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A origem da Liga Brasileira de Higiene Mental e seu contexto histórico

CARTA AOS EDITORES

A origem da Liga Brasileira de Higiene Mental e seu contexto histórico* * Os achados preliminares foram apresentados no XIV Congresso Mundial de Psiquiatria, realizado em Setembro de 2008 em Praga, República Tcheca.

André Augusto Anderson SeixasI; André MotaII; Monica L. ZilbremanIII

IPós-Graduando, Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP.

IIDoutor. Professor de Pós-Graduação, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, USP.

IIIDoutora. Professora de Pós-Graduação, Departamento de Psiquiatria, Faculdade de Medicina, USP.

Endereço para correspondência Correspondência André Augusto Anderson Seixas Instituto de Psiquiatria, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785 CEP 05403-010, Cerqueira César, SP Tel.: (11) 3069.6972 E-mail: aaaseixas@protoc.com.br

Caros Editores,

Em 1857, Morel introduziu o conceito de degeneração. A ideologia dominante era então o positivismo, caracterizado por ideais de modernidade, ordem, progresso e racionalidade. Os psiquiatras acreditavam não apenas que as doenças mentais tinham componentes biológicos e genéticos, mas também que tendiam a piorar à medida que eram transmitidas de geração para geração, causando a degeneração progressiva das árvores genealógicas e da população como um todo1. Para eles, a degeneração era mais que uma doença individual: tratava-se de uma ameaça social. A idéia de degeneração começou a estimular políticas sociais como esterilização, eutanásia e perseguição de indivíduos "degenerados"1.

A influência da higiene mental era especialmente importante. Esta acrescentava a noção de uma origem social da loucura à idéia já existente de que haveria uma base hereditária para a doença mental. Alcoolismo, miséria, ignorância2 e religiosidade3 extremas passaram a ser vistas como possíveis causas de loucura2,3. Enquanto isso, o Brasil passava por grandes mudanças e enfrentava sérios desafios sociais. A escravidão fora abolida em 1888, e a República fora declarada em 1889. Havia um fluxo considerável de imigrantes para o país. A urbanização descontrolada se intensificou, causando sérios problemas sociais e sanitários4. Na terceira década do século passado, um regime político denominado "Estado novo" entrou em vigor, armado de ideias antiliberais e atitudes repressivas. Uma nova constituição foi adotada, e alguns de seus artigos discutiam políticas de imigração que determinavam o número máximo de indivíduos de cada grupo étnico cuja entrada no país seria permitida. Nesse contexto, o movimento de higiene mental surgiu com a criação da Liga Brasileira de Higiene Mental. Fundada no Rio de Janeiro, em 1923, pelo psiquiatra Gustavo Riedel, a Liga tinha como objetivo primordial a melhoria na assistência aos doentes mentais, através da modernização do atendimento psiquiátrico5.

A Liga era uma entidade civil, reconhecida publicamente através de subsídios federais, e composta pelos mais importantes psiquiatras brasileiros. De 1923 a 1925, a Liga seguiu a orientação de Riedel. A partir de 1926, influenciados pelo contexto político e pelo contato com ideias alemãs, francesas e norte-americanas, os diretores da Liga mudaram sua orientação, de modo que uma clara tentativa de "normalizar" a população tornou-se o principal objeto para os médicos em seus esforços para inibir os deficientes mentais5. Os princípios da eugenia e da higiene mental incentivavam psiquiatras que pretendiam colaborar para a criação de uma nação próspera, moderna e mais saudável4.

"O que queremos é gente de saúde mental e físico forte [.]. Eugenisemos o brasileiro, selecionemos os tipos arianos que nos procuram, escapemos à infiltração de nova dose de sangue mongólico [.]"4

Além de enfatizar a importância das ideias de degeneração no desenvolvimento da Liga Brasileira de Higiene Mental, gostaríamos de destacar o contexto histórico que cerca seu surgimento, a influência de conceitos eugênicos em nossa conceitualização de doença mental e a forma como isso serviu de modelo para nossas ideias atuais.

Não há conflitos de interesse associados à publicação desta carta.

  • 1. Shorter E. A History of Psychiatry: from the era of the Asylum to the age of Prozac. New York: John Wiley & Sons; 1997.
  • 2. Huertas R. Madness and degeneration, Part I. From fallen angel' to mentally ill. Hist Psychiatry. 1992;3(12):391-411.
  • 3. Moreira-Almeida A, Neto FL, Koenig HG. Religiousness and mental health: a review. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(3):242-50.
  • 4. Moreira-Almeida A, Silva de Almeida AA, Neto FL. History of "Spiritist madness" in Brazil. Hist Psychiatry. 2005;16(61 Pt 1):5-25.
  • 5. Costa JF. História da Psiquiatria no Brasil. 5Ş ed. Rio de Janeiro: Garamond; 2007.
  • Correspondência
    André Augusto Anderson Seixas
    Instituto de Psiquiatria, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
    Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785
    CEP 05403-010, Cerqueira César, SP
    Tel.: (11) 3069.6972
    E-mail:
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    Os achados preliminares foram apresentados no XIV Congresso Mundial de Psiquiatria, realizado em Setembro de 2008 em Praga, República Tcheca.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      2009
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