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Jogo de olhares: índios e negros na escultura do século XIX entre a França e o Brasil

Resumos

O texto estuda a produção escultórica do artista francês Louis Rochet realizada a partir de sua estada no Brasil, em 1856, para desenvolver o projeto da estátua equestre do imperador d. Pedro I, na cidade do Rio de Janeiro. Assim, a pesquisa estuda a criação das figuras indígenas das alegorias do pedestal da estátua e o busto do Negro, Horácio, que eterniza na escultura o rosto do escravo que foi designado para acompanhar o artista francês durante sua estada no Brasil. A análise explora a biografia destas obras de arte para interrogar como a representação étnica de negros e índios participou do mundo da arte na França e no Brasil, atendendo a debates e programas artísticos distintos.

História do Brasil; História da Arte; Arte no Brasil; Escultura-Louis Rochet


The paper examines the sculptural production of the French artist Louis Rochet made after his stay in Brazil, in 1856, to develop the project of the equestrian statue of the Emperor d. Pedro I, in the city of Rio de Janeiro. Thus, the research studies the creation of the indigenous figures of the allegories of the pedestal of the statue and the buste Négre, Horace, that perpetuates in sculpture the slave's face that was designated to accompany the French artist during his stay in Brazil. The analysis explores the biography of this art pieces to interrogate how the ethnic representation of Blacks and Indians was participated at the art world in France and in Brazil, taking into account the discussions and different artistic programs.

History of Brazil; History of Art; Art in Brazil; Sculpture -Louis Rochet


DOSSIÊ - DESLOCAMENTOS CULTURAIS

Professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, Diretor-Geral do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro e Presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro

RESUMO

O texto estuda a produção escultórica do artista francês Louis Rochet realizada a partir de sua estada no Brasil, em 1856, para desenvolver o projeto da estátua equestre do imperador d. Pedro I, na cidade do Rio de Janeiro. Assim, a pesquisa estuda a criação das figuras indígenas das alegorias do pedestal da estátua e o busto do Negro, Horácio, que eterniza na escultura o rosto do escravo que foi designado para acompanhar o artista francês durante sua estada no Brasil. A análise explora a biografia destas obras de arte para interrogar como a representação étnica de negros e índios participou do mundo da arte na França e no Brasil, atendendo a debates e programas artísticos distintos.

Palavras-chave: História do Brasil; História da Arte; Arte no Brasil; Escultura-Louis Rochet

Índio no salão de arte

Em 1856, durante sua estada no Rio de Janeiro para preparar o projeto de execução da estátua do imperador d. Pedro I, o escultor francês Louis Rochet se dedicou a preparar estudos para sua criação artística.1 1 Consta na Folhinha Laemmert, de 8 de julho de 1856: "Chegou da Europa no vapor Cadiz o Sr. Luis Rochet, estatuário incumbido da elevação da estátua equestre que se vai erigir na corte ao fundador do Império." Citado em: FERREZ, Gilberto. A obra de Eduardo Laemmert. Revista do IHGB. Rio de Janeiro: v. 331, 1981, p. 204. [Agradeço à Maria Isabel Lenzi esta indicação.] Destes estudos, até os dias de hoje, restaram 12 modelos coloridos de bustos de índios do Brasil, existentes ainda hoje no Museu do Homem, em Paris. Estas imagens policromadas, certamente, serviram para o desenvolvimento dos rostos das figuras alegóricas do pedestal da estátua equestre de d. Pedro I. O acréscimo da indumentária e a composição com corpo de movimento expressivo, além do acompanhamento de elementos da fauna regional, não permite o reconhecimento imediato da correspondência da obra realizada com as peças de estudo, mas é muito clara a sua conexão.2 2 Cabe indicar que essa combinação de elementos autóctones e da fauna vai ser retomada na escultura francesa na obra de Ernest Barrias, Les Nubiens ou Chasseurs d´alligators, datada de 1894, existente no Museu d´Orsay, em Paris, França.

Depois de retornar à França, em 1856, e ainda antes da inauguração da escultura pública na cidade do Rio de Janeiro, em 1862, Louis Rochet preparou as partes que comporiam o conjunto escultórico a ser montado no Rio de Janeiro antes de sua inauguração. Assim, o escultor francês se encarregou de divulgar a sua criação, colocando em exposição a estátua equestre e as faces do pedestal em bronze. Assim, no salão de arte francês do ano de 1861, na cidade de Paris, a estátua equestre de d. Pedro I ocupou o centro do jardim dedicado à escultura no Palais de l´Industrie, onde também estavam as alegorias do pedestal (DU CAMP, 1861, p. 173).

Neste salão de 1861, o Brasil marcou presença não apenas com a estátua do imperador. Neste mesmo salão de Paris se deu igualmente a exposição da grande tela histórica A Primeira Missa do Brasil, de Victor Meirelles, que marca a história da arte brasileira até nossos tempos. No campo da pintura François Auguste Biard, que esteve no Brasil depois de Rochet entre 1858 e 1859, atravessando o país até a Amazônia, expôs também alguns quadros representando índios, negros e mata virgem, além de um retrato do imperador d. Pedro II, filho e sucessor do imperador representado na estátua de autoria de Louis Rochet exposta na seção de escultura (CHRISTO, 2012).

Apesar de sua importância para a arte no Brasil, o salão de 1861 não é um certame artístico de destaque na história da arte europeia, ainda que mais de 4 mil peças tenham sido expostas. O gigantismo progressivo daquela instituição das artes francesa conduziu a organizar o salão por galerias dedicadas a cada um dos gêneros artísticos e por ordem alfabética dos artistas. As estátuas ficaram distribuídas no jardim. Vivia-se uma época em que a pintura ainda concentrava a atenção da crítica e do público, pois era a referência principal para as artes. As telas de Gustave Courbet e Jean-François Millet se destacaram, entre outras, marcando a afirmação do gosto do realismo nas artes. Ao lado disso, as pinturas de temas da mitologia clássica de Puvis de Chavannes e Cabanel continuaram a atrair os olhares. A escultura não era o foco principal da crítica, mesmo assim, é possível observar suas tendências e vertentes naqueles tempos do salão de 1861 (DU CAMP, 1861).

Entre as 500 obras escultóricas expostas no salão, a estátua do imperador brasileiro criada por Louis Rochet ganhou uma posição de destaque no circuito de exposição, mas não chegou a ser um objeto valorizado pela atenção da crítica. Uma razão, talvez, fosse porque a peça estava posicionada de modo demasiadamente distante, como sugeriu Maxime du Camp, evitando o julgamento do olhar mais detalhista (DU CAMP, 1861, p. 174). Não se pode esquecer, porém, que eram muitas peças em exposição, de modo que a escultura de Rochet certamente se dissolvia no contexto geral muito povoado de obras de arte. Por outro lado, na França do Segundo Império, seguramente a imagem de um imperador, ainda que tropical, não poderia ser desprezada, o que pode justificar sua posição privilegiada no circuito de visitação. De todo modo, a crítica destacou a presença da obra devido a sua monumentalidade. Os que não consideraram belo o projeto apresentado tomaram o cuidado de relativizar seu juízo, pois afinal uma escultura monumental deve ser avaliada no seu lugar de implantação, desconhecido para os críticos de arte europeus.3 3 Julgamento crítico ao projeto da estátua equestre de d. Pedro I, encontra-se, por exemplo em: BÜRGER, W. Salons de W. Bürger, de 1861 à 1868. organização de Théophile Thoré & Marius Chaumelin. Paris: Jules Renouard, 1870. t. I. p. 159. Théophile Gautier definiu a obra como "uma grande escultura de exportação" (GAUTIER, 1861, p. 415).

Contudo, no salão francês de arte de 1861, ao lado da estátua equestre do imperador foram apresentadas as alegorias do pedestal que tinham os índios como figuras centrais. Estas peças chamaram mais a atenção de alguns críticos para a criação tropical de Louis Rochet. O interesse despertado certamente se deve ao fato de que num salão francês de arte não era comum a apresentação da figura esculpida de índios do Brasil, acompanhados das figuras de elementos da fauna sul-americana. Animais exóticos, como o tamanduá, o jacaré e a capivara, certamente atraíram a curiosidade dos visitantes parisienses. Apesar dessa excepcionalidade, as figuras esculpidas dos índios do Brasil se integraram plenamente no debate sobre as tendências da escultura etnográfica que havia se afirmado como parte do gosto artístico na França da época. As imagens indígenas criadas por Louis Rochet apareceram ao lado de outras obras de representação étnica em escultura, o que foi ressaltado pela crítica de arte da época (LE NORMAND-ROMAIN, 1994).

Em L´Artiste, Francis Aubert sublinhava que Rochet era o primeiro a esculpir a imagem de selvagens, destacando o fato de que havia resolvido bem a representação das figuras apesar da falta de tradição do seu tratamento na escultura europeia. Segundo o crítico francês, Rochet havia conseguido representar a força e a inteligência inculta dos selvagens, enfatizando, porém, que em sua figura predominava uma dignidade firme mesclada com a melancolia que é peculiar à etnia representada e, finalmente, arrematava: "ils sont vrais, et pourtant ils sont beaux" (eles são verdadeiros, e apesar de tudo eles são belos) (LE NORMAND-ROMAIN, 1994, p. 41). Evidencia-se aí o laço entre verdade e beleza que envolve todo o debate e julgamento sobre a criação da escultura etnográfica em que insere a obra de Rochet e que a insere na discussão sobre as relações entre ciência e arte própria daquele contexto da história da escultura.

