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Considerações sobre o artigo "Inimputabilidade: estudo dos internos do Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso"

CARTA AOS EDITORES

Considerações sobre o artigo "Inimputabilidade: estudo dos internos do Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso"

Guido Arturo Palomba

Psiquiatra forense em São Paulo, SP. Correspondência: gpalomba@mandic.com.br

Prezados Editores,

Lemos, com atenção, o artigo "Inimputabilidade: estudo dos internos do IPFMC", publicado na Rev Psiquiatr RS, v. 29, n. 3, set/dez 2007, páginas 286-293, e sentimos uma certa decepção: a ausência da epilepsia como diagnóstico!

Impossível não haver pacientes epilépticos se o instituto recebeu criminosos que praticaram crimes contra pessoa e caíram na inimputabilidade. São 381 doentes mentais assassinos segundo a pesquisa. Dirão os articulistas: "usamos os critérios da Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-10)". E usaram, sim, esse critério semimédico, desvirtuador de diagnósticos, livro-texto dos psiquiatras modernos, infrutífero à psiquiatria forense de qualidade.

Afirmamos, categoricamente, sem ter examinado um só paciente da pesquisa que selecionou 381 "inimputáveis que praticaram crimes contra a pessoa", que deve haver alguns que praticaram crimes com seis características dentre as nove catalogadas para crimes violentos praticados por epilépticos, a saber:

1 - ausência de motivos plausíveis;

2 - ausência de premeditação;

3 - instantaneidade da ação;

4 - ferocidade na execução;

5 - multiplicidade de golpes;

6 - ausência de dissimulação;

7 - ausência de remorso;

8 - ausência de cúmplice;

9 - amnésia ou reminiscências mnêmicas confusas sobre o crime.

E se há, é imprescindível respeito aos mestres da psiquiatria forense, os quais se dedicaram profundamente ao estudo dos crimes violentos dos epilépticos, a começar por Henry Legrand du Saulle, o primeiro a descrever a lista acima, e seus seguidores, Richard von Krafft-Ebing, Henry Maudsley, Cesare Lombroso, Eugenio Tanzi, Carlo Ferrio. Entre os brasileiros, os imortais Afrânio Peixoto, Antonio Carlos Pacheco e Silva, José Alves Garcia e Hélio Gomes. Dos presentes, dirá o futuro.

Talvez alguém pondere: os nomes citados são referências demasiado antigas. Independentemente disso, ainda são nomes de respaldo até que venham outros e façam livros melhores do que os tratados que deixaram, os quais guardam ensinamentos perenes para a psiquiatria forense de qualidade.

A psiquiatria clínica ordinária (no sentido de vezeira, a mais praticada), dominante dos tempos atuais, tem seus preceitos fundamentados na CID, que não tem sequer uma linha de psicopatologia, e assim permite que se diga que a psiquiatria atual, totalmente carente de estudos nessa área, é ordinária (no sentido de ruim).

Epi, "em cima", lepsis, "abater", epilepsis, "o diabo vem por cima e abate" o energoumenos ("possuído pelo diabo"), mal sagrado, mal demoníaco, o único que nunca mudou de nome desde que foi cunhado, que consta do Código de Hamurabi (em que se verifica a primeira referência psiquiátrico-forense da história). E não será essa decadente CID, que muda o nome das doenças a cada revisão (já são 10), que destruirá a epilepsia na psiquiatria, ainda que este catalogão de doenças tenha seduzido a maioria dos psiquiatras modernos. São apenas os tempos psiquiátricos atuais, dominados pelos fabricantes de remédios, pelos diagnósticos que interessam a esses conglomerados industriais. A verdadeira ciência, a verdadeira psicopatologia fenomenológica, um dia será retomada, e, então, serão excluídos do cenário os psiquiatras hoje chamados "filhos da CID".

Apesar do teor combativo desta carta, mas com muito respeito e admiração aos articulistas (em verdade, ninguém tem culpa, visto que é quase impossível aos psiquiatras clínicos não serem tragados pelo sistema de marketing, propaganda e venda de remédios), que estes recebam os nossos cumprimentos. Vosso trabalho tem algo de muito bom: é de psiquiatria forense e feito com carinho, ainda que se possa discordar, em alguns pontos, de seu conteúdo.

Resposta dos autores

Prezados editores,

Viemos, por meio desta, esclarecer os comentários do Doutor Guido Arturo Palomba a propósito do artigo escrito por nós, "Inimputabilidade: estudo dos internos do IPFMC", publicado na Rev Psiquiatr RS, v. 29, n. 3, set/dez 2007, páginas 286-293. Primeiramente, gostaríamos de manifestar que concordamos com as críticas feitas e agradecemos as contribuições apresentadas, que serão de grande valor no planejamento de pesquisas futuras. Entretanto, gostaríamos de ressaltar alguns aspectos da pesquisa que foi realizada. A mesma se tratou de um estudo retrospectivo, de revisão de prontuários. No processo de coleta de dados, foi privilegiado o diagnóstico psiquiátrico principal, presente nos prontuários judiciais arquivados. No processo de amostragem, também não foram incluídos todos os internos inimputáveis do Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso. Quando se realiza um estudo com esse tipo de delineamento, os achados ficam limitados ao que ficou registrado. E quando não avaliamos todo o universo de indivíduos pertencentes a uma determinada população, sempre corremos o risco de que os achados não representem exatamente o que aquela população apresenta. Queremos, com isso, reconhecer que o nosso estudo realmente possui limitações. O ideal seria realizar um estudo onde os dados fossem obtidos diretamente da avaliação dos pacientes. Preferencialmente de todos eles. Entretanto, mesmo cientes das limitações do nosso estudo, optamos por socializar os achados, já que, no nosso entendimento, o mesmo sugere alguns dados relevantes para outras investigações e para a comunidade científica de modo geral. Apenas a título de exemplo, os dados por nós encontrados sugerem que existe uma relação entre a transgressão cometida e a existência de um transtorno mental grave, de evolução crônica, num indivíduo com episódios prévios e de baixo nível socioeconômico. Tal fato sugere que a falta de políticas públicas e de apoio da comunidade em geral é um dos grandes fatores que contribuem para que o comportamento violento ocorra em pacientes com transtornos mentais. Não vou me estender mais sobre os achados, pois o artigo já se encontra publicado. Gostaríamos apenas de salientar que recebemos no nosso e-mail pessoal manifestações positivas em relação ao artigo, bem como algumas críticas construtivas. Sem mais para o momento, agradeço a atenção e a oportunidade concedida pelos editores.

Gabriel J. Chittó Gauer

Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Correspondência: Gabriel J. Chittó Gauer, Av. Cel. Lucas de Oliveira, 576/501, Mont'Serrat, CEP 90440-010, Porto Alegre, RS. Tel.: (51) 3320.3500, Ramal 7745, Fax: (51) 3333.2628. E-mail: ggauer@pucrs.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2008
  • Data do Fascículo
    Abr 2008
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