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Vocalizações de Scinax perpusillus (A. Lutz & B. Lutz) e S. arduous Peixoto (Anura, Hylidae), com comentários taxonômicos

Vocalizations of Scinax perpusillus (A. Lutz & B. Lutz) and S. arduous Peixoto (Anura, Hylidae), with taxonomic comments

Resumo

Herein, the advertisement and territorial calls recorded from topotypes of Scinax arduous Peixoto, 2002 and S. perpusillus (A. Lutz & B. Lutz, 1939) are described. These two species belong to the Scinax perpusillus species group and show acoustic parameters of territorial calls similar to the catharinae species group, suggesting that they are phylogenetically related. The acoustic parameters of advertisement calls of S. arduous and S. perpusillus suggest a monophyletic origin for the Scinax perpusillus species group.

Advertisement and territorial calls; Atlantic Rain Forest; Southeasten Brazil


Advertisement and territorial calls; Atlantic Rain Forest; Southeasten Brazil

Vocalizações de Scinax perpusillus (A. Lutz & B. Lutz) e S. arduous Peixoto (Anura, Hylidae), com comentários taxonômicos

Vocalizations of Scinax perpusillus (A. Lutz & B. Lutz) and S. arduous Peixoto (Anura, Hylidae), with taxonomic comments

José P. Pombal Jr.I; Rogério P. BastosII

IDepartamento de Vertebrados, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Quinta da Boa Vista, 20940-040 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Bolsista do CNPq. E-mail: pombal@acd.ufrj.br IIDepartamento de Biologia Geral, ICB, Universidade Federal de Goiás. Caixa Postal 131, 74001-970 Goiânia, Goiás, Brasil. Bolsista do CNPq. E-mail: rogerio@persogo.com.br

ABSTRACT

Herein, the advertisement and territorial calls recorded from topotypes of Scinax arduous Peixoto, 2002 and S. perpusillus (A. Lutz & B. Lutz, 1939) are described. These two species belong to the Scinax perpusillus species group and show acoustic parameters of territorial calls similar to the catharinae species group, suggesting that they are phylogenetically related. The acoustic parameters of advertisement calls of S. arduous and S. perpusillus suggest a monophyletic origin for the Scinax perpusillus species group.

Key words: Advertisement and territorial calls, Atlantic Rain Forest, Southeasten Brazil.

Em anfíbios anuros, a vocalização de anúncio (senso Wells 1977) é usada como sinal específico, sendo considerada de importância primária para o reconhecimento e, portanto, um mecanismo eficiente no isolamento reprodutivo (veja LITTLEJOHN & LOFT-HILLS 1968, WELLS 1977, DUELLMAN & TRUEB 1986). Diante disso, as vocalizações de anúncio podem ser usadas como caráter em estudos taxonômicos. No Brasil, a partir da década de 60, as vocalizações de anúncio começaram a ser utilizadas no reconhecimento de espécies (BOKERMANN 1962, 1966, 1967). Nos últimos anos, o estudo das vocalizações tem sido incrementado em estudos taxonômicos devido, em parte, à diminuição dos custos dos equipamentos de gravação e análise. Atualmente, as vocalizações são freqüentemente usadas como caráter taxonômico, inclusive revelando espécies crípticas (HEYER et al. 1996, HADDAD & POMBAL 1998, HADDAD et al. no prelo).

O gênero Scinax Wagler, 1830, como atualmente reconhecido, é representado por 84 espécies (FROST 2002), apresentando taxonomia difícil devido ao grande número de espécies, morfologia semelhante entre várias formas dentro do mesmo grupo de espécies, muitas espécies inéditas ou mal delimitadas, além de informações da fase larval e das vocalizações ainda serem escassas (POMBAL et al. 1995b). DUELLMAN & WIENS (1992), quando diagnosticaram o gênero Scinax, reconheceram sete grupos fenéticos de espécies: catharinae, perpusillus, rizibilis, rostratus, ruber, staufferi e x-signatus. Posteriormente, os grupos rizibilis e x-signatus foram considerados sinônimos de catharinae e ruber, respectivamente (POMBAL et al., 1995a, b).

FAIVOVICH (2002), em uma ampla análise cladística redefine o gênero Scinax, mantém a sinonímia dos grupos anteriormente proposta e reconhece apenas três grupos de espécies: catharinae, ruber e perpusillus; este último, entretanto, não pode ter sua monofilia testada uma vez que apenas uma espécie estava disponível para esta análise. O grupo de S. perpusillus foi primeiramente proposto por PEIXOTO (1987), para alocar as espécies de pequeno porte do gênero e que se reproduzem exclusivamente em bromélias.

