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Efeito da coleta de morcegos por noites seguidas no mesmo local

Effect of sampling of bats during subsequent nights in the same place

Resumos

Foi analisada a variação da eficiência de captura com redes de neblina armadas no mesmo local em noites subseqüentes. Foram realizadas 11 campanhas, entre 1997 e 1999, totalizando 27 noites. As redes de neblina foram armadas sempre nas mesmas posições e permaneceram abertas por toda a noite. As campanhas foram realizadas a intervalos variando, em média, 29 dias. Não foram observadas diferenças significativas na eficiência de captura entre as primeiras (0,33 ± 0,20 morcegos/h-rede), segundas (0,22 ± 0,14 morcegos/h-rede) e terceiras (0,19 ± 0,16 morcegos/h-rede) noites consecutivas de coleta em cada campanha. Obteve-se redução gradativa da eficiência de captura com a continuidade das coletas com redes armadas no mesmo local (r = 0,43, p = 0,03).

Eficiência de captura; listagem; Mata Atlântica; métodos; redes de neblina


The variation of the capture efficiency of bats was analyzed with mist nets opened in subsequent nights. Eleven campaigns were accomplished, between 1997 and 1999, totaling 27 nights. The mist nets were always armed in the same positions and they stayed open for the whole night. The campaigns were accomplished at 29 days averaged intervals. Significant differences were not observed in the capture efficiency among the first (0.33 ± 0.20 bat/h-net), second (0.22 ± 0.14 bat/h-net) and third (0.19 ± 0.16 bat/h-net) consecutive nights of sampling in each campaign. It was obtained gradual reduction of the capture efficiency with the continuity of the sampling procedure (r = 0.43, p = 0.03).

Atlantic Forest; capture efficiency; list of species; methods; mist net


Efeito da coleta de morcegos por noites seguidas no mesmo local

Effect of sampling of bats during subsequent nights in the same place

Carlos E. L. Esbérard

Instituto de Biologia, Universidade Federal Rural do Estado do Rio de Janeiro. Antiga estrada Rio-São Paulo, km 47, Caixa Postal 74503, 23851-970 Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: cesberard@superig.com.br

RESUMO

Foi analisada a variação da eficiência de captura com redes de neblina armadas no mesmo local em noites subseqüentes. Foram realizadas 11 campanhas, entre 1997 e 1999, totalizando 27 noites. As redes de neblina foram armadas sempre nas mesmas posições e permaneceram abertas por toda a noite. As campanhas foram realizadas a intervalos variando, em média, 29 dias. Não foram observadas diferenças significativas na eficiência de captura entre as primeiras (0,33 ± 0,20 morcegos/h-rede), segundas (0,22 ± 0,14 morcegos/h-rede) e terceiras (0,19 ± 0,16 morcegos/h-rede) noites consecutivas de coleta em cada campanha. Obteve-se redução gradativa da eficiência de captura com a continuidade das coletas com redes armadas no mesmo local (r = 0,43, p = 0,03).

Palavras-chave: Eficiência de captura; listagem; Mata Atlântica; métodos; redes de neblina.

ABSTRACT

The variation of the capture efficiency of bats was analyzed with mist nets opened in subsequent nights. Eleven campaigns were accomplished, between 1997 and 1999, totaling 27 nights. The mist nets were always armed in the same positions and they stayed open for the whole night. The campaigns were accomplished at 29 days averaged intervals. Significant differences were not observed in the capture efficiency among the first (0.33 ± 0.20 bat/h-net), second (0.22 ± 0.14 bat/h-net) and third (0.19 ± 0.16 bat/h-net) consecutive nights of sampling in each campaign. It was obtained gradual reduction of the capture efficiency with the continuity of the sampling procedure (r = 0.43, p = 0.03).

Key words: Atlantic Forest; capture efficiency; list of species; methods; mist net.

Lista de espécies é o produto mais numeroso entre as pesquisas realizadas com morcegos no Brasil (UIEDA & PEDRO 1996, BERGALLO et al. 2003). O método usualmente empregado é o uso de redes de neblina armadas em possíveis rotas de vôo. Geralmente armadas por parte da noite (ESBÉRARD & BERGALLO 2005) e usadas por alguns meses, estas listagens produzem, na sua maioria, inventários incompletos e com menos de 20 espécies por localidade no sudeste do Brasil (BERGALLO et al. 2003). Muito pouco tem sido discutido sobre a adequação da metodologia de coleta usualmente empregada em nossas condições. Muitos autores restringem a coleta a partes do ciclo lunar e a parte da noite em que espera-se maior eficiência na captura (ESBÉRARD & BEGALLO 2005), sendo praxe justificar o uso de tal técnica com trabalhos desenvolvidos em diferentes condições, biomas e latitudes (e.g. MORRISON 1978, 1980).

