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Primeiro registro de Plesiophysa guadeloupensis ("Fischer" Mazé) no Estado do Rio de Janeiro, Brasil

First report of Plesiophysa guadeloupensis ("Fischer" Mazé) in the State of Rio de Janeiro, Brazil

Resumos

O presente trabalho trata do primeiro registro de Plesiophysa guadeloupensis (" Fischer" Mazé, 1883) no Estado do Rio de Janeiro, no município de Itaocara. Os exemplares foram coletados em uma área alagada situada no distrito de Jaguarembé em abril/maio de 2003 e março de 2005. São mencionadas as espécies encontradas em simpatria com P. guadeloupensis, assim como algumas características físicas e químicas da água (pH, oxigênio dissolvido e temperatura), além da atual distribuição geográfica do gênero Plesiophysa no Brasil.

Distribuição geográfica; moluscos límnicos; taxonomia


This paper deals with the first report of Plesiophysa guadeloupensis (" Fischer" Mazé, 1883) from Rio de Janeiro State, in the municipality of Itaocara. The gastropods were collected at a swamp situated in the district of Jaguarembé in April-May 2003 and March 2005. Other species found together with P. guadeloupensis are mentioned, as well as some physical and chemical characteristics of the water (pH, dissolved oxygen and temperature), and the geographical distribution of the genus Plesiophysa in Brazil.

Freshwater molluscs; geographical distribution; taxonomy


COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA

Primeiro registro de Plesiophysa guadeloupensis ("Fischer" Mazé) no Estado do Rio de Janeiro, Brasil

First report of Plesiophysa guadeloupensis ("Fischer" Mazé) in the State of Rio de Janeiro, Brazil

Monica A. Fernandez; Silvana C. Thiengo; Wladimir L. Paraense

Departamento de Malacologia, Instituto Oswaldo Cruz. Avenida Brasil 4365, 21045-900 Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: ammon@ioc.fiocruz.br; sthiengo@ioc.fiocruz.br; paraense@ioc.fiocruz.br

RESUMO

O presente trabalho trata do primeiro registro de Plesiophysa guadeloupensis (" Fischer" Mazé, 1883) no Estado do Rio de Janeiro, no município de Itaocara. Os exemplares foram coletados em uma área alagada situada no distrito de Jaguarembé em abril/maio de 2003 e março de 2005. São mencionadas as espécies encontradas em simpatria com P. guadeloupensis, assim como algumas características físicas e químicas da água (pH, oxigênio dissolvido e temperatura), além da atual distribuição geográfica do gênero Plesiophysa no Brasil.

Palavras-chave: Distribuição geográfica; moluscos límnicos; taxonomia.

ABSTRACT

This paper deals with the first report of Plesiophysa guadeloupensis (" Fischer" Mazé, 1883) from Rio de Janeiro State, in the municipality of Itaocara. The gastropods were collected at a swamp situated in the district of Jaguarembé in April-May 2003 and March 2005. Other species found together with P. guadeloupensis are mentioned, as well as some physical and chemical characteristics of the water (pH, dissolved oxygen and temperature), and the geographical distribution of the genus Plesiophysa in Brazil.

Key words: Freshwater molluscs; geographical distribution; taxonomy.

A família Planorbidae é representada no Brasil por seis gêneros (PARAENSE 1975), inclui as espécies responsáveis pela transmissão da esquistossomose, doença de grande importância para a saúde pública em vários países tropicais e subtropicais, inclusive o Brasil. O conhecimento da ocorrência e da distribuição dos moluscos límnicos apesar de ser fundamental para os estudos da biodiversidade ainda é precário no Brasil, devido às dimensões continentais de nosso território e ao reduzido número de malacologistas. Os poucos estudos existentes dizem respeito principalmente à distribuição das espécies Biomphalaria glabrata (Say, 1818), Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835) e Biomphalaria straminea (Dunker, 1848), hospedeiras naturais do Schistosoma mansoni Sambon, 1907, citando em alguns casos a ocorrência de simpatrias com outras espécies límnicas. Até o presente, levantamentos da malacofauna límnica foram realizados nos Estados do Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo, Distrito Federal e Região Amazônica (MAGALHÃES 1969, PARAENSE 1983, PARAENSE et al. 1983, COIMBRA JR & SANTOS 1986, VAZ et al. 1992, LUZ et al. 1998, SOUZA et al. 1998, PEREIRA et al. 2000a, b, THIENGO et al. 2001, 2002a, b, 2004a, b).