Neste estudo descreve-se as vocalizações de anúncio e territorial, obtidas na localidade-tipo, de Scinax arduous Peixoto, 2002, e S. perpusillus (A. Lutz & B. Lutz, 1939).

MATERIAL E MÉTODOS

As vocalizações foram gravadas com gravador digital DAT Tascam DAP1 e microfone Sennheiser ME 66. A digitalização e análise das vocalizações foram feitas em computador PC Pentium, com o software Avisoft-SASLab Light a 22050 Hz e resolução de 16 bits. Os sonogramas foram confeccionados com FFT de 256 pontos, overlap de 87,5% e window flat top.

As gravações e espécimes-testemunhos (apêndice 1) estão no Setor de Herpetologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil (MNRJ).

RESULTADOS

Scinax arduous Peixoto, 2002

Indivíduos machos desta espécie foram observados vocalizando em bromélias terrestres em clareira de mata, na entrada da Reserva Biológica de Santa Lúcia (19º57'10"S; 40º31'30"W) e nos jardins do Museu de Biologia Mello-Leitão (19º 56' 07"S; 40º 35'58"W), ambas as localidades no município de Santa Teresa, Estado do Espírito Santo. É possível que as bromélias de Santa Lúcia tenham sido cultivadas.

A vocalização de anúncio (Fig. 1A, C ), foi obtida de três diferentes machos, sendo os cantos constituídos por 4-6 notas ( = 5,1; DP = 0,64; n = 20); cada canto teve duração de 272 ± 38 ms (198-328 ms). As notas apresentaram duração de 25 ± 5 ms (14-45 ms; n = 101), sendo o intervalo entre as notas de 34 ± 7 ms (23-51 ms; n = 81). O número de pulsos por nota foi de 9,5 ± 2,2 (5-13; n = 101) e a duração dos pulsos de 2 ± 0,6 ms (2-4 ms; n = 101). O intervalo médio entre os cantos analisados foi de 944 ms (234-283 ms; n = 20). A freqüência dominante foi de 4301 ± 226 Hz (3802-4682 Hz; n = 20).


Um segundo tipo de vocalização, provavelmente territorial, foi obtido de um único macho (Fig. 1B, D ) e foi constituído por uma nota que apresentou entre 18 e 22 pulsos ( = 20 ± 1,1; n = 20) com duração de 61 ± 5 ms (53-64 ms; n = 10). A duração dos pulsos foi de 2,8 ± 0,5 ms (2-4 ms; n = 30). O intervalo entre os cantos foi de 100 ± 11 ms (82-116 ms; n = 10). A freqüência dominante foi de 4170,38 ± 333,01 Hz (3760-4445 Hz; n = 10).

Espécimes-testemunhos. Scinax arduous MNRJ 28373-28375, 30387 Santa Teresa, Estado do Espírito Santo, Brasil.

Scinax perpusillus (A. Lutz & B. Lutz, 1939)

Machos desta espécie foram observados e gravados em bromélias que estavam sobre paredão rochoso no Bairro da Urca (22º57'15"S; 43º09'52"W), município do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro.

A vocalização de anúncio (Fig. 2A, D ), foi obtida de um macho. Outras vocalizações gravadas não estavam apropriadas para a análise, não sendo utilizadas na quantificação. A vocalização de anúncio foi constituída por 3-6 notas ( = 4,3; DP = 0,8; n = 10); cada canto teve duração de 140 ± 27 ms (92-174 ms). As notas apresentaram duração de 14 ± 2 ms (7-18 ms; n = 43), sendo o intervalo entre as notas de 26 ± 7 ms (9-59 ms; n = 33). O número de pulsos por nota foi de 3,5 ± 0,9 (3-5; n = 43) e a duração dos pulsos de 3 ± 1 ms (2-5 ms; n = 43). O intervalo médio entre os cantos analisados foi de 937 ms (776-1067 ms; n = 10). A freqüência dominante foi de 4816 ± 92 Hz (4554-4856 Hz; n = 10).


Um segundo tipo de vocalização, provavelmente territorial (Fig. 2B, E ), foi constituído de 6-12 notas ( = 9,3; DP = 3,1; n = 3); cada canto teve duração de 366 ± 46 ms (314-400 ms; n = 3). As notas apresentaram duração de 17 ± 7 ms (8-42 ms; n = 28), sendo o intervalo entre as notas de 22 ± 14ms (8-64 ms; n = 26). O número de pulsos por nota foi de 2,7 ± 1 (1-6; n = 28) e a duração dos pulsos de 6 ± 1 ms (4-9 ms; n = 28). O intervalo entre os cantos analisados foi de 19 ms (748-792ms; n = 3). A freqüência dominante foi de 4913 ± 9,6 Hz (4902-4918 Hz; n = 3). Um terceiro tipo de canto, provavelmente também com função territorial, foi gravado a partir de um único indivíduo (Fig. 2C, F ), quando este interagia com outro macho. Este tipo de vocalização foi constituído por uma única nota multipulsionada, às vezes, com interrupção entre os pulsos, sendo sua duração de 185, 435 e 508 ms (n = 3). A freqüência dominante esteve entre 4770 e 4743 Hz.

