Acessibilidade / Reportar erro

Dieta e uso de habitat da jararaca-do-brejo, Mastigodryas bifossatus Raddi (Serpentes, Colubridade) em domínio subtropical do Brasil

Diet and habitat use of swamp racer snake, Mastigodryas bifossatus Raddi (Serpentes, Colubridae) in subtropical domains of Brazil

Resumos

A serpente Mastigodryas bifossatus Raddi, 1820 é um grande colubrídeo neotropical que habita áreas abertas na América do Sul. Sua dieta é composta principalmente por anfíbios, mas inclui outros itens como mamíferos e lagartos. A dissecção de 224 espécimes desta serpente, provenientes dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, preservados em coleções herpetológicas do Brasil e um estudo de campo entre 1996 e 1998, fornecem informações sobre os hábitos alimentares e uso de habitat dessa serpente em domínio subtropical no Brasil. Essa serpente alimenta-se de anfíbios (80%), em sua maioria da família Leptodactylidae, mamíferos (10%) e lagartos (2%). Foi verificada mudança ontogenética na dieta de M. bifossatus, o tamanho das presas ingeridas aumenta com o aumento de tamanho da serpente. Essa espécie ocorre principalmente em áreas abertas, algumas vezes perto de áreas antrópicas em domínio subtropical no Brasil.

Anfíbios; diurna; sazonalidade


Mastigodryas bifossatus Raddi, 1820 is a large neotropical colubrid snake that inhabits open areas in South America. The diet is mainly composed by frogs, but it includes other items like mammals and lizards. The dissection of 224 specimens of this snake, proceeding from the states of Rio Grande do Sul, Santa Catarina and Paraná, stored in herpetological collections in Brazil and a field study between 1996 and 1998, provided information on dietary habits and habitat use of this snake in subtropical domains in Brazil. This snake eats mainly amphibians of the family Leptodactylidae (80%), mammals (10%) and lizards (2%). There is ontogenetic diet shift in M. bifossatus, as the snake grows, the range of preys grows as well. M. bifossatus occur in open areas.

Amphibians; diurnal; seasonality


Dieta e uso de habitat da jararaca-do-brejo, Mastigodryas bifossatus Raddi (Serpentes, Colubridade) em domínio subtropical do Brasil

Diet and habitat use of swamp racer snake, Mastigodryas bifossatus Raddi (Serpentes, Colubridae) in subtropical domains of Brazil

Pedro T. Leite; Simone de F. Nunes; Sonia Z. Cechin

Laboratório de Herpetologia, Universidade Federal de Santa Maria. Faixa de Camobi, Km 9, 97105-900 Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: pedroterraleite@hotmail.com; simonen@upf.br; cechinsz@ccne.ufsm.br

RESUMO

A serpente Mastigodryas bifossatus Raddi, 1820 é um grande colubrídeo neotropical que habita áreas abertas na América do Sul. Sua dieta é composta principalmente por anfíbios, mas inclui outros itens como mamíferos e lagartos. A dissecção de 224 espécimes desta serpente, provenientes dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, preservados em coleções herpetológicas do Brasil e um estudo de campo entre 1996 e 1998, fornecem informações sobre os hábitos alimentares e uso de habitat dessa serpente em domínio subtropical no Brasil. Essa serpente alimenta-se de anfíbios (80%), em sua maioria da família Leptodactylidae, mamíferos (10%) e lagartos (2%). Foi verificada mudança ontogenética na dieta de M. bifossatus, o tamanho das presas ingeridas aumenta com o aumento de tamanho da serpente. Essa espécie ocorre principalmente em áreas abertas, algumas vezes perto de áreas antrópicas em domínio subtropical no Brasil.

Palavra-chave: Anfíbios; diurna; sazonalidade.

ABSTRACT

Mastigodryas bifossatus Raddi, 1820 is a large neotropical colubrid snake that inhabits open areas in South America. The diet is mainly composed by frogs, but it includes other items like mammals and lizards. The dissection of 224 specimens of this snake, proceeding from the states of Rio Grande do Sul, Santa Catarina and Paraná, stored in herpetological collections in Brazil and a field study between 1996 and 1998, provided information on dietary habits and habitat use of this snake in subtropical domains in Brazil. This snake eats mainly amphibians of the family Leptodactylidae (80%), mammals (10%) and lizards (2%). There is ontogenetic diet shift in M. bifossatus, as the snake grows, the range of preys grows as well. M. bifossatus occur in open areas.

