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Avaliação da qualidade de vida geral de agentes comunitários de saúde: a contribuição relativa das variáveis sociodemográficas e dos domínios da qualidade de vida

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a contribuição relativa de cada domínio da qualidade de vida (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) e das variáveis sociodemográficas para a qualidade de vida geral de agentes comunitários de saúde de um município do interior do Paraná, Brasil. MÉTODO: Estudo descritivo, de corte transversal e com abordagem quantitativa. O grupo de estudo foi composto por 169 agentes (86,2% do total), que responderam o World Health Organization Quality of Life Instrument Bref, instrumento genérico para avaliar qualidade de vida, proposto pela Organização Mundial da Saúde. Foram utilizados testes de correlação e regressão linear multivariada. O nível de significância adotado para as análises foi de 5%. RESULTADOS: Das variáveis sociodemográficas analisadas, nenhuma contribuiu de modo significativo para o domínio geral da qualidade de vida. Para os quatro domínios, o que mais contribuiu para a qualidade de vida geral foi o físico, seguido do psicológico e do meio ambiente, os três explicando 47,9% da variância. O domínio das relações sociais não contribuiu significativamente para a qualidade de vida geral. CONCLUSÃO: Observou-se que a variância da qualidade de vida geral não foi completamente explicada pelas variáveis sociodemográficas e pelos domínios da qualidade de vida. Assim, maior atenção deve ser dada pelos pesquisadores aos diferentes modos de entender qualidade de vida, em especial valorizando métodos de pesquisa e avaliação interdisciplinar.

Agente comunitário de saúde; qualidade de vida; Organização Mundial da Saúde


OBJECTIVE: This study aimed at evaluating the relative contribution of each life quality domain (physical, psychological, social relationships and environment) and of sociodemographic variables to overall quality of life of community health agents from a municipality located in the State of Paraná, Brazil. METHODS: A descriptive and cross-sectional study was carried out using a quantitative approach. The sample was composed of 169 agents (86.2% of the total). The World Health Organization Quality of Life Instrument Bref was used as a generic instrument to evaluate quality of life. Correlation tests and multivariate linear regression were used, considering a significance level of 5%. RESULTS: None of the sociodemographic variables significantly interfered with overall quality of life. Among the four domains, the physical domain contributed the most to overall quality of life, followed by the psychological and environment domains, all of them accounting for 47.9% of variance. The domain of social relationships did not show significant contribution to overall quality of life. CONCLUSION: It was observed that variance of overall quality of life was not completely explained by sociodemographic variables neither by quality of life domains. Thus, more attention should be given by researchers to different forms of understanding quality of life, especially research methods and interdisciplinary evaluation.

Community health agent; quality of life; World Health Organization


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação da qualidade de vida geral de agentes comunitários de saúde: a contribuição relativa das variáveis sociodemográficas e dos domínios da qualidade de vida

Ana Cláudia G. C. KluthcovskyI; Angela Maria Magosso TakayanaguiII; Claudia Benedita dos SantosIII; Fábio Aragão KluthcovskyIV

IMédica. Mestre em Enfermagem em Saúde Pública. Professora, Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR

IIEnfermeira. Livre-docente, Doutora em Enfermagem. Professora associada, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP

IIIDoutora em Estatística. Professora, Departamento Materno-Infantil e de Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, USP

IVMédico. Mestre em Enfermagem em Saúde Pública. Professor, Departamento de Enfermagem, Universidade Estadual do Centro-Oeste e Faculdade Guairacá

Correspondência Correspondência Ana Cláudia G. C. Kluthcovsky Rua Simeão Varela de Sá, 3 - Bairro dos Estados CEP 85040-080 - Guarapuava-PR Tel.: (42) 3629.8134 E-mail: anafabio@brturbo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a contribuição relativa de cada domínio da qualidade de vida (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) e das variáveis sociodemográficas para a qualidade de vida geral de agentes comunitários de saúde de um município do interior do Paraná, Brasil.

