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De um "falsário" a outro, de patranhas viageiras a legados críveis (século XV)

Resumos

Nos séculos XV e início do XVI, quando viajar para o leste e para o oeste já não se mostrava tão extraordinário, as relações de viagem, como as de Marco Polo ou Jean de Mandeville, foram impressas e reimpressas e estiveram no universo das trocas e aquisições tanto em Portugal quanto em outras partes da Europa. Apesar, entretanto, de terem cumprido papel fundamental para definir os mundos alheios para os europeus, traduzindo as aspirações do seu tempo e alimentando novas acerca do universo a ser conhecido, esses relatos nem sempre narram viagens necessariamente realizadas. Vários deles, ao contrário, não fazem mais do que reunir, para seus contemporâneos, passagens de interesse extraídas de outros escritos, passagens que, por sua regularidade e frequência, permitiram que um relato, apenas encenado como de viagem, fosse aceito como verdadeiro para os contemporâneos e sucessores imediatos. Na Península Ibérica do final do século XV, um relato escrito por um autor de quem nada se sabe, Gómez de Santisteban, que se auto-define como acompanhante do Infante D. Pedro a uma suposta viagem à Terra Santa, esteve entre esses relatos que integraram a descrição e a própria percepção das terras que vinham sendo conhecidas. A questão condutora deste texto é, pois, como Santisteban, embora tenha textualizado memórias de viagens que não fez, conseguiu alcançar credibilidade tal como viajantes cujas viagens foram reconhecidas como autênticas.

Viagens reais; viagens imaginárias; memória; Quatrocentos; Portugal


In the 15th and early 16th centuries, when traveling eastward and westward no longer proved extraordinary, travel writings, such as those of Marco Polo or Jean de Mandeville, were printed and reprinted and have been in the world of exchanges and acquisitions both in Portugal and in other parts of Europe. However, although they have played a key role in defining foreign worlds for Europe, reflecting the aspirations of their time and providing news about the universe to be discovered, these reports do not always necessarily tell of trips that were actually taken. Several of them, on the contrary, do no more than draw together, for contemporary readers, passages of interest taken from other writings; passages which, based on their regularity and frequency, would allow for a narrative staged as travel to be taken as truth for contemporaries and immediate successors. In the Iberian Peninsula of the late 15th century, an account written by an author about whom nothing is known, Gomez de Santisteban, who defines himself as a companion of Prince Pedro on a supposed trip to the Holy Land, was among those reports integrated into the description and the perception of the land being discovered. The driving question of this paper is, therefore, how Santisteban, though he wrote memories of trips that he did not take, achieved credibility like those travelers whose trips have been recognized as authentic.