Key words: Amphibians; diurnal; seasonality.

Serpentes da subfamília Colubrinae apresentam ampla distribuição geográfica e podem ser encontradas em todos os continentes exceto Antártida (CADLE & GREENE 1993), embora sejam mais abundantes no hemisfério norte (GREENE 1997). Dentre os colubríneos neotropicais, o gênero MastigodryasAmaral, 1935 representa 11 espécies que se distribuem desde o México através da América Central e Sul, leste dos Andes até o Brasil Meridional, Bolívia, Paraguai e Argentina setentrional (PETERS & OREJAS-MIRANDA 1970, LEMA 1994).

Mastigodryas bifossatus Raddi, 1820 é um grande colubríneo neotropical, cujos maiores espécimes superam os dois metros de comprimento (GIRAUDO 2001). Esta espécie se alimenta de anfíbios, pequenos mamíferos como roedores, aves e lagartos (CEI 1993), além de outras serpentes, podendo ter hábitos canibalísticos quando em cativeiro (LEMA et al. 1983, LEMA 2002).

Os estudos disponíveis, com dados pontuais, indicam que M.bifossatus apresenta dieta generalista, possui hábitos diurnos e predominantemente ocupa áreas abertas, sendo ocasionalmente arborícola (LEMA et al. 1983, CEI 1993, LEMA 2002). Entretanto, não há estudos detalhados, com uma base de dados substancial, sobre a biologia de M.bifossatus.

Para ampliar os dados sobre a biologia desta espécie, este estudo traz informações da dieta e uso do hábitat de M.bifossatusem domínio subtropical do Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

O material examinado das coleções procede dos três estados da região sul do Brasil (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná). O clima desta região caracteriza-se por estações bem definidas, apresentando verões quentes e invernos frios, onde o regime pluvial é bem distribuído ao longo do ano (KOEPPEN 1948). A vegetação apresenta diferentes conformações fitoecológicas, como savanas, estepes, florestas ombrófila mista e densa, florestas estacionais deciduais e estacionais semideciduais, que são distribuídas basicamente pela altitude e latitude (LEITE 2002), além da influência das temperaturas e do regime de chuvas durante o ano (RODERJAN et al. 2002). No planalto meridional brasileiro, predomina a floresta ombrófila mista, onde a espécie dominante é Araucariaangustifolia (Bertol.) Kuntze, e a floresta ombrófila densa, remanescente florestal da Mata Atlântica, que predomina na região da Serra do Mar dos três estados (RODERJAN et al. 2002). Além disso, os campos sulinos predominam na metade sul do Rio Grande do Sul (MARCHIORI 2002, WAECHTER 2002) e, ao norte e nordeste do Paraná, ocorrem pequenas porções de Cerrados, típicos do Planalto Central Brasileiro (RODERJAN et al. 2002).

Estudos de campo foram conduzidos na região da Depressão Central do Estado do Rio Grande do Sul, município de Santa Maria (29º43’S, 53º42’W, altitude de 100 m) de março de 1996 a março de 1998. A vegetação é caracterizada como floresta estacional decidual (VELLOSO & GOES-FILHO 1982) e por áreas de campos sujos, às vezes limpos ou úmidos e paleáceos PORTO (2002), onde exemplares foram coletados. O clima é subtropical, e a temperatura média anual varia de 17,9 a 19,2°C (LEMOS et al. 1973). As chuvas são regulares ao longo do ano e os índices pluviométricos variam entre 1500mm a 1750mm (PEREIRA et al. 1989).

Métodos

Os dados da dieta e uso do hábitat de M.bifossatus foram obtidos a partir de um estudo de campo e da dissecação de 224 espécimes preservados nas coleções herpetológicas da Universidade Federal de Santa Maria (ZUFSM; n = 108), Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCP; n = 48), Instituto Butantan (IB; n = 34), Museu de História Natural Capão da Imbuia (MHNCI; n = 19) e Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (MCN; n = 15).

