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George Sprague Myers (2/II/1905 - 4/XI/1985)

NECROLÓGIO

George Sprague Myers (2/II/1905 - 4/XI/1985)

Stanley H. WeitzmanI; Naércio A. MenezesII

IDivision of Fishes National Museum of Natural History, Smithsonian Institution, Washington, D.C. U.S.A

IIMuseu de Zoologia, Universidade de São Paulo

Durante toda a sua brilhante carreira, George S. Myers teve uma influência marcante nos estudos de ictiologia e herpetologia da região Neotropical. Embora tivesse um interesse especial em peixes dos grupos Cyprinodontiformes e Characiformes, o Dr. Myers praticamente trabalhou com quase todos os grupos de peixes neotropicais de água doce e deixou uma obra que consiste em mais de 230 trabalhos, notas e comentários sobre peixes de água doce da América do Sul e Central. Entre os cerca de 600 títulos que publicou há contribuições importantes sobre herpetologia da Região Neotropical, bem como sobre peixes marinhos e de água doce e répteis e anfíbios de várias partes do mundo. Os trabalhos de biogeografia são particularmente importantes e têm sido amplamente citados e discutidos em todos os estudos sobre o assunto.

Apesar de não ter publicado obras extensas e nem sempre ter se preocupado com uma ordenação precisa de dados, todos os seus trabalhos se caracterizam por uma linguagem clara e original, produto de uma mente intuitiva capaz de sintetizar magnificamente o assunto de modo a apresentar apenas a essência do problema em questão.

Dotado de raciocínio intuitivo incomum, o Dr. Myers gostava muito de uma discussão inteligente e amava a beleza e a complexidade da natureza, além de ter um enorme interesse por história e evolução. Estas caracteristicas o tornaram, acima de tudo, um excelente conselheiro para os que aspiravam progredir na carreira cientifica sob sua orientação. Orgulhoso de sua excelente memória e do conhecimento de assuntos de sistemática, história e evolução, sentia-se extremamente feliz quando um de seus alunos conseguia comprovar através de dados relevantes suas idéias originais. Caso os dados obtidos fossem contrários às suas hipóteses iniciais, sabia aceitar com naturalidade o revés, fato raro em professores de nomeada. Vários aspectos da carreira de George Myers como professor podem ser encontrados em Cohen e Weitzman, Copeia (1986).

Myers começou a interessar-se por peixes com 12 anos de idade quando assistiu a uma exposição na "Aquarium Society" em Jersey City, Nova Jersey. Quando de sua passagem pelo American Museum of Natural History, Nova Iorque, teve oportunidade de aperfeiçoar seus conhecimentos através de contatos com vários curadores da instituição, dos quais recebeu ensinamentos preciosos. Neste sentido, o Dr.. G. K. Noble teve uma influência marcante em sua carreira. Em 1924, tornou-se Curador-Assistente do Dr. Carl H. Eigenmann na Universidade de Indiana, fato que contribuiu decisivamente para determinar os rumos das pesquisas que iria realizar posteriormente. O interesse de Myers pelo estudo de peixes neotropicais deveu-se, em grande parte, ao convívio com Eigenmann que, entre 1888 a 1927, trabalhou com peixes de água doce da América do Sul, deixando uma contribuição que representa um marco decisivo na história do conhecimento desses peixes. O contato entre ambos foi relativamente curto pois após um ano Eigenmann adoeceu, vindo a falecer pouco tempo depois. Durante sua permanência em Indiana, Myers separou e identificou os peixes das importantes coleções feitas por Carl Ternetz nas bacias dos rios Amazonas e Orenoco e descreveu muitas espécies novas de peixes do Brasil e da Venezuela.

Em 1926, antes de mudar-se para Stanford, California, onde concluiria seu curso universitário, Myers terminou e editou o último volume da importante obra de Eigenmann, American Characidae que foi publicado em 1929.

Na Universidade de Stanford recebeu o titulo de Bacharel em 1930 e o de Doutor (Ph.D) em 1933. Sua tese de doutoramento versou sobre um estudo de Cyprinodontiformes africanos e americanos. Ainda em 1933 foi indicado Curador Assistente de Peixes no United States National Museum, Smithsonian Institution, e durante sua permanência nesta instituição publicou uma série de trabalhos sobre peixes de várias partes do mundo.

