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A falácia da adequação da cobertura dos Centros de Atenção Psicossocial no estado do Rio Grande do Sul

Resumos

Introdução: A análise dos resultados da expansão da rede de atenção à saúde mental para a população brasileira tem utilizado como medida de desfecho o indicador de cobertura dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que considera adequada a existência de um CAPS para cada 100 mil habitantes. O Rio Grande do Sul encontra-se classificado em terceiro lugar no ranking nacional, com índice de 0,7 CAPS/100.000 habitantes. Este estudo objetivou testar a variabilidade de cobertura de cada região para verificar se esse índice global representava as realidades regionais. Método: Foram utilizados dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e dados populacionais do ano de 2009 disponibilizados pelo site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde. Foram calculados os indicadores de cobertura para as 19 regionais de saúde, sendo gerado índice de cobertura resultante da razão entre o indicador observado e o esperado de acordo com a população de cada região geográfica analisada. Resultados: Analisada a variabilidade de cobertura de cada região, foi evidenciada a ocorrência de sete regiões com cobertura insuficiente, representando 49% da população do estado com cobertura inadequada. Conclusão: O estudo demonstrou que o uso do índice global é falacioso, pois não representa as realidades regionais, sendo que cerca de metade das regiões com excesso de cobertura mascaram as regiões deficientes. Isso sugere que as análises de cobertura devem ser realizadas por áreas geográficas para identificar carências regionais e fornecer subsídios para a extensão da rede de forma igualitária para usuários de diferentes regiões do estado.

Serviços de saúde mental; cobertura de serviços públicos de saúde; avaliação de serviços de saúde


Introduction: Analysis of the results of the ongoing expansion of the Brazilian public mental health care network has used the indicator of coverage offered by Psychosocial Care Centers (Centros de Atenção Psicossocial, CAPS), which considers the rate of one CAPS per 100,000 inhabitants to be adequate, as its outcome measure. The state of Rio Grande do Sul ranks third in nationwide CAPS coverage standings, with 0.7 centers per 100,000 inhabitants. The present study sought to assess the variability of coverage in different regions in order to verify the representativeness of the overall coverage rate. Method: We used data collected from the National Database of Health Facilities (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, CNES) and 2009 population data made available at the website of the Ministry of Health Department of Information Technology. We calculated 19 coverage indicators, one for each health region, and computed a coverage rate based on the ratio between the actual indicator and the expected indicator according to the population of each region. Results: Analysis of the variability of coverage for each region showed that seven regions had inadequate coverage, with 49% of the state population receiving inadequate coverage. Conclusion: This study showed that the use of an overall rate for mental health care coverage can be considered a fallacy, as it fails to represent regional realities; roughly half of the regions with excessive coverage masked the regions with poor coverage. This finding suggests that analysis of care coverage must be broken down into geographic areas, in order to identify regional needs and provide support for equal expansion of the community mental health care network for users living in different geographic areas.

Mental health services; state health care coverage; health services evaluation


ARTIGO ORIGINAL

A falácia da adequação da cobertura dos Centros de Atenção Psicossocial no estado do Rio Grande do Sul

Veralice Maria GonçalvesI; Rafael Henriques CandiagoII; Sérgio da Silva SaraivaIII; Maria Inês Rodrigues LobatoIV; Paulo Silva Belmonte-de-AbreuV

IMBA, Gestão em Saúde. Servidora pública federal, Ministério da Saúde/Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (MS/DATASUS).

IIMestre, Psiquiatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS. Médico psiquiatra.

IIIMédico psiquiatra, UFRGS.

IVDoutora, Medicina, Ciências Médicas. Médica psiquiatra, Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Porto Alegre, RS.

VPós-Doutor, Biologia Molecular. Coordenador, Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria, UFRGS.

Endereço para correspondência Correspondência Veralice Maria Gonçalves Rua General Caldwell, 658/203, Bairro Menino Deus CEP 90130-050, Porto Alegre, RS E-mail: veralice@terra.com.br

RESUMO

Introdução: A análise dos resultados da expansão da rede de atenção à saúde mental para a população brasileira tem utilizado como medida de desfecho o indicador de cobertura dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que considera adequada a existência de um CAPS para cada 100 mil habitantes. O Rio Grande do Sul encontra-se classificado em terceiro lugar no ranking nacional, com índice de 0,7 CAPS/100.000 habitantes. Este estudo objetivou testar a variabilidade de cobertura de cada região para verificar se esse índice global representava as realidades regionais.

Método: Foram utilizados dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e dados populacionais do ano de 2009 disponibilizados pelo site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde do Ministério da Saúde. Foram calculados os indicadores de cobertura para as 19 regionais de saúde, sendo gerado índice de cobertura resultante da razão entre o indicador observado e o esperado de acordo com a população de cada região geográfica analisada.

Resultados: Analisada a variabilidade de cobertura de cada região, foi evidenciada a ocorrência de sete regiões com cobertura insuficiente, representando 49% da população do estado com cobertura inadequada.

Conclusão: O estudo demonstrou que o uso do índice global é falacioso, pois não representa as realidades regionais, sendo que cerca de metade das regiões com excesso de cobertura mascaram as regiões deficientes. Isso sugere que as análises de cobertura devem ser realizadas por áreas geográficas para identificar carências regionais e fornecer subsídios para a extensão da rede de forma igualitária para usuários de diferentes regiões do estado.

Descritores: Serviços de saúde mental, cobertura de serviços públicos de saúde, avaliação de serviços de saúde.