Somente indivíduos procedentes do sul do Brasil, Paraná (n = 35), Santa Catarina (n = 1) e Rio Grande do Sul (n = 200) foram examinados. Para cada exemplar foi registrado comprimento rostro-cloacal (CRC) e comprimento da cauda (CC), ambos com auxílio de fio sobre a região ventral, massa do corpo (mais próximo de 0,5 g, após drenagem do excesso de líquido preservativo), com balança digital Ohaus®, número de itens alimentares e, sempre que possível, o sentido de ingestão da presa. Quando bem íntegros, os itens alimentares foram pesados, volumados e seu comprimento total medido com uso de paquímetro Starret®. Qualquer vestígio de presa na porção final do tubo digestório foi examinado sob microscópio estereoscópico. As presas foram identificadas até o menor nível taxonômico possível utilizando KWET & DI-BERNARDO (1999) e ACHAVAL & OLMOS (2003) de acordo com a revisão de FAIVOVICH et al. (2005). Foram excluídos da análise animais mantidos em cativeiro.

Para avaliar a importância de cada item consumido (anuros), o índice de importância relativa foi usado PINKAS et al. in MANEYRO et al. (2004), calculado como: IRIt = (POt) * (PIt + PVt), no qual POt é a porcentagem de ocorrência (100 * N° de estômagos contendo "t" item/ total N° de estômagos), PIt é a porcentagem de indivíduos (100 * total N° de indivíduos de "t" em todos os estômagos/ N° total de indivíduos de todos os táxons em todos os estômagos) e PVt é a porcentagem do volume (100 * volume total de indivíduos de "t" itens em todos os estômagos/ volume total de todos os itens em todos os estômagos). Apenas anuros foram utilizados na análise.

A maturidade sexual foi inferida através da análise das gônadas. Machos foram considerados maduros quando apresentavam dutos deferentes opacos e/ou alargados (SHINE 1988), enquanto fêmeas foram consideradas maduras quando apresentavam folículos vitelogênicos maiores do que 13 mm, e/ou ovos no oviduto (SHINE 1977).

Para análise do uso de hábitat, foram definidas as seguintes categorias de uso de hábitat: campo, borda de floresta e floresta. Os dados foram obtidos a partir de 41 exemplares observados no campo. Indivíduos foram coletados através de encontro visual (EV), com procura ativa, encontros acidentais (animais mortos) e coletores residentes (das áreas próximas à área de estudo). Encontro visual geralmente era feito por duas pessoas, em todos os hábitats disponíveis (campo, borda de floresta e floresta). A procura visual ocorreu durante o dia e à noite, mas principalmente no período diurno. Para cada serpente encontrada foi registrado: data e hora da observação e habitat utilizado. O material foi depositado na coleção científica da Universidade Federal de Santa Maria (ZUFSM), Departamento de Biologia, Setor de Zoologia.

A análise estatística foi feita com auxílio do software Bioestat 3.0 (2003), seguindo-se ZAR (1996). Como os dados biométricos são não paramétricos segundo o teste D’Agostinho, para verificar se existe correlação do CRC das serpentes em relação ao CRC das presas foi usado correlação linear de Spearman. Para testar se existe diferença no tamanho das presas consumidas entre os sexos, utilizou-se o teste Mann-Whitney (U). As diferenças sazonais foram testadas com Qui-Quadrado de tendência (c2). O nível de significância foi de 95% ou p < 0.05.

RESULTADOS

Dieta

Dentre os 224 espécimes de M.bifossatus analisados, 29,4% (n = 66) apresentaram conteúdo estomacal (n = 83 itens). Predominantemente, esta espécie alimenta-se de anuros, com 79,5% (n = 66) do total de itens encontrados, seguido de mamíferos, 9,7% (n = 8) e, ocasionalmente, lagartos 2,4% (n = 2). Alguns itens alimentares não puderam ser identificados 8,4% (n = 7). Dentre os anuros, a família Leptodactylidae foi a mais abundante, perfazendo 75,8% (n = 50) dos anuros encontrados. Hylidae representou apenas 3% (n = 2) e 21,2% (n = 14) dos anuros não puderam ser identificados (Tab. I).

