (parte I) e de uma neuropsiquiatria desenvolvimental (parte II), sua teoria da regulação/desregulação dos afetos ganha um corpo integrado e definido. Juntamente com este, Schore também lançou um outro volume, uma espécie de livro-gêmeo, Affect regulation and the repair of the self, onde desenvolve a proposta de uma psicoterapia embasada na neurociência do desenvolvimento e de uma psicanálise embasada neurocientificamente (o que atende à proposta do grande neurocientista Eric Kandel, de que a psicanálise se reconheça como uma disciplina relacionada à neurociência e não apenas como uma hermenêutica)1.

Na parte I, Schore apresenta evidências que dão suporte à existência de um sistema regulador centrado no córtex órbito-frontal direito, cuja pré-estruturação inata depende da experiência tanto para se desenvolver quanto para o "como" irá se desenvolver (experience-dependent maturation). Esse sistema regulador coincide anatômica e funcionalmente em estudos de neuroimagem com o sistema de apego, com o registro mnêmico dos objetos cuidadores primordiais e dos padrões de adaptação a esses objetos. Ou seja, o aparato inato de sobrevivência prevê, por assim dizer, a participação externa, da mãe e/ou outros cuidadores, dentro desse sistema regulador do afeto, da mesma forma que, em certos animais, o aparelho digestivo da cria imatura "pressupõe" que parte do processo digestivo será realizado pelo cuidador (analogia do resenhista), contando com o sistema de apego como garantia de que isso irá ocorrer (e é uma questão, literalmente, de "vida ou morte"). Trata-se de um sistema de regulação homeostática dependente do exterior, do outro.

Fundamental dentro da proposta do autor é a noção de "períodos críticos" de plasticidade neural para o sistema de apego, ou seja, de que a mesma experiência acontecendo no início do desenvolvimento deixará marcas diferentes daquela que venha a ocorrer nas relações mais tardias. A bibliografia neurobiológica, sustentando as diferenças nas estruturas encefálicas envolvidas no sistema de apego humano em diferentes períodos do processo de maturação - como, por exemplo, o excesso sináptico ao final do primeiro ano de vida em certas regiões do córtex pré-frontal do bebê humano, à espera da "poda" sináptica que será dirigida pelas experiências na relação de apego -, é amplamente revisada. Essa bibliografia conflui no sentido de demonstrar em humanos o que já era bem conhecido e aceito em primatas não-humanos e outros mamíferos, qual seja, que a expressão das influências hereditárias sobre o comportamento, via de regra, requer e depende das transações com o ambiente durante os períodos críticos para o processo de maturação.

Na proposta do autor, desenvolvida na parte II, as experiências de sintonia ou dessintonia afetiva entre mãe e bebê, especialmente durante os três primeiros anos de vida, período crítico para o sistema de apego, serão cruciais na determinação da estruturação das vias neurais subcorticais, aquelas que posteriormente irão "dar o tom afetivo" do funcionamento cortical. A correção de estados tanto de hipoativação quanto de excitotoxicidade autonômicas - por exemplo, durante a emergência das situações de vergonha, entre os 14 e 16 meses de vida pós-natal - é função do cuidador. Experiências traumáticas, especialmente padrões de apego tipo D (desorientado/inseguro), poderão lesar o desenvolvimento de núcleos simpáticos no hipotálamo ventromedial e parassimpáticos no hipotálamo lateral, cruciais para uma posterior propensão à violência, tanto a de "sangue quente", reativa, impulsiva, típica borderline, de tônus autonômico simpático, quanto a de "sangue frio", não-reativa, de busca de correção de estados de hipoativação, sociopática, bradicárdica, de tônus parassimpático.

Schore enfatiza, em toda essa obra, a lateralização à direita dos sistemas encefálicos envolvidos, tanto a partir dos estudos de neuroimagem quanto por ser esse hemisfério o dominante nos primeiros anos de vida. Uma implicação importante desse fato é que os registros dos padrões intersubjetivos gravados durante o período crítico serão feitos em sistemas de memória implícita, não-episódica/declarativa, portanto não-evocáveis através de verbalização, mas sim verificáveis a partir da conduta, do proceder. A maturação do sistema de memória declarativa, episódica, dependente do hipocampo e do córtex temporal se dará só a partir do terceiro ano de vida. Essas evidências neurocientíficas são coerentes com a tendência observada, principalmente nas últimas duas décadas, dentro da técnica psicanalítica, no sentido da construção de significados a partir do que é coletado na relação com o analista e da busca da "matriz" intersubjetiva (por exemplo, em Thomas Ogden2), mais do que do resgate de memórias reprimidas.

Enfim, depreende-se do que foi rapidamente resumido acima que se trata de uma obra fundamental dentro do processo de "consiliência" (E. O. Wilson3) entre a neurociência dos afetos e dos vínculos e as abordagens mais subjetivas do psiquismo, especialmente a psicanálise. Está escrita de forma bastante técnica, tornando a sua leitura um tanto árida, num estilo completamente diferente de, por exemplo, um Antônio Damásio; mas a sua importância compensa o esforço.

REFERÊNCIAS

1. Kandel ER. Psychiatry, psychoanalysis and the new biology of mind. Washington/London: American Psychiatric Publishing; 2005.

2. Ogden T. Os sujeitos da psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1996.

3. Wilson EO. Consilience - the unity of knowledge. New York: Alfred Knopf; 1998.

  • Correspondência:

    Maurício Marx e Silva
    Rua Mostardeiro, 333/514
    CEP 90430-001 - Porto Alegre, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006
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