Um dos aspectos relevantes no planejamento de trabalho de campo é o número de noites de coleta e o período total em que será desenvolvido o trabalho de campo. Para minimizar os custos de deslocamento, uma das opções pode ser a coleta em noites subseqüentes no mesmo local ou em poucos locais trocados regularmente a intervalos determinados pelo pesquisador (e.g. MARINHO-FILHO & SAZIMA 1989, TEIXEIRA & PERACCHI 1996, AGUIAR & MARINHO-FILHO 2004). No entanto, já existem relatos de que "alguns morcegos são frequentemente eficientes em evitar as redes" (KUNZ & KURTA 1988) e "como regra geral, as redes devem ser movidas a cada noite porque os morcegos aprendem a evitá-las" (SIMONS & VOSS 1998). Apesar de ser citada a capacidade de aprendizado da posição das redes pelos morcegos, apenas em um trabalho foi testada a taxa de captura em noites subseqüentes (CRANBOOK & BARRET 1965 apud KUNZ & KURTA 1988), não sendo encontrada evidências estatísticas em Nyctalus noctula (SCHREBER, 1774).

O objetivo deste trabalho foi analisar a variação da eficiência de captura com redes de neblina armadas na mesma área em noites subseqüentes.

MATERIAL E MÉTODOS

Realizamos as coletas na Reserva Rio das Pedras, Município de Mangaratiba, situada no km 55 da estrada Rio-Santos, a 82 km ao sul do município do Rio de Janeiro (22°59'26,4"S e 044°06'03,2"W). Constituiu-se de reserva particular, mantida pelo Club-Med, que apresenta área de 1150 hectares, com cobertura predominante de matas secundárias, em altitudes variando de 20 a 1150 msm.

Foram realizadas 11 campanhas, entre 1997 e 1999, das quais duas de apenas uma noite, cinco de duas noites consecutivas e cinco com três noites consecutivas (total de 27 noites). As redes de neblina foram armadas sempre nas mesmas posições e permaneceram abertas por toda a noite, em trilhas já existentes. A cada noite foram empregadas oito redes (total de 140 m2) e quando foram realizadas amostragens em noites sucessivas foi incrementado o número de redes, utilizando três redes a mais que na primeira noite (total de 192,5 m2). As campanhas foram realizadas a intervalos não regulares, variando de 7 a 50 dias (média de 28,90 ± 14,48 dias). As coletas foram realizadas independentemente do ciclo lunar, tendo sido obtido esforço de coleta similar entre a fase escura e a fase clara.

Os animais capturados foram soltos no mesmo local após serem medidos, pesados e marcados com coleiras providas de cilindros coloridos segundo código previamente estabelecido (ESBÉRARD & DAEMON 1999). Não foram consideradas no cálculo da eficiência de captura recapturas observadas na mesma data da primeira captura. A eficiência de captura (captura/h-rede) foi calculada dividindo-se o número de capturas pelo esforço, que foi calculado pelo número de horas de coleta multiplicado pelo número de redes (7 x 2,5 m) empregadas a cada noite (h-rede) (JONES et al. 1996). Foi testada a eficiência de captura entre as noites usando o teste t de Student pareado com a correção de Bonferroni e foi realizada a regressão linear simples entre a eficiência de captura e o esforço de coleta acumulado com o total de noites de coleta desde o início do inventário e o intervalo em dias entre as coletas. Foi realizada a regressão linear entre a eficiência de captura das duas espécies mais freqüentes (mais de 200 capturas e que estiveram presentes em mais de 90% das noites de coleta) o intervalo em dias entre as coletas. Foi usado o programa Systat 11.0 para as comparações estatísticas.