De acordo com o índice de importância relativa utilizado para os anuros, Leptodactylusocellatus (Linnaeus, 1758) caracterizou 90,41 % da dieta dessa serpente, seguido de L.fuscus(6,26%) e L.gracilis (Duméril & Bibron, 1841) (2,3%). Mastigi dryas bifossatus, predominantemente ingere suas presas pela 120 cabeça (61,54%; n = 24). Existe correlação positiva e significativa entre o CRC das fêmeas e o CRC das presas ingeridas por 100 M.bifossatus (rs = 0,471; t = 2,266; p < 0,05, n = 20), indicando que, com o aumento do tamanho corporal da serpente, aumenta também o tamanho da presa que ela ingere (Fig. 1). Para os machos, essa correlação não foi significativa (rs = 0,109; t = 0,291; p = 0,78; n = 9). Não há diferença no tamanho das presas ingeridas por machos e fêmeas (Mann-Whitney test; U = 81; Z = 0,42; p = 0,67). Seis (28,5%) das serpentes jovens analisadas continham apenas anuros no trato digestório. (Fig. 2). Duas fêmeas com ovos nos ovidutos (MCN 7053, ZUFSM 1433) apresentaram conteúdo estomacal. Três exemplares fêmeas (MCP 11108, 5864, ZUFSM 1180) e um macho (ZUFSM 2317), ambos maduros, apresentaram três diferentes presas no estômago. Seis fêmeas maduras (MCP 12812, ZUFSM 1710, 1775, 1934, 2073, 2231) e cinco machos maduros (MCN 77, MCP 5851, ZUFSM 144, 1311, 1829) continham dois itens alimentares.



Ao longo do ano, a maior proporção de exemplares contendo presas no interior do trato digestório foi verificada nos meses da primavera e verão (77%, n = 51), enquanto no outono e inverno a proporção encontrada foi de 23% (n = 15). Fêmeas com conteúdo estomacal foram encontradas principalmente na primavera e verão (76%, n = 29), enquanto no outono/inverno apenas 24% (n = 9) apresentaram itens alimentares. O mesmo padrão foi verificado nos machos, com a maioria alimentando-se na primavera/verão (78%, n = 22) e um menor número (22%; n = 6) no outono/inverno (Fig. 3). Essa tendência foi significativa (c2 = 14,5; p < 0,001).


Uso do habitat

Um total de 41 indivíduos de M.bifossatus foi obtido através de encontro visual (5 %; n = 2), encontros acidentais (12%; n = 5) e coletores residentes (83%; n = 34). A maioria dos indivíduos estava ativa, no chão e em área aberta (95%; n = 39). Deste total, 41% (n = 17) estavam no entorno de habitações humanas. Uma fêmea adulta (ZUFSM 1115, CRC 1300 mm) foi encontrada dormindo, em um arbusto, a cerca de dois metros de altura, no mês de março.

DISCUSSÃO

Dieta

Na região subtropical,M.bifossatus é uma serpente predominantemente batracófaga, embora utilize outras categorias de presa na sua dieta, como mamíferos e lagartos. Estudos anteriores indicaram a utilização desses itens na dieta dessa serpente (AMARAL 1978, CUNHA & NASCIMENTO 1978, STRÜSSMANN & SAZIMA 1993). A predação de serpentes e aves por M.bifossatus foi registrada por LEMA et al. (1983) em cativeiro e, apesar de não terem sido encontrados neste estudo, considera-se como sendo itens ocasionais. Já M.boddaerti, M.melanolomus e Drymoluberdichrous, todas da subfamília Colubrinae, ingerem mais freqüentemente lagartos (SEIB 1984, MARTINS & OLIVEIRA 1998, BORGES-NOJOSA & LIMA 2001). Neste estudo, a representatividade de mamíferos e lagartos na dieta de M.bifossatus é muito baixa, o que indica variação geográfica na dieta, posto que, em estudo realizado na região sudeste, mamíferos e lagartos são mais usualmente ingeridos. Isto pode estar relacionado com a disponibilidade de presas nas diferentes regiões, como se verifica com outras espécies da mesma família (BERNARDE et al. 2000).

