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Villegagnon & Cook: tupinambá e havaiano

Villegagnon & Cook: tupinamba and hawaiian

Resumos

Trata-se de propor uma simetria entre ao que ocorreu na Baía de Guanabara, no século XVI, entre Tupinambá e franceses e na Baía de Kealakakua, no século XVIII, entre havaianos e ingleses, levando em consideração a dinâmica dos mal-entendidos. Argumenta-se que os brancos foram apreendidos pelos nativos, nos dois casos, de forma análoga, isto é, por meio da predação ontológica.

Villegagnon; Tupinambás; Colonização francesa


We are dealing here with a suggestion of symmetry between what happened in Guanabara Bay in the XVI century between the Tupinamba and the French, and in the Kealakakua Bay, in the XVIII century between the Hawaiians and the English taking into consideration the dynamics of misunderstanding. The argument develops that the white men were captured by the natives, in both cases in a similar manner that is to say by way of ontological preying.

Villegagnon; Tupinambas; French Colonization


DOSSIÊ: FRANÇA ANTÁRTICA

Villegagnon & Cook: tupinambá e havaiano

Villegagnon & Cook: tupinamba and hawaiian

Christina Osward

Doutoranda em Antropologia Social – Departamento de Antropologia – UFRJ – Museu Nacional – 20940-040 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil. E-mail: cosward@terra.com.br

RESUMO

Trata-se de propor uma simetria entre ao que ocorreu na Baía de Guanabara, no século XVI, entre Tupinambá e franceses e na Baía de Kealakakua, no século XVIII, entre havaianos e ingleses, levando em consideração a dinâmica dos mal-entendidos. Argumenta-se que os brancos foram apreendidos pelos nativos, nos dois casos, de forma análoga, isto é, por meio da predação ontológica.

Palavras-Chave: Villegagnon; Tupinambás; Colonização francesa.

ABSTRACT

We are dealing here with a suggestion of symmetry between what happened in Guanabara Bay in the XVI century between the Tupinamba and the French, and in the Kealakakua Bay, in the XVIII century between the Hawaiians and the English taking into consideration the dynamics of misunderstanding. The argument develops that the white men were captured by the natives, in both cases in a similar manner that is to say by way of ontological preying.

Keywords: Villegagnon; Tupinambas; French Colonization.

"An equivocation is not an error, a mistake, or a deception.

Instead, it is the very foundation of the relation that it implicates"

(Viveiros de Castro 2004: 11)1 1 "Um equívoco não é um erro, um engano, ou uma decepção. Ao contrário, é a própria base da relação que suscita". .

"A confrontation of cultures affords a privileged occasion for

seeing very common types of historical change en clair"

(Sahlins 1981: vii)2 2 "A confrontação entre culturas possibilita uma ocasião privilegiada para se entender claramente tipos comuns de transformação histórica". .

Introdução

Quando os europeus chegaram à América nos séculos XV e XVI, o encontro com os ameríndios fez com que adotassem basicamente duas atitudes. Por um lado, Cristóvão Colombo é, sem dúvida, o exemplo mais conhecido de alguém que jamais admitiu ter chegado a terras novas. Sabemos que dessa postura resultou os nativos serem chamados índios, habitantes da Índia e o continente "descoberto" por ele ter sido denominado América, em referência a Vespúcio. Enfim, nota-se, aí, claramente, o ensejo de negar a diferença. De outro lado, uma série de viajantes, cronistas e missionários deixou em registros ora o espanto, ora o horror com o cenário efetivamente novo e diferente. Contudo, em ambos os casos, predominou a tendência de estabelecer relações de comensurabilidade (Pagden 1993) e identidade (Lestringant 1991: 81-101 e 1999a) entre os dois continentes.

É interessante notar como dois séculos depois da invasão à América, a chegada dos ingleses às ilhas havaianas suscitou reações diversas. Do lado europeu, não se tratava mais de definir a extensão da humanidade e, sim, de imaginar como integrar os "outros" em um processo civilizatório que, em si, implicava uma moral, uma economia e uma política já determinadas. A respeito desse mesmo ponto de vista, essas duas experiências remetem a momentos bastante distintos, a saber, o Renascimento e o Iluminismo. Contudo, não cabe aqui traçar os caminhos e descaminhos dessa passagem. Até porque, o caso havaiano, tal como foi estudado por Marshall Sahlins, estabeleceu uma abordagem sobre o contato entre os europeus e os nativos que deu um novo vigor aos estudos de antropologia histórica. Isso porque o que Sahlins buscou mostrar foi justamente o modo como os nativos receberam os invasores e não como os iluministas (e seus herdeiros, ou seja, nós) leram o episódio da morte (sacrifício) de Cook. Normalmente, os problemas direcionados ao tema da França Antártica consistem em tentar explicar os motivos pelos quais aquela breve, porém fecunda, experiência fracassou. É necessário dizer que esse questionamento, de fato, levantou debates e discussões fascinantes, entre os quais pode-se destacar a busca por uma explicação sobre a religião de Villegagnon (Lestringant 1985ª; Wanegffelen 1998), a teologia envolvida no mistério da Eucaristia (Lestringant 1985a, 1996 e 1998), entre outros temas. Contudo, parece-me que a averiguação sobre os motivos do fracasso da França Antártica não é, propriamente, um problema antropológico. O próprio Sahlins que, aliás, cunhou a expressão "desastre cultural" (1985:50) para designar as conseqüências da presença ocidental nas ilhas do Pacífico, usou-a de modo conclusivo e, não, regressivo3 3 Um dos melhores exemplos de como a antropologia percebe o fracasso de outra forma é o livro Naven, de Gregory Bateson. .

Na concepção ocidental, a idéia de fracasso implica necessariamente uma oposição com o que chamamos de sucesso. Neste sentido, fracasso associa-se a erro. Penso, porém, que há outra maneira de pensar o que o ocorreu na Baía de Guanabara, na ilha de Villegagnon. Isso deve ser feito com o recurso dos próprios índios, ou, ainda, de acordo com aquilo que Tânia Stolze Lima e Eduardo Viveiros de Castro definiram como o perspectivismo ameríndio.

Duas equações perspectivistas

De acordo com os antropólogos, os ameríndios têm uma teoria segundo a qual a subjetividade não é uma característica exclusiva dos humanos. Ao contrário, os outros tipos de seres com os quais os índios estabelecem relações incessantes, principalmente os animais e os espíritos, são eles igualmente dotados de intenção, de vontade e, pode-se dizer, de razões. O que torna essa questão interessante é o fato de que, segundo os índios, cada uma dessas espécies (humanos, animais e espíritos) se concebe como humana e, neste sentido, é portadora de instituições, hierarquias, antagonismos etc. Conseqüentemente, se se busca pensar as situações em que ocorreram os primeiros contatos entre europeus e ameríndios segundo o paradigma do perspectivismo, temos uma primeira equação que pode ser resumida assim: uma relação entre diferentes culturas torna-se uma relação interespécies.

Essas relações interespécies têm suas características próprias. Em primeiro lugar, em determinadas circunstâncias, as barreiras que separam cada uma das espécies podem ser ultrapassadas. É possível, por exemplo, e há vários relatos a esse respeito, que um humano (normalmente em condição xamânica) adote o ponto de vista de um animal e descubra, assim, que, quando se casou, estabeleceu vínculos com afins jaguares. Isso ocorre porque, segundo essa teoria ameríndia, as diferentes especificidades dos mundos (as naturezas) podem ser acessadas por todas as espécies, uma vez que todas elas possuem uma cultura que é comum. Neste sentido, pode-se dizer que "os jaguares vêem o sangue como cerveja de mandioca, os urubus vêem os vermes na carne podre como peixe grelhado e seus atributos corporais (peles, penas, unhas e bicos) como decorações corporais ou instrumentos culturais" (AmaZone).

Em segundo lugar, no âmbito do perspectivismo, o que determina o ponto de vista é a transformação do estado corporal: humanos, por exemplo, podem adquirir o corpo de um animal e, assim visualizar o mundo deles. O corpo aqui deve ser entendido como um conjunto de afecções e perceptos que constituem cada espécie, isto é, "o que ele come, como se move, como se comunica, onde vive, se é gregário ou solitário" (Viveiros de Castro 2002: 380). Os Tupinambá, dizia o padre Manoel da Nóbrega, "muchas vezez me preguntan si Dios tiene cabeça, y cuerpo, y muger, y si come, y de que se vieste, y otras cosas semejantes" (1549: 153)4 4 "muitas vezes me perguntam se Deus tem cabeça, e corpo, e mulher, e se come, e de que se veste, e outras coisas semelhantes" . Importa ressaltar para que se possa relacionar o que ocorreu na Baía de Guanabara e na Baía de Kealakakua, essa ênfase dada ao corpo pelos nativos da América5 5 O corpo como um dispositivo para construção da pessoa na Amazônia foi objeto de análise de Seeger, da Matta e Viveiros de Castro (1979). .