Por sua vez, na Gazette des Beaux-Arts, o crítico León Lagrange contrapôs a criação de Rochet à obra de Cordier e de Leboeuf, dois escultores consagrados no mundo da arte francesa daquele tempo e que também colocaram sua criação mais recente em exposição no salão de 1861. Charles Cordier expôs Capresse ou négresse des colonies e Charles-François Leboeuf apresentou Spartacus noir, ambas tematizando figuras de negros.

No caso de Leboeuf, a obra em mármore apresentada era caracterizada por uma marca classicizante. A própria construção temática da figura de um negro era contagiada pela leitura do mundo clássico, pois associava a questão da escravidão moderna ao herói da resistência escrava da Antiguidade romana. Acompanhando o gosto clássico, a escultura exposta em 1861 salientava a anatomia da figura humana, sem ser propriamente uma imitação grega ou romana. Em sua expressão feroz o personagem esculpido portava um tacape que encarnava o ato da revolta social. O comentário do crítico da Gazette des Beaux Arts reconhecia nestes artistas o princípio de idealização e a referência ao modelo antigo, enquanto atribuía a Rochet a reprodução de formas banais, desqualificando assim suas imagens indígenas (LE NORMAND-ROMAIN, 1994, p. 42). Vale apontar que, desse modo, as figuras indígenas de Rochet pareciam menos idealizadas ao olhar do crítico do que surgem aos olhos de hoje.

O movimento da escultura etnográfica francesa, portanto, colocava em questão tradições da escultura europeia. De um lado, interrogava o destino do classicismo na escultura, mas de outro interrogava o legado da tradição realista da escultura francesa. Esse contraponto se instala na crítica, por exemplo, em torno da comparação entre a obra de Charles Cordier e Jean-Baptiste Carpeaux, atribuindo ao último uma marca mais fiel à tradição realista ao insistir mais nos caracteres étnicos, enquanto na obra do primeiro a expressão ganha ênfase maior. Nesse sentido, o debate francês sobre a obra de Rochet caía nos mesmos termos do debate geral da época sobre a escultura etnográfica, identificando-se com uma vertente mais realista. De todo modo, é possível destacar que no campo da escultura etnográfica francesa ganhou mais fama a vertente que tendia a valorizar a dimensão expressiva das figuras representadas, elaborando olhares e gestualidade que dramatizavam a figura humana salientando sua dignidade e altivez, contribuindo especialmente para rever a representação dos povos não europeus no universo da cultura ocidental. O interesse pela indumentária, que, ao mesmo tempo, serve à distinção étnica e completa a expressão da figura acompanha esse movimento de redefinir os sentidos das identidades étnicas naquele contexto histórico europeu.

O bronze predominou na difusão da escultura etnográfica, tal como no caso da obra de Louis Rochet. Mas a evolução da obra de Charles Cordier destacou as possibilidades de exploração da policromia na escultura ao valorizar a mistura de materiais (PAPET, 2004). Além de servir para salientar a elaboração plástica, essa característica constitui também uma particularidade distintiva de uma vertente da escultura etnográfica e do gosto da época (LE NORMAND-ROMAIN, 1994). A obra de Rochet, porém, não acompanhou essa tendência policromática, aproximando-se mais da criação de Carpeaux, autor da famosa La Negresse.

Contudo, interessa frisar nesse caso, que a criação escultórica de Louis Rochet em torno das figuras indígenas do Brasil se definiu nos quadros da arte européia de seu tempo, respondendo a um programa artístico localizado.

Imagem cívica

Louis Rochet foi um escultor francês do século XIX de relativo sucesso, cuja vida e obra foram marcadas pelo contato com o Brasil. Em 1855, Rochet obteve o terceiro lugar no concurso público de projetos para a estátua equestre de d. Pedro I, imperador do Brasil.4 4 Os documentos do concurso se dividem entre os acervos do Museu d. João VI, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA-UFRJ) e o Arquivo Nacional. Na primeira instituição, encontram-se os desenhos dos projetos concorrentes; na segunda instituição, há fotografias de Henrique Klumb das maquetes apresentadas e do projeto vencedor. O projeto do monumento era antigo. No concurso de projetos, o primeiro lugar coube à criação do brasileiro João Maximiano Mafra, professor da Academia Imperial das Belas Artes, e, em segundo lugar, foi selecionado o projeto do alemão Ludwig Georg Bappo. Considerando a magnitude da obra e as dificuldades técnicas de sua realização no Brasil, mesmo não sendo vencedor, Louis Rochet recebeu a encomenda da obra para realizar o projeto vencedor na França.5 5 Consta que a primeira escultura fundida em bronze no Brasil foi O Gênio de Franklin, de autoria de Almeida Reis, no ano de 1885. Assim, o escultor francês realizou duas viagens ao Brasil previstas em seu contrato: a primeira em 1856, ano da encomenda do serviço, para estudar os meios de realização da obra e recolher as informações necessárias à confecção do conjunto monumental; e a segunda em 1862, ano da montagem e inauguração do monumento público na cidade do Rio de Janeiro, para dirigir os trabalhos de sua instalação.

O projeto original terminou ganhando adaptações que inscreveram na concepção da obra a marca do escultor francês Louis Rochet, o que junto com as qualidades de sua realização permitem dizer que o artista francês é o autor dessa grande obra de escultura pública no Brasil. Contudo, não há como negar que o artista respondia a um programa artístico dado pelo concurso e o processo de encomenda da obra (KNAUSS, 2010, p. 161-170). Ainda que a criação da estátua equestre do imperador estivesse determinada pelo projeto original de Maximiano Mafra, coube ao artista francês realizar a concepção final da escultura. Segundo Jorge Coli observa, nesse caso, "há um ótimo caso de cruzamento entre projeto brasileiro, olhar de fora, 'alta' e 'baixa' cultura" (COLI, 2010).

Posteriormente, coube também a Louis Rochet criar a estátua de José Bonifácio, inaugurada em 1872, no largo de São Francisco de Paula, na cidade do Rio de Janeiro, objeto central das comemorações dos 50 anos da Independência do Brasil.6 6 Para uma caracterização da inauguração da estátua, veja-se: KNAUSS, Paulo; KRAAY, Hendrik. A inauguração da estátua de José Bonifácio na visão de um correspondente estrangeiro, 7 de setembro de 1872. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: v. 171, p. 279-289, 2010. A segunda escultura pública completava a narrativa proposta pela primeira, expondo uma certa leitura da história da afirmação do estado nacional no Brasil. Acrescenta-se à obra de Rochet no Brasil, ainda, uma estátua da imperatriz Teresa Cristina entregue também em 1872, além de um projeto não realizado de coluna para comemorar a vitória da Guerra do Paraguai. Definitivamente, portanto, mesmo sendo de um francês, a obra artística de Louis Rochet encontrou no Brasil um dos seus destinos. Sua influência se estendeu sobre a escultura no Brasil, ao receber em seu ateliê francês o artista brasileiro Almeida Reis, aluno da Academia Imperial das Belas Artes e que recebeu o prêmio de viagem no ano de 1866.

É preciso destacar, no entanto, que a criação dos índios do pedestal da estátua equestre de d. Pedro I participava de um projeto de escultura que representava em bronze a história da afirmação do estado nacional no Brasil. O conjunto escultórico se organiza a partir do guarda-corpo que circunda a obra artística registrando em cada uma de suas colunas as datas da história da Independência nacional até a outorga da Constituição do Império do Brasil. O pedestal é composto de representações alegóricas da geografia da unidade nacional, representando os rios da integração territorial, tratados na escultura com a figura de índios e de elementos da fauna regional. Encimando o conjunto, a estátua equestre do imperador trazendo na mão o Manifesto das Nações, o primeiro documento de afirmação da Independência nacional. A integração das partes da composição traduz simbolicamente uma estrutura narrativa baseada em representações do tempo da história - as inscrições do guarda-corpo, o espaço da história - as alegorias do pedestal, o sujeito da ação histórica - a estátua do imperador e o produto da ação histórica - o Manifesto das Nações - na mão do imperador, e que apresenta uma leitura da construção do Estado nacional.7 7 Cf., KNAUSS, Paulo A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX. 19&20. Rio de Janeiro: v. V, n. 4, out./dez. 2011. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/obras/pknauss.htm. Acesso em: 20 mai 2010.

Nesse sentido, assim como os animais, os índios em escultura surgem na composição geral como elementos naturais da terra. Inseridos no conjunto escultórico, as imagens indígenas revestem-se de significado cívico, o que justifica sua inscrição na obra caracterizada pela lógica do monumento que reúne tanto a escultura cívica da Europa como do Brasil.

Iconografia nacional

É assim que os índios do pedestal da estátua equestre do imperador d. Pedro I se consagram como um marco na iconografia nacional do Brasil. Até hoje, na cidade do Rio de Janeiro, o pedestal chama atenção pelas figuras indígenas que guardam o conjunto escultórico em bronze. Pela primeira vez, no Brasil, a imagem de índios da terra ganhou lugar de destaque em praça pública, na capital do Império do Brasil na época de sua inauguração em março de 1862. O passante diante do monumento não resiste em contornar o conjunto escultórico e conhecer os seus elementos. É a presença da figura dos índios que mais chamam atenção, não apenas por sua posição mais próxima na altura que a imagem do imperador, mas igualmente pelo fato de que por meio da direção de seu olhar conduzem a atenção do espectador. Cada índio aponta seu olhar para uma direção diferente.