INTRODUÇÃO

O modelo de extensão da atenção à saúde mental implementado no Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de 2002 determina a reforma do atendimento psiquiátrico brasileiro com base em documentos normativos expedidos pelo Gabinete do Ministro e legalizados por portarias e pela Secretaria de Atenção à Saúde (SAS), elaborados, em sua maioria, pela Coordenação Nacional de Saúde Mental. Essas portarias conferem sustentação política, jurídica e teórico-conceitual1 e fornecem instrumentos objetivos para a avaliação da qualidade da cobertura e dos serviços para os gestores do Ministério da Saúde (MS), Secretarias de Saúde e também para o Tribunal de Contas da União (TCU). Com isso, almeja-se a promoção de maior racionalidade e eficiência na administração pública e de maior visibilidade dos benefícios gerados à sociedade2.

Dados oficiais, utilizando indicadores de cobertura e sua evolução temporal, revelam uma tendência à diminuição de oferta de leitos hospitalares em hospitais psiquiátricos3 e à expansão da rede de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ao longo da década4. O estado do Rio Grande do Sul (RS) totaliza 110 estabelecimentos habilitados para uma população de 10.914.0425 pessoas no ano de 2009. Por isso, o índice global de cobertura do estado é considerado bom, e o RS é classificado em terceiro lugar no ranking nacional, com índice ponderado de 0,7 CAPS/100.000 habitantes no ano de 20064.

Dados comparativos entre as unidades da Federação demonstram um processo de mudança do modelo assistencial; porém, esse modelo apresenta importantes diferenças regionais e aponta para a carência de estruturas locais para a atenção à saúde mental nos diferentes estados.

No estado do RS existem 19 regionais de saúde, estruturas organizativas técnico-administrativas da área da saúde que possuem uma região geográfica específica de atuação e que também apresentam diferenças relativas ao número de municípios, população e realidades sócio-econômicas.

O objetivo deste trabalho foi testar a variabilidade de cobertura dos CAPS de cada região para verificar se o índice global do estado representava as diferentes realidades regionais.

MÉTODO

Foram calculados os indicadores para cada uma das 19 regionais de saúde e gerado índice de cobertura resultante da razão entre o indicador observado e o esperado de acordo com a população da região geográfica analisada com o objetivo de testar a hipótese de que existe uma boa cobertura de CAPS nas diferentes regiões do estado do RS. Para isso, foram utilizados dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e dados populacionais de março do ano de 2009 disponibilizados pelo MS por meio do site do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). O número de CAPS esperado para cada região é calculado pela fórmula (número de CAPS)/100.000 habitantes, e o índice de cobertura (IC) foi calculado pela razão do número de CAPS observado pelo número de CAPS esperado para a população residente na região de interesse.

RESULTADOS

Observou-se que 43,55% da população do estado do RS reside em municípios com índice de cobertura 30% abaixo do esperado (Tabela 1).

Ao mesmo tempo, nove regiões mostram cobertura de pelo menos 30% acima do desejado (37,28% da população), sendo que uma delas apresenta cobertura acima de 100% do esperado. Os dados oficiais mostram uma realidade reveladora de desigualdades na cobertura quando analisado o acesso ao tratamento de acordo com a região do estado. Dentre as 19 regionais de saúde existentes no RS, apenas 12 apresentam indicador de cobertura adequado, evidenciando somente 51% da população com cobertura de CAPS conforme o padrão esperado.

Dessa forma, pode ser constatada uma escassez de cobertura de CAPS a despeito da adequação numérica global no estado (110 unidades operantes para 109 unidades esperadas). Essa escassez é devida à extrema desigualdade na oferta para diferentes populações, que ocorre não só nos grandes centros que oferecem até duas vezes o índice esperado, como também em regiões com cerca de 50% de cobertura deficiente, incluindo a região metropolitana e outros grandes centros (Figura 1).


CONCLUSÕES

Os dados demonstram a falácia do uso de indicadores globais que classificam o estado do RS com indicador de boa cobertura. Adicionalmente, o estudo de determinação de atendimento de demandas de acordo com a região revela a necessidade de análises mais adequadas para a mudança do modelo de atenção e para permitir a extensão da rede de base comunitária de forma igualitária ao território de residência do paciente.

Recebido em 13/05/2009.

Aceito em 30/07/2009.

Este trabalho foi realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas: Psiquiatria, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS.

Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação desse artigo.

  • 1. Borges CF, Baptista TW. O modelo assistencial em saúde mental no Brasil: a trajetória da construção política de 1990 a 2004. Cad Saude Publica. 2008;24(2):456-68.
  • 2
    Tribunal de Contas da União. Avaliação das ações de saúde mental. Programa atenção à saúde de populações estratégicas e em situações especiais de agravos. Brasília; 2005.
  • 3. Candiago RH, Abreu PB. Use of Datasus to evaluate psychiatric inpatient care patterns in Southern Brazil. Rev Saude Publica. 2007;41(5):821-9.
  • 4
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde/DAPE. Saúde Mental no SUS: acesso ao tratamento e mudança do modelo de atenção. Relatório de Gestão 2003-2006. Brasília: Ministério da Saúde; janeiro de 2007.
  • 5
    Ministério da Saúde/Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. População residente. Sistemas de Informações de Saúde, demográficas e socioeconômicas. Censo 2009. Disponível em www.datasus.gov.br Acessado em 17/03/2008.
  • Correspondência

    Veralice Maria Gonçalves
    Rua General Caldwell, 658/203, Bairro Menino Deus
    CEP 90130-050, Porto Alegre, RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      13 Maio 2009
    • Aceito
      30 Jul 2009
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