Povos como os Tupi (Araweté e Tupinambá - Viveiros de Castro 1992), os Aruaque (Piro - Gow 2001), entre outros, têm sua organização social e cosmológica na forma de um dualismo concêntrico, o que significa que esses dois planos são determinados pelas relações que eles estabelecem com o que lhes é exterior. Nas palavras de Viveiros de Castro, "the invariant of the Tupi-Guarani cosmology structure is the metaphysical encompassament of the domain of the social by the macrodomain of the extrasocial. The interior of the 'socius' and its values are subordinated to exteriority" (1992: 86-87)6 6 Ver também: (1992: pp. 118; 140 e 150-151). "a invariante da estrutura cosmológica Tupi-Guarani é o encompassamento metafísico do domínio do social pelo macro domínio do extra-social. O interior do socius e seus valores são subordinados à exterioridade". . Entre os Piro, foram as relações que eles estabeleceram com a Comunidad Nativa, com a escola, com os gringos, com os missionários e com os povos da floresta que fizeram com que eles se constituíssem enquanto "um mundo vivido" (Gow 2001). Este exterior pode ser o ponto de vista branco (Viveiros de Castro 1992: 21) e, também, o Outro da humanidade que, para os Araweté, corresponde à divindade (Viveiros de Castro 1992: 74 e 117). Nesse sentido, "just as Araweté society includes the gods, Tupinamba society should be understood as including its enemies. It constituted itself through its relationship with others, in a regime of generalized heteronomy" (Viveiros de Castro 1992: 283)7 7 "Assim como a sociedade araweté inclui os deuses, a sociedade tupinambá deve ser compreendida como incluindo os inimigos. Ela se constitui por meio de relacionamentos com os outros, em um regime de heteronomia generalizada". .

Vale lembrar que o idioma dos povos amazônicos é descrito pelos etnólogos, especialmente aqueles que fazem parte da economia simbólica da alteridade (Viveiros de Castro 1996), como uma metafísica da predação, o que significa que os índios enfatizam uma transformação ontológica da diferença. Dito de outra forma, ao valorizar o exterior, os ameríndios buscam elementos capazes de interagir na sua vida cotidiana. Neste sentido, o outro (estrangeiro, animal, espírito, inimigo etc.) é tão fundamental que exterminá-lo implica um prejuízo para si próprio.

Ora, se para os Tupinambá o que é mais valorizado no exterior é o inimigo e, se para os Araweté, esse mesmo sentimento corresponde à divindade de outrem, pode-se pensar em uma triangulação com os havaianos, para quem, de acordo com Sahlins, "le dehors – de même que les lieux excentriques de l'univers connu ou la mer en regard des terres habitées – est traditionnellement le site de pouvoirs surhumains" (Sahlins 1979: 322)8 8 "para os havaianos o exterior, assim como os lugares excêntricos do universo conhecido ou o mar em relação às terras habitadas, é tradicionalmente, o lugar dos poderes sobre-humanos". . - uma segunda equação: o outro é um inimigo com atributos divinos. O inimigo aqui deve ser entendido como uma possibilidade de tornar-se outro para, desta forma, apreender uma perspectiva exterior a si próprio, até porque, em determinadas circunstâncias, esse outrem pode ser, também, um aliado9 9 Para exemplos concretos desse tipo de alternância ver: VILAÇA (2006: 275; 283 e 314). . Isso porque outrem não é um ser, mas uma posição (Viveiros de Castro 1992), como ocorre em Fiji, onde os verbos descrevem mais uma condição do que uma ação (Sahlins 1985: 47). Em todo caso, os exemplos são, de fato, inúmeros e uma extensão desse argumento deveria levar em consideração os acontecimentos na América hispânica (WACHTEL 1971: 42-52).

Contudo, neste momento, interessa, sobretudo, apresentar os paralelos entre essas duas experiências coloniais: a França Antártica e o Havaí. De forma a buscar uma hipótese que possa dar conta da equação outro = inimigo + divindade, isto é, quem, no contexto das invasões, pode ser esse outrem, sugiro consulta à obra de Claude Lévi-Strauss, especificamente à História de Lince, visto que ali o antropólogo analisou a mitologia tupinambá e, com isso, poderia ajudar a fechar o ciclo aberto neste parágrafo da seguinte forma: branco = inimigo/aliado + divindade.

Os Yanomami

Na verdade, uma análise estrutural sobre a relação entre os índios e os brancos inspirada por aquilo que Lévi-Strauss definiu como a "abertura para o outro" (1991) já foi feita anteriormente. Peter Gow partiu do trabalho de campo iniciado no Baixo Urubamba na década de 80 e reconstituiu, por meio da mitologia e da pesquisa em arquivos, os últimos 100 anos da história da relação dos Piro com os brancos (2001). Já Aparecida Vilaça, dedicou a parte II, de Quem somos nós: os Wari' encontram os brancos (2006), à análise do ciclo mítico wari' sobre a origem do branco. Antes, ainda, Bruce Albert (1988 e 1993) e Stephen Hugh-Jones (1988) fizeram duas análises, respectivamente, dos Yanomami e dos Tukano, no mesmo estilo. Começo pela análise de Albert, cuja densidade e clareza, juntamente com as questões gerais que levanta, justifica que se abra um grande parêntese.

Os Yanomami eram povos caçadores-horticultores seminômades, cuja terminologia de parentesco é uma variante do tipo dravidiano. As duas normas complementares que orientam os casamentos (a endogamia e as trocas entre gerações próximas) visam à neutralização da oposição afins/consangüíneos e contribuem para que eles se constituam enquanto uma mônada (Albert 1988: 89). A partir dessa mônada, as relações de alteridade que eles estabelecem com o exterior são de tipo concêntrica e seguem a seguinte regra: 0) os que habitam a casa coletiva são o "nós", os "co-residentes"; 1) na esfera seguinte, estão os "amigos", hóspedes e visitantes que são considerados aliados; 2) na próxima, as "pessoas hostis", isto é, o conjunto de inimigos próximos e atuais; 3) na outra, os inimigos antigos e virtuais; e 4) finalmente, os inimigos desconhecidos (Albert 1988: 89-90).

Entre os Yanomami, a única relação de subordinação conhecida é entre o sogro e o genro. Entretanto, no âmbito das relações políticas supralocais, os conflitos que existem são determinados por meio de uma teoria sobre os poderes patogênicos específicos que cada esfera social possui. Deste modo, tem-se a seguinte correlação entre a organização social e a filosofia yanomami: 1) os aliados fazem feitiços que podem ser curados pelos xamãs; 2) os inimigos próximos inevitavelmente causam a morte. Secretamente, eles fazem incursões na aldeia yanomami, de modo a manipular os objetos com veneno e com outras substâncias maléficas; 3) os inimigos antigos ou virtuais são aqueles que contam com o auxílio de espíritos maléficos, que têm a aparência de um humano em miniatura e que, invisíveis aos olhos dos não-xamãs, neutralizam as vítimas antes de devorá-las; 4) os inimigos desconhecidos têm duplos animais que habitam o espaço dos Yanomami, assim como os duplos animais dos Yanomami vivem com eles. São temidos porque matar um duplo yanomami equivale a matar um Yanomami. 5) Há, ainda, as doenças imputadas aos não-humanos, isto é, aos espíritos maléficos que vêem os humanos como presas que caçam e devoram. Em linhas gerais, essa teoria patogênica está associada à predação (ontológica) e à devoração (biológica) do "princípio vital", que os Yanomami associam ao sangue (Albert 1988: 91-93).

Para reconstituir a história do contato dos Yanomami com os brancos, Albert relacionou esses dados à mitologia sobre a "fumaça do metal". Entre 1850 e 1920, os Yanomami foram contaminados indiretamente pelas doenças dos brancos. As epidemias esporádicas que surgiram foram atribuídas ao fato de inimigos próximos terem acendido tochas próximas às aldeias yanomami, cuja fumaça causara mortes individuais.

Entre os anos de 1920 e 1940, ocorreram os primeiros contatos com os brancos. Desta vez, os Yanomami elaboraram uma teoria epidemiológica nova, que combinava duas categorias de Inumanidade: a) a aparência dos brancos e o deslocamento geográfico rio acima sugeria que eles eram fantasmas que tinham fugido das "costas do céu"10 10 Para os Yanomami, o céu tem "costas" e um "peito", que é a abóbada celeste vista pelos humanos (Albert: site: ISA). e b) a especificidade do corpo, pés sem dedos (sapatos) e capacidade de trocar de pele (roupas) indicava que eram espíritos maléficos vindos dos confins da floresta yanomami. Naquele momento, esta última associação predominou na teoria patogênica que foi denominada de "fumaça do metal" (1988: 96-98).

Do final dos anos 1920 até a metade dos anos 1960, o contato entre os brancos e os Yanomami foi intermitente. Neste período, as mortes dos Yanomami foram explicadas por eles como causadas tanto pelos inimigos próximos, como pelos inimigos antigos e virtuais. Se antes, a "fumaça do metal" matava individualmente, devido ao cheiro terrível que escapava das caixas onde os brancos guardavam seus bens, agora eram as combustões provocadas pelos brancos que causavam as mortes coletivas. Foi neste período, também, que os Yanomami integraram os brancos ao seu mito de origem e, por conseguinte, os brancos deixaram de ser associados aos espíritos maléficos e se tornaram Yanomami metamorfoseados (1988: 99-101).