Essas alegorias escultóricas ganharam um sentido especial naquela época de afirmação do pensamento do indianismo que estabelecia uma leitura da história do Brasil, tendo o indígena idealizado como símbolo da construção nacional. Naquele contexto do Segundo Reinado brasileiro, a obra de Louis Rochet abria o campo da escultura ao indianismo com as alegorias do pedestal da estátua do primeiro imperador brasileiro. Mais tarde a criação escultórica de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, Almeida Reis e Rodolfo Bernardelli, também apresentariam sua contribuição artística para esse universo de promoção da imagem do índio brasileiro. Ainda que a imagem alegórica dos índios fosse usada desde o período colonial para identificar a América, é na segunda metade do século XIX que as artes plásticas vão integrar o movimento de promoção do índio como ícone do Império do Brasil, tratando sua história de resistência como medida da afirmação da nação e da cultura nacional, definindo o que era próprio e peculiar ao Brasil. As versões artísticas, porém, não se igualam, pois as vertentes de gosto distinguem as obras dos artistas citados.

Não se pode negar que o tema indígena participa do repertório do universo cultural do romantismo no século XIX brasileiro. A comparação, porém, evidencia diferenças marcantes da escultura dos artistas. Na obra de Rochet, os corpos das estátuas indígenas do pedestal da obra de 1862 são de gestualidade expressiva, reforçada por rostos que se comunicam com o expectador da obra. Resultado do estudo do artista, as marcas étnicas particularizam os rostos indígenas de acordo com a sua origem. A expressividade corporal não carrega a marca étnica da composição, ainda que seja fundamental na valorização do exercício escultórico. Contudo, enquanto o rosto e os elementos da indumentária distinguem as figuras indígenas, o corpo não tem um tratamento que particularize etnicamente as figuras, destacando-se o domínio da musculatura e do movimento gestual na composição escultórica. Materiais de estudo que Rochet possuía indicam também a dedicação do artista à pesquisa das marcas faciais que poderiam distinguir os índios, evitando também a generalização. No catálogo de sua coleção, encontram-se as indicações de litografias de retratos de índios provenientes da obra de Spix e Martius.8 8 Cf., Catalogue des Sculptures...de M. Louis Rochet..., par Horsin Déon.... Paris: 1878.

A influência das imagens de indígenas de Rochet é evidente no desenvolvimento da alegoria escultórica Rio Paraíba do Sul de autoria de Almeida Reis, com data de criação de 1866/1867. A retomada do tema fluvial se relaciona evidentemente com as alegorias da estátua equestre que tinha a mesma inspiração temática. A cabeça de características descritivas, com o corpo de contorção expressiva, também identifica a filiação. As dimensões da obra (146 x 120 x 97 cm), igualmente aproximam a criação do mestre e do discípulo. Além disso, como a obra foi concebida no tempo em que esteve na França estudando com Louis Rochet, é de se supor que Almeida Reis tenha se favorecido dos modelos de cabeça de índios reunidos pelo escultor francês a partir de sua temporada no Rio de Janeiro na década de 1850.9 9 A história desta obra marca a trajetória de Almeida Reis, pois como obra de pensionista da Academia Imperial das Belas Artes, contrariava o regulamento que previa o envio de obra de tema bíblico ou mitológico. Veja-se: CHRISTO, Indianismo na década de 1860: exposições e crítica de arte. Boletim Grupo de Estudos Arte & Fotografia - Anais do VI Seminário Arte, Cultura e Fotografia. São Paulo: CAP-ECA-USP, n. 5, 2012. A obra integra o acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

Por sua vez, a conhecida Alegoria do Império, de Chaves Pinheiro, de 1872, ano do cinqüentenário da Independência do Brasil, representa um índio de corpo rígido que se distingue por uma indumentária guerreira.10 10 Uma apresentação da obra escultórica de Francisco Chaves Pinheiro se encontra em: ALFREDO, Fátima. Francisco Manuel Chaves Pinheiro e sua contribuição à imaginária carioca oitocentista. 19&20, Rio de Janeiro: v. V, n. 2, abr. 2010. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/artistas/fmcp_fa.htm. Acesso em: 20 mai 2010. A obra integra o acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Ao contrário da escultura de Rochet, o rosto do índio de Chaves Pinheiro não acentua as marcas étnicas. O corpo rígido também contrasta com a escultura do artista francês. O cetro e o escudo com as armas imperiais que a figura porta, certamente, não corresponde a nenhuma das culturas nativas da terra do Brasil e se relaciona antes com a caracterização de um soldado dos tempos clássicos. Há, portanto, um evidente exercício classicizante na construção da imagem do indígena do artista brasileiro Chaves Pinheiro, que corresponde a intenção de criar um emblema nacional. Sua concepção distancia-se da obra de Rochet, constituindo um outro modelo para a representação do índio na escultura.

No caso de Rodolfo Bernardelli, ainda que sua produção em torno da imagem do indígena apresente variações ao longo de sua trajetória, ressalta-se a preferência pela figura feminina, valorizando a dimensão psicológica de cada figura esculpida. Assim, não são as características étnicas que são sublinhadas nas figuras indígenas de Bernardelli, mas antes a personalidade da personagem representada. Especialmente em torno de Faceira, realizada no ano de 1880, Gonzaga Duque anotou essa marca da obra (DUQUE, 1995, p. 251-256). Pode-se dizer, ainda, que a expressão corporal das figuras de Bernardelli também é valorizada, mas de outro modo, na obra de Louis Rochet. 11 11 A escultura indianista de Rodolfo Bernardelli é tratada em: SILVA, Maria do Carmo Couto da. Representações do índio na arte brasileira do século XIX. RHAA. Campinas: n. 8. p. 63-71. http://www.unicamp.br/chaa/rhaa/downloads/Revista%208%20-%20artigo%205.pdf. Acesso em: 20/06/2010.

Importa sublinhar, portanto, que a exploração da figura indígena na escultura do século XIX no Brasil apresentou diferentes tratamentos da representação étnica. O indianismo no campo da escultura, não afirmou um modelo formal que tenha se afirmado para a representação da figura indígena, o que permite apontar que é antes o tema que terminou por se constituir na marca da tendência artística do Brasil. De todo modo, o indianismo se constituiu como um programa das artes no Brasil, fundamental para a definição de uma arte de sentido local.

Contudo, considerando que o indianismo era uma tendência das ideias e do gosto no Brasil do século XIX, as imagens de índios no pedestal da estátua equestre do imperador de Louis Rochet surpreendem pelo fato de indicar que a obra de um francês foi capaz de antecipar essa tendência no campo da escultura. Considerando, porém, a inserção de sua obra no movimento da escultura etnográfica francesa de seu tempo, pode-se entender como então o escultor francês absorveu tão bem o programa escultórico brasileiro representando figuras de índios do Brasil em escultura. O sentido pioneiro do indianismo brasileiro que pode ser atribuído às suas peças de marca etnográfica se combinou perfeitamente ao modo europeu de representar a diversidade das culturas em escultura. Certamente, a confluência com os debates da arte européia do seu tempo permitiu que Louis Rochet se integrasse tão bem ao universo da arte do indianismo no Brasil.

Não se pode esquecer, porém, que Louis Rochet apenas desenvolveu o projeto do brasileiro Maximiano Mafra, que venceu originalmente o concurso. Assim, a ideia de explorar a imagem indígena em associação com a imagem do imperador não foi propriamente do escultor francês e pode-se atribuir sua inserção na ordem do indianismo não a um movimento pessoal, mas ao seu encontro com o mundo das artes no Brasil. Porém, ao desenvolver o projeto, Rochet redefiniu a proposta original com apoio da comissão que acompanhou e aprovou sua solução final apresentando nas faces mais largas do pedestal um par de figuras indígenas, ao invés da figura individual, que ficou mantida no caso das faces mais estreitas.12 12 O relatório de Rochet apresentado à Academia Imperial das Belas Artes foi publicado por Alfredo Galvão com a seguinte referência: "Estátua Equestre do Senhor D. Pedro I - Contrato do Sr. Rochet, Estatuário, e Proposta apresentada por ele à Comissão - Em 1856 - Typ. Dous de Dezembro, de Paula Brito - Impressor da Casa Imperial - Rio de Janeiro". Segundo Alfredo Galvão, a publicação seria parte do acervo da biblioteca da Sociedade Brasileira de Belas Artes, no Rio de Janeiro que se encontra fechada há alguns anos. Cf., KNAUSS, Paulo. Projeto premiado... op. cit. [Agradeço a Douglas Thomaz de Oliveira este levantamento de dados.] Desse modo, pode-se dizer que o escultor francês se comprometeu efetivamente com o projeto, aprofundando os elementos da proposta original, valorizando a presença indígena na escultura. O fato é que a partir da encomenda que recebeu, o repertório europeu da criação artística de Rochet se inseriu no universo do indianismo oitocentista, fazendo dele um personagem decisivo dessa vertente da arte no Brasil, permitindo mesmo caracterizar suas figuras indígenas em bronze como produto do processo de construção da arte brasileira.