A maior ocorrência de leptodactilídeos está ligada à utilização de áreas úmidas por M.bifossatus (LEMA et al. 1983), hábitat também utilizado pela sua presa mais comum, Leptodactylusocellatus, conforme KWET & DI-BERNARDO (1999) e ACHAVAL & OLMOS (2003). Hábitos semelhantes foram registrados para Lystrophisdorbignyi e Thamnodynastesstrigatus ambos colubrídeos da região subtropical (OLIVEIRA et al. 2001, RUFFATO et al. 2003). Outro fator que pode influenciar na maior predação de L.ocellatus é a tolerância desta espécie frente a alterações antrópicas no ambiente (IZECKSON & CARVALHO-E-SILVA 2001). Pode haver, ainda, a garantia de um melhor aproveitamento energético (BOZINOVIC & ROSENMANN 1988), já que L.ocellatus é uma espécie de grande porte quando comparada à maioria dos leptodactilídeos (KWET & DI-BERNARDO 1999, ACHAVAL & OLMOS 2003), fator que provavelmente reflete o grande índice de importância relativa (90%) desta espécie na alimentação de M.bifossatus. Além disso, em inventários realizados na região de Santa Maria, para avaliar a anurofauna, L.ocellatus se destacou entre as espécies mais abundantes em comunidades de anuros da região.

Os dados indicam mudança ontogenética na dieta desta serpente (Fig. 2). Mamíferos são incorporados à dieta de M.bifossatus apenas quando a serpente atinge maior porte, próximos aos tamanhos dos indivíduos maduros. Este incremento se deve ao fato de haver uma gama maior de presas para serpentes maiores (ARNOLD 1993). Entretanto, os exemplares adultos também se alimentam de presas pequenas e não há aumento no tamanho mínimo das presas, em função do tamanho da serpente (ARNOLD 1993). Isso explica a predação de mais de um item alimentar em diversos espécimes neste estudo. Mudanças ontogenéticas são conhecidas em viperídeos e colubrídeos (MARTINS et al. 2002, MUSHINSKY 1987, ANDRADE & SILVANO 1996). Embora a ausência de mudança ontogenética seja uma tendência entre os colubríneos (MARQUES & SAZIMA 2004), em M.bifossatus esse fenômeno parece ocorrer.

Existem diferenças sazonais no número de serpentes coletadas contendo presas no interior do tubo digestório. A maior proporção de machos e fêmeas com conteúdo alimentar, nas estações mais quentes (77%) do que nas estações mais frias (23%) provavelmente está relacionado à maior necessidade calórica ligada às atividades de reprodução (BOZINOVIC & ROSENMANN 1988).

Uso do hábitat

O tipo de presa que esta espécie consome exerce influência para a utilização de áreas abertas em M.bifossatus. Em serpentes, seleção de hábitat é reconhecida para outras espécies (HARTMANN & MARQUES 2005). Embora citada anteriormente como sendo uma espécie arbórea AMARAL (1978), ou que tem ocorrência para ambientes florestais (CEI 1993), na região central do Rio Grande do Sul, esta espécie habita áreas de abertas. Colubrídeos como Philodryaspatagoniensis também utilizam áreas abertas na região sul do Brasil (HARTMANN & MARQUES 2005). Mastigodryas bifossatus escala árvores apenas para repousar ou termor-regular, comportamento registrado por MARQUES et al. (2004), e neste estudo. Este comportamento também foi verificado em M.boddaerti (MARTINS & OLIVEIRA 1998). Mastigodryasbifossatusé uma espécie sinantrópica, pois sua presença é comum em áreas perturbadas, no entorno de habitações humanas e próximo às áreas de cultivo, diferentemente de colubrídeos como Pseudablabesagassizii, que são encontradas em áreas mais preservadas (MARQUES et al. 2006).