MÉTODO: Estudo descritivo, de corte transversal e com abordagem quantitativa. O grupo de estudo foi composto por 169 agentes (86,2% do total), que responderam o World Health Organization Quality of Life Instrument Bref, instrumento genérico para avaliar qualidade de vida, proposto pela Organização Mundial da Saúde. Foram utilizados testes de correlação e regressão linear multivariada. O nível de significância adotado para as análises foi de 5%.

RESULTADOS: Das variáveis sociodemográficas analisadas, nenhuma contribuiu de modo significativo para o domínio geral da qualidade de vida. Para os quatro domínios, o que mais contribuiu para a qualidade de vida geral foi o físico, seguido do psicológico e do meio ambiente, os três explicando 47,9% da variância. O domínio das relações sociais não contribuiu significativamente para a qualidade de vida geral.

CONCLUSÃO: Observou-se que a variância da qualidade de vida geral não foi completamente explicada pelas variáveis sociodemográficas e pelos domínios da qualidade de vida. Assim, maior atenção deve ser dada pelos pesquisadores aos diferentes modos de entender qualidade de vida, em especial valorizando métodos de pesquisa e avaliação interdisciplinar.

Descritores: Agente comunitário de saúde, qualidade de vida, Organização Mundial da Saúde.

Introdução

A expansão e a qualificação da atenção básica, estruturada através da estratégia do Programa Saúde da Família (PSF), é uma política prioritária para o Ministério da Saúde consolidar o Sistema Único de Saúde. O objetivo principal é a superação do modelo centrado na doença. A utilização do trabalho em equipe é o elemento-chave para a busca permanente de comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os integrantes das equipes e destes com a população de territórios delimitados. Os profissionais de saúde e agentes comunitários de saúde (ACS) assumem responsabilidade pelos respectivos territórios, em uma clara estratégia de formação de vínculo1.

Os ACS representam o elo entre a equipe profissional e a comunidade2. Trabalham com adscrição de famílias, podendo estar ligados a uma unidade básica de saúde pelo Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) ou pelo PSF, como membros da equipe multiprofissional1. Devem desenvolver atividades de prevenção de doenças e promoção de saúde, por meio de ações educativas individuais e coletivas junto às famílias pelas quais são responsáveis2.

Iniciado em 1994, o PSF apresentou um crescimento expressivo nos últimos anos, representando uma importante demanda de trabalhadores em saúde no mercado de trabalho. Dados de março de 2007 indicavam 219.379 ACS em atividade no país, presentes em comunidades rurais e urbanas. Esse número torna-se ainda mais significativo se for considerado que, à mesma época, 109.588.882 de brasileiros (59% da população total estimada) era assistida por ACS, e 5.299 municípios brasileiros (95,2% do total) contavam com ACS3.

Resultados do trabalho desse maior número de equipes e profissionais de saúde podem ser observados em estudos sobre o PSF4,5 e sobre o trabalho dos ACS6-9, que revelam melhores resultados em indicadores de saúde materno-infantil, do adulto e satisfação do usuário.

Levando em consideração a importância dos ACS como força de trabalho em saúde e a dimensão do respectivo impacto nos indicadores de saúde, é importante entender a dinâmica de trabalho desses profissionais. O papel de "tradutor" do universo científico ao popular, a entrada no contexto e na problemática familiar das pessoas, a freqüente resistência da população à proposta de mudança de hábitos, conflitos e dificuldades de relacionamento com membros da comunidade e dentro da própria equipe de saúde6,8 são alguns exemplos de tensões a que os ACS estão cotidianamente submetidos. Também necessitam atenção para discernir quais informações da comunidade, família e indivíduos atendidos devem ser trazidas ao restante da equipe, de modo a gerar benefícios à comunidade, sendo exigida capacidade de enfrentar o dinamismo dos problemas da realidade sanitária10.