Imagem do Brasil

As maquetes da estátua equestre de d. Pedro I integraram o acervo do Museu Trocadero, o primeiro museu etnográfico público francês. Criado em 1878 e instalado no antigo Palácio do Trocadero, em Paris. O museu foi extinto e o prédio demolido em 1935 para ser substituído pelo atual Palais de Chaillot, que passou a abrigar os novos Museu do Homem e o Museu Nacional de Artes e Tradições Populares. Na ocasião, do fechamento do Museu do Trocadero, o governo francês pôs a venda parcelas de seu acervo, incluindo as maquetes de autoria de Rochet. O pedestal do monumento público é composto de quatro imagens indígenas, mas não se sabe se houve uma quarta maquete que completaria o conjunto da versão monumental da obra, pois apenas três chegaram até nós.

Postas no mercado e adquiridas por um antiquário francês, as três maquetes foram compradas pelo colecionador brasileiro Djalma da Fonseca Hermes. A informação sobre sua aquisição chegou aos nossos dias de modo documentado graças ao leilão da coleção Fonseca Hermes, que em seu catálogo apresentava a lista de peças, além de reunir textos que permitem conceituar a coleção.13 13 Coleções reunidas por Djalma da Fonseca Hermes; leilão em julho de 1941 (catálogo). Consta que a decisão de vender a coleção decorreu da decisão do colecionador de deixar sua casa na Tijuca. Carta do embaixador João Hermes Pereira de Araújo à direção do Museu Histórico nacional, datada de Buenos Aires, Argentina, em 31 de Agosto de 1987. Arquivo Museu Histórico Nacional. Na folha de rosto, com destaque, definia-se a coleção por "objetos históricos e de arte". No texto de apresentação, o leiloeiro Antonio de Paula Affonso declarava que a coleção "revela não apenas uma grande cultura de arte como um acentuado amor à nossa terra". Na verdade, essa anotação ressalta o fato de que a coleção Djalma Fonseca Hermes se destacava na história do colecionismo de arte no Brasil, por ter sido uma das mais importantes coleções que tinham como foco objetos de valor artístico, mas que eram representativos para a história do Brasil. Sua importância cresce ainda mais, levando-se em conta que a geração anterior de colecionadores se dedicou mais à arte européia do que aos objetos de interesse para a história do Brasil. Ao lado de Fonseca Hermes, outro colecionador contemporâneo que se destacou pela mesma vocação foi Alfredo Lage, cuja coleção deu origem ao Museu Mariano Procópio da cidade de Juiz de Fora.

Em artigo da imprensa publicado no Diário Carioca de 8 de junho de 1941 e apensado ao catálogo, J. C. Macedo Soares anotava:

Os jornais estão anunciando a dispersão, sob o martelo do leiloeiro, da magnífica coleção de quadros e objetos de grande valor artístico e histórico pertencente a conhecido amador. Foram organizados catálogos nos idiomas espanhol e inglês e convocados peritos e conhecedores argentinos e norte americanos para concorrerem ao leilão que, tudo indica, vai transcender a limitada pecúnia dos colecionadores nacionais.

A notícia tratava de sublinhar o interesse especializado estrangeiro, deixando entender o risco para o mundo da arte nacional que representava a dispersão de obras valiosas. Ao longo do seu artigo, Macedo Soares destacava ainda a importância das peças da coleção que se relacionavam principalmente com os artistas do período holandês no Nordeste do Brasil e que participaram da chamada Missão Artística Francesa de 1816, ressaltando uma certa leitura da arte no Brasil que a coleção representava e que tinha a pintura como centro da interpretação da história da arte e que valorizava a participação de artistas, cuja obra era consagrada no ambiente europeu com obras em que despontavam representações da terra e da gente do Brasil.

Essa marca européia não impedia que o leiloeiro enfatizasse em seu texto no catálogo do leilão "o aspecto brasileiro da coleção". Desse modo, mencionava como ponto alto da coleção as sete telas de Franz Post, ao lado dos trabalhos de Taunay e Debret, pintores do grupo de artistas franceses que vieram para o Brasil, caracterizada no catálogo como a missão Lebreton. Claramente, interessava sublinhar como os méritos artísticos e a importância histórica se conjugavam nas peças da coleção. Além desses nomes europeus, o texto destacava as telas de Pedro Américo, Almeida Junior, Victor Meirelles, Batista da Costa, Antonio Parreiras, Pedro Alexandrino e Rodolpho Amoedo, além de Nicolau Fachinetti, Henrique Bernardelli, Castagneto, Rosalvo Ribeiro e Décio Villares. De resto, o leiloeiro anotava também a importância de obras de mestres europeus como Murillo e Rosa Bonheur como parte da coleção, além de valorizar as peças de mobiliário, especialmente do tempo de d. João VI. No catálogo, surpreende a manifestação do leiloeiro que não deixou de registrar seu reconhecimento pelo valor da coleção, defendendo que suas peças permanecessem no Brasil ao convocar todos os brasileiros a colaborar com a aquisição das peças da coleção. "Amadores do Brasil, está convosco a palavra! É a vossa oportunidade!". O leilão se revestia, assim, de sentido cívico em favor da cultura e das artes no Brasil. O ato comercial da compra de peças do leilão, por sua vez, transmutava-se em civismo, no discurso do leiloeiro. O fato é que o governo Getúlio Vargas vai se incumbir da aquisição da maior parte dos lotes leiloados para enriquecer os acervos do Museu Histórico Nacional e do Museu Nacional de Belas, na cidade do Rio de Janeiro, e do Museu Imperial, em Petrópolis, além do Museu Antonio Parreiras, em Niterói.14 14 Consta que antes, porém, de se iniciar a venda, o presidente Getúlio Vargas, acompanhado de Rodrigo Mello Franco de Andrade, chefe do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e dos diretores do Museu Histórico Nacional, do Museu Imperial e do Museu Nacional de Belas Artes, visitou a exposição e deu instrução aos funcionários que o acompanhavam no sentido de adquirirem todas as peças que fossem de interesse do governo. Foi feita extensa lista e, caso único, tombado todo o catálogo do leilão. Djalma da Fonseca Hermes resolveu tirar da venda todas as peças escolhidas, fechando um bloco com o governo. A lista das peças adquiridas pelo governo foi publicada nas páginas do Jornal do Comércio do dia 27 de Agosto de 1941. Arquivo do Museu Histórico Nacional. [Agradeço a Fernando Ariel o levantamento de dados realizado no Museu Histórico Nacional.]

O sentido cívico da prática de colecionar é sublinhado igualmente na correspondência entre o colecionador Djalma da Fonseca Hermes e o historiador paulista Afonso de Escragnolle Taunay, incluída no catálogo. Em carta datada de abril de 1941, Taunay registrava como a notícia da dispersão comercial da coleção lhe deixava com o sentimento de "desolado", ressaltando que a coleção foi construída, entre outras motivações, com ""senso patriótico". Em sua resposta de maio do mesmo ano, o colecionador confirmava o sentido "nacionalista e patriótico" pelo qual fora movido por mais de 20 anos de pesquisas ditas "conscienciosas" no Brasil e principalmente em Paris, na França, onde diz encontrara "muita coisa nossa", segundo sua expressão, mencionando gravuras européias e telas de Franz Post e Nicolau Antoine Taunay, atribuindo-lhes uma conotação de bem coletivo nacional, mesmo elas tendo sido produzidas para se destinarem ao mundo artístico europeu. Na sequência, a lista de destaques da coleção inclui ainda a menção às "maquetes originais do monumento a Pedro I de Rochet", acrescentando nota sobre "uma triste recordação": ~o pagamento de alguns contos de reis, a título de direitos aduaneiros..." Assim, a prática de colecionar se definia como prática cívica, a partir do exemplo de Fonseca Hermes. Nesse quadro que a aquisição das três maquetes representando os rios Madeira, São Francisco e Paraná do pedestal da estátua de d. Pedro deve ser compreendida também pelo seu sentido civico. Sua aquisição por um colecionador particular no fim dos anos de 1930 se legitima como ato de defesa do patrimônio histórico e artístico nacional, antecipando a sensibilidade que o estado deveria ter pela causa da arte como bem público.

No texto do leiloeiro que integra o catálogo da coleção, as maquetes são caracterizadas como "uma das máximas preciosidades". Esse destaque dado à excepcionalidade das maquetes justifica que suas fotografias sejam incluídas logo na abertura do caderno de imagens do catálogo, todo em preto e branco, sendo antecedidas apenas pela imagem de um Franz Post, única imagem colorida da publicação. Ao listar e descrever as maquetes nos itens n. 816, 834 e 853 do leilão, nos três casos acrescentou-se a anotação de que a execução das peças teria sido de Rochet e seu discípulo Rodin. Fica evidente a estratégia de mercado de valorização da obra ao recorrer à associação com o nome do escultor francês, cuja fama ultrapassaria a do seu mestre, consolidando-se muito depois de Rochet. Não há qualquer fonte indicada que confirme o dado, mas que aprofunda o vínculo da obra escultórica com o mundo da arte europeu. O nacional se valia do estrangeiro para se legitimar artisticamente. Paula Affonso, o leiloeiro, termina ainda por ratificar que "além do valor artístico, há ali a considerar o valor histórico excepcional, quase inigualável". Assim, fica claro que o valor artístico pode ser internacional, mas é o valor histórico que distingue a peça no Brasil e a reveste de sentido nacional. Desse modo, as maquetes do francês Rochet foram se definindo como obras de arte do Brasil. A maquete do imperador a cavalo foi destinada ao Museu Nacional de Belas Artes, e as alegorias indígenas foram depositadas no Museu Histórico Nacional, como que definindo que uma se definia por seu valor artístico e as outras pelo seu valor histórico, desconsiderando, porém, que justamente as imagens indígenas se tornaram conhecidas por terem sido expostas no salão de arte de Paris.