Este trabalho registra a primeira ocorrência de Plesiophysa guadeloupensis (" Fischer" Mazé, 1883) no Estado do Rio de Janeiro e fornece parâmetros físico-químicos do biótopo (pH, oxigênio dissolvido e temperatura da água), bem como as espécies encontradas em simpatria. Complementarmente é assinalada a distribuição geográfica atual dessa espécie no Brasil, assim como da única espécie congenérica.

O material foi coletado no distrito de Jaguarembé, município de Itaocara, na Mesorregião Noroeste Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, em abril de 2003. Coletas complementares foram realizadas em maio de 2003 e março de 2005, para ampliar a amostra, registrar a malacofauna associada e complementar a coleta dos dados abióticos do criadouro. Os moluscos foram coletados com auxílio de conchas de captura numa área alagada (21º43'S, 42º02'W) situada às margens da estrada para a localidade de Conceição, e levados ao laboratório, onde foram acondicionados em aquários contendo água desclorada e uma fina camada de argila, acrescida de carbonato de cálcio e farinha de ostra. Uma amostra dos moluscos obtidos foi anestesiada em Hypnol a 0,05%, durante cinco horas e, após esse período, os moluscos foram mortos por aquecimento em água a 70ºC e fixados em solução de Railliet-Henry (930 ml de água destilada, 6 g de cloreto de sódio, 50 ml de formol e 20 ml de ácido acético glacial) para a identificação específica. Os demais estão sendo mantidos em aquários no laboratório para futuros estudos envolvendo, por exemplo, o acompanhamento das posturas e o crescimento dos animais.

Os dados abióticos foram aferidos utilizando um termômetro de mercúrio (intervalo de escala de 1ºC), um pHmetro (Instrutherm pH-1700) e um oxímetro Lutron DO-5510.

Foram obtidos inicialmente 23 exemplares de P. guadeloupensis (Fig. 1) medindo entre 3,5 e 6,5 mm, em simpatria com Lymnaea columella Say, 1817 e B. straminea. Nas pesquisas seguintes, em maio/2003 e março/2005, foram coletados respectivamente 41 e 18 exemplares de P. guadeloupensis e, simultaneamente, B. straminea, Drepanotrema anatinum (Orbigny, 1835), Drepanotrema lucidum (Pfeiffer, 1839) e Physa marmorata Guilding, 1828. Este material encontra-se depositado na Coleção Malacológica do Instituto Oswaldo Cruz, sob os números de registro: CMIOC 4925 (60 espécimes de P. guadeloupensis: conchas e partes moles), CMIOC 4924 (10 exemplares de B. straminea: conchas e partes moles), CMIOC 4926 (duas conchas de L. columella), CMIOC 4927 (D. anatinum: duas conchas e uma parte mole), CMIOC 4928 (D. lucidum: seis partes moles) e CMIOC 4929 (P. marmorata: uma concha e uma parte mole).


Os dados abióticos obtidos durante as coletas foram os seguintes: (1) temperatura da água: 27,2ºC (abril/2003), 27,5ºC (maio/2005) e 29,7ºC (março/2005); (2) temperatura ambiente: 33,1ºC (março/2005); (3) pH: 7,38 (abril/2003), 6,81 (maio/2005) e 6,4 (março/2005); (4) oxigênio dissolvido: 4,5 mg/L (março/2005).