O Ministério da Saúde enfatiza a necessidade de qualificação da força de trabalho através da educação permanente, como forma de contribuir para a efetivação da Política Nacional de Saúde1. Além de fatores relacionados à sua formação, destaca-se a importância de se conhecer outros aspectos da vida dos ACS, levando em consideração a pessoa do agente, seus dilemas, dificuldades e realizações, fatores estes influenciados ou não pela natureza peculiar do seu trabalho.

Esse aspecto mais subjetivo do profissional não é levado em consideração de forma sistemática. O aumento do número de estudos sobre ACS, especialmente após 2000, revela uma preocupação dos pesquisadores em caracterizar os agentes e suas respectivas funções, avaliar o processo e resultados do trabalho, entre outros temas. Porém, nenhum estudo foi encontrado na literatura sobre avaliação da satisfação ou qualidade de vida do ACS11.

Assim, destaca-se a relevância de se investigar a qualidade de vida do ACS, pois essas informações podem dar sustentação para a implementação de novas estratégias para a melhoria das condições de vida e trabalho dos ACS e subsidiar políticas públicas de saúde, o que pode gerar um impacto positivo na saúde, tanto dos ACS quanto da população por eles assistida.

Qualidade de vida e padrão de vida foram os objetos de estudo, inicialmente, de cientistas sociais, filósofos e políticos12, e enfatizavam os aspectos materiais. O conceito foi ampliado, paulatinamente, englobando o desenvolvimento socioeconômico e humano (aspecto objetivo) e a percepção individual (aspecto subjetivo) das pessoas a respeito de suas vidas, valorizando, assim, a opinião do indivíduo13.

Muitos termos são utilizados na literatura como sinônimos de qualidade de vida, como bem-estar, felicidade, condições de vida e, mais comumente, satisfação com a vida14.

Qualidade de vida é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como: "a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". Essa definição deixa implícita a idéia de que o conceito de qualidade de vida é subjetivo, multidimensional e inclui elementos de avaliação tanto positivos como negativos12,15.

Pode-se avaliar a qualidade de vida geral (QVG) utilizando-se medidas genéricas, sem especificar patologias, ou medidas específicas, que apontam, em geral, para situações relacionadas à qualidade de vida dos indivíduos e à experiência de doenças, agravos ou intervenções médicas, referindo-se a doenças crônicas ou a conseqüências crônicas de doenças ou agravos agudos16.

Também há uma distinção entre a qualidade de vida global, as dimensões ou domínios da qualidade de vida e os componentes de cada dimensão17,19. Em modelo proposto por Spilker, a qualidade de vida pode ser vista em três níveis, sendo a percepção geral da qualidade de vida o primeiro nível, cada domínio da qualidade de vida o segundo nível e os componentes específicos de cada domínio o terceiro nível do modelo19.

Em função do consenso na literatura a respeito da relação entre o primeiro nível (QVG) e o segundo nível (diferentes domínios) do modelo de qualidade de vida de Spilker20,21, este estudo teve como objetivo avaliar a existência e a extensão da contribuição das variáveis sociodemográficas e dos domínios da qualidade de vida, incluindo o físico, o psicológico, as relações sociais e o meio ambiente, na QVG dos ACS.

Método

Trata-se de um estudo descritivo, transversal, de abordagem quantitativa, do qual participaram ACS de um município localizado no interior do estado do Paraná, na Região Sul do Brasil, com economia baseada na indústria, agropecuária e serviços e uma população de aproximadamente 160.000 habitantes, grande parte residente na área urbana22.

O município encontrava-se em Gestão Plena de Atenção Básica Ampliada e, até o mês de dezembro de 2004, contava com 33 equipes de PSF e um total de 196 ACS, dos quais 193 faziam parte do PSF, e três, do PACS. Com uma jornada de trabalho diária de 8 horas, a renda mensal média dos ACS era de R$ 367,78, o que correspondia a 1,4 salários mínimos vigentes na época.

A coleta dos dados

O estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.