Royal travels; imaginary travels; memor; 15th century; Portugal


Haveria épocas mais férteis que outras na propagação de patranhas, na invenção de apócrifos ou no fervor imaginativo? Quando, no final do século XIX, George F. Warner se refere ao célebre Jean de Mandeville (falecido ≅ 1372), em The Buke of John Maundeuill, ele taxa esse autor do século XIV de "fraudulento", por ter ele escrito um relato de viagem sem que tivesse efetivamente viajado.1 1 G. Warner fala em fraude e mendacidade na sua obra (WARNER, 1889, p. XXIX). Pouco tempo depois, qualificativos depreciativos semelhantes a este foram atribuídos ao, não tão célebre mas igualmente considerado pouco confiável, autor quatrocentista do Libro del Infante D. Pedro de Portugal, identificado como Gómez de Santisteban - um dos 12 acompanhantes do Infante D. Pedro (1392-1449) em suas viagens (LIBRO, 2008, p. 11LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.). No início do século XX, o erudito espanhol Menéndez y Pelayo, célebre por seus estudos sobre história da literatura e filologia hispânica, apresenta-o como um imitador desajeitado de Mandeville, enquadrando-o entre aqueles que ajudaram, à "sombra das viagens verdadeiras", a fazer "pulular as fabulosas", sem que o "vulgo" desse por isso (MENÉNDEZ Y PELAYO, 1905, p. CDVII-CDXIMENÉNDEZ Y PELAYO, M. Origenes de la Novela. Tomo I. Madrid: Librería Editorial de Baílly/Baílliére é Hijos, 1905.). O estudioso buscou respaldo para tal enquadramento nos estudos da filóloga naturalizada portuguesa, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, que veio a considerar o texto um "opúsculo absurdo" (VASCONCELOS, 1922, p. 39-46VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de. Introdução. In: CONDESTÁVEL D. PEDRO DE PORTUGAL. Tragédia de la insigne reina Doña Isabel. 2. ed. Rev. e prefaciada por Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922.), mas que infelizmente tinha sido estimado pelos seiscentistas, apreciadores de patranhas históricas e pouco empenhados em distinguir relatos verdadeiros de fabulosos. Tais estudiosos do século XIX e início do XX empenharam-se em confrontar, à moda do seu tempo, as fontes que teriam servido de base para uma e outra narrativa, de forma que, separados por aproximadamente um século - o livro de Mandeville é de 1356 e o livro reivindicado por Gomez de Santisteban, no prólogo, seria da segunda metade do século XV2 2 Há, porém, toda uma discussão sobre tal datação. Francis Rogers, em 1961, fez um estudo e uma tradução da primeira edição conhecida do livro, a de Sevilha, Cromberger, ca. 1515. Mais tarde, porém, Harvey Sharrer, em "Evidence of a Fifteenth-Century Libro de Infante don Pedro de Portugal [...]", argumenta, a partir de uma referência às viagens em um livro de 1471-1476 de Lope García de Salazar, Las bienandanzas e fortunas, e pela própria estrutura do livro, que se trataria de uma obra do século XV. Tese, entretanto, contestada, de forma pouco convincente, por Carmen Mejía (ROGERS, 1961; MEJÍA, 1998, p. 219). -, os dois relatos receberam tratamento muito semelhante da crítica e dos historiadores. No caso de Mandeville, A. Bovenschen e George F. Warner empreenderam um levantamento das fontes por ele utilizadas (BOVENSCHEN, 1888BOVENSCHEN, A. Untersuchungen über Johann von Mandeville und die Quellen seiner Reisebeschreibung. In: Zeitschrift der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin. Berlín: W. Pormetter, 1888. v. XXIII.; WARNER, 1885-1901WARNER, G. F. Life os Mandeville. In: Dicionary of national biography. Oxford: Oxford University Press, 1885-1901.; HAMELIUS, 1923HAMELIUS, P. Mandeville´s Travels. London: Early English Text Society, 1923. 2 v.; LETTS, 1953LETTS, M. Mandeville's Travels. Texts and Translations. Londres: Hakluyt Society, 1953. 2 v.), abrindo espaço para uma reiterada problematização da farsa testemunhal criada pelo autor. No que se refere ao Livro do Infante D. Pedro, por sua vez, Carolina Michaëlis promoveu um exame de outras fontes e de indícios que comprovavam as viagens de D. Pedro pelos reinos europeus, bem como examinou os "assentos de alguns escritores quatrocentistas e quinhentistas" que se referiram ao Infante (VASCONCELOS, 1922, p. 40-44VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de. Introdução. In: CONDESTÁVEL D. PEDRO DE PORTUGAL. Tragédia de la insigne reina Doña Isabel. 2. ed. Rev. e prefaciada por Carolina Michaëlis de Vasconcelos. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922.), para concluir que, se nem uns nem outros lançam uma sequer palavra sobre Constantinopla, Terra Santa, Meca, Abássia, Cairo ou outras plagas africanas e asiáticas, tais paradas, no livro, encaixar-se-iam no plano do legendário.

Foram argumentos como esses - a despeito de a estudiosa ter desconhecido as primeiras edições3 3 Segundo Francis Rogers, que fez um estudo minucioso do livro, ela não teria conhecido a edição de 1515 (ROGERS, 1961, p. 212). ou a despeito do tipo de preocupação com a experiência sensível como parâmetro de verdade que a assombrava - que fizeram com que o livro de Santisteban gozasse de baixo prestígio nos estudos históricos entre os séculos XIX e XX. Mas outrora não tinha sido assim, como adiantou a própria filóloga citada, a propósito dos seiscentistas. Houve aqueles que estimaram o Livro do Infante D. Pedro de Portugal; homens a quem Menéndez y Pelayo define como de imaginação mais impetuosa justamente por terem vivido naqueles tempos das grandes navegações e de "descobrimentos mais portentosos". Homens que não teriam julgado tão notáveis as andanças do Infante D. Pedro como julgaram seus contemporâneos, que lhe tinham reputado a fama de "grande viageiro" (MENÉNDEZ Y PELAYO, 1905, p. CDVIIIMENÉNDEZ Y PELAYO, M. Origenes de la Novela. Tomo I. Madrid: Librería Editorial de Baílly/Baílliére é Hijos, 1905.), por ter visitado cortes europeias como as da Inglaterra, França, Flandres, Alemanha, Hungria, Veneza, Roma, Aragão e Castela. Tantas plagas e aventuras, consideradas notáveis para os quatrocentistas, como a provável participação na guerra contra os turcos, ao lado do Imperador Segismundo (ROGERS, 1961, p. 44ROGERS, Francis M. The travels of the Infante Dom Pedro of Portugal. Cambridge-Massachusetts: Harvard University Press, 1961.), não teriam, supostamente, satisfeito aos quinhentistas, que quiseram ver neste o precursor de uma expansão para além da Europa.