A área alagada encontra-se parcialmente sombreada pela presença de bambu (Bambusoideae: Phyllostachys) o qual, quando submerso, serve de substrato e alimento para os moluscos. A vegetação aquática predominante é Mayaca Aublet, 1775, espécie exótica que habita águas lênticas e rasas (NOTARE 1992).

Durante a manutenção da população no Laboratório, algumas desovas de P. guadeloupensis (Fig. 1) foram observadas na vegetação aquática utilizada (Egeria Planchon, 1849) e a maioria possuía três ovos por desova. Esta colônia, mantida há dois anos, possui em média 30 exemplares com diâmetros variando entre 1 e 7 mm, os quais são alimentados diariamente com alface desidratada.

Ao descrever as espécies de planorbídeos brasileiros, PARAENSE (1975) assinalou as características diagnósticas da concha e da parte mole, a etimologia, as localidades-tipo e a distribuição geográfica do gênero Plesiophysa e da única espécie conhecida até então no Brasil, Plesiophysa ornata (Haas, 1938). Recentemente, o mesmo autor redescreveu a espécie P. ornata, baseado tanto no material topotípico quanto no de outras 14 localidades brasileiras (PARAENSE 2002a), detalhando a conquiliologia e a anatomia da espécie, bem como alguns aspectos de sua taxonomia. Uma segunda espécie, Plesiophysa dolichomastix Paraense, 2002, foi descrita com base em material coletado no Estado de Goiás, no município de Santa Rosa de Goiás (15º01'S, 47º13'W), e depositada na Coleção Malacológica do Instituto Oswaldo Cruz (CMIOC números 1787 e 2041) (PARAENSE 2002b).

Posteriormente, PARAENSE (2003) redescreveu P. guadeloupensis analisando os exemplares coletados em Guadeloupe (material topotípico) e na República Dominicana, ambos depositados na CMIOC (registros 1504 e 1560). Uma vez que as características da concha e da anatomia são indistinguíveis das descritas para P. ornata, o autor admite sinonímia entre estas espécies e, seguindo o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica, a espécie válida passa a ser P. guadeloupensis. Quanto à distribuição geográfica desta espécie no Brasil (PARAENSE 2002a, HAAS 1938), espécimes foram encontrados nos seguintes Estados: Rio Grande do Norte (em sete municípios: Grossos - CMIOC 3550; Marcelino Vieira - CMIOC 3504; Olho D'água do Borges - CMIOC 3542; Presidente Juscelino - CMIOC 3684; Santo Antônio - CMIOC 3637; São Fernando - CMIOC 3564; e Senador Elói de Souza - CMIOC 3682), Paraíba (Monteiro; Santa Luzia; São João do Cariri; São Mamede - CMIOC 554; e Sousa - CMIOC 549), Pernambuco (Águas Belas), Sergipe (Itabaianinha - CMIOC 2950), Bahia (Conceição - CMIOC 1438), Minas Gerais (Aimorés - CMIOC 2; Governador Valadares - CMIOC 68; Jaíba - CMIOC 4323; e Tarumirim - CMIOC registros 83 e 584) e Espírito Santo (Baixo Guandu - CMIOC 20).

É possível que esta espécie não tenha sido observada na maioria dos levantamentos malacológicos devido ao reduzido número de especialistas neste grupo e por não se tratar de uma espécie de importância médica e veterinária, alvo dos principais levantamentos malacológicos.

Este trabalho amplia a distribuição geográfica do gênero Plesiophysa, como representado na figura 2, ao inserir os municípios de Central, no Estado da Bahia, e de Itaocara, no Estado do Rio de Janeiro, limite extremo sul de sua distribuição geográfica atualmente conhecida.


AGRADECIMENTOS

À Aline C. de Mattos, Andreia A. Soares, Márcio da S. Loureiro e José E. Prado.

Recebido em 18.XI.2005; aceito em 18.VIII.2006.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2006

Histórico

  • Aceito
    18 Ago 2006
  • Recebido
    18 Nov 2005
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