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Perspectiva psiquiátrico-forense sobre a violência

EDITORIAL A CONVITE

Perspectiva psiquiátrico-forense sobre a violência

Jorge O. Folino

Doutor em Medicina. Professor de Ciências Médicas e professor adjunto de Psiquiatria. Coordenador, Mestrado em Psiquiatria Forense, Universidade Nacional de La Plata, La Plata, Argentina. Perito I, Procuradoria Geral da Suprema Corte de Justiça, Província de Buenos Aires, Argentina. Encarregado do Programa Piloto de Avaliação de Risco de Liberados. Conselheiro, International Association of Forensic Mental Health Services. E-mail: jorgefolino@ciudad.com.ar

A psiquiatria forense é uma subespecialidade psiquiátrica que tem a violência como um de seus tópicos centrais1-3. Compartilha a configuração epistemológica da psiquiatria geral, tendo como ciências básicas a biologia, a psicologia, a sociologia e a antropologia, e se enriquece com as contribuições do direito e da criminologia. Inclui trabalho clínico e estudo científico nas múltiplas áreas nas quais se inter-relacionam as questões legais e de saúde mental4.

Deste modo, a psiquiatria forense oferece uma perspectiva ampla e integrada que possibilita a aplicação do conhecimento científico à resposta social legítima contra a violência. Alguns exemplos permitirão mostrar as afirmações anteriores.

A psiquiatria forense investiga a violência tão logo ela se produz. A rápida implementação do estudo psiquiátrico do autor de um delito violento, quando as questões fáticas e legais o permitem, oferece dados de incomensurável valor, pois limita a interposição de reelaborações da memória e distorções da apresentação clínica, enquanto permite a verificação de eventuais transtornos mentais ou estados emocionais particulares.

O psiquiatra forense também pode colaborar com a reconstrução e/ou elaboração de modelos de conduta e/ou perfis pessoais, que possam ser aplicados à busca de um suspeito ou à compreensão de determinadas peculiaridades do delito. Um exemplo é a colaboração na interpretação de elementos na cena de um homicídio, que podem ser relacionados com alguma forma de psicopatologia ou com determinado padrão de conduta5,6.

Nas fases iniciais do processo penal, é comum que o psiquiatra forense seja chamado a opinar sobre a capacidade do acusado para tomar decisões relativas ao andamento do processo7. Em etapas posteriores do processo e/ou no julgamento penal, o psiquiatra forense avalia se o acusado sofreu, no momento do delito, algum transtorno mental que tenha alterado seu psiquismo de tal forma que o impedisse de compreender a criminalidade do ato ou de dirigir suas ações (a exigência legal é formulada com variantes, dependendo do país8).

Os casos de violência sexual têm conotações que mobilizam fortemente a preocupação social em geral, e apresentam dificuldades para o julgamento que preocupam particularmente os juízes e promotores. Neste contexto, o psiquiatra forense dá uma contribuição importante para a conceptualização do abuso sexual (são condutas patológicas ou simplesmente delitos? O estupro é um tipo de parafilia? Se for definido como um tipo de parafilia, implica a inimputabilidade do sujeito?). Também estuda o acusado, tentando diagnosticar a natureza específica do interesse sexual desviado e do subtipo de parafilia, reconstruir a cadeia de eventos que levam ao abuso, verificar fatores de recidiva violenta geral e específica para a violência sexual. Além disso, entre outras funções importantes, destaca-se a avaliação das seqüelas psíquicas na vítima do abuso sexual.

Uma vez que a pessoa que cometeu algum delito violento entra para o sistema judicial, abrem-se diferentes instâncias nas quais é comum requerer a avaliação do risco de violência. Assim ocorre quando é proposta a progressão de regime, a libertação antecipada, a medida de segurança para os absolvidos por inimputabilidade, a escolha do tipo de instituição, etc. Em todas essas circunstâncias, o psiquiatra forense contribui na avaliação dos fatores de risco que afetam a pessoa em sua potencialidade de cometer atos agressivos e dos fatores protetores que poderiam contribuir para prevenir esses atos e minimizar suas conseqüências negativas9-11.