Entre o final dos anos 50 e o início dos anos 60, um posto de missionários católicos que se estabeleceu no território yanomami levou-os à sedentarização. Mais uma vez, ocorreu uma adaptação na teoria yanomami sobre as doenças epidêmicas, na qual esses co-residentes que prestavam assistência médica foram concebidos como aliados. Já no início dos anos 70, somada à presença da FUNAI, do SPI, de mineiros, de auríferos e das pessoas envolvidas com a construção da Rodovia Transamazônica, ou seja, uma diversidade de brancos seguida de uma contaminação generalizada, as elaborações teóricas anteriores foram abandonadas em detrimento à associação dos bancos aos espíritos maléficos, isto é, não-humanos e predadores. Soma-se a isso uma relação entre esses espíritos maléficos e seus duplos, não mais animais, mas igualmente espíritos. Segundo os Yanomami, esses duplos espirituais subordinados aos espíritos maléficos seguiam seus "mestres" nos motores dos veículos (1988: 102-107).

Dez anos depois, Albert percebeu uma "verdadeira reviravolta" (1993: 242)11 11 Como escreve Albert: "Trata-se, em outras palavras, de uma passagem da 'resistência especulativa (discurso sobre o outro para si) à 'adaptação resistente' (discurso sobre si para o outro)". na mitologia da "fumaça do metal". O campo semântico, que até a década de 70 havia passado por transformações espiralares, agora foi estendido de modo a abarcar uma transformação interna radical. Davi Kopenawa, um xamã com experiência com os missionários evangélicos da Novas Terras do Brasil, na FUNAI e em ONGs ambientalistas, elaborou um discurso sobre os direitos dos Yanomami (entenda-se, direito de existir, nada a ver, portanto, com o direito romano), no qual se apropriou de vários conceitos dos brancos, de modo a ser compreendido e atrair a simpatia da opinião pública, apesar de atribuir a esses conceitos significados bastantes distintos. Por exemplo, aquilo que os brancos chamam de meio ambiente e buscam preservar, para ele é apenas o que restou da destruição causada. Muito mais importante para os Yanomami é a natureza (floresta) e suas redes de relações entre os humanos, os animais e os não-humanos12 12 Sobre estas relações: Viveiros de Castro: "A Floresta de cristal". (1993: 248). Além disso, no discurso de Davi Kopenawa, a mitologia da "fumaça do metal" passou por uma inversão: agora, em vez de remeter-se aos mitos de origem Yanomami, ela reapareceu como uma teoria apocalíptica, uma crítica política à devastação das florestas pelos brancos.

Deslocamento espacial e morfologia corporal: Yanomami, Tukano e Piro

São notáveis as semelhanças entre o ciclo mítico da "fumaça do metal" yanomami, o mito e a versão do mito sobre a origem do branco tukano analisado por Hugh-Jones, os mitos sobre a relação dos brancos com os Piro analisados por Gow e o mito tupinambá descrito por André Thevet. Não tenho a pretensão de tentar uma reconstituição da história dos Tupinambá. No momento, interesso-me apenas pelas possíveis relações estabelecidas por eles com os brancos, em meados do século XVI, e à natureza dos mal-entendidos ali ocorridos.

As relações entre os mitos de origem dos brancos yanomami, tukano, piro e tupinambá são diversas e, com certeza, merecem um capítulo à parte. Apenas para dar um exemplo, destaco dois temas: o deslocamento geográfico e os traços morfológicos - para mostrar algumas conexões possíveis. Como já foi dito anteriormente, na época dos primeiros contatos diretos com os brancos, os Yanomami oscilavam entre concebê-los como seres que tinham vindo das "costas do céu", onde moram os fantasmas, o trovão e diversas criaturas sobrenaturais, uma vez que os brancos tinham subido os rios na direção do território yanomami, e em imaginá-los, em função de aparência estranha dos brancos, como espíritos maléficos (Albert 1988: 97).

No mito Tukano sobre a origem dos brancos, Wãrabi se vinga dos seus afins jaguares, chutando uma bola (a cabeça da sua mãe) para o outro lado do rio. Ele construiu uma falsa ponte de cobras, parecendo madeira, que fez com que os jaguares caíssem no rio e fossem devorados pelas piranhas. Um dos jaguares perdeu uma perna, mas conseguiu chegar do outro lado do rio e tornou-se o ancestral dos brancos. Wãrabi tornou seus descendentes fortes e ferozes e deu a eles o poder de fazer os bens manufaturados poderosos, mas, também, os enviou na direção do Oriente, onde não causariam problemas. Mais tarde, o avô de Wãrabi, zangado por ele ter matado os jaguares, levou os bens manufaturados que Wãrabi tinha conseguido, em uma grande canoa, na direção da corrente do rio, para os brancos que viviam no Oriente (Hugh-Jones 1988: 142-143). Segundo Hugh-Jones, "Wãrabi is the prototype shaman who sent all White people far away to the East and it was from the East that the first White people, the Portuguese slavers and Brazilian trades and missionaries, began to enter the Vaupé region" (1988: 145)13 13 "Wãrabi é o protótipo de xamã que mandou todos os brancos para longe, para o oriente, e foi do oriente que os primeiros brancos, os comerciantes de escravos portugueses e os missionários e o comércio brasileiros, começaram a entrar na região Vaupé". .

Entre os Piro, Tsla, o xamã-demiurgo, partiu do mundo dos Piro para um destino desconhecido que eles buscam determinar. Outras versões do mito, como, por exemplo, "The world on the other side", que fornece uma explicação para o destino de Tsla e de seus irmãos gêmeos, Muchkajine (os primeiros brancos), associa os brancos ao céu, seja porque os missionários conquistaram o céu piro (Gow 2001: 249), seja por causa dos deslocamentos de avião realizados por eles. Ou ainda, de acordo com a "Dionisia's story", o avião era Deus que ia levar as crianças piro para o céu (Gow 2001: 229). Já "The story of Sangama" diz respeito à chegada de um barco voador com vários bens e roupas, vindo do Pará e cheio de riquezas dos "brancos" para os Piro.

Em todos esses três povos mencionados, é notável o modo como a metafísica da predação se manifesta. Além das associações espaciais há, ainda, aquelas que observam os afectos corporais. Entre os Yanomami na década de 90, os "brancos" eram vinculados ao "espírito epidemia" (xawari), canibais que desejavam se apropriar da "banha" yanomami, que manipulavam fumaças patogênicas e que brevemente derrubarão o céu (Davi Kopenawa apud Albert 1993: 253). Entre os Piro, Gow também localizou uma concepção na qual os brancos predam o corpo piro, ora a pele para rejuvenescer, isto é, fazer cirurgia plástica (2001: 266), ora a gordura para utilizar como combustível de avião (2001: 257, 261, 264, 268). Nos povos Tukano, Hugh-Jones afirma que se os mitos descrevem os jaguares como ancestrais dos brancos, na época de sua pesquisa, os jaguares eram os índios Tariana que, no passado, venderam índios aos brancos como escravos. A associação entre o jaguar e os brancos é feita por meio de narrativas históricas quando estas abordam os soldados, os policiais e outros que freqüentemente se manifestam de forma violenta (1988: 143)14 14 Segundo o antropólogo, cada um dos domínios, do mito e da história, tem relevâncias contextuais diferentes. Quando questionados sobre "brancos" específicos (identidade, tempo da chegada, atividades etc.), os índios respondem da mesma forma que os brancos. Entretanto, quando perguntados sobre "brancos" em geral (origem, existência e características), eles especulavam por meio da certeza transcendente dos mitos (Hugh-Jones 1988: 140-141). Para os Tukano, os mitos são cheios de acontecimentos que pertencem a um nível de realidade acessível apenas por meio dos sonhos, do xamanismo e do ritual, enquanto nada acontece na narrativa histórica que não possa ocorrer hoje novamente. Para os mitos, existe uma versão da "story" que é correta e que se deve buscar estar de acordo; já as narrativas históricas tendem às variações idiossincráticas, a exatidão se aplica à verdade dos detalhes e não à "story" como um todo. Neste sentido, são gêneros diferentes, porém não incompatíveis (Hugh-Jones 1988:141). .

Penso que com esses dados já é possível colocar a seguinte questão: como teria sido a relação dos Tupinambá com os brancos, na época da Invasão? Ou ainda: quais seriam as formas de objetivação tupinambá diante dos brancos?