Material examinado

Universidade Federal de Santa Maria (ZUFSM): 2421, 2416, 2355, 2263, 211, 208, 121, 2334, 851, 872, 881, 1032, 983, 1054, 2403, 2404, 1190, 1145, 1153, 1147, 1207, 1221, 1050, 1084, 955, 1093, 817, 1334, 1087, 1352, 1141, 1991, 1172, 1173, 1248, 1204, 1307, 1311, 2461, 1314, 2073, 1342, 1106, 1967, 1211, 2454, 1345, 2399, 1391, 2002, 259, 2025, 248, 2049, 1031, 2317, 1006, 1104, 133, 1290, 1149, 1255, 398, 1343, 2413, 1350, 2314, 1375, 2231, 264, 2191, 32, 1433, 67, 1446, 144, 1492, 500, 1450, 532, 1397, 1537, 1710, 1681, 1764, 2418, 1790, 1708, 1775, 1785, 1876, 1393, 1845, 1804, 1934, 1829, 1950, 1939, 1612, 2644, 1654, 2643, 269, 2629, 127, 2485. Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (MCN): 86, 91, 88, 74, 2736, 7053, 90, 84, 83, 77, 93, 760, 78, 794, 73, 6044. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MCP): 14623, 14665, 14149, 12603, 14685, 14137, 14681, 11715, 11174, 5851, 6356, 6205, 12808, 14122, 6650, 11373, 5685, 5848, 11906, 11733, 13214, 11905, 9452, 11173, 5856, 5847, 5852, 6358, 12051, 13417, 11402, 11108, 12634, 12507, 12635, 5853, 5864, 5849, 5724, 5855, 14828, 14669, 14664, 14652, 14622, 14651, 12812, 13213. Instituto Butantã (IB): 23389, 23401, 27290, 30342, 11464, 57361, 22185, 24282, 23809, 30506, 44732, 44724, 44700, 44736, 44722, 27922, 22576, 26903, 23388, 27614, 23050, 27289, 15976, 11609, 32239, 27613, 31572, 19549, 24283, 49903, 19466, 23217, 22270, 44713. Instituto Butantan (IB): 23389, 23401, 27290, 30342, 11464, 57361, 22185, 24282, 23809, 30506, 44732, 44724, 44700, 44736, 44722, 27922, 22576, 26903, 23388, 27614, 23050, 27289, 15976, 11609, 32239, 27613, 31572, 19549, 24283, 49903, 19466, 23217, 22270, 44713. Museu de História Natural do Capão da Imbuia (MHNCI): 2644, 640, 9436, 1288, 952, 570, 4187, 641, 6127, 4304, 6545, 2427, 4245, 4302, 642, 2643, 8222, 932, 3678

AGRADECIMENTOS

À CAPES pela bolsa concedida, Ígor L. Kaefer e Anaíde W. Aued pela ajuda nos trabalhos de laboratório, Rafael Balestrin pela ajuda na confecção do manuscrito, Márcio B. Martins e Marcos Di-Bernardo (inmemorian) pela revisão do artigo, e à Universidade Federal de Santa Maria pela concessão dos laboratórios.

Recebido em 15.III.2007; aceito em 21.VIII.2007.