Foi realizado um estudo-piloto com 11 ACS, todos do mesmo município onde foi realizada a presente pesquisa. Esses ACS foram esclarecidos sobre a pesquisa, sendo que a mesma orientação foi dada aos sujeitos da investigação, quando da coleta definitiva dos dados. No estudo-piloto, não houve dificuldade para o entendimento das questões do questionário, e os dados coletados foram incluídos na pesquisa.

Não participaram do estudo 20 agentes comunitários que estavam afastados por licença ou em período de férias e sete agentes comunitários que se recusaram a participar.

Assim, do total de 196 ACS, o grupo de estudo ficou composto por 169 ACS, ou seja, 86,2% do total de agentes do município.

Antes de iniciar a coleta dos dados, todos os participantes do estudo, inclusive os do estudo-piloto, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido23. Foram considerados tanto os ACS inseridos em uma equipe do PSF como os do PACS. A coleta de dados foi realizada em encontros previamente agendados por um grupo de auxiliares de pesquisa, previamente treinados, de 5 a 12 de novembro de 2004.

Instrumento para coleta dos dados

O instrumento para coleta de dados utilizado foi o questionário genérico sobre qualidade de vida da OMS, o World Health Organization Quality of Life Instrument Bref (WHOQOL-bref)24. O questionário foi respondido pelos ACS individualmente, em um único encontro, de forma auto-administrada, utilizando-se como referência para as respostas as últimas 2 semanas.

O WHOQOL-bref é a versão abreviada do WHOQOL-100, ambos desenvolvidos em estudos multicêntricos pelo Grupo de Qualidade de Vida da Divisão de Saúde Mental da OMS. No Brasil, a versão em português do WHOQOL-bref foi desenvolvida no Centro WHOQOL para o Brasil, sendo realizada segundo metodologia preconizada para a versão desse documento24.

A primeira parte do questionário é a ficha de informações sobre o respondente, que caracteriza os sujeitos. A segunda é o questionário, composto de 26 questões. As duas primeiras são chamadas overall ou QVG e, quando calculadas em conjunto, geram um escore independente dos domínios. A primeira (Q1) refere-se à qualidade de vida de modo geral, e a segunda (Q2), à satisfação com a própria saúde. As outras 24 questões estão distribuídas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente24,25. As respostas das questões do WHOQOL-bref apresentam escalas do tipo Likert, com cinco níveis cada uma e pontuação que pode variar de 1 a 5.

Tanto a QVG quanto os domínios são medidos em direção positiva, assim, escores mais altos indicam melhor avaliação da qualidade de vida. Os escores obtidos podem transformar-se em dois tipos de escalas, uma de 4 a 20 e outra de 0 a 10026.

A escolha desse questionário como instrumento de coleta de dados para este estudo deveu-se ao fato de o WHOQOL-bref ter sido aplicado na versão em português, mostrando características psicométricas satisfatórias24, além de ser abrangente e de rápida aplicação. Além disso, há escassez de instrumentos genéricos validados para avaliação da qualidade de vida, especialmente no campo da saúde do trabalhador.

Análise estatística

Para a análise estatística das variáveis sociodemográficas em relação à QVG e aos domínios, foram utilizados o coeficiente de correlação de Pearson, o teste t de Student e a análise de variância. O coeficiente de correlação de Pearson foi calculado entre os quatro domínios (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) e a QVG.

Análises de regressão linear múltipla foram construídas para se verificar a contribuição das variáveis sociodemográficas nos domínios da qualidade de vida e da QVG e para a contribuição dos domínios para a QVG. O nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados

Do total dos 169 (100%) ACS estudados, 18 (10,6%) eram do sexo masculino, e 151 (89,3%), do sexo feminino. A idade média dos ACS foi de 31,1 anos, com desvio padrão de 8,8, idade mínima de 19,1 anos e idade máxima de 60,1 anos. Quanto ao nível educacional, 61,5% apresentou o ensino médio completo, seguido de 18,3% com o ensino médio incompleto. No que se refere ao estado civil, verificou-se que a maior parte dos ACS era constituída por casados (42,6%), seguidos pelos solteiros (35,5%) e por aqueles vivendo como casados (13%) (Tabela 1).