O Negro Horácio: a escultura que não estava programada

Em torno da presença de Rochet no Brasil, o que se comenta pouco é que, em 1856, durante sua estada no Rio de Janeiro para preparar o projeto de execução da estátua do imperador d. Pedro I, o escultor francês preparou uma outra escultura pouco conhecida e que merece uma distinção especial pela sua excepcionalidade. Trata-se do busto de um negro, classificada no Museu do Homem, na cidade de Paris, França, onde se encontra atualmente, como buste de Brésilien, ou busto de brasileiro. A obra em bronze é assinada por L. Rochet e datada de 1856 e está junto dos modelos coloridos de cabeças indígenas do Brasil existentes no mesmo museu.

Entre itens diversos e inúmeras peças de arte, é no catálogo da coleção Louis Rochet, exibida e posta à venda, na cidade de Paris, em 1878, que, no lote de mármores e bronzes, encontra-se indicado o busto chamado Le Négre Horace, ou O Negro Horácio. Em seguida, o catálogo lista também o modelo em gesso do mesmo busto.15 15 Cf., Catalogue des Sculputures...de M. Louis Rochet..., par Horsin Déon.... Paris: 1878.

No Bulletin de la Societé d´Anthropologie de Paris, publicado em 1869, encontra-se a notícia de que o irmão do escultor, Charles Rochet, teria doado a essa sociedade científica a imagem de um negro em gesso. A respeito dessa peça, pode-se levantar a hipótese de que se tratava do mesmo modelo mencionado no catálogo de 1878. De todo modo, nessa referência da Sociedade de Antropologia de Paris consta que Charles Rochet teria informado que o modelo fora concebido por seu irmão Louis Rochet, durante sua estada no Rio de Janeiro em 1856, o ano em que esteve no Brasil para realizar estudos e acertar as condições de seu contrato para realizar a estátua equestre de d. Pedro I. Além disso, a mesma anotação registrava o fato de que se tratava da imagem de escravo e cozinheiro de negociantes franceses, com a idade de 40 anos, que se chamava Horácio. Nascido na região de Cassange, dita na época da Guiné e que corresponde hoje a território angolano, Horácio havia sido comprado aos 5 anos pelo Sr. Desmarais. Assim, se Horácio tinha 40 anos em 1856, pode-se considerar que havia nascido em 1816 e que em 1821 foi comprado como escravo. Não se pode precisar quando teria vindo ao Brasil, mas pode-se supor que na provavelmente foi nesta mesma época.16 16 Cf., Bulletin de la Société d´Anthropologie de Paris, Paris, ser. 2, t. 4, fasc. 1-4, 1869. Disponível em: http://gallica.fr. Acesso em 14 mai 2008.

É interessante notar como a figura é descrita no referido texto da revista da sociedade científica, destacando o interesse pela análise das características físicas do rosto apresentado em escultura. Segundo a referência, a figura possuía orelhas pequenas e uma boca de lábios carnudos que concorria com o nariz, característica que não é atribuída a uma espécie de hipertrofia muscular ou a marca de prognato. Além disso, indica-se que o cabelo tinha a característica comum de negros, enquanto a barbicha de pelos lisos se assemelhava a dos europeus. Finalmente, o registro avalia: "As características que ele tem se pode atribuir tanto a características individuais como a características de raça".17 17 Cf., Bulletin de la Société d´Anthropologie de Paris, Paris, ser. 2, t. 4, fasc. 1-4, 1869. [Tradução própria.] Fica evidente o olhar de um ponto de vista de uma antropologia física que investe numa mirada descritiva do rosto, interessando-se menos por elementos expressivos.

Assim como outros viajantes estrangeiros do século XIX, percebe-se que Louis Rochet teve seu interesse despertado pela diversidade étnica da sociedade local, desenvolvendo as primeiras esculturas em bronze de índios e de um escravo negro do Brasil. Com estas imagens, o escultor se integrava definitivamente na tendência artística européia da época da escultura etnográfica e que reunia o gosto pela ciência e o gosto pelas artes.

Diante da escultura do busto de Horácio, do bom tratamento em bronze e da beleza plástica da peça, chama atenção a força do olhar da figura esculpida que exerce um poder de atração sobre o espectador. Cabe ressaltar que, no catálogo da coleção, o busto é caracterizado como "estudo antropológico executado no Rio de Janeiro". Destaca-se, portanto, a natureza descritiva da obra como produto estudo de antropologia, não enfatizando a criação artística e a força expressiva da peça. Em seguida, porém, registra-se que a obra foi exposta, em Paris, no salão de 1857, o mesmo salão em que a pintura em torno do orientalismo de Jean-Léon Gêrome atraiu os olhares da época, confirmando o interesse dos artistas europeus pelas representações da diversidade cultural (MILLER, 2010, p. 106-118). Ainda que a exibição do busto de Horácio não tenha chamado a atenção da crítica, sua participação no certame artístico confirma sua natureza artística.18 18 Máxime du Camp, por exemplo, um dos críticos de arte franceses que mais acompanharam o salão daquele ano, não apresenta nenhum comentário sobre o busto realizado por Rochet no Brasil. Cf., DU CAMP, Máxime. Le salon de 1857. Paris: Libr. Nouvelle, 1857. Há assim, em torno da figura de Horácio, uma combinação entre estudo científico e gosto plástico, entre antropologia e arte que marca sua conceituação.

Antropologia e Arte

Charles Rochet, o irmão de Louis Rochet, discutiu a relação entre antropologia e arte em comunicação realizada na seção de 21 de fevereiro de 1895 da Sociedade de Antropologia de Paris. Ainda que admitisse que há uma diferença entre o ponto de vista da ciência e da arte, Charles não acreditava numa barreira absoluta. Nesse sentido, compara o homem natural que deve ser estudado pela ciência com a estátua em praça pública que deve ser vista de todos os ângulos. Assim, salienta que um dos aspectos que deve ser relacionado com as artes é a abordagem física e exterior do homem, vivo e animado, a perfeição humana e sua relação com a beleza da forma. Portanto, Charles Rochet estabelecia um elo entre a pesquisa antropométrica e a pesquisa plástica a partir da forma corporal.

Ao apresentar seu ponto de vista, o autor faz referência a dois trabalhos seus anteriores. O primeiro foi apresentado em 1875 na mesma sociedade científica de antropologia parisiense e o outro, da mesma época, teria sido apresentado na Academia de Belas Arte. Ambos tratam da geometria e das leis de proporção das formas do corpo humano e o seu emprego pelos artistas gregos e se constituíram na base de seu livro Le protype humain, publicado em francês e inglês. O que interessa sublinhar é que Charles Rochet, a partir desse tipo fundamental, acreditava ser possível constituir uma base de comparação entre os diversos indivíduos, povos e raças, que poderiam ser definidos como variantes. Em sua exposição, observa-se a importância que o estudo de cabeças tinha para suas pesquisas de forma, o que tem correspondência com os bustos de índios que Louis Rochet fez no Brasil. Pela experiência do escultor francês no Brasil, pode-se considerar que seu método de pesquisa das formas de figuras humanas, em sintonia com as ideias do irmão, também passava pelo estudo de cabeças e faces, tal como se verifica na coleção de bustos de índios que foram feitos pelo escultor francês para conceber as alegorias do pedestal da estátua equestre de d. Pedro I.

Apesar de antigo membro da sociedade científica, Charles Rochet também era um artista escultor, assim como seu irmão Louis, o que explica que mesmo no campo da antropologia é o compromisso artístico que ressalta de sua argumentação. Nesse sentido, entende-se que seu trabalho não se caracteriza apenas como obra científica, propriamente dita. Essa característica de seu estudo foi ressaltada pelo Sr. Sanson, membro da Sociedade de Antropologia de Paris, que ao se manifestar sobre o trabalho de Charles Rochet salientou que não havia intenção em fazer ciência antropológica no seu estudo, pois, claramente, tratava-se de um artista. Contudo, nas suas considerações, ressaltou que a influência do trabalho de Rochet no campo científico não era desprezível, pois havia dado sua contribuição no desenvolvimento de seus estudos sobre as raças ao insistir na necessidade de não concentrar o levantamento de dados apenas nas medidas encefálicas, mas igualmente na classificação das formas nasais. Ora, esse debate destaca que, no contexto europeu do século XIX, cientistas e artistas interrogavam as formas corporais e que as observações de ambos os pontos de vista disciplinares tinham uma base de colaboração.