  • ACHAVAL, F. & A. OLMOS. 2003. Anfibios y reptiles del Uruguay. Montevideo, Graphis Impresora, 2ª ed., 136p.
  • AMARAL, A. 1978. Serpentes do Brasil. São Paulo, EDUSP, Melhoramentos, 248p.
  • ANDRADE, R.O. & R.A.M. SILVANO. 1996. Comportamento alimentar e dieta da falsa – coral Oxyrhopusguibei Hoge & Romano (Serpentes, Colubridae). Revista Brasileira de Zoologia 13 (1): 143-150.
  • ARNOLD, S.J. 1993. Foraging theory and prey-size-predator-size relations in snakes, p. 87-115. In: R.A. SEIGEL & J.T. COLLINS (Eds). Snakes: ecology and behavior. New York, McGraw-Hill, 414p.
  • BERNARDE, P.S.; J.C. MOURA-LEITE; R.A. MACHADO & M.N.C. KOKOBUM. 2000. Diet of the colubrid snake Thamnodynastesstrigatus(Günther, 1858) from Paraná state Brazil, with field notes on anuran predation. Revista Brasileira de Biologia 60 (4): 695-699.
  • BIOESTAT 3.0. 2003. Aplicações estatísticas nas áreas das ciências biológicas e médicas. Belém, Sociedade Civil Mamirauá, 290p.
  • BORGES-NOJOSA, D.M. & D.C. LIMA. 2001. Dieta de Drymoluber dichrous (Peters, 1863) dos brejos-de-altitude do Estado do Ceará, Brasil. Boletim do Museu Nacional, Série Zoologia, 468: 1-5.
  • BOZINOVIC, F. & M. ROSENMANN. 1988. Energetics and food requirements of the female snake Philodryas chamissonis during the breeding season. Oecologia 75: 282-284.
  • CADLE, J.E. & H.W. GREENE. 1993. Phylogenetic patterns, biogeography, and the ecological structure of neo-tropical snake assemblages, p. 281-293. In: R.E. RICKLEFS & D. SCHLUTER (Eds). Species diversity in ecological communities: historical and geographic perspectives. Illinois, University of Chicago Press, 414p.
  • CEI, J.M. 1993. Reptiles del noroeste, nordeste y este de la Argentina. Herpetofauna de las selvas subtropicales. Puna y Pampas, Museu Regionale di Scienze Naturali, Monografia XIV, 949p.
  • CUNHA, O.R. & F.P. NASCIMENTO. 1978. Ofídios da Amazônia. X. As cobras da região leste do Pará. Publicações Avulsas do Museu Emílio Goeldi 1: 1-217.
  • FAIVOVICH, J.; C.F.B. HADDAD; P.C.A. GARCIA; D.R. FROST; J.A. CAMPBELL & W.C. WHEELER. 2005. Systematic Review of the Frog Family Hylidae, with Special Reference to Hylinae: Phylogenetic Analysis and Taxonomic Revision. Bulletin of the American Museum of Natural History 294:1-240.
  • GIRAUDO, R.A. 2001. Serpientes de la selva Paranaense y del Chaco úmedo. Buenos Aires, L.O.L.A., 325p.
  • GREENE, H.W. 1997. Snakes: the evolution of mystery in nature. Berkeley, University of California Press, XIII+351p.
  • HARTMANN, P.A. & O.A.V. MARQUES. 2005. Diet and habitat use of two sympatric species of Philodryas_(Colubridae), in south Brazil. Amphibia-Reptilia 26: 25-31.
  • IZECKSOHN, E. & S.P. CARVALHO-E-SILVA. 2001. Anfíbios do município do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 148p.
  • KOEPPEN, W. 1948. Climatologia. Mexico, Fundo de Cultura Econômica, 478p.
  • KWET, A. & M. DI-BERNARDO. 1999. Anfíbios. Porto Alegre, Editora PUCRS, 107p.
  • LEMA, T. 1994. Lista comentada dos répteis ocorrentes no Rio Grande do Sul, Brasil. Comunicação do Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS, Série Zoologia, 7: 41-150.
  • LEMA, T. 2002. Os répteis do Rio Grande do Sul: atuais e fósseis – biogeografia e ofidismo. Porto Alegre, Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 485p.
  • LEMOS, R.C.; M.D. AZOLIN & P.R. ABRÃO. 1973. Levantamento de reconhecimento dos solos do Estado do Rio Grande do Sul. Recife, Ministério da Agricultura, Departamento Nacional de Pesquisas Agropecuárias, Divisão de Pesquisas Pedológicas, Boletim Técnico 30, 4231p.
  • LEMA, T.; M.L. ARAUJO & A.C.P. AZEVEDO. 1983. Contribuição ao conhecimento da alimentação e do modo alimentar de serpentes do Brasil. Comunicação do Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS, Série Zoologia, 26: 41-121.
  • LEITE, P.F. 2002. Contribuição ao conhecimento fitoecológico do sul do Brasil. Ciência e Ambiente 24: 51-63.