RESULTADOS

A amostragem total analisada compreendeu 765 capturas e recapturas, com Artibeus lituratus (Olfers, 1818) correspondendo a 35,7% das capturas e Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) a 24,2%. As 11 primeiras noites somaram 353 capturas (variando de 4 a 67 capturas), com média da eficiência de captura de 0,33 ± 0,20 morcego/h-rede. Nas noites subseqüentes (n = 10), foram obtidas 289 capturas, (variando de 4 a 63 capturas), com média da eficiência de captura de 0,22 ± 0,14 morcego/h-rede, resultando em uma redução de 18,13% das capturas da primeira noite, apesar desta diferença não ser significativa (t = 1,59, gl = 9, p = 0,145). Nas cinco ocasiões que foram amostradas três noites consecutivamente obtivemos o total de 123 capturas (variação de 12 a 40 capturas), com média da eficiência de captura de 0,19 ± 0,16 morcego/h-rede e uma redução de 65,16% da primeira noite (t = 0,31, gl = 4, p = 0,770) e 57,44% da segunda noite de coleta (t = 1,52, gl = 4, p = 0,202), apesar destas diferenças não serem significativas (Fig. 1).


Obteve-se redução gradativa da eficiência de captura com a continuidade das coletas com redes armadas no mesmo local, tanto quando considerado o total de esforço (r = 0,43, p = 0,030) (Fig. 2), quanto o número de dias desde o início do inventário (r = 0,38, p = 0,053) (Fig. 3). A eficiência de captura de A. lituratus apresentou redução significativa com o intervalo entre coletas (r = 0,45, p = 0,02), enquanto que em C. perspicillata esta relação não foi significativa (r = 0,31, p = 0,12) (Fig. 4).

DISCUSSÃO

KUNZ & KURTA (1988), SIMMONS & VOSS (1998) e JONES et al. (1996), entre outros autores, sugerem a troca diária da posição das redes para evitar o efeito do aprendizado, no entanto, não foi detectado neste trabalho diferenças entre noites seguidas. Com os resultados deste trabalho comprova-se que a eficiência de captura decresce gradativamente com a realização de coletas em noites não consecutivas se não forem mudadas as posições das redes. A permanência de redes nos mesmos locais em campanhas realizadas a intervalos médios de 29 noites resultou em decréscimo gradativo da eficiência de captura pelo menos em parte das espécies analisadas. Tal fato pode ser decorrente do aprendizado pelos morcegos (e.g. KURTA & KUNZ 1988, SIMMONS & VOSS 1998), sendo provável que estes animais (I) desloquem-se para outras áreas, (II) memorizem a posição das redes de neblina, evitando voar junto a estas e/ou (III) desviem destas usando o sonar mais freqüentemente quando próximas a estas.

Apenas seis recapturas foram observadas nas noites posteriores a marcação (0,78% das capturas), fato que sustenta a teoria do aprendizado por estes morcegos. É impossível estimar quantos morcegos perceberam as redes e as evitaram ou mesmo o número dos que conseguem escapar após colidir contra estas. Morcegos possuem extensas áreas de vida, que podem exceder 500 hectares (e.g. ESTRADA & COATES-ESTRADA 2001, BERNARD & FENTON 2003). Estudos com radio-telemetria demonstraram o uso de mais de um habitat a cada noite por algumas espécies de morcegos enquanto outras usam pequenas áreas e restringem-se a proximidade do refúgio. Entre os morcegos observa-se tanto a fidelidade ao refúgio, como a troca periódica deste (BERNARD & FENTON 2003). Vôos exploratórios estão restritos a algumas noites e a atividade de deslocamento e forrageio é reduzida ou intercalada por vários períodos de baixa atividade (MORRISSON 1978, 1980, FENTON et al. 1998). Tais aspectos, somados a um possível aprendizado, resultam em baixas taxas de recaptura, geralmente inferior a 10% dos animais marcados (e.g. MELLO & FERNANDEZ 2000).

Estudos de longa duração empregando o mesmo sítio de coleta, ou mesmo poucos sítios de coleta em rodízio, podem resultar em decrescente sucesso, sendo desejável amostrar diferentes áreas. Variando a posição das redes e principalmente usando vários sítios de coleta pode-se incrementar a probabilidade de amostrar maior riqueza (BERGALLO et al. 2003) e minimizar o efeito do aprendizado dos morcegos quanto à posição das redes.

AGRADECIMENTOS

A administração da Reserva Rio das Pedras, Club Méd. A Rui Cerqueira, Lena Geise, Adriano L. Peracchi e Cristina A.G. Nassar. Licença especial para coleta do IBAMA-DF (processos 1755/89 e 4156/95-46). Financiamento do Fundo de Conservação Ambiental/SMAC (Processos 14/001.917/97 e 14/400.116/99). Bolsa de Pós-Doutorado CNPq (processo 152910/2004-0).

Recebido em 12.V.2006; aceito em 19.X.2006.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2006

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2006
  • Aceito
    19 Out 2006
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