Segundo Edouard Papet, na década de 1840, apesar da invenção da fotografia, constata-se na França uma proliferação da produção de modelos naturais esculpidos em diferentes ramos da ciência. A exploração das qualidades volumétricas das formas modeladas era motivada pelo estudo taxionômico ou por usos didáticos, o que sobreviveu ao lado da valorização do registro fotográfico. Especialmente, no campo da frenologia, que buscava estabelecer relações de determinação as medidas cranianas e o caráter e a capacidade mental das pessoas, a modelagem natural foi bastante utilizada, aplicando cera ou gesso sobre membros corporais ou faces. Nesse caso, o gosto não conduzia as opções escultóricas, pois, ao contrário, antes o interesse pelo extraordinário ou a aberração se destacavam diante da intenção de caracterizar patologias por meio da exposição de suas marcas fisionômicas. O outro lado dessa mesma postura levava ao registro em molde do rosto de figuras célebres, mantendo vivas suas feições. De outro lado, havia ainda a produção de modelagem natural no contexto do colonialismo e de expedições científicas. Assim, a modelagem escultórica se integrou na circunavegação de Dumont d'Urville, entre 1837-1840, assim como na expedição comandada por Castelnau na América do Sul, entre 1843 a 1847, passando pelo Brasil. A objetividade escultórica, nesse caso, garantia a exatidão da fisionomia ou da anatomia e permitia traduzir em escultura os tipos étnicos de modo descritivo e tridimensional, garantindo a precisão e a neutralidade científica. Nas galerias de museus, a exposição destes modelos naturais exibia o alcance da ideologia colonialista europeia (PAPET, 2001).

Os irmãos Rochet, para além de seus laços familiares, foram colaboradores constantes ao compartilharem o mesmo ofício de escultor, mas igualmente o interesse pela diversidade das culturas e etnias. Certo é que Charles foi membro da Sociedade de Antropologia de Paris e que Louis foi um sinólogo conhecido de seu tempo, autor de uma gramática da língua chinesa de referência para franceses.19 19 Para uma caracterização biográfica de Louis Rochet, veja-se: ROCHET, André. Louis Rochet, sculpteur et sinologue. Ed. André Bonne, 1978. Valioso, ainda, é o fato de que fontes de sua pesquisa no Brasil - as estampas de Spix e Martius - e o produto da pesquisa - os bustos de índios - chegaram até nós. O interesse e o engajamento dos dois irmãos no campo da antropologia pode explicar em certa medida por que esses documentos foram guardados. Foi Charles quem preservou e divulgou o acervo do irmão após a sua morte. Isso contrasta com as poucas fontes que temos sobre o processo de criação da imagem do imperador d. Pedro I e que pesquisas Louis Rochet teria realizado para conceber a figura imperial.

Contudo, o busto de Horácio não estava no programa de trabalho de Louis Rochet no Brasil. A obra foi resultado de seu interesse pessoal. A escravidão deve ter chamado a atenção do viajante escultor. Mas certamente o tipo físico característico de Horácio deve ter sido outro ponto de interesse de Rochet, o que combinava com o interesse pela antropologia física que provavelmente devia compartilhar com seu irmão. Por meio da gramática que elaborou, o escultor francês demonstrou seus conhecimentos sobre a Ásia; por meio dos bustos dos índios do Brasil, apresentou sua pesquisa sobre os povos originários da América; e por meio do busto de Horácio, o escultor dava sua contribuição para o estudo dos tipos físicos da África negra. A diversidade cultural se constituía num programa para suas pesquisas intelectuais e motivava sua criação artística com marca própria.

Escultura etnográfica

Chama atenção o fato de que o busto de Horácio circulou na França e que até hoje não tenha despertado muito interesse do ponto de vista brasileiro. Trata-se de uma peça ímpar pelo aspecto artístico, pois se distingue pela qualidade de obra exposta em salão europeu. Por outro lado, o busto é especial do ponto de vista simbólico, pois, trata-se da imagem de um escravo em escultura que existiu de fato, cuja biografia é parcialmente conhecida, o que se distingue de outras imagens alegóricas mais difundidas.

Com frequência, a origem da representação da negritude nas artes do Brasil está associada ao retrato do Marinheiro Simão, de autoria de José Correia Lima, de 1853. O busto de Horácio é basicamente da mesma época - três anos depois. A origem africana - o primeiro de Cabo Verde e o segundo de região angolana - reúne os dois personagens. Porém, enquanto o rosto do marinheiro ganhou notoriedade no seu tempo e não se tratava de um escravo, Horácio era um tipo social comum definido pela ordem social vigente escravista, fazendo com que a individualidade de seu rosto não tenha ganhado destaque especial na sociedade e seu busto não teve difusão. A história do busto acompanha assim uma tendência geral, pois não se pode dizer que na escultura brasileira a imagem do negro tenha se afirmado como tema recorrente. Na pintura, a situação era um pouco distinta, pois a figura de negros surge em diferentes criações completando cenas e ganha destaque, especialmente, a partir da década de 1880, no contexto do abolicionismo (LIMA, 2008). Mesmo nesse caso, o sentido genérico da alegoria predominou na composição pictórica e não se pode dizer que a representação do negro escravo com rosto e nome tenha se afirmado, como no exemplo do busto criado por Louis Rochet.20 20 Para uma caracterização do quadro Retrato do intrépido Marinheiro Simão, de Jose Correia Lima, veja-se capítulo específico em: CARDOSO, Rafael. A arte brasileira em 25 quadros (1790-1930). Rio de Janeiro: Record, 2008.

A Lei do Ventre Livre de 1870 criou, igualmente, a oportunidade para tratar a imagem de negros do ponto de vista da escultura. Nos dias de hoje, a mais conhecida dessas peças escultóricas é o modelo em gesso pintado, de 171cm de altura e 13cm de largura, assinada por A. D. Brassae, exposto no circuito de exposição do Museu Histórico Nacional, que consta teria sido projeto do movimento abolicionista. Sob a mesma inspiração do Ventre Livre, Chaves Pinheiro criou o grupo alegórico A emancipação do elemento servil, de 1875, que segundo consta foi descrita por Moreira de Azevedo.21 21 Sobre a obra de Chaves Pinheiro, veja-se: ALFREDO, Fátima. Francisco Chaves Pinheiro e sua contribuição à imaginária carioca oitocentista. 19&20 Rio de Janeiro: v. V, n. 2, abr 2010. Disponível em: http://wwwdezenovevinte.net/artistas/fmcp_fa.htm. Acesso em 20 jun 2010. Nesses casos, o que se caracteriza é uma versão inspirada pelo romantismo social, propício à alegorização de temas políticos, tal como na pintura da mesma época. Com sentido semelhante, em 1875, instala-se a imagem A Negra, obra de ferro fundido Val d´Osne, de autoria do escultor francês Mathurin Moreau, no edifício da escola N. Sra. da Saúde, inaugurada pelo imperador na freguesia de mesmo nome, conhecida como centro da comunidade de negros na cidade do Rio de Janeiro. 22 22 Além dessas peças do século XIX, cabe mencionar as figuras de negros em miniaturas de autoria do escultor baiano do século XIX, Erotides Américo de Araújo Lopes, nascido em Salvador em 1847. Na coleção do Museu Histórico Nacional há um conjunto de 10 pequenas estatuetas, de aproximadamente 20 cm de altura, talhadas em madeira (cajazeira). O conjunto se origina da coleção Miguel Calmon e reúne a representação de "tipos de rua", como vendedora de frutas, vendedora de mamão, vendedora de bananas, vendedora de peixe, negra peixeira, baiana endomingada e africano vendedor de louça, africano carregador e ganhador. Destaca-se a representação de figuras femininas, o que foi objeto de estudo de Sigrid Porto de Barros. Veja-se: QUERINO, Manuel Raymundo. Artistas bahianos: indicações biográficas. 2a. ed. Salvador, A Bahia, /s.d./. p. 31-4.; CARVALHO, Gerardo. Dez estatuetas bahianas. Anais do Museu Histórico Nacional, v. X, p. 69-79, 1949.; e BARROS, Sigrid Porto. A condição social e a indumentária feminina no Brasil Colônia. Anais do Museu Histórico Nacional, v. VIII, p. 117-154, 1947. Nestes exemplos, é a generalidade da alegoria que se enfatiza. Esse sentido, certamente perdurou na escultura no tratamento do negro no contexto histórico da escravidão e atravessou os tempos. Décadas depois da Abolição da escravidão, em 1922, Flexa Ribeiro, em artigo sobre as belas artes na exposição do centenário, publicado em O País, faz referência à peça Escrava, de Antonino de Mattos, que segundo ele "nada personaliza, nem mesmo sexo" (RIBEIRO, 1922, p. 1). Portanto, a marca descritiva do busto de Horácio é uma exceção que se encontra apenas em raros exemplos, como no caso do busto em gesso de escrava da charqueada gaúcha de Pelotas, no Rio Grande do Sul, e que também merece ser mais estudada.

Horácio, como já foi sublinhado, é uma imagem descritiva e não alegórica, mas com um olhar que apela ao espectador. Esse olhar faz toda a diferença, pois evidencia que o busto não representa um personagem genérico, como um tipo social de época, mas registra uma personalidade individualizada fixada na expressividade do rosto esculpido que exerce seu poder de atração. Além disso, o olho aberto e expressivo distingue a descrição da fisionomia da modelagem natural, que é caracterizada pelos olhos fechados da máscara mortuária. No busto de Horácio, há, portanto, uma diferença técnica que afirma um posicionamento no campo da arte a partir do tratamento dos olhos. Assim, sua criação por Louis Rochet, na década de 1850, se relaciona com a história da escultura etnográfica, cujo conceito empregado por Gérard de Rialle se fixou a partir do salão francês de 1863 (LE NORMAND-ROMAIN, 1994).