Os Tupinambá e os brancos

O mito recolhido por Thevet começa narrando a partida de Monan15 15 "De moñä, qui signifie engendrer. Si on s'en tient à l'étymologie, il faut récuser l'affirmation de Métraux que le dieu tupi n'est pas un créateur ex-nihilo, mais plutôt un transformateur" (Clastres, H. 1975: 36). – "De moña que significa engendrar. Se nos ativermos à etimologia, deveremos recusar a afirmação de Métraux de que o deus tupi não é um criador ex-nihilo, mas sim um transformador". , o demiurgo, criador do céu, da terra, dos pássaros e dos animais para o céu. Monan queimou tudo o que existia, mas salvou um homem, Irin-Magé. Mais tarde, por compaixão aos apelos desse sobrevivente que levou junto para o céu, Monan criou o mar e as montanhas e deu a Irin-Magé uma esposa. Deles descendem todos os homens. De Irin-Magé, dizem os índios, saiu um grande caraíba, chamado Maira-Moman. Escreveu Thevet a respeito: "ils disent que nous sommes les successeurs et vrays enfants de Maira-Monan et que sa vraye race s'est tournée en noz terres" (Thevet 1575 : 914)16 16 "eles dizem que nós somos os sucessores e os verdadeiros filhos de Maira-Monan e que sua verdadeira raça volveu-se em nossas terras". . Os índios, por sua vez, atraíram o ódio e a indignação de Maira-Monan. Este lhes poupou a vida, mas os fez viver em condições difíceis até que um deles foi consumido pelo fogo e, assim, chegou no céu. Um dilúvio sucedeu, até que Sumé, pagé e caraíba, descendente do índio queimado, teve dois filhos. Inimigos, deles descendem os dois povos que vivem em discórdia e guerra perpétua: os Tupinambá e os Tominous (Thevet 1575: 914)17 17 Uma bela análise desse mito foi realizada por Beatriz Perrone-Moisés 2006. .

O mito segue, mas, por ora, basta destacar primeiro que a idéia de dois povos que jamais chegarão a um acordo descreve aquilo que Lévi-Strauss chamou de "dualismo em perpétuo desequilíbrio" (1991: 212). E, segundo, como afirma Viveiros de Castro a propósito de povos estruturados em torno do dualismo concêntrico, que: "essa forma de 'dualismo' traz a indeterminação para o centro, em lugar de expulsá-la para as trevas do não-ser" (2002: 436). Temos, aí, da famosa "abertura ao outro", uma fenda por meio da qual os brancos vieram fazer parte da mitologia tupinambá, o que constitui um fator da dinâmica desse povo. Pois, como escreveram Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro a propósito da memória dos inimigos da guerra de vingança tupinambá, ela: "não é da ordem de uma recuperação e de uma 'reprodução' social, mas da ordem da criação e da produção: é instituinte, não instituída ou reconstituinte. É abertura para o alheio, o alhures e o além: para a morte como positividade necessária" (meus grifos 1985: 76)18 18 Para que fosse possível aprofundar a questão sobre a reação dos Tupinambá em relação à invasão branca, seria necessário voltar à mitologia tupinambá, especialmente ao fragmento do mito (versão) que narra a história de um outro personagem relacionado a Monan, chamado Maire Pochy, um sujeito feio e desfigurado, mas conhecedor dos segredos de Monan (Thevet 1575). .

Villegagnon e Cook

Sahlins elaborou o conceito de "estruturas performativas" 19 19 Segundo Sahlins, que criou o conceito de estrutura "performativa" juntamente com o de "prescritiva", "o problema está centrado nas relações entre as formas sociais e os atos apropriados. Sugiro a possibilidade, que parece ser raras vezes considerada, de que tais relações sejam reversíveis: que tipos de ações usuais podem precipitar formas sociais" (1985: 12). , para caracterizar o modo como os havaianos estabeleciam suas regras a partir das ações que praticavam. Como notou Carlos Fausto, esse procedimento também é notado entre os Tupinambá (1992), povos normalmente descritos como tendo padrões comportamentais fluídos20 20 Como observaram Seeger, da Matta e Viveiros de Castro, "talvez se possa dizer que esta 'fluidez', essa 'flexibilidade, tantas vezes apontada pelos etnógrafos, é simplesmente o resultado da aplicação de modelos inadequados, modelos justamente que não consideram a dimensão categorial-simbólica como formadora da praxis" (1979: 10). . Apesar do casamento preferencial, no século XVI, ter sido os avunculato e em Fiji, no século XVIII, entre primos cruzados, os cronistas narram a ênfase dada à livre-escolha de parceiros conjugais21 21 É importante ressaltar que: "uma sociedade que funcione baseada na livre busca de seus interesses não está, por isso, livre das relações motivadas entre os signos" (Sahlins 1985: 49). . Isso quer dizer que é perfeitamente possível uma pessoa se tornar prima cruzada do outro, sobrinha ou tio, no momento do casamento. Um outro modo como funciona a estrutura performativa é o caso de um Wari', chamado Paletó, que afirma que é pai de verdade da Aparecida Vilaça, antropóloga que faz campo nas suas terras há mais de 20 anos (Vilaça 2006: 19).

A partir de agora, busco desenvolver os seguintes argumentos: "it is possible to discern, for example, in the archi-famous episode of the death of Captain Cook, as analyzed by Marshall Sahlins (1985), a structural transformation of the cross experiments of Puerto Rico" (Viveiros de Castro 2004: 10)22 22 "é possível discernir, por exemplo, no conhecido episódio da morte do capitão Cook, de acordo com a análise de Marshall Sahlins (1985), uma transformação estrutural dos experimentos que se cruzam com os de Porto Rico". , assim como: "Cook and the Hawaiian king were rivals in exactly same way as Cortés and Montezuma: the former the returning, ancient non-sacrificial god (Quetzecoatl), the latter associated with the imperial and sacrificial god Huitzilipochtli" (Sahlins 1981: 74)23 23 "Cook e o rei havaiano eram rivais exatamente da mesma forma que Cortés e Montezuma: aquele o deus arcaico, misericordioso, que retornava (Quetzecoatl), e este associado ao deus imperial e sacrificante Huitzpochtli". . A simetria que pretendo estabelecer, no entanto, faz um pequeno deslocamento na direção do Rio de Janeiro, de modo a demonstrar um paralelo entre o que aconteceu no Havaí, na Baía de Kealakekua, durante a segunda expedição do Capitão Cook, a partir de 17 de janeiro de 1779, e o que ocorreu no Brasil, na Baía de Guanabara, com a chegada de Villegagnon e seus companheiros de viagem, no dia 10 de novembro de 1555.

Os havaianos tinham um termo, Kahiki, que significava "invisible lands beyond the horizon" (Sahlins 1981: 10 e 16)24 24 "terras invisíveis além do horizonte". , e, também, "overseas spiritual realm" (Sahlins 1979: 29)25 25 "reino espiritual dos além-mares". , e que, por sua vez, estava associado à teoria política e religiosa de transmissão do poder. De acordo com a mitologia havaiana, Paao, após um desentendimento com o irmão mais velho, Lonopele, chegou ao Havaí e depôs o chefe reinante cuja legitimidade era hereditária (Sahlins 1981: 10). Paao introduziu o sacrifício na região e definiu uma nova forma de sucessão, pela violência, na qual cada novo chefe deveria ser um conquistador, comprometido com sacrifícios humanos e com o deus Ku (Sahlins 1979: 331). O deus associado ao chefe que perdeu o poder e foi viver no Kahiki, portanto, Lono, não foi liquidado, pelo contrário, ele retorna anualmente, na época do Makahiki, momento no qual o sacrifício e a guerra são suspensos, para renovar a fertilidade da terra. Foi durante esse ritual que Cook chegou pela segunda vez ao Havaí circunavegando a Baía, no mesmo sentido horário da procissão feita com a imagem de Lono, percurso este, justamente, contrário à partida temporária do deus Ku (Sahlins 1981: 19).

Apesar de sabermos que Monan partiu em direção ao céu, o mito recolhido por Thevet não menciona uma expectativa de retorno; não se encontrou também uma precisão sobre a localização do paraíso terrestre ameríndio. Hélène Clastres, por exemplo, afirma que "les Tupi-Guarani situaient la Terre sans Mal dans leur espace réel, tantôt à l'est, tantôt à l'ouest"26 26 "Os Tupi-Guarani situam a Terra sem Mal no seu espaço real, às vezes a leste, às vezes a oeste". . Mesmo assim, penso que é possível afirmar que havaianos e Tupinambá têm suas utopias dadas no espaço enquanto se pensam em termos temporais (Viveiros de Castro e Carneiro da Cunha 1985: 72). Isso porque há uma referência aos Maori que equivale à idéia contida no diálogo tupinambá: '"you will kill me', says the embattled warrior to his enemies, 'My tribe will kill you and the land will be mine'" (apud Johansen 1954 - Sahlins 1981: 14)27 27 "'vocês vão me matar' o guerreiro fala na batalha para seus inimigos, 'Minha tribo vai matar vocês e a terra vai ser minha'". . Entre os Tupinambá, após a captura do inimigo, este é transformado em um afim e passa um período normalmente longo convivendo na aldeia. É, sobretudo, no momento em que o cativo vai ser sacrificado que ocorre o diálogo: "Matai-me, que bem tendes que vos vingar em mim, que eu comi a fulano vosso pai, a tal vosso irmão, e a tal vosso filho" (Anchieta 1565: 236). Ou seja, matador e vítima proferem bravatas recíprocas nas quais são lembradas as cerimônias canibais futuras e passadas. Como notaram Viveiros de Castro e Manuela Carneiro da Cunha: "não se trata de haver vingança porque as pessoas morrem e precisam ser resgatadas do fluxo destruidor do tempo; trata-se de morrer para haver vingança e assim haver futuro" (1985: 70). Neste sentido, é notável ainda que "Cook was ( ) historically sacrificed as a rival, to be ideologically recuperated at a later time as an ancestor" (1981: 25)28 28 "Cook foi (...) historicamente sacrificado como rival, para ser recuperado ideologicamente mais tarde como antepassado". .

