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Introdução ao tema: podemos conjeturar como será o futuro?

EDITORIAL A CONVITE

Introdução ao tema: podemos conjeturar como será o futuro?

Carmem Keidann, Flávio Shansis

Editores da Rev Psiquiatr RS

Muito tem se debatido se os rumos da psiquiatria atual estão sendo, de fato, os mais adequados. Isso diz respeito tanto aos sistemas classificatórios contemporâneos e à aplicação de resultados de pesquisa, quanto à capacidade de estarmos, de fato, proporcionando melhores condições de vida a nossos pacientes. E maior debate ainda proporciona, a nosso ver, tentar prever para onde levarão os rumos do pensamento psiquiátrico contemporâneo. Nesse sentido, resolvemos convidar quatro colegas a conjeturar como será o futuro: afinal, qual será a psiquiatria que nos espera nos próximos 50 anos?

Ao Professor German Berrios, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, reconhecido pensador da história da psiquiatria, perguntamos se "em psiquiatria, o conhecimento histórico pode ter capacidade preditiva". O Dr. Berrios inicia seu texto discutindo a complexidade da questão provocadora, sugerindo que a resposta depende das definições do que entendemos por psiquiatria, história e capacidade preditiva. Chama atenção de que a evolução da psiquiatria pode ser determinada mais por fatores econômicos, sociais e políticos do que por justificativas científicas. Faz um alerta de que mesmo sua atual relação com a medicina poderia deixar de existir, se fossem descobertas outras maneiras mais "mercadológicas" de tratar a doença mental.

O Dr. Andrew Nieremberg, da Universidade de Harvard, de Boston, Estados Unidos, é um iminente pesquisador clínico na área de transtornos de humor. Ele questiona o valor de muitos ensaios clínicos atualmente realizados, onde são ocultados resultados negativos e/ou riscos de seus produtos em função de uma meta desenfreada de lucros. Alerta para o problema da generalização dos resultados desses estudos, pois há uma importante diferença entre pacientes que participam de pesquisas e os que procuram tratamento clínico. Comenta sobre o fato de a quase totalidade de fontes de financiamento de pesquisas ter origem em empresas farmacêuticas particulares e, portanto, se fazerm necessárias outras fontes de financiamento de pesquisas de diferentes origens (governamentais, ONGs, fundações). Reconhece, finalmente, a importância das pesquisas sobre efetividade dos tratamentos para promover a saúde pública e a necessidade, portanto, de serem diminuídos vieses que comprometam seus resultados.

O colega, Cláudio Eizirik, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, e atual presidente da International Psychoanalitic Association (IPA), refletiu sobre a contribuição que o pensamento psicanalítico poderá exercer na psiquiatria em 50 anos. O Professor Eizirik acredita que a psicanálise seguirá possibilitando a compreensão das emoções que fazem parte da vida humana, tanto em nível do atendimento do paciente, quanto das intrincadas relações nas instituições, através de seus conceitos como transferência e contratransferência, campo analítico, intersubjetividade, mente em expansão. Ressalta o crescimento da psicoterapia de orientação analítica com benefícios que se estendem à rede pública e a serviços universitários. Segundo Eizirik, a psicanálise estará presente na formação de novos psiquiatras, instrumentando–os a compreender e tratar os transtornos psiquiátricos multideterminados. Mantém firme a expectativa de uma integração efetiva entre a psicanálise e psiquiatria no futuro.

Ao Dr. Gabbard, da Baylor College of Medicine de Houston, Estados Unidos, perguntamos se será possível integrar a psicanálise e pesquisa clínica no futuro. Ele sintetiza sua posição afirmando que a integração entre a psicanálise e a pesquisa em neurociência clínica não só é possível, como também fundamental. Alerta para o risco de sedução pelos avanços do conhecimento tecnológico. Segundo Gabbard, a psiquiatra contemporânea necessita de duas linguagens – uma mais adequada para a biologia e outra derivada da psicologia. Esse psiquiatra, já denominado há alguns anos por Gabbard como "bilíngüe", manteria um modelo integrador entre mente e cérebro. Finalmente, sugere que a psiquiatria seguirá um bom rumo se, daqui a 50 anos, pudermos abarcar melhor a enorme amplitude do homem, fugindo de uma explicação puramente psicanalítica ou puramente biológica dos eventos humanos.

Prever o futuro sempre carrega um enorme potencial de vieses. Imaginar como a psiquiatria será daqui a 50 anos é um exercício puramente intelectual. Os Profs. Berrios, Nieremberg, Eizirik e Gabbard aceitaram nosso desafio e sugeriram caminhos e possibilidades para a manutenção ou mudanças que se fazem necessárias em nossa especialidade. Nas páginas seguintes, o leitor terá o prazer de desfrutar das reflexões tão bem articuladas pelos nossos convidados. É um privilégio contarmos com estas participações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Set 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 2007
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