A representação do negro foi decisiva na afirmação da escultura etnográfica como vertente artística de destaque na Europa do século XIX. Seu principal artista, Charles Cordier registra em suas memórias que sua carreira ganhou uma nova orientação a partir do encontro com um o antigo escravo sudanês no ano de 1847. Em quinze dias, Cordier teria concluído a modelagem e preparado a peça para expor no salão francês de 1848 e que se tornou conhecida como Said Abdalah, de la tribu du Mayac, royaume du Darfour . "Foi uma revelação para todo o mundo artístico", anotou o escultor. Em 1851, durante a Exposição Internacional de Londres, a obra em bronze foi adquirida pela rainha Elisabete I, da Inglaterra. Em 1855, na Exposição Universal de Paris, já consagrado por suas figuras africanas, Cordier expôs um casal chinês ampliando seu repertório figurativo. Depois disso, ele recebeu bolsas do governo francês para realização de missões na Argélia, em 1856, na Grécia, em 1858, e no Egito por duas vezes, nos anos de 1866 e 1868. Tal como no caso do encontro de Rochet e Horácio no Brasil, Cordier descreve que vários de seus bustos são notadamente resultado de seu encontro com indivíduos, salientando a marca descritiva das figuras representadas em escultura. Apesar de sua criação ser mais conhecida pelas peças expostas no Museu d'Orsay, o destino de sua obra fez com que conste também como parte do acervo do Museu do Homem em Paris uma série de bustos de Cordier no Laboratório de Antropologia, instalando seu legado entre uma instituição dedicada à memória das artes do século XIX e outra dedicada à memória científica.23 23 Cf., http://www.musee-orsay.fr/fr/evenements/expositions/archives/presentation-detaillee/ article/charles-cordier-1827-1905-sculpteur-lautre-et-lailleurs-4210.html?S=&tx_ttnews%5BbackPid%5D=258&cHash=9c42438621&print=1&no_cache=1&. Acesso em 25 set 2012.

De uma perspectiva histórica, cabe sublinhar, porém, que Cordier expôs seu primeiro busto de um africano em 1848, ano em que a ocorre a abolição definitiva da escravidão na França. Nesse sentido, há uma contextualização particular que caracteriza o gosto da escultura etnográfica francesa, corrente com a qual o busto de Horácio dialoga. Na França, no contexto do Segundo Império, a obra de Cordier se encarregou de promover uma imagem digna e altiva de negros que se desdobrou em novas abordagens artísticas da questão da representação da identidade étnica no Ocidente (DE MARGERIE, 2004). Nesse caso, a representação de negros revertia a tendência na arte ocidental de colocar as figuras de negros em situação subalterna. Além disso, a conhecida afirmação de Cordier de que "o mais belo negro não é aquele nos é mais parecido" sublinha o fato de que sua obra se compromete com a promoção da diversidade étnica e a busca de legitimidade de outras formas de beleza. Sua obra mais provocativa certamente é aimez-vous les uns les autres (traduzindo, "amem-se uns aos outros"). Esta escultura explora o contraste da cor dos materiais para representar o abraço interracial entre as duas figuras infantis, sendo uma em preto e a outra em branco.

A escultura etnográfica que conjugou descrição étnica e expressão plástica concorria com o interesse da escultura de tipo científica que tinha por base as expedições naturalistas que neutralizavam as figuras humanas por meio da modelagem. É possível indicar ainda que o estudo etnográfico a partir da escultura se constituiu, por vezes, em fonte para a pesquisa artística. Nesse sentido, não se pode deixar de apontar para o fato de que existe no Museu do Homem em Paris uma modelagem natural que tudo indica está relacionada ao desenvolvimento do famoso busto Said Abdallah, datada de 1848, a obra que marcou o início da trajetória de Charles Cordier. A comparação entre as duas peças evidencia a liberdade do artista que no processo de criação imprimiu modificações no rosto para valorizar sua expressividade plástica, ratificando assim sua posição de que a ciência não podia limitar a criação artística (PAPET, 2001). Desse modo, Charles Cordier antecipava a sua própria afirmação publicada no boletim da Sociedade de Antropologia de Paris, em 1862, de que "não se pode deixar que o sentimento da arte seja negligenciado pela precisão científica" (apud Cordier, 2004, p. 26). Ainda que servisse de fonte científica, no campo da escultura etnográfica, impunha-se o exercício plástico do artista e a capacidade de conceber volumes pelas próprias mãos.

Não há como deixar de reconhecer que O Negro Horácio de Louis Rochet se situa nesse universo artístico do século XIX que buscou traçar um determinado vínculo entre arte e identidades étnicas, promovendo a alteridade física e cultural como uma marca da beleza na história da escultura. O diálogo de Horácio proposto pela criação de Rochet se situa assim na França e não no contexto brasileiro. Mesmo sendo uma criação marcada pelo contato com a realidade do Brasil, é inegável que o busto em bronze se insere num contexto histórico europeu de debate artístico e social que lhe dá sentido, apesar de ter sido datado no Rio de Janeiro com letras destacadas pelo seu artista. Nesse ponto, entende-se porque a obra não ficou conhecida no Brasil de seu tempo e tampouco em épocas posteriores. Por outro lado, sua datação em cidade do hemisfério Sul e ao lado de bustos indígenas, mas de gosto plástico europeu e sem formas exóticas, certamente, mantém a peça guardada na reserva técnica de um museu de ciência (e não de arte) da capital francesa. Entre a arte e a ciência, não há dúvida de que o escravo do Brasil se fez francês por meio da escultura.

A biografia dessas peças escultóricas de escultor francês Louis Rochet caracteriza como olhares se entrecruzam diante do objeto da arte, ainda que sejam as mesmas peças. No caso dos índios das maquetes de Rochet, o olhar das figuras resulta da expressão corporal e sugere a dinâmica que dá personalidade ao índio representado e que se apresenta à visão do espectador. De modo sensível, as figuras indígenas do pedestal da estátua equestre são caracterizadas pelo tratamento do olhar. Esse olhar contrasta com as imagens dos modelos em gesso caracterizados pelo olhar estático. Certamente, é o olhar do Negro Horácio o que mais interpela o espectador e não sem razão é a única peça que representa um personagem com nome próprio. Mas é, sobretudo, o jogo de olhares diante da obra que provoca a interrogação. As mesmas peças ao longo de sua trajetória evidenciam o caráter polissêmico da obra de arte que provoca um jogo de olhares que merece ser sublinhado. A exposição da obra de arte faz com que diferentes olhares sejam lançados sobre a mesma peça. No caso da imagem escultórica de índios e negros no século XIX, o que se observa é como o sentido desliza entre suas qualidades artísticas, etnográficas e históricas. Sua criação foi marcada pelo cruzamento de programas artísticos, participando tanto do mundo das artes da Europa como do Brasil. A mesma solução plástica correspondia a expectativas distintas do significado da obra de arte capazes de conviver na mesma obra. Isso explica porque as peças de Rochet ora se apresentam em salões de arte, ora em museus etnográficos, ora em museus históricos. São as mesmas esculturas, mas diferentes olhares que se caracterizam um processo local de produção se sentidos que instala formas de apropriação significativa. É assim que, na escultura, o índio do Brasil foi francês para se naturalizar brasileiro, enquanto Horácio, o escravo negro do Brasil, imigrou para a França sem retorno.

Notas

Recebido em março/2013

Aprovado em maio/2013

  • CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Indianismo na década de 1860: exposições e crítica de arte. Boletim Grupo de Estudos Arte & Fotografia - Anais do VI Seminário Arte, Cultura e Fotografia São Paulo: CAP-ECA-USP, n. 5, 2012
  • COLI, Jorge. Idealização do índio moldou a cultura nacional. Folha de São Paulo http://www.1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/imagens5htm Acesso em 5 mar 2010.
  • DE MARGERIE, Laure. Le plus beau nègre n´est pas celui qui nous ressemble le plus (Cordier, 1862). Charles Cordier; l'autre et l'ailleurs Paris: Ed. de La Martiniere, 2004.
  • DU CAMP, Maxime. Le salon de 1861 Paris: A. Boudilliat & Cie. Eds., 1861. p. 173.
  • DUQUE, Gonzaga. A arte brasileira São Paulo: Mercado de Letras, 1995. P. 251-256.
  • GAUTIER, Theóphile. Abécédeaire du salon de 1861 Paris : E. Dentu, 1861. p. 415.
  • KNAUSS, Paulo . Projeto premiado: a estátua equestre de d. Pedro I no desenho de Maximiano Mafra. In: MALTA, Marize (Org.). O ensino artístico, a história da arte e o Museu d. João VI 1 ed. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2010, v. 1, p. 161-170.
  • LE NORMAND-ROMAIN, Antoinette et al. La sculpture ethnographique; de la Venus hottentote à la Tehura de Gauguin. Paris: Editions de la Réunion des Musées Nationaux, 1994.
  • LIMA, Heloisa Pires. A presença negra nas telas: visita às exposições do circuito da Academia Imperial de Belas Artes na década de 1880.19&20, Rio de Janeiro: v. III, n. 1, jan. 2008. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/obras_negros.htm. Acesso em: 20 jun 2010.
  • MILLER, Peter Benson. Gêrome and the ethnographic realism at the salon of 1857. In: ALLAN, Scott & MORTON, Mary (ed.). Reconsidering Gêrome Los Angeles: Getty, 2010. p. 106-118.
  • PAPET, Edouard. «Avoir le courage de sa polychormie»: Charles Cordier et la sculpture du Second Empire. In: BARTHE, Christine et al. Charles Cordier; l'autre et l'ailleurs Paris: Ed. de La Martiniere, 2004.
  • PAPET, Edouard. Le moulage sur nature au service de la science. In: À fleur de peau: le moulage sur nature au XIXe. Siècle. Paris, Réunions des Musées de France, 2001.
  • RIBEIRO, Flexa. As Belas Artes na exposição. V - Arte contemporânea: a escultura. O Paiz Rio de Janeiro: 18 dezembro de 1922.
  • Jogo de olhares: índios e negros na escultura do século XIX entre a França e o Brasil