As análises estatísticas demonstraram que as variáveis sociodemográficas (idade, sexo, nível educacional e estado civil) não apresentaram diferenças estatisticamente significativas em relação à QVG. Em relação aos domínios, observou-se apenas diferença significativa entre sexos (p = 0,022) para o domínio físico, com sexo feminino apresentando valor médio de avaliação (75,0±13,0) superior ao sexo masculino (67,5±13,1).

Quanto à autopercepção da saúde pelos ACS, observou-se que 60,9% avaliaram como "boa", seguidos de 19,5% que avaliaram como "muito boa". Contudo, 15,4% avaliaram de maneira intermediária, e 3,6%, de maneira desfavorável (fraca ou muito ruim). Apesar desses resultados, 74 (43,8%) ACS relataram ter algum problema de saúde no momento da coleta de dados. Dentre esses 74 ACS, o problema de saúde mais relatado foi "pressão alta" (21%), seguido de "problema crônico de pé" (8%) e "depressão" (6%).

Observa-se, pela Tabela 2, que, entre os domínios, o das relações sociais apresentou o maior escore médio, seguido pelos domínios físico e psicológico. O domínio que apresentou o menor escore médio foi o do meio ambiente.

Para as análises dos quatro domínios e da QVG, foi realizada a correlação de Pearson. Pela Tabela 3, observa-se que todos os quatro domínios se correlacionaram positiva e significativamente com a QVG, e todas as correlações apresentaram-se de moderada magnitude.

A fim de se verificar a contribuição e o quanto cada domínio da qualidade de vida explicou a QVG (variável dependente), foi realizada a análise de regressão linear múltipla. Como as variáveis sociodemográficas não se mostraram significativas para a QVG, como visto anteriormente, elas não foram incluídas nesse modelo.

Entre os quatro domínios, o domínio que mais explicou a QVG foi o físico, com contribuição de 35%, seguido do psicológico (9,1%) e do meio ambiente (3,8%). O domínio das relações sociais teve contribuição de 0,8%, porém esta não foi significativa. Os domínios juntos (físico, psicológico, meio ambiente e relações sociais) explicaram 48,7% da QVG. Já os domínios com contribuição significativa somaram 47,9%.

Discussão

Vários estudos consideram a influência de variáveis sociodemográficas na avaliação da qualidade de vida, como idade e sexo27, além do nível de escolaridade e situação conjugal19,20,28.

Os ACS deste estudo apresentaram-se predominantemente constituídos por mulheres e adultos jovens, com idade média de 31,1 anos, e a maior parte dos agentes era constituída por casados.

Outros estudos com ACS demonstraram a predominância de mulheres na profissão29,30. Parece haver certa resistência por parte da comunidade ao agente comunitário masculino, em especial pelo constrangimento experimentado pelas famílias em revelar certas particularidades do universo feminino a um agente homem e também pela dificuldade de acesso deste às moradias30.

A faixa etária de adultos jovens também foi mais freqüente em estudo sobre ACS29. Acredita-se que os agentes com mais idade tendem a conhecer melhor a comunidade, possuir mais vínculos e amizades, porém podem ter algumas inimizades ou conflitos com outros moradores e, por terem seus próprios conceitos sobre o processo saúde/doença, podem ser mais resistentes a novos conceitos relacionados à promoção da saúde. Ao contrário, os agentes mais jovens não conhecem tão bem a comunidade, podendo ter envolvimento menor; entretanto, poderão não ter inimizades e estar mais abertos às mudanças e às novidades29. Além disso, o fato de serem contratados por concurso público pode favorecer a entrada de jovens mais habituados às avaliações por provas da rotina escolar.