Espécimes-testemunhos. Scinax perpusillus MNRJ 30930-30931 Urca, Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

DISCUSSÃO

As vocalizações de anúncio das populações topotípicas de Scinax arduous e S. perpusillus aqui analisadas mostraram-se diferentes entre si. HEYER et al. (1990) descreveram e figuraram a vocalização de anúncio de uma espécie de Scinax do grupo perpusillus de Boracéia, São Paulo (embora HEYER et al. 1990, tenham chamado a população de Boracéia como S. perpusillus, os próprios autores reconhecem se tratar de uma espécie diferente). A vocalização de anúncio da população de Boracéia (HEYER et al. 1990) parece diferente da aqui apresentada para a população do Rio de Janeiro. Entretanto, as três populações de Scinax do grupo perpusillus com as vocalizações de anúncio disponíveis apresentam características em comum: (1) vocalizações de anúncio compostas por pequeno número de notas (três a seis); (2) notas com estrutura multipulsionada (sem harmônicos); (3) grande intervalo de tempo entre as notas (intervalo aproximadamente 1,5 a duração da nota, ou maior).

Segundo POMBAL et al. (1995b), a estrutura multipulsionada é amplamente difundida nas vocalizações de anúncio no gênero Scinax. As vocalizações das espécies do grupo ruber são multipulsionadas e com pequeno intervalo de tempo entre os pulsos; no grupo catharinae as notas são de pequena duração e, às vezes, com estrutura harmônica (POMBAL et al. 1995b).

Nas espécies do grupo de Scinax perpusillus as vocalizações de anúncio são constituídas por três a seis notas multipulsionadas com intervalos entre 23 a 59 ms (este estudo), diferindo das vocalizações de anúncio das espécies dos grupos de S. catharinae e S. ruber (veja POMBAL et al. 1995a, b). Embora outros tipos de vocalização (e.g. territorial) não sejam adequados para o reconhecimento específico, podem ser utilizadas como informação filogenética. Assim, as vocalizações territoriais de S. arduous e S. perpusillus aqui apresentadas, diferem das vocalizações territoriais de espécies do grupo de S. ruber, pois nestas últimas, as notas das vocalizações territoriais são mais curtas que as de anúncio, com freqüência modulada e, aparentemente, com estrutura harmônica (e.g. POMBAL et al. 1995a). Estruturalmente, as vocalizações territorias (ou de encontro) no grupo catharinae são também multipulsionadas (e.g. BASTOS & HADDAD 2002).

FAIVOVICH (2002) reconhece dois clados principais no gênero Scinax: catharinae e ruber, considerando ainda perpusillus como grupo irmão de catharinae. Os presentes resultados corroboram as propostas de FAIVOVICH (2002); a estrutura das notas das vocalizações territoriais são compartilhadas pelos grupos perpusillus e catharinae, indicando maior afinidade entre estes grupos que com o grupo ruber. Em relação aos parâmetros acústicos das vocalizações de anúncio, o grupo perpusillus é perfeitamente caracterizável, podendo ser considerado um grupo independente.

AGRADECIMENTOS

A Patrícia A. Abrunhosa, Daniel Fernandes e Julian Faivovich pela leitura crítica e sugestões. A Clarissa Canedo, Julian Faivovich, Daniel Fernandes, Paulo Passos e Elenice Rickli pela ajuda e companhia no trabalho de campo no Rio de Janeiro. O trabalho de campo na região de Santa Teresa, Espírito Santo, foi realizados durante as disciplina "História natural de anfíbios: campo" (turma de 2001) do Programa de Pós-graduação em Zoologia do Museu Nacional, UFRJ; somos gratos aos estudantes e colaboradores durante o trabalho de campo. A Reserva Biológica Santa Lúcia, Museu Nacional e Museu de Biologia Mello-Leitão pelo apoio logistíco na região de Santa Teresa, ES. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelos auxílios concedidos.

Recebido em 30.IV.2003; aceito em 16.X.2003.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      16 Out 2003
    • Recebido
      30 Abr 2003
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