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RESENHA

Primates and philosophers: how morality evolved

Francisco M. Salzano

Professor emérito, Departamento de Genética, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência Francisco M. Salzano Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Biociências, Departamento de Genética Av. Bento Gonçalves, 9500, Bloco 43–323, Sala 125 CEP 91501–970, Porto Alegre, RS E–mail: mariacantarelli@terra.com.br

Frans de Waal

Princeton, Princeton University Press, 2006


A publicação, em 1859, da obra seminal de Charles Darwin (1809–1882) "A Origem das Espécies", afetou de forma drástica nossa visão de mundo. Com ela, completava–se a demolição do mito de que seríamos o centro do universo, iniciada três séculos atrás com a demonstração de que o sol, e não a Terra, era o centro de nosso sistema solar. A elucidação dos fundamentos do processo evolucionário, que culminou recentemente com a chamada "revolução molecular", deixou claro que a nossa irmandade com os outros seres vivos não é mais uma alegoria, mas uma fria constatação científica. Com isso, ficava abalada uma tradição judaico–cristã de milênios, de que o mundo fora criado para nos servir e que éramos completamente distintos dos animais, seres sem alma.

Essas considerações foram determinadas pela leitura da excelente obra de Frans de Waal. O livro compõe–se de uma Introdução (11 páginas) feita pelos editores da Série do Centro Universitário para Valores Humanos da Universidade de Princeton, Stephen Macedo e Josiah Ober, seguida por três grandes subdivisões. Na Parte I, o autor, membro do Departamento de Psicologia da Universidade de Emory, em Atlanta, EUA, apresenta um resumo de seus estudos de várias décadas sobre o comportamento de primatas, especialmente do chimpanzé (gênero Pan) e do macaco sul–americano Cebus. O eixo mestre deste primeiro ensaio é um ataque decidido ao que ele denominou "Teoria do Verniz", segundo a qual os seres humanos seriam basicamente maus, e a moralidade humana apenas uma fina camada de verniz desenvolvida pela cultura sobre um conteúdo anti–social, amoral e egoísta. Ao contrário, argumenta ele, uma visão evolucionária da ética permite vislumbrar suas raízes em nossos parentes biológicos mais próximos, como os chimpanzés, nos quais se observa empatia (a condição de poder se colocar na posição de outro ser), simpatia (resposta afetiva ao sofrimento dos outros), comportamento de consolo, gratidão, imparcialidade e preocupação com a comunidade. Em três apêndices, ele considera: a) antropomorfismo e antropo–negação (o perigo de transferir a outros características humanas, ou a fobia para evitar isto); b) sobre se os grandes macacos têm uma teoria da mente; e c) direitos dos animais. No total, são 78 páginas.

Seguem–se comentários por: a) Roberto Wright, membro da mídia que havia publicado, em 1994, um livro muito divulgado sobre "O Animal Moral". Ele aborda o tema "Dos usos do antropomorfismo" (15 páginas); b) Christine M. Korsgaard, Professora de Filosofia na Universidade de Harvard em Cambridge, EUA, que analisa "A Moralidade e a Distinção da Ação Humana" (22 páginas); c) Philip Kitcher, Professor de Filosofia da Universidade da Columbia, em Nova York, EUA, que examina "Ética e Evolução. Como Chegar Aqui a Partir de Lá" (20 páginas); e d) Peter Singer, Professor de Bioética da Universidade de Monash, Melbourne, Austrália, que considera "Moralidade, Razão e os Direitos dos Animais" (19 páginas).

A resposta aos comentários foi feita por Frans de Waal em 21 páginas, nas quais ele aprofunda suas reflexões sobre as características da Moral, distinguindo três níveis: sentimentos morais, pressão social e julgamento e raciocínio. Apresenta, também, uma taxonomia do comportamento altruístico com quatro categorias: altruísmo funcional, auxílio socialmente motivado, auxílio intencional dirigido e auxílio "egoísta". Segundo ele, a quarta categoria seria exclusiva dos seres humanos.

São discutidos, ao longo livro, temas dos mais fascinantes. Por exemplo, de Waal adota a definição de moralidade de A. Macintyre, segundo o qual esta seria um fenômeno grupo–orientado, nascido do fato de que dependemos de um sistema de suporte social para a sobrevivência. Ainda segundo ele, o domínio da ação moral pode ser resumido em Ajudar ou (não) Ferir. A ênfase no social e na distribuição da riqueza é também dada por Korsgaard, que argumenta que "se você tivesse toda a riqueza do mundo você não seria rico". De Waal salienta, por outro lado, que um sistema moral não pode dar consideração igual a toda a vida existente no planeta, e cita a frase de Pierre–Joseph Proudhon, "Se todo mundo é meu irmão, eu não tenho irmãos". Ele é bastante crítico quanto à "Declaração sobre os Grandes Macacos", elaborada em 1993 por Singer e uma série de pesquisadores eminentes, que seria o equivalente à Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pelas Nações Unidas em 1948. Um dos aspectos mais curiosos relacionado a este assunto foi a decisão dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, de patrocinar um sistema de aposentadoria para os chimpanzés após sua utilização na pesquisa biomédica. A medida deve deixar de cabelo em pé nossos governantes e os dirigentes do INSS, já apavorados com o déficit da previdência, as aposentadorias precoces e o envelhecimento acelerado da população humana brasileira!

Biologicamente, o que nos distingue de um chimpanzé? É fato conhecido que, a nível nucleotídico (as unidades do DNA), a diferença é de apenas 1,2%, que a separação entre as duas espécies deve ter ocorrido entre cinco a sete milhões de anos atrás e que, mesmo após uma separação inicial, deve ter havido fluxo gênico entre as duas linhagens divergentes. Curiosamente, os genes cérebro–específicos não evoluíram de maneira notável neste processo de diferenciação.

Outros aspectos evolutivos merecem consideração, por exemplo: se o fator fundamental na evolução foi a seleção natural, com sua ênfase na competição, como explicar a evolução da cooperação? Este problema tem sido considerado por muitos pesquisadores, tendo sido efetuada, por Martin A. Nowak (Science; 2006:314:1560–3), uma análise matemática recente.

O que pode ser dito como conclusão? Que fazemos parte da natureza. A biologia tornou a cultura e as regras morais possíveis, mas não pode ditá–las. A ética e a moral são uma responsabilidade essencialmente humana.

  • Correspondência
    Francisco M. Salzano
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Biociências, Departamento de Genética
    Av. Bento Gonçalves, 9500, Bloco 43–323, Sala 125
    CEP 91501–970, Porto Alegre, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007
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