A maioria (61,5%) apresentou escolaridade de ensino médio completo, seguido de 18,3% com o ensino médio incompleto, médias superiores quando comparadas ao nível educacional dos ACS da Região Sul do país e do Brasil. O nível educacional mais baixo, ensino fundamental incompleto, foi relatado por 4,1%, sendo que 8,9% dos ACS estavam cursando o ensino superior, percentual superior à média da Região Sul do país e do Brasil31. A maior escolaridade também pode ser uma característica introduzida pelo modo de contratação no contexto estudado.

Sendo um estudo transversal, e mesmo não havendo escores da população em geral ou de outros grupos de ACS para comparações, observou-se que as avaliações realizadas pelos ACS deste estudo indicaram avaliações médias boas no que se refere aos escores médios de QVG e para os domínios, quando comparados aos respectivos valores mínimos e máximos.

Nas análises estatísticas das variáveis sociodemográficas idade, sexo, nível educacional e estado civil, em relação à QVG e domínios, observou-se que somente a variável sexo mostrou diferença significativa para o domínio físico, com sexo feminino apresentando valor médio de avaliação (75,0±13,0) superior ao sexo masculino (67,5±13,1).

Segundo estudo realizado por Pinheiro et al.32, as mulheres utilizam mais regularmente um mesmo serviço de saúde, além de apresentarem outros indicadores de acesso favoráveis em relação aos homens, como o número de consultas médicas, consumo de serviços odontológicos e maior busca por serviços de saúde para realização de exames de rotina e prevenção.

Também é provável que as mulheres ACS, pelo trabalho em saúde, tenham acesso facilitado aos serviços e informações em saúde, evitando o surgimento ou agravamento de doenças.

Sobre a auto-percepção do estado de saúde, deve ser observado que a maioria (80,4%) dos ACS considerou seu estado de saúde bom ou muito bom; contudo, 43,8% do total de ACS relataram ter algum problema de saúde. Essa aparente discrepância entre o significativo número de ACS que referiram problemas de saúde e a maior proporção de auto-avaliações positivas do estado de saúde sugere que os problemas de saúde poderiam não estar interferindo de modo importante em suas atividades diárias.

Na análise da contribuição de cada domínio para a QVG, o domínio que mais explicou a QVG foi o físico, com contribuição de 35%, seguido do psicológico (9,1%) e do meio ambiente (3,8%). O domínio das relações sociais não teve contribuição significativa.

Devido à maior influência do domínio físico para a QVG dos ACS, destaca-se a importância da capacidade para o trabalho como fator que pode interferir na qualidade de vida, o que pode estar relacionado com a faixa etária predominante de adultos jovens na realidade pesquisada.

O trabalho, em conjunto com a alimentação, a moradia e a educação, constitui uma necessidade básica humana que deve ser atendida para que se possa edificar uma vida com qualidade33. Assim, uma pessoa que não realiza um trabalho satisfatório poderá ter dificuldades e dificilmente terá uma vida com qualidade ou aceitável.

O segundo domínio em termos de influência sobre a QVG dos ACS foi o psicológico. Tanto o esgotamento34 como o estresse profissional10 têm se tornado cada vez mais sérias ameaças para os profissionais da área da saúde, podendo afetar sua saúde, sua qualidade de vida, o rendimento e eficiência no trabalho, além de causar dificuldades de comunicação e insatisfação, com conseqüentes repercussões na qualidade assistencial.

Segundo Camelo & Angerami10, em trabalho sobre a avaliação do estresse em profissionais do PSF, a auto-estima de um indivíduo pode ser influenciada pela satisfação no trabalho. Assim, uma pessoa que esteja com estresse ocupacional poderá levar suas dificuldades para o seu ambiente familiar ou trazê-las para seu ambiente profissional, o que pode traduzir-se em sentimentos de insegurança.

O domínio do meio ambiente apresentou pequena contribuição na QVG dos ACS. Ainda assim, vale ressaltar a questão da remuneração e vínculo do emprego. Em trabalho de Pedrosa & Teles6, os ACS acharam o salário que recebiam insuficiente diante do trabalho por eles realizado. Além disso, salienta-se a importância de uma política de incentivo salarial, bem como a garantia de direitos trabalhistas, pois um funcionário que recebe um salário digno sente-se valorizado, satisfeito e apresenta, conseqüentemente, maior produtividade e melhor desempenho em sua função.