No âmbito judicial civil, o psiquiatra forense cumpre também importantes funções relacionadas ao tema da violência. Por um lado, avalia a existência de seqüelas psíquicas de eventos violentos, o impacto destas sobre a capacidade funcional do sujeito, o prognóstico, o tipo e a duração dos tratamentos. A opinião pericial é útil para estabelecer a eventual relação de causalidade entre o evento violento e um determinado transtorno psíquico e sua gravidade. Com essa informação, o juiz pode impor, por exemplo, o pagamento de indenização. Por outro lado, o psiquiatra forense assessora a autoridade judicial quando algum doente mental apresenta risco de auto ou heteroagressões, possibilitando a implementação legítima de ações de prevenção.

A intervenção do psiquiatra forense não se limita à aplicação do conhecimento científico. Sua área de trabalho particular coloca-o em boas condições para contribuir na ampliação desse tipo de conhecimento. Testemunho disso são os numerosos artigos e teses de mestrado e doutorado produzidos na área psiquiátrico-forense, e a ênfase dada à pesquisa nos principais fóruns de treinamento psiquiátrico-forense12,13.

Por fim, cabe ressaltar que tanto a prática quanto a pesquisa na Psiquiatria Forense são exercidas em um espaço fortemente custodiado pelas pautas éticas da profissão e pelos condicionamentos do sistema judicial, construindo-se assim, em uma perspectiva com rigoroso respeito aos direitos das pessoas.

Sem dúvida, a violência é um fenômeno multidimensional e a sociedade convoca diversas profissões para tentar conhecê-la e preveni-la. A psiquiatria forense, por derivar de uma disciplina de síntese - a psiquiatria - e por sua aplicação específica ao Sistema Judicial, contribui de modo notável na busca desses objetivos.

  • 1. Folino JO. Una subespecialización psiquiátrica: la psiquiatría forense. In: Suárez Richards M, editor. Introducción a la psiquiatría. 2ª ed. Buenos Aires: Salerno; 2000. vol 2. p. 441-9.
  • 2. Gutheil TG, Appelbaum PS. Clinical handbook of psychiatry and the law. 3rd. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2000.
  • 3. Nedopil N. Forensische psychiatrie. Munich: Georg Thieme; 1996.
  • 4. Folino JO. La psiquiatría y el sistema judicial. In: Suárez Richards M, editor. Introducción a la psiquiatría. Buenos Aires: Polemos; 2006. vol 3.
  • 5. Daéid NN. Differences in offender profiling in the United States of America and the United Kingdom. Forensic Sci. Int. 1997;90:25-31.
  • 6. Ressler RK, Burgess AW, Douglas JE. Sexual homicide: patterns and motives. Lexington: Lexington; 1988.
  • 7. Folino JO, Castillo JL, Roesch R. Escala de evaluación de capacidad para actuar en proceso penal (EECAPAPP). La Plata: Interfase Forense; 2003.
  • 8. Folino J. Psiquiatría forense comparada y la inimputabilidad. In: Folino J, editor. Interfase psiquiátrico judicial. Buenos Aires: Lema S.R.L.; 1994. p. 186-244.
  • 9. Folino JO. Risk assessment and violent recidivism risk management in convicts from Argentina. Res Soc Prob Public Policy. 2005;12:75-88.
  • 10. Folino JO, Marengo C, Marchiano S, Ascazibar M. The risk assessment program and the court of penal execution in the province of Buenos Aires, Argentina. Int J Offender Ther Comp Criminol. 2004;48(1):49-58.
  • 11. Folino J. Nuevos paradigmas en la evaluación de peligrosidad. Doctrina Judicial; Editorial La Ley. 2004;XX(29):871-6.
  • 12. Folino JO, Raverta MJ. Forensic psychiatry in Argentina: a training forum for Latin America. Am Acad Psychiatry Law News. 2006;31(1):28-9.
  • 13. Bloom JD. Commentary: authorship and training in forensic psychiatry. J Am Acad Psychiatry Law. 2007;35(1):32-3.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2008
  • Data do Fascículo
    Abr 2008
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