Em 1936, Myers retornou a Universidade de Stanford como Professor Associado de Biologia e Curador-Chefe das coleções zoológicas. Entre outras atividades, encarregou-se de orientar vários estudantes interessados em ictiologia, incentivando-os a trabalhar com peixes de água doce neotropicais, em virtude da disponibilidade das coleções feitas por Eigenmann depositadas na California Academy of Sciences e de outras coleções depositadas no Leland Stanford Natural History Museum.

Como resultado desses estudos, tanto ele como seus orientandos produziram uma série de trabalhos sobre peixes neotropicais, muitos dos quais foram publicados no Stanford Ichthyological Bulletin, criado editado e supervisionado por Myers (8 volumes publicados de 1938 a 1967).

Durante a segunda guerra mundial, atendendo a um pedido do governo brasileiro, Myers foi indicado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos para desenvolver atividades relacionadas ao estudo de peixes em instituições brasileiras. Veio ao Brasil em 1942, permanecendo até outubro de 1944 e durante este período desenvolveu suas atividades no Museu Nacional do Rio de Janeiro e na Divisão de Caça e Pesca. No Museu Nacional ajudou e orientou a parte de curadoria, prestou serviços também na parte administrativa e exposição pública e ministrou um curso de ictiologia assistido por 40 pessoas que representavam várias instituições do país e do exterior. As aulas ministradas durante o curso foram depois reunidas em uma apostila que foi amplamente distribuída e durante muito tempo foi utilizada por estudantes e ictiólogos brasileiros. Na Divisão de Caça e Pesca, Myers contribuiu para melhorar os métodos de estatística pesqueira.

Durante sua permanência no Brasil, Myers realizou algumas excursões para coleta de peixes e anfíbios, com o auxilio da Dra. Bertha Lutz, Joaquim Venâncio e Antenor Leitão de Carvalho. Particularmente importante foram as coletas de peixes Cyprinodontídeos anuais feitas por Myers e Carvalho em várias partes do sudeste do Brasil. As notícias publicadas ou enviadas por Myers a outros especialistas vieram despertar um grande interesse sobre esses peixes e sobre os problemas relacionados à sua sobrevivência em ambientes passíveis de extinção.

Myers retornou ao Brasil por um breve período em 1950, tendo visitado Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belém e Manaus, mas coletou poucos peixes naquela ocasião. Em 1958 e 1960 realizou duas excursões de campo rápidas mas muito produtivas aos estados colombianos de Caquetá e Vaupés em companhia do General T.D. White da Força Aérea Americana. Em 1963 coletou também com o General White na América Central.

Myers acreditava que o patrimônio mais importante que poderia deixar para a ictiologia e herpetologia era representado por seus estudantes. Ele tinha uma grande preocupação com seus êxitos e insucessos e seguia atentamente a carreira de cada um até onde fosse possível. Aqueles que tiveram como nós o privilégio de conviver com ele como estudantes ou de conhecê-lo apenas brevemente, jamais esquecerão sua notável influência e sempre terão suas carreiras marcadas pelo contato que com ele tiveram.

Um apanhado relativamente completo da vida de Myers foi publicado por um de seus contemporâneos, L.A. WALFORD (1970); uma lista de seus trabalhos foi publicada por HERALD (1970) e um outro resumo da vida de Myers com uma lista de muitos de seus alunos foi apresentada por BRITTAN (1986).

  • BRITTAN, M.R. 1986. In memoriam, George Sprague Myers, 1905-1985. Tropical Fish Hobbvist (361) 34(7):84-86.
  • COHEN, D.M. and S.H. WEITZMAN. George Sprague Myers, 1905-1985. Copeia (1986) (3):851-853.
  • HERALD, E.S. 1970. Annotated chronological bibliography of the publications of George Sprague Myers (to the end of 1969). Proc. Cal. Acad. Sci. (4) 38(2):19-52.
  • WALFORD, L.A. 1970. On the natural history of George Sprague Myers. Proc. Cal. Acad. Sci. (4) 38(1):1-18.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2009
  • Data do Fascículo
    Abr 1989
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