Carlos Fausto sugere que, "vindos de muito longe, de além-mar, em grandes embarcações (Anchieta 1988), com estranhos poderes e úteis objetos, os europeus foram associados aos grandes xamãs tupinambá, que andavam pela terra, de aldeia em aldeia, curando, profetizando e lhes falando de uma vida edênica" (1992: 385). Isso não significa, contudo, que a associação entre os brancos e os profetas esteja relacionada a uma internalização da crença. Pelo contrário, parece que o que ocorreu na França Antártica e no Havaí pode ser descrito como aquilo que Deborah Tooker denominou de uma prática de externalização da tradição, isto é, um fenômeno histórico e particular que está vinculado à maneira de viver, de fazer as coisas, aos costumes e que muda de acordo com o comportamento das pessoas. Por isso, sobre os Tupinambá, Viveiros de Castro notou que: "o obstáculo a superar não era a presença de uma doutrina inimiga", mas o que "os primeiros jesuítas rotularam mais simplesmente de 'maus costumes'" (1993: 188-89).

Sahlins reparou o papel dos afectos corporais na cultura havaiana. Foi precisamente por comer junto com os marinheiros ingleses que as mulheres havaianas não apenas romperam os tabus locais, como, também, poluíram os ingleses que, aos poucos, foram perdendo seus atributos divinos. Esse interesse das havaianas nos marinheiros fazia parte de um costume local (wawahi), segundo o qual as mulheres de hierarquias mais baixas buscavam seduzir os chefes na esperança de que o primogênito tivesse os atributos de uma estirpe mais elevada. Diziam os havaianos: "les os des grands-parents vivront" (Sahlins 1979: 328)29 29 "os ossos dos ancestrais viverão". .

O antropólogo norte-americano também destacou a ênfase havaiana dada à visão. O mana dos chefes estava vinculado ao fato de brilharem como o sol, e os comuns deviam baixar suas cabeças na presença de um superior (1981: 31). Um dos primeiros convertidos ao cristianismo disse aos missionários que ia à Igreja, não para escutar o Evangelho, mas para ver os chefes (Sahlins 1979: 310). Chama a atenção, igualmente, a fama que os ingleses adquiriram: "ils (os ingleses) ont des portes sur les côtés de leurs corps [les poches] ... et ils plongent leurs mains dans ces ouvertures et en tirent maints objets de valeur ... Leur corps est plein de trésors" (Dibble, 1909: 23 apud Sahlins 1979: 322)30 30 "eles têm portas sobre os lados de seus corpos (bolsos) ... e eles mergulham as mãos nessas aberturas e daí tiram muitos objetos de valor ... Seus corpos é cheio de tesouros". .

Há, ainda, as referências feitas pelos havaianos ao corpo dos ingleses e, particularmente, ao cadáver de Cook. Como é conhecido, os havaianos e os ingleses disputaram os restos mortais do capitão convencidos de que o tratamento correto do cadáver garantiria sua eternidade. De um lado, os ossos eram considerados um veículo de transmissão do poder e de proteção e, desde que obedecidas as cerimônias tradicionais, eram uma forma de capturar o mana do defunto. (Sahlins 1979: 311 e 335-36). De outro lado, estavam as concepções relacionadas ao Juízo Final.

Esses exemplos nos remetem às concepções de pessoa, havaiana e tupinambá. De acordo com Sahlins, '"tabu' is an integral part of the determination of such categories as 'chief, 'commoner', 'men' or 'women'. Constituing the social nature of persons and groups, tabu is itself the principle of theses distinctions" (Sahlins 1981: 51)31 31 '"tabu' é parte integral da determinação de categorias como chefe, plebeu, homens ou mulheres. Considerando-se que tabu constitui a natureza social das pessoas e de grupos, o conceito é em si o princípio dessas divisões". . A pessoa havaiana estaria assim entre os cachorros e os deuses, categorias não sujeitas aos tabus (Sahlins 1981: 55). Em outras palavras, a pessoa havaiana define-se de forma negativa, por meio daquilo que ela não pode comer, fazer e ir. O mesmo pode ser dito em relação ao matador tupinambá, o único que não come a vítima no festim canibal32 32 Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro 1985: 59 e Viveiros de Castro 1992: 293 e 350 e 1993: 239. . Por outro lado, matar um inimigo dava-lhe acesso ao casamento, a nomes, a cicatrizes, à honra, ao prestígio político e conseqüentemente, à poligamia33 33 Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro 1985: 61. .

São notáveis, também, as semelhanças morfológicas corporais estabelecidas entre os europeus e as divindades. Sahlins cita a seguinte fonte: "lorqu'ils virent les étrangers fumer, ils dirent: 'Voilà Lono-pele et sés compagnons [de la parentèle des dieux du volcan] qui soufflent lê feu avec leur bouche'" (1979: 325)34 34 "quando viram os estrangeiros fumarem, disseram: 'Aí estão Lono-pele e seus companheiros [do parentesco dos deuses do vulcão] que sopram o fogo com a boca". . Para o antropólogo: "la divinité était, pour les Hawaïens, chose inhérente à leurs relations avec ces étrangers 'à la pleau blanche, aux yeux clairs et brillants' venus d'ailleurs, de loin. Rien d'étranger, pour eux, n'était simplement humain" (1979: 321)35 35 "a divindade para os havaianos era algo inerente às suas relações com esses estrangeiros'de pele branca, de olhos claros e brilhantes', vindos de outro lugar, de longe. Nada de estrangeiro, para eles, era simplesmente humano". . Lestringant, que conhece a obra de Jean de Léry como ninguém, diz da narrativa de um ancião tupinambá: "ce souvenir touche à la venue d'un Mair ou prophète, c'est-à-dire d'un Français ou d'un étranger, 'vestu et barbu comme aucuns de vous autres'" (1999b: 126)36 36 "esta lembrança diz respeito à vinda de um Mair, ou profeta, quer dizer, de um francês vestido e barbudo como alguns de vós". . Assim, de acordo com Beatriz Perrone-Moisés: "se considerarmos a concepção pan-americana de um poder espiritual vindo de fora, de que os estrangeiros provam ser portadores considerando-se a sua tecnologia e sua resistência às doenças, além de o mero fato de serem estrangeiros indicar que possuem poder (proveniente de fora, por definição), não espanta que a presença de apenas alguns basta para os índios: o poder é de ordem sobrenatural" (1996: 134-135)37 37 É interessante notar que essa concepção que associa os brancos aos deuses está presente em outros contextos. De acordo com Robbins ,"the Urapmin also imagined that the whites might be 'supernaturals', or returning ancestors, but as O'Hanlon (1993: 22) remarks for the Wahgi, '[T]his interpretation ... had an experimental, matter-of-fact quality to it', and it seems that it was rather quickly abandoned" (2004: 52). "os Urapmin também imaginavam que os brancos talvez fossem 'sobrenaturais', ou antepassados que haviam retornado, mas como O' Hanlon (1993:22) observa, para os Wahgi 'essa interpretação ... tinha qualidade experimental, prática', e parece ter sido abandonada rapidamente". . E certamente estava relacionado ao modo como esses estrangeiros se apresentavam, como se vestiam, de onde viam, o que comiam e o que faziam.

Finalmente, mesmo sem pretender aprofundar o fenômeno do sacrifício, gostaria de ressaltar um último aspecto relacionado ao corpo que parece aproximar havaianos e Tupinambá. Como escreveram Carneiro da Cunha & Viveiros de Castro, "o festim canibal que exige a participação de todos e envolve técnicas de conservação da carne para que aliados distantes possam prová-la é também uma maneira de qualificar todos os devoradores, homens, mulheres, crianças, como possíveis vítimas da próxima matança" (1985: 64). As fontes históricas descrevem até mesmo, com precisão, a parte do corpo que cabia a cada um: "As vísceras eram cozidas e destinadas às crianças (...) que também bebiam o sangue e o esfregavam no corpo para tornarem-se mais valentes"38 38 Carneiro da Cunha & Viveiros de Castro: 1985: 59 e 61. . "Os pés e as mãos, quando a carne era escassa, podiam ser transformados em caldo. As velhas, ávidas pelas tripas e pela forçura, receberam a fama de famintas"39 39 Carneiro da Cunha e Viveiro de Castro 1985: 59 . Aos homens adultos eram dados os músculos e às mulheres grávidas, as partes genitais. Como observou Sztutman, a cabeça da vítima "era mantida como uma espécie de troféu de modo a ser apresentada ao matador no momento de sua reclusão e seus ossos eram guardados para serem transformados em instrumentos musicais, prontos para serem tangidos no próximo festival" (2005: 159-160). Assim, assado ou moqueado, líquido ou sólido, cada um recebia uma parte da cozinha canibal de acordo com a idade, sexo e posição social.

