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La revolución del voto: política y elecciones en Buenos Aires, 1810-1852

RESENHA

Eduardo Scheidt1 1 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História Social – FFLCH – USP – CEP 05508-9000 – São Paulo – SP. Bolsista do CNPq.

TERNAVASIO, M. La revolución del voto: política y elecciones en Buenos Aires, 1810-1852. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2002. 286p.

Nesta obra recentemente publicada, Marcela Ternavasio debruça-se sobre uma questão até então praticamente negligenciada pela historiografia política: a importância das eleições na primeira metade do século XIX. Conforme a autora, a produção historiográfica tradicionalmente minimizou o papel das eleições, considerando-as como farsas ou rituais, demarcadas por fraudes e controladas pelos "caudilhos", perpassando-nos a concepção de que o poder seria essencialmente exercido através da força militar. Ternavasio igualmente critica a concepção de que as eleições no século retrasado fossem, desde o princípio, caracterizadas pelo sufrágio restringido, em que apenas proprietários teriam acesso ao voto. As pesquisas da autora demonstram que, ao contrário do que supunha-se até então, as eleições em diversas partes da América Latina, incluindo-se Buenos Aires, davam-se em meio a noções muito mais amplas de cidadania, dando lugar a procedimentos eleitorais escassamente excludentes, com a participação de várias camadas da sociedade. Sem negar o ambiente de instabilidade política, a existência de guerras civis e o papel da militarização e do caudilhismo, Ternavasio procura demonstrar que, além desses fatores, as eleições tiveram uma importância crucial nas práticas políticas da época, cumprindo tarefas como legitimar o poder político das facções em luta, bem como proporcionar obediência nas relações entre governantes e governados.

O estudo de Marcela Ternavasio abarca um período bastante amplo, analisando as práticas eleitorais desde o início do processo de independência, com o movimento de maio de 1810 até a queda de Rosas, em 1852. Demonstrando um profundo conhecimento do conturbado processo histórico do período, assim como dialogando com a historiografia política recente, a autora desenvolve seu tema com profundidade e rigor metodológico, embasando seus argumentos em farta documentação, sempre relacionando as alterações nas práticas eleitorais com as mudanças de conjuntura. Ternavasio divide a obra em três partes. A primeira analisa os ensaios eleitorais no Rio da Prata durante a primeira década após a independência. A segunda parte é dedicada ao período em que a província de Buenos Aires foi governada pela facção liberal, enfatizando o governo de Rivadávia. Na última parte, finalmente, a autora debruça-se sobre as práticas eleitorais durante o regime rosista.

Na primeira parte da obra, Ternavasio demonstra que as eleições de representantes do Rio da Prata foram introduzidas já na década de 1810, concomitantemente com o processo de emancipação política. Longe de limitar o direito ao voto, a elite política desejava incentivar a participação de amplas camadas da população nas eleições. A tese da autora é de que os setores dirigentes, longe de estarem imbuídos de ideais democráticos, objetivavam, através das práticas eleitorais, disciplinar a grande mobilização social da época, que se dava especialmente nos cabildos abiertos e assembléias populares. Através da prática de eleição de representantes, pois, a elite desejava acabar com as formas de participação direta, consideradas "perigosas" para a estabilidade política, já que proporcionavam constantes trocas de governos e o exercício do poder pelas camadas mais baixas da sociedade. A despeito dos esforços dos grupos dirigentes, o número de eleitores permaneceria bastante baixo nos pleitos realizados ao longo destes primeiros após a independência.

Na segunda parte, Ternavasio inicia analisando a lei eleitoral de 1821, promulgada na província de Buenos Aires, e que permaneceria em vigor durante a maior parte do século XIX. A lei estabelecia a designação do governador da província pela Junta de Representantes para um mandato de três anos. Os componentes da junta eram eleitos anualmente, diretamente pela população. Conforme a lei, todo homem livre nascido no país ou avecindado nele, desde a idade de 20 anos, ou antes, se fosse emancipado, era hábil para votar. Neste sentido, Buenos Aires foi um dos primeiros lugares do mundo a adotar a forma de sufrágio masculino direto e universal. Este período de 1821 a 1829 é denominado pela autora como o da "feliz experiência rivadaviana", por ser justamente quando as práticas eleitorais foram mais sistematicamente implementadas, estimulando, pouco a pouco, uma maior participação de eleitores. As antigas práticas dos cabildos e assembléias populares seriam definitivamente substituídas pelas eleições anuais dos representantes da junta. Durante o período, os pleitos eleitorais significaram o meio pelo qual as facções políticas ascendiam ao poder na província. Em 1826, os liberais, que haviam elaborado a legislação de 1821, tentaram então restringir o direito ao sufrágio, propondo proibir o direito ao voto aos peões, "jornaleiros" e soldados da linha, mas enfrentando a oposição dos federais, que tinham entre estes segmentos sociais sua maior base de apoio eleitoral. O amplo direito ao voto foi mantido, sendo este um dos fatores que proporcionariam a ascensão dos federalistas ao governo provincial no final da década de 1820.

Quanto ao período de Rosas, tema da última parte do livro, a autora demonstra que o regime foi se implementando e modificando pouco a pouco. Apesar da instauração de "poderes especiais" ao governador, a prática de eleição de representantes não se alterou nos primeiros anos, e a concessão ou cassação de tais poderes era realizada pela Junta de Representantes. As eleições continuaram sendo o meio principal de disputa política, agora entre facções rivais do Partido Federal, sendo que especialmente para o grupo de Rosas, e para o próprio governador, as eleições de representantes constituíam uma das principais chaves de controle do regime político. Foi a partir de 1835, com o início do segundo governo de Rosas, que o regime passou a ser substituído pelo da "unanimidade política", quando as eleições passaram a ter um caráter plebiscitário. As práticas eleitorais, apesar de se darem na forma de listas únicas, continuaram sendo importantes e consideradas como maneira de legitimar o novo regime, que procurava fundamentar-se e justificar-se na "vontade geral". A autora sustenta que, além de mantidas, as práticas do sufrágio ampliaram o número de eleitores, especialmente nas áreas rurais. As eleições eram uma forma de mobilização popular, e através dela a busca da legitimação do regime, caracterizava, segundo Ternavasio, uma das maiores ambigüidades do regime, ao combinar antigas concepções de unanimidade, herdadas da era colonial, com modernas formas de participação política.

Embora demonstre que o acesso ao voto era muito mais amplo do que se pensava, a autora argumenta, em suas conclusões, que tais práticas eleitorais não significaram a configuração de uma cultura política pluralista. Ternavasio afirma que as elites políticas tinham dificuldades em aceitar a alternância do poder quando esta era colocada na ordem do dia, enquanto a persistência de uma cultura política "totalizante" e calcada na unanimidade, mais retórica que real, destoava paradoxalmente do marco de um regime representativo. Os pleitos eleitorais, entretanto, tiveram relevante importância política, sendo cruciais para a busca de legitimação por parte dos diferentes regimes políticos dos quais o Rio da Prata foi palco ao longo do período analisado pela autora.

A obra de Marcela Ternavasio, pois, traz à luz importantes e instigantes revelações sobre as práticas eleitorais em Buenos Aires durante a primeira metade do século XIX, questionando visões até então consagradas pela historiografia. Neste sentido, o livro constitui-se em referência obrigatória aos pesquisadores de história política rio-platense e latino-americana do século XIX.

NOTA

Resenha enviada em 06/2003.

Aprovada em 08/2003.

  • 1
    Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História Social – FFLCH – USP – CEP 05508-9000 – São Paulo – SP. Bolsista do CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      2003
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