O domínio das relações sociais não foi significativo na contribuição para a QVG dos ACS. Esse domínio é representado no questionário pelo menor número de questões (três), e essa menor representação no número de questões é um fator que o deixa menos estável do ponto de vista psicométrico24.

Apesar de o domínio das relações sociais não ter contribuído significativamente para a QVG, sabe-se que os ACS são profissionais diferenciados no sentido das relações sociais, já que ele reside na própria comunidade onde trabalha, desenvolvendo seu trabalho diretamente com a comunidade. Nesse sentido, o relacionamento dos ACS no ambiente de trabalho tem sido especialmente estudado nos últimos anos, em relação às pessoas da comunidade ou aos outros membros da equipe de saúde4,6,9.

Em suma, neste estudo, observou-se que os domínios da qualidade de vida diferiram com respeito às respectivas contribuições para a QVG. Contudo, devem ser consideradas suas limitações, como o desenho transversal, não considerando, portanto, as possíveis variações temporais nos domínios e na QVG e o subseqüente efeito dos domínios na QVG, bem como quais outros fatores de importância poderiam estar influenciando a QVG dos ACS.

Paschoal13 enfatiza a importância da avaliação da qualidade de vida percebida pela pessoa, valorizando, assim, a opinião do indivíduo. A qualidade de vida teria um conceito diferente de pessoa para pessoa, tendendo a mudar ao longo da vida. Para Fayers & Machin18, a avaliação global de qualidade de vida permite ao indivíduo definir o conceito de uma maneira significativa para si mesmo, além de poder ser responsiva às diferenças individuais. Para isso, requer que o indivíduo considere todos os aspectos de um fenômeno, ignore aqueles que não são relevantes naquela situação e pondere outros aspectos de acordo com seus respectivos valores e objetivos, de forma a fornecer uma medida de avaliação.

Outro fato que necessita atenção foi a limitada contribuição dos domínios na QVG20,21. Isso poderia ser parcialmente explicado pela utilização de um instrumento abreviado de avaliação, com a QVG composta por duas questões e o domínio relações sociais composto por três questões.

Para medir e operacionalizar qualidade de vida, é geralmente aceita a necessidade de se reconstruir o conceito de seus componentes mensuráveis dentro dos vários processos envolvidos na criação da mesma e representar as medidas agregadas (ou separadas) de qualidade de vida como um índice. Desenvolver a compreensão do conceito de qualidade de vida através desses mecanismos e análise dos respectivos componentes requer inevitavelmente o emprego de pressupostos de avaliação sobre a relação das partes componentes entre si e com a qualidade de vida como um todo17.

Arnold et al.20 relataram que prejuízos em um ou mais domínios da qualidade de vida não resultam necessariamente em prejuízo da QVG e que a escolha de uma determinada medida de avaliação depende do tipo de informação que se está procurando, como, por exemplo, se a ênfase são os aspectos físicos ou o bem-estar geral dos pacientes.

Apesar das dificuldades conceituais, parece claro que qualidade de vida é eminentemente interdisciplinar, sendo necessária a contribuição de diferentes áreas do conhecimento para o aprimoramento metodológico e conceitual35.

Este estudo e outros nessa direção podem dar sustentação para a implementação de novas estratégias para a melhoria das condições de vida e trabalho dos ACS, o que, sem dúvida, poderá trazer um impacto nas ações desempenhadas por esses profissionais e, conseqüentemente, na saúde pública do Brasil, além de poder servir de motivação para novas pesquisas, utilizando-se combinação de outros instrumentos para coleta de dados, bem como outras abordagens metodológicas.

Recebido em 03.06.07.

Aceito em 18.07.07.

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  • Correspondência

    Ana Cláudia G. C. Kluthcovsky
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Recebido
      03 Jun 2007
    • Aceito
      18 Jul 2007
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