Ora, algo parecido aconteceu com os restos mortais de Cook. Segundo Sahlins:

"normally the body is allowed to rot on the altar, but it may be taken outside the temple and baked to facilitate removal of the flesh. In either event, the bones of great rivals are disarticulated and distributed as trophies among paramount's followers, to be fixed in their ritual regalia, the extend and character of this distribution apparently varying with the intent and necessity to share power. The skull of the victim is normally reserved to the god, the long bones ad mandible to the ruling chief" (1981: 25)40 40 "em geral, o corpo é deixado para apodrecer no altar, mas pode também ser levado para fora do templo e cozinhado, para facilitar a remoção da carne. Em quaisquer das possibilidades, os ossos de grandes rivais são desarticulados e distribuídos como troféus entre os seguidores de suma importância, para que sejam afixados em sua ornamentação ritual. A extensão e o caráter dessa distribuição variam de acordo com a intenção e a necessidade de distribuir poder. O crânio da vítima é em geral reservado para o Deus e os ossos grandes e a mandíbula para o chefe em comando". .

A Léry foi oferecido um pé tupinambá41 41 Lestringant 1999b: 29-30 . Já para Thevet, os Tupinambá ofereceram um braço cozido comido pela metade e separado da mão42 42 Thevet 1575, La Cosmographie Universelle. Apud Lestringant 2003: 272. .

Reprodução e transformação

Nesta parte, procuro retomar o debate em torno dos povos "performativos" e "prescritivos"43 43 Albert, por exemplo, utilizou esta distinção para classificar os Yanomami no primeiro conceito e os Tupinambá no segundo (1988: 109-110). para discutir os conceitos de reprodução e de transformação. Minha análise estará centrada no problema do significado de um evento, aspecto considerado fundamental para distinção entre um fato que reproduz e um fato que transforma a estrutura conceitual de um povo. O horizonte visado são dois acontecimentos: a morte de Cook, em 14 de fevereiro de 1779, e a controvérsia religiosa no dia de Pentecostes, no domingo de 22 de maio de 155744 44 Cálculo feito a partir do site: http://www.arlindo-correia.com/160101.html .

Penso que quando se emprega a idéia de uma "reprodução" cultural, é necessário levar em consideração uma sutileza entre a obviedade de que um fato não pode acontecer duas vezes da mesma maneira, e a idéia de que a estrutura de um evento pode acontecer mais de uma vez. Como escreveu Fernand Braudel, "todas as estruturas da história são, pelo menos elementarmente, dinâmicas capaz de reproduzir-se num número de circunstâncias fáceis de reencontrar." (1958: 26). Diferentemente, não seria uma estrutura. Sahlins, por exemplo, escreveu sobre a "capacity to encompass historical within received relationships" (1981: 29)45 45 "capacidade de encompassar o histórico nas relações usuais". , ao referir-se ao fato de que, como os havaianos possuíam hierarquias (chefes e comuns), tal como os ingleses (lordes e comuns), isso foi devidamente assimilado por eles (Sahlins 1981: 30-31). Entretanto, mesmo nesse sentido, a reprodução não significa estrito senso uma repetição, mas uma idéia de permanência, de longa duração, de coisas que são familiares, de retorno, enfim, um sentido minimalista (Viveiros de Castro 1986).

O que não parece tão claro assim é o que significa transformar uma estrutura e quais são os limites e as extensões dessa ação. Para Sahlins, o termômetro consiste na capacidade de um acontecimento se tornar um evento, isto é, conferir um outro significado à estrutura, provocando uma reavaliação da mesma, aquilo que chama de "estrutura da conjuntura" e que ocorre quando "as categorias culturais se atualizam num contexto específico por meio da ação interessada dos agentes históricos e da pragmática da sua interação" (Sahlins 1991: 366).

No plano metodológico, pode-se dizer que a análise do antropólogo americano implica, portanto, dois movimentos. O da estrutura para prática, quando as ações são ordenadas de acordo com uma ordem cultural dada, e o da prática para estrutura, quando os eventos se tornam sistêmicos e, assim, "the structure, as a set of relationships among relationships is transformed" (Sahlins: 1981: 37)46 46 "a estrutura, tomada como um conjunto de relações entre relações, se transforma". . De acordo com o segundo movimento, a atualização da hierarquia havaiana no contato com os ingleses, isto é, na práxis, foi afetada por acionar interesses havaianos contraditórios. No momento em que os "comuns" passaram a aceitar pagamento pela "doação de mulheres", isso causou descontentamento nos chefes, tornando a relação entre ambos ainda mais tensa. Ao transgredir os tabus, os "comuns" foram tidos como ameaçadores pelos chefes. Como escreveu Sahlins: "the schismogenic cleavage thus opened between commoners and chiefs became manifest during the earliest encounters with Europeans" (1981: 50)47 47 "a clivagem cismogênica entre os chefes e os comuns que então se materializa, se tornou manifesta durante os primeiros encontros com os europeus". .

Algo muito semelhante parece ter ocorrido no dia de Pentecostes na França Antártica quando um desacordo sobre o modo de celebrar a Eucaristia tornou interesses diversos em impossibilidade de convivência entre os protestantes e os católicos. Ou então no Havaí, quando Cook-Lono retornou à costa, e foi devidamente sacrificado. No primeiro caso, o evento levou à disjunção, no segundo, à junção e às conseqüências de cada um não foram menos importantes. No Brasil, prefiguraram-se as intolerâncias religiosas que marcaram os séculos seguintes europeus (Lestringant 1991) e, no Havaí, consagrou-se o momento a partir do qual o mana inglês passou a fazer parte daquele povo (Sahlins 1981).

Equívocos e mal-entendidos

Como já foi dito na introdução, normalmente, quando um autor refere-se à França Antártica, ele é quase que compelido a mencionar o fracasso do empreendimento. Os exemplos são numerosos. Paulo Knauss inclusive fez um inventário sobre o tema do malogro, no qual os historiadores clássicos imputam a responsabilidade a Villegagnon. Segundo Varnhagen, Villegagnon era "ambicioso e hipócrita aventureiro" (1991: 47). Para Southey, ele foi um traidor, já Gaffarel atribui-lhe o adjetivo de desertor. Finalmente, Heulhard associou o cavaleiro de Malta a um "'fantoche que muda de opinião como de hábito' ao sabor dos acontecimentos" (Kanuss 1991: 48).

É curioso, também, que, às vezes, a expressão "mal-entendido" seja cunhada juntamente com as explicações sobre os motivos pelos quais a França Antártica não teve êxito. Wanegffelen48 48 Em artigo no qual sintetizou três hipóteses sobre a identidade de Villegagnon: 1) um lutenano tornado católico por oportunismo; 2) um mediador que buscou uma forma de "concórdia" quando, como escreveu Lucien Febvre, sequer a palavra tolerância existia; e 3) uma pessoa que, durante a permanência no Brasil, estava desvinculada das instituições confessionais (1998). afirma: "mais alors se pose la question de la rasion de l'échec de cette entreprise coloniale"49 49 "mas aí se coloca a questão da razão e do fracasso desse empreendimento colonial". e, em seguida, refere-se aos "malentendus, les déceptions, les incompréhensions"50 50 "mal-entendidos, as decepções e as incompreensões". como sendo os mesmos que se repetiram de Poissy a Wassy e que levaram a França às guerras de Religião (1998: 159). A controvérsia religiosa na França Antártica também é entendida por esse autor como uma forma de mal-entendido entre os genoveses e Villegagnon (1998: 166 e 173). Ainda sobre o tema do fracasso de uma coexistência pacífica no Brasil, Lestringant escreveu: "en fait, le différend né outre-Alantique est dû pour une part à un malentendu touchant la nature exacte de l'engagement de Villegagnon aux côtés de la Réforme" (1985a: 268)51 51 "na realidade, o diferendo nascido além-Atlântico deveu-se, por uma parte, a um mal-entendido concernente à exata natureza do engajamento de Villegagnon em relação à Reforma". .