    Paulo Knauss
  • 1
    Consta na
    Folhinha Laemmert, de 8 de julho de 1856: "Chegou da Europa no vapor Cadiz o Sr. Luis Rochet, estatuário incumbido da elevação da estátua equestre que se vai erigir na corte ao fundador do Império." Citado em: FERREZ, Gilberto. A obra de Eduardo Laemmert.
    Revista do IHGB. Rio de Janeiro: v. 331, 1981, p. 204. [Agradeço à Maria Isabel Lenzi esta indicação.]
  • 2
    Cabe indicar que essa combinação de elementos autóctones e da fauna vai ser retomada na escultura francesa na obra de Ernest Barrias,
    Les Nubiens ou
    Chasseurs d´alligators, datada de 1894, existente no Museu d´Orsay, em Paris, França.
  • 3
    Julgamento crítico ao projeto da estátua equestre de d. Pedro I, encontra-se, por exemplo em: BÜRGER, W.
    Salons de W. Bürger, de 1861 à 1868. organização de Théophile Thoré & Marius Chaumelin. Paris: Jules Renouard, 1870. t. I. p. 159.
  • 4
    Os documentos do concurso se dividem entre os acervos do Museu d. João VI, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA-UFRJ) e o Arquivo Nacional. Na primeira instituição, encontram-se os desenhos dos projetos concorrentes; na segunda instituição, há fotografias de Henrique Klumb das maquetes apresentadas e do projeto vencedor.
  • 5
    Consta que a primeira escultura fundida em bronze no Brasil foi
    O Gênio de Franklin, de autoria de Almeida Reis, no ano de 1885.
  • 6
    Para uma caracterização da inauguração da estátua, veja-se: KNAUSS, Paulo; KRAAY, Hendrik. A inauguração da estátua de José Bonifácio na visão de um correspondente estrangeiro, 7 de setembro de 1872.
    Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro: v. 171, p. 279-289, 2010.
  • 7
    Cf., KNAUSS, Paulo A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX.
    19&20. Rio de Janeiro: v. V, n. 4, out./dez. 2011. Disponível em:
  • 8
    Cf.,
    Catalogue des Sculptures...de M. Louis Rochet..., par Horsin Déon.... Paris: 1878.
  • 9
    A história desta obra marca a trajetória de Almeida Reis, pois como obra de pensionista da Academia Imperial das Belas Artes, contrariava o regulamento que previa o envio de obra de tema bíblico ou mitológico. Veja-se: CHRISTO, Indianismo na década de 1860: exposições e crítica de arte. Boletim Grupo de Estudos Arte & Fotografia -
    Anais do VI Seminário Arte, Cultura e Fotografia. São Paulo: CAP-ECA-USP, n. 5, 2012. A obra integra o acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
  • 10
    Uma apresentação da obra escultórica de Francisco Chaves Pinheiro se encontra em: ALFREDO, Fátima. Francisco Manuel Chaves Pinheiro e sua contribuição à imaginária carioca oitocentista.
    19&20, Rio de Janeiro: v. V, n. 2, abr. 2010. Disponível em:
    http://www.dezenovevinte.net/artistas/fmcp_fa.htm. Acesso em: 20 mai 2010. A obra integra o acervo do Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.
  • 11
    A escultura indianista de Rodolfo Bernardelli é tratada em: SILVA, Maria do Carmo Couto da. Representações do índio na arte brasileira do século XIX.
    RHAA. Campinas: n. 8. p. 63-71.
  • 12
    O relatório de Rochet apresentado à Academia Imperial das Belas Artes foi publicado por Alfredo Galvão com a seguinte referência: "Estátua Equestre do Senhor D. Pedro I - Contrato do Sr. Rochet, Estatuário, e Proposta apresentada por ele à Comissão - Em 1856 - Typ. Dous de Dezembro, de Paula Brito - Impressor da Casa Imperial - Rio de Janeiro". Segundo Alfredo Galvão, a publicação seria parte do acervo da biblioteca da Sociedade Brasileira de Belas Artes, no Rio de Janeiro que se encontra fechada há alguns anos. Cf., KNAUSS, Paulo. Projeto premiado... op. cit. [Agradeço a Douglas Thomaz de Oliveira este levantamento de dados.]
  • 13
    Coleções reunidas por Djalma da Fonseca Hermes; leilão em julho de 1941 (catálogo). Consta que a decisão de vender a coleção decorreu da decisão do colecionador de deixar sua casa na Tijuca. Carta do embaixador João Hermes Pereira de Araújo à direção do Museu Histórico nacional, datada de Buenos Aires, Argentina, em 31 de Agosto de 1987. Arquivo Museu Histórico Nacional.
  • 14
    Consta que antes, porém, de se iniciar a venda, o presidente Getúlio Vargas, acompanhado de Rodrigo Mello Franco de Andrade, chefe do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e dos diretores do Museu Histórico Nacional, do Museu Imperial e do Museu Nacional de Belas Artes, visitou a exposição e deu instrução aos funcionários que o acompanhavam no sentido de adquirirem todas as peças que fossem de interesse do governo. Foi feita extensa lista e, caso único, tombado todo o catálogo do leilão. Djalma da Fonseca Hermes resolveu tirar da venda todas as peças escolhidas, fechando um bloco com o governo. A lista das peças adquiridas pelo governo foi publicada nas páginas do
    Jornal do Comércio do dia 27 de Agosto de 1941. Arquivo do Museu Histórico Nacional. [Agradeço a Fernando Ariel o levantamento de dados realizado no Museu Histórico Nacional.]
  • 15
    Cf.,
    Catalogue des Sculputures...de M. Louis Rochet..., par Horsin Déon.... Paris: 1878.
  • 16
    Cf.,
    Bulletin de la Société d´Anthropologie de Paris, Paris, ser. 2, t. 4, fasc. 1-4, 1869. Disponível em:
    http://gallica.fr. Acesso em 14 mai 2008.
  • 17
    Cf.,
    Bulletin de la Société d´Anthropologie de Paris, Paris, ser. 2, t. 4, fasc. 1-4, 1869. [Tradução própria.]
  • 18
    Máxime du Camp, por exemplo, um dos críticos de arte franceses que mais acompanharam o salão daquele ano, não apresenta nenhum comentário sobre o busto realizado por Rochet no Brasil. Cf., DU CAMP, Máxime.
    Le salon de 1857. Paris: Libr. Nouvelle, 1857.
  • 19
    Para uma caracterização biográfica de Louis Rochet, veja-se: ROCHET, André.
    Louis Rochet, sculpteur et sinologue. Ed. André Bonne, 1978.
  • 20
    Para uma caracterização do quadro
    Retrato do intrépido Marinheiro Simão, de Jose Correia Lima, veja-se capítulo específico em: CARDOSO, Rafael.
    A arte brasileira em 25 quadros (1790-1930). Rio de Janeiro: Record, 2008.
  • 21
    Sobre a obra de Chaves Pinheiro, veja-se: ALFREDO, Fátima. Francisco Chaves Pinheiro e sua contribuição à imaginária carioca oitocentista.
    19&20 Rio de Janeiro: v. V, n. 2, abr 2010. Disponível em:
  • 22
    Além dessas peças do século XIX, cabe mencionar as figuras de negros em miniaturas de autoria do escultor baiano do século XIX, Erotides Américo de Araújo Lopes, nascido em Salvador em 1847. Na coleção do Museu Histórico Nacional há um conjunto de 10 pequenas estatuetas, de aproximadamente 20 cm de altura, talhadas em madeira (cajazeira). O conjunto se origina da coleção Miguel Calmon e reúne a representação de "tipos de rua", como vendedora de frutas, vendedora de mamão, vendedora de bananas, vendedora de peixe, negra peixeira, baiana endomingada e africano vendedor de louça, africano carregador e ganhador. Destaca-se a representação de figuras femininas, o que foi objeto de estudo de Sigrid Porto de Barros. Veja-se: QUERINO, Manuel Raymundo.
    Artistas bahianos: indicações biográficas. 2a. ed. Salvador, A Bahia, /s.d./. p. 31-4.; CARVALHO, Gerardo. Dez estatuetas bahianas.
    Anais do Museu Histórico Nacional, v. X, p. 69-79, 1949.; e BARROS, Sigrid Porto. A condição social e a indumentária feminina no Brasil Colônia.
    Anais do Museu Histórico Nacional, v. VIII, p. 117-154, 1947.
  • 23
    Cf.,
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2013
    • Aceito
      Maio 2013
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