  • MANEYRO, R.; D.E. NAYA; I. ROSA; A. CANAVERO & A. CAMARGO. 2004. Diet of the South American frog Leptodactylusocellatus(Anura, Leptodactylidae) in Uruguay. Iheringia, Série Zoologia, 94: 57-61.
  • MARCHIORI, J.N.C. 2002. Considerações terminológicas dos campos sulinos. Ciência e Ambiente 24: 139-150.
  • MARQUES, O.A.V.; A. ETEROVIC & I. SAZIMA. 2004. Snakes of the Brazilian Atlantic Forest: an illustrated field guide for the Serra do Mar range. Ribeirão Preto, Holos Editora, 205p.
  • MARQUES, O.A.V.& I. SAZIMA. 2004. História natural dos répteis da Estação Ecológica Juréia-Itatins, p. 257-277. In: O. A.V. MARQUES & W. DULEBA (Eds). Estação Ecológica Juréia-Itatins. Ambiente físico, flora e fauna. Ribeirão Preto, Holos Editora, 386p.
  • MARQUES, O.A.V.; R.J. SAWAYA; F. STENDER-OLIVEIRA & F.G.R. FRANÇA. 2006. Ecology of the colubrid snake Pseudablabesagassiziiin south-eastern South America. Herpetological Journal 16 (1): 37-45.
  • MARTINS, M. & M.E. OLIVEIRA. 1998. Natural history of snakes in forests of the Manaus Region, Central Amazonia, Brazil. Herpetological Natural History 6: 78-150.
  • MARTINS, M.; O.A.V. MARQUES & I. SAZIMA. 2002. Ecological and phylogenetic correlates of feeding habits in Neotropical pitvipers of the genus Bothrops, p. 307-328. In: G. SCHUETT; M. HÖGGREN & H.W. GREENE (Eds). Biology of the vipers. Carmel, Biological Sciences Press, 592.
  • MUSHINSKY, H.R. 1987. Foraging Ecology, p. 302-334. In: R.A. SEIGEL, J.T. COLLINS & S.S. NOVAK (Eds). Snakes: ecology and evolutionary biology. New York, MacMillan Publisher, 529p.
  • OLIVEIRA, R.B.; M. DI-BERNARDO; G.M.F. PONTES; A.P. MACIEL & L. KRAUSE. 2001. Dieta e comportamento alimentar da cobranariguda, Lystrophisdorbignyi (Duméril & Duméril, 1854), no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, Brasil. Cuadernos de Herpetología 14 (2): 117-122.
  • PEREIRA, P.R.B.; L.R.G. NETTO; C.J.A. BORIN & M.G.B. SARTORI. 1989. Contribuição a geografia física do Município de Santa Maria: unidades de paisagem. Geografia – Ensino e Pesquisa 3: 37-68.
  • PETERS J.A. & B. OREJAS-MIRANDA. 1970. Catalogue of the Neotropical Squamata. Part I. Snakes. Bulletin of the United States National Museum 297: 1-347.
  • PORTO, M.L. 2002. Os Campos sulinos: Sustentabilidade e manejo. Ciência e Ambiente 24: 119-138.
  • RODERJAN, C.V.; F. GALVÃO; Y.S. KUNIYOSHI & G.G. HATSCHBACH. 2002. As unidades fitoecológicas do Estado do Paraná. Ciência e Ambiente 24: 74-92.
  • RUFFATO, R.; M. DI-BERNARDO & G.F. MASCHIO. 2003. Dieta de Thamnodynastesstrigatus (Serpentes, Colubridae) no sul do Brasil. Phyllomedusa 2 (1): 27-34.
  • SEIB, R.L. 1984. Prey use in three syntopic neotropical racers. Journal of Herpetology 4: 412-420.
  • SHINE, R. 1977. Reproduction in Australian elapid snakes. I. Male reproductive cycles. Australian Journal of Zoology 25: 647-653.
  • SHINE, R. 1988. Food habits and reproductive biology of small Australian snakes of the genera Unechis and Suta (Elapidae). Journal of Herpetology 22 (3): 307-315.
  • STRÜSSMANN, C. & I. SAZIMA. 1993. The snake assemblage of the Pantanal at Poconé, western Brazil: faunal composition and ecological summary. Studies on Neotropical Fauna and Environment 28: 157-168.
  • VELLOSO, P.E. & L. GOES-FILHO. 1982. Fitogeografia brasileira: classificação fisionômica – ecológica da vegetação neotropical. Salvador, Projeto Radam-Brasil, Série Vegetação, Boletim Técnico 1, 80p.
  • WAECHTER, J.L. 2002. Padrões geográficos na flora atual do Rio Grande do Sul. Ciência e Ambiente 24: 93-108.
  • ZAR, J. H. 1996. Biostatistical analysis. New Jersey, Prentice-Hall, 662p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Out 2007
  • Data do Fascículo
    2007

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2007
  • Aceito
    21 Ago 2007
Sociedade Brasileira de Zoologia Caixa Postal 19020, 81531-980 Curitiba PR Brasil, Tel./Fax: +55 41 3266-6823, - Curitiba - PR - Brazil
E-mail: sbz@bio.ufpr.br