Penso, todavia, que há uma outra forma de colocar a questão, que separa a idéia de fracasso da de mal-entendido e que, pode-se dizer, indaga sobre a natureza das relações diplomáticas estabelecidas, tal como sugere Perrone-Moisés quando afirma que: "aliança ou sujeição, sabe-se que foram numerosos os 'mal-entendidos' a esse respeito na América, onde se enfrentavam concepções profundamente diferentes dos rituais de 'política externa' que envolviam europeus e povos indígenas" (1996: 50). De fato, a literatura antropológica dá outro sentido ao termo mal-entendido. Sahlins, por exemplo, refere-se ao "mal-entendido produtivo" para designar um acaso simbólico entre duas ordens culturais diferentes, que ocorre quando ambas conferem um valor significante a um mesmo evento histórico (1979: 315)52 52 Em 1981, o antropólogo retomou o conceito, aliás, um empréstimo de Bohannans utilizado para o contexto africano e refinou-o, definindo-o como algo que: "may entail some arrangement of conflicting intentions and interpretations, even as the meaningful relationships so established conflict with the established relationships" (p. 72). "pode demandar algum tipo de entendimento entre intenções e interpretações conflitantes, até mesmo na medida em que as relações significativas estabelecidas dessa forma entram em conflito com relações já estabelecidas". . Este, por sua vez, pode se tornar um mal-entendido funcional (Sahlins 1979: 326), o que significa que implica questões éticas e é apenas então que a questão do fracasso e do sucesso se impõe. Como aconteceu, por exemplo, quando os ingleses entenderam a "doação de mulheres" como prostituição (Sahlins 1979: 328) e quando confundiram o templo de sacrifícios havaianos com um cemitério (Sahlins 1979: 327).

De acordo com Viveiros de Castro, a Antropologia que se defronta com a dinâmica dos mal-entendidos deve procurar traduzi-la de forma controlada, de modo que o sentido original dado pelo nativo a alguma coisa não se perca e, desta forma, seja possível que sejam subvertidos determinados pressupostos antropológicos (2004). Essa postura requer que o antropólogo leve, de fato, o ponto de vista nativo a sério, uma preocupação que, pode-se dizer, esteve presente ao longo dos trabalhos de Sahlins sobre a história do capitão Cook no Havaí. Para citar dois extremos, em 1979, escrevia o antropólogo:

"mon propos, cependant, est de montrer que la divinité qui en fin de compte se fixa sur Cook, n'était pas une erreur intellectuelle, une conséquence d'analogies substantielles, encore que fortuites, entre le comportement empirique des Anglais et la pensée mythique des 'indigènes'. La substantiation des références est une erreur de notre propre pensée" (p. 324)53 53 "meu propósito, entretanto, é mostrar que a divindade que, no final das contas, fixou-se em Cook, não era um erro intelectual, uma conseqüência de analogias substanciais, ainda que fortuitas, entre o comportamento empírico dos ingleses e o pensamento mítico dos "índios". A substanciação das referências é um erro do nosso próprio pensamento." .

Em 1995, naquela longa e bela resposta, Sahlins escreveu:

"para os havaianos, a noção de que Cook era uma efetivação de Lono dificilmente poderia ser considerada uma proposição irrefletida, não-empírica. Foi construída a partir de, e enquanto, relações percebidas entre a cosmologia dos havaianos e a história de Cook. O pensamento havaiano não difere do empirismo ocidental por uma falta de atenção ao mundo, mas sim pela premissa ontológica de que a divindade, e de modo mais geral a subjetividade, pode ser imanente nele" (p. 21).

Todavia, para que se possa levar o ponto de vista nativo realmente a sério, é necessário, também, que ele seja levado às suas últimas conseqüências e, aí, talvez haja espaço para aquilo que Bruno Latour denominou de antropologia simétrica (1991).

Conclusão

Para finalizar, vale lembrar que, nos povos "perfomativos", "o sistema social é (...) constituído da paixão e a estrutura, constituída do sentimento" (Sahlins 1985: 49), e que, tal como havia feito Villegagnon, Cook, nas duas viagens que empreendeu, proibiu a tripulação de ter qualquer contato com as mulheres locais, no navio ou em terra (Sahlins 1981: 38). E, da mesma forma como aconteceu na França Antártica, esse "tabu" foi transgredido. A primeira rebelião contra Villegagnon, inclusive, não foi, como depois ganhou repercussão, a controvérsia sobre a Eucaristia, mas sim, por causa da ameaça de punir com morte quem estabelecesse relações sexuais com as índias fora do matrimônio54 54 Lestringant 1992: 184-185. . Só que, diferentemente do francês, Cook se "rendeu" e, a partir 7 de dezembro de 1778, permitiu mulheres a bordo (Sahlins 1981: 39)55 55 Para uma análise interessante sobre a questão do gênero tupinambá na obra de Jean de Léry,ver: Lestringant 1999b: 99-101. .

Ora, durante a expedição que resultou nos Tristes trópicos, Lévi-Strauss presenciou um momento singular de aproximação de dois bandos nambiquara que haviam anteriormente sido dizimados pelas epidemias provocadas pelos brancos entre 1907 e 1930. A situação de tensão inicial foi suplantada quando as tribos nambiquara, cujo parentesco é definido pelo casamento entre primos cruzados, elaboraram um plano no qual os homens começaram a chamar as mulheres dos outros de irmãs, afirmando, com isso, que eles eram seus cunhados, quer dizer, esposos potenciais das suas mulheres (Lévi-Strauss 1955: 289-99). Foi um encontro que possibilitou ao antropólogo francês ver, na prática, a teoria da aliança descrita anteriormente nas Estruturas elementares do parentesco. No século XVI, ocorreu na França um fato simétrico. Os partidos católico e protestante disputavam a influência política junto ao rei Carlos IX assolando o país em conflitos. Um plano semelhante ao nambiquara foi elaborado. O rei de família católica ofereceu sua irmã a um primo protestante, rei de Navarra, buscando, com isso, selar a paz no país. Acontecimento inédito mas frustrado, certamente o idioma europeu não era o da predação ontológica.

Assim como para os Nambiquara, as relações cross-sex travadas na França Antártica implicavam para os índios a efetivação do termo tovajar, que, para os Tupinambá, significava, ao mesmo tempo, cunhado e inimigo (Viveiros de Castro 2002: 408). No Havaí, essas relações giravam em torno do conceito de wawahi, que, em um determinado plano, não tinha um significado muito diferente daquele empregado pelos Tupinambá. Esses exemplos ajudam a precisar aquilo que venho tentando demonstrar, que o que há são mal-entendidos e é justamente a natureza deles, ou seja, as premissas que os regem, o que interessa estudar, se o compromisso da Antropologia é, de fato, com a alteridade.

Sites :

http://abaete.wikia.com/wiki/P%C3%A1gina_principal

http://amazone.wikicities.com/wiki/Projeto_AmaZone

http://www.arlindo-correia.com/160101.html

http://www.ethnographiques.org/

http://www.socioambiental.org/pib/index.html

Artigo recebido em 03/2008. Aprovado em 07/2008.

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  • 1
    "Um equívoco não é um erro, um engano, ou uma decepção. Ao contrário, é a própria base da relação que suscita".
  • 2
    "A confrontação entre culturas possibilita uma ocasião privilegiada para se entender claramente tipos comuns de transformação histórica".
  • 3
    Um dos melhores exemplos de como a antropologia percebe o fracasso de outra forma é o livro
    Naven, de Gregory Bateson.
  • 4
    "muitas vezes me perguntam se Deus tem cabeça, e corpo, e mulher, e se come, e de que se veste, e outras coisas semelhantes"
  • 5
    O corpo como um dispositivo para construção da pessoa na Amazônia foi objeto de análise de Seeger, da Matta e Viveiros de Castro (1979).
  • 6
    Ver também: (1992: pp. 118; 140 e 150-151). "a invariante da estrutura cosmológica Tupi-Guarani é o encompassamento metafísico do domínio do social pelo macro domínio do extra-social. O interior do
    socius e seus valores são subordinados à exterioridade".
  • 7
    "Assim como a sociedade araweté inclui os deuses, a sociedade tupinambá deve ser compreendida como incluindo os inimigos. Ela se constitui por meio de relacionamentos com os outros, em um regime de heteronomia generalizada".
  • 8
    "para os havaianos o exterior, assim como os lugares excêntricos do universo conhecido ou o mar em relação às terras habitadas, é tradicionalmente, o lugar dos poderes sobre-humanos".
  • 9
    Para exemplos concretos desse tipo de alternância ver: VILAÇA (2006: 275; 283 e 314).
  • 10
    Para os Yanomami, o céu tem "costas" e um "peito", que é a abóbada celeste vista pelos humanos (Albert:
    site: ISA).
  • 11
    Como escreve Albert:
    "Trata-se, em outras palavras, de uma passagem da 'resistência especulativa (discurso sobre o outro para si) à 'adaptação resistente' (discurso sobre si para o outro)".
  • 12
    Sobre estas relações: Viveiros de Castro: "A Floresta de cristal".
  • 13
    "Wãrabi é o protótipo de xamã que mandou todos os brancos para longe, para o oriente, e foi do oriente que os primeiros brancos, os comerciantes de escravos portugueses e os missionários e o comércio brasileiros, começaram a entrar na região Vaupé".
  • 14
    Segundo o antropólogo, cada um dos domínios, do mito e da história, tem relevâncias contextuais diferentes. Quando questionados sobre "brancos" específicos (identidade, tempo da chegada, atividades etc.), os índios respondem da mesma forma que os brancos. Entretanto, quando perguntados sobre "brancos" em geral (origem, existência e características), eles especulavam por meio da certeza transcendente dos mitos (Hugh-Jones 1988: 140-141). Para os Tukano, os mitos são cheios de acontecimentos que pertencem a um nível de realidade acessível apenas por meio dos sonhos, do xamanismo e do ritual, enquanto nada acontece na narrativa histórica que não possa ocorrer hoje novamente. Para os mitos, existe uma versão da "story" que é correta e que se deve buscar estar de acordo; já as narrativas históricas tendem às variações idiossincráticas, a exatidão se aplica à verdade dos detalhes e não à "story" como um todo. Neste sentido, são gêneros diferentes, porém não incompatíveis (Hugh-Jones 1988:141).
  • 15
    "De moñä, qui signifie engendrer. Si on s'en tient à l'étymologie, il faut récuser l'affirmation de Métraux que le dieu tupi n'est pas un créateur ex-nihilo, mais plutôt un transformateur" (Clastres, H. 1975: 36). – "De
    moña que significa engendrar. Se nos ativermos à etimologia, deveremos recusar a afirmação de Métraux de que o deus tupi não é um criador ex-nihilo, mas sim um transformador".
  • 16
    "eles dizem que nós somos os sucessores e os verdadeiros filhos de Maira-Monan e que sua verdadeira raça volveu-se em nossas terras".
  • 17
    Uma bela análise desse mito foi realizada por Beatriz Perrone-Moisés 2006.
  • 18
    Para que fosse possível aprofundar a questão sobre a reação dos Tupinambá em relação à invasão branca, seria necessário voltar à mitologia tupinambá, especialmente ao fragmento do mito (versão) que narra a história de um outro personagem relacionado a Monan, chamado Maire Pochy, um sujeito feio e desfigurado, mas conhecedor dos segredos de Monan (Thevet 1575).
  • 19
    Segundo Sahlins, que criou o conceito de estrutura "performativa" juntamente com o de "prescritiva", "o problema está centrado nas relações entre as formas sociais e os atos apropriados. Sugiro a possibilidade, que parece ser raras vezes considerada, de que tais relações sejam reversíveis: que tipos de ações usuais podem precipitar formas sociais" (1985: 12).
  • 20
    Como observaram Seeger, da Matta e Viveiros de Castro,
    "talvez se possa dizer que esta 'fluidez', essa 'flexibilidade, tantas vezes apontada pelos etnógrafos, é simplesmente o resultado da aplicação de modelos inadequados, modelos justamente que não consideram a dimensão categorial-simbólica como formadora da praxis" (1979: 10).
  • 21
    É importante ressaltar que:
    "uma sociedade que funcione baseada na livre busca de seus interesses não está, por isso, livre das relações motivadas entre os signos" (Sahlins 1985: 49).
  • 22
    "é possível discernir, por exemplo, no conhecido episódio da morte do capitão Cook, de acordo com a análise de Marshall Sahlins (1985), uma transformação estrutural dos experimentos que se cruzam com os de Porto Rico".
  • 23
    "Cook e o rei havaiano eram rivais exatamente da mesma forma que Cortés e Montezuma: aquele o deus arcaico, misericordioso, que retornava (Quetzecoatl), e este associado ao deus imperial e sacrificante Huitzpochtli".
  • 24
    "terras invisíveis além do horizonte".
  • 25
    "reino espiritual dos além-mares".
  • 26
    "Os Tupi-Guarani situam a Terra sem Mal no seu espaço real, às vezes a leste, às vezes a oeste".
  • 27
    "'vocês vão me matar' o guerreiro fala na batalha para seus inimigos, 'Minha tribo vai matar vocês e a terra vai ser minha'".
  • 28
    "Cook foi (...) historicamente sacrificado como rival, para ser recuperado ideologicamente mais tarde como antepassado".
  • 29
    "os ossos dos ancestrais viverão".
  • 30
    "eles têm portas sobre os lados de seus corpos (bolsos) ... e eles mergulham as mãos nessas aberturas e daí tiram muitos objetos de valor ... Seus corpos é cheio de tesouros".
  • 31
    '"tabu' é parte integral da determinação de categorias como chefe, plebeu, homens ou mulheres. Considerando-se que tabu constitui a natureza social das pessoas e de grupos, o conceito é em si o princípio dessas divisões".
  • 32
    Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro 1985: 59 e Viveiros de Castro 1992: 293 e 350 e 1993: 239.
  • 33
    Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro 1985: 61.
  • 34
    "quando viram os estrangeiros fumarem, disseram: 'Aí estão Lono-pele e seus companheiros [do parentesco dos deuses do vulcão] que sopram o fogo com a boca".
  • 35
    "a divindade para os havaianos era algo inerente às suas relações com esses estrangeiros'de pele branca, de olhos claros e brilhantes', vindos de outro lugar, de longe. Nada de estrangeiro, para eles, era simplesmente humano".
  • 36
    "esta lembrança diz respeito à vinda de um
    Mair, ou profeta, quer dizer, de um francês vestido e barbudo como alguns de vós".
  • 37
    É interessante notar que essa concepção que associa os brancos aos deuses está presente em outros contextos. De acordo com Robbins
    ,"the Urapmin also imagined that the whites might be 'supernaturals', or returning ancestors, but as O'Hanlon (1993: 22) remarks for the Wahgi, '[T]his interpretation ... had an experimental, matter-of-fact quality to it', and it seems that it was rather quickly abandoned" (2004: 52).
    "os Urapmin também imaginavam que os brancos talvez fossem 'sobrenaturais', ou antepassados que haviam retornado, mas como O' Hanlon (1993:22) observa, para os Wahgi 'essa interpretação ... tinha qualidade experimental, prática', e parece ter sido abandonada rapidamente".
  • 38
    Carneiro da Cunha & Viveiros de Castro: 1985: 59 e 61.
  • 39
    Carneiro da Cunha e Viveiro de Castro 1985: 59
  • 40
    "em geral, o corpo é deixado para apodrecer no altar, mas pode também ser levado para fora do templo e cozinhado, para facilitar a remoção da carne. Em quaisquer das possibilidades, os ossos de grandes rivais são desarticulados e distribuídos como troféus entre os seguidores de suma importância, para que sejam afixados em sua ornamentação ritual. A extensão e o caráter dessa distribuição variam de acordo com a intenção e a necessidade de distribuir poder. O crânio da vítima é em geral reservado para o Deus e os ossos grandes e a mandíbula para o chefe em comando".
  • 41
    Lestringant 1999b: 29-30
  • 42
    Thevet 1575,
    La Cosmographie Universelle. Apud Lestringant 2003: 272.
  • 43
    Albert, por exemplo, utilizou esta distinção para classificar os Yanomami no primeiro conceito e os Tupinambá no segundo (1988: 109-110).
  • 44
    Cálculo feito a partir do site:
  • 45
    "capacidade de encompassar o histórico nas relações usuais".
  • 46
    "a estrutura, tomada como um conjunto de relações entre relações, se transforma".
  • 47
    "a clivagem cismogênica entre os chefes e os comuns que então se materializa, se tornou manifesta durante os primeiros encontros com os europeus".
  • 48
    Em artigo no qual sintetizou três hipóteses sobre a identidade de Villegagnon: 1) um lutenano tornado católico por oportunismo; 2) um mediador que buscou uma forma de "concórdia" quando, como escreveu Lucien Febvre, sequer a palavra tolerância existia; e 3) uma pessoa que, durante a permanência no Brasil, estava desvinculada das instituições confessionais (1998).
  • 49
    "mas aí se coloca a questão da razão e do fracasso desse empreendimento colonial".
  • 50
    "mal-entendidos, as decepções e as incompreensões".
  • 51
    "na realidade, o diferendo nascido além-Atlântico deveu-se, por uma parte, a um mal-entendido concernente à exata natureza do engajamento de Villegagnon em relação à Reforma".
  • 52
    Em 1981, o antropólogo retomou o conceito, aliás, um empréstimo de Bohannans utilizado para o contexto africano e refinou-o, definindo-o como algo que:
    "may entail some arrangement of conflicting intentions and interpretations, even as the meaningful relationships so established conflict with the established relationships" (p. 72).
    "pode demandar algum tipo de entendimento entre intenções e interpretações conflitantes, até mesmo na medida em que as relações significativas estabelecidas dessa forma entram em conflito com relações já estabelecidas".
  • 53
    "meu propósito, entretanto, é mostrar que a divindade que, no final das contas, fixou-se em Cook, não era um erro intelectual, uma conseqüência de analogias substanciais, ainda que fortuitas, entre o comportamento empírico dos ingleses e o pensamento mítico dos "índios". A substanciação das referências é um erro do nosso próprio pensamento."
  • 54
    Lestringant 1992: 184-185.
  • 55
    Para uma análise interessante sobre a questão do gênero tupinambá na obra de Jean de Léry,ver: Lestringant 1999b: 99-101.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Set 2010
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2008
    • Recebido
      Mar 2008
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