O questionamento apresentado pelo estudioso espanhol, entretanto, não parece pertinente, se levarmos em conta, como sugeriu Francis Rogers (ROGERS, 1961, p. 222ROGERS, Francis M. The travels of the Infante Dom Pedro of Portugal. Cambridge-Massachusetts: Harvard University Press, 1961.), a primeira edição conhecida da obra - impressa por Jacobo Cromberger, em Sevilha, no ano de 1515 -, em que consta já a viagem para além da Europa.4 4 O único exemplar desta encontra-se na biblioteca pública de Cleveland, nos Estados Unidos (MEJÍA, 1998, p. 218). Não parece igualmente pertinente, se levarmos em consideração a referência encontrada na crônica quatrocentista (1471-1476) de Lope Garcia de Salazar, Las bienandanzas y fortunas, em que este destaca a grande dimensão da Ásia, à qual pertenciam várias terras, como a da Armênia, da Turquia, do reino da Pérsia, de Jerusalém, e até a do Egito aparecia incluída nela. E, como era habitual, destaca também as terras do Tamerlão e aquelas que, pelo que se acreditava, estavam sujeitas ao Preste João, como as das Amazonas ou as da linhagem de Gog e Magog. Incluía, assim, no seu rol de lugares notáveis, as referências geográficas, míticas e literárias que eram partilhadas pelos letrados do seu tempo, e entre as quais não podia faltar a menção à carta do Preste João encaminhada, através do infante D. Pedro, segundo o cronista referido, a D. João II, de Castela. Referência a D. Pedro que vinha acompanhada da informação de que ele "andou divisando muito nestas partidas".5 5 "[...] en la carta que él enbió al rey don Juan Segundo de Castilla con don Pedro de Portugal, que andobo mirando mucho en estas partidas [...]" (LOPE GARCÍA DE SALAZAR, [s/d]).

No século XV, pois, já tinha sido concebido um infante aventureiro, portanto, a viagem a Jerusalém e proximidades já fazia parte das expectativas dos homens daquele tempo, mesmo que D. Pedro não a tenha realizado. Não parece, pois, cabível atribuir aos quinhentistas e seiscentistas mais imaginação e acréscimos, nem condenar o desconhecido6 6 Nas crônicas que tratam do Infante D. Pedro, como as de Gomes Eanes de Zurara e de Fernán Pérez de Gusmán, não há referência a este personagem (MEJÍA, 1998, p. 217). Santisteban por ter recheado seu relato de passagens de interesse para seus contemporâneos, mas questionar por que o autor se dispôs, como Mandeville, a textualizar memórias de viagens que não fez ou que não fez aquele de quem conta a história.7 7 Evitar, assim, a oposição entre a viagem real e o mítica, que foi preocupação de estudiosos inclusive mais recentes, como, por exemplo: LIMA, 2012, p. 127. Sua aproximação a Mandeville neste aspecto chegou ao ponto de parte dos escritos de Santisteban ser contemplada como uma mera imitação do viajante trecentista, acrescida de uma personagem histórica contemporânea e significativa, a do Infante D. Pedro, que, por sua reconhecida fama, teria servido para dar credibilidade ao relato (MENÉNDEZ Y PELAYO, 1905, p. CDVIIIMENÉNDEZ Y PELAYO, M. Origenes de la Novela. Tomo I. Madrid: Librería Editorial de Baílly/Baílliére é Hijos, 1905.). De modo que, a despeito de a personagem-testemunha, no Viagens de Jean de Mandeville, ser o viajante principal e, no Livro do Infante D. Pedro, se tratar de um viajante acompanhante (CORREIA, 2000, p. 57CORREIA, Margarida Sérvulo. As viagens do infante D. Pedro. Lisboa: Gradiva, 2000.), aproximam-se, dado que os dois se mostram comprometidos em convencer de que as viagens que narram foram viagens que efetivamente fizeram, como se tornava cada vez mais comum a partir do final do século XIV (WOLFZETTEL, 1996, p. 22-23WARNER, G. The Buke of John Maundeuill. Westminster: Roxburghe Club, 1889.). Mandeville o faz intensificando o uso da primeira pessoa: "atravessei o mar", "fiquei durante muito tempo no além-mar", "eu muitas vezes fiz esse caminho e cavalguei por ali em boa companhia", "percorri muitas terras", "lhes outorgo parte de todas as boas peregrinações e de todas as boas ações que realizei", entre outras várias passagens (JEAN DE MANDEVILLE, 2007, p. 35 e 256JEAN DE MANDEVILLE. Viagens de Jean de Mandeville. Trad. Susani Silveira Lemos França. Bauru: EDUSC, 2007.); Santisteban, por igualmente conferir papel de destaque à suposta memória das viagens,8 8 Como fez também Mandeville (GUÉRET-LAFFERTÉ, 2002, p. 193-196). através, por exemplo, da retomada, no proêmio, da tópica do desejo dos homens de conhecer coisas novas, mas para anunciar que ele se tinha disposto a tal por ter sido "um dos que" estiveram com o infante em suas viagens (LIBRO, 2008, p. 11LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.).

Esse destaque para a memória como legitimadora do relato é ainda reafirmado, em Mandeville, quando declara se eximir de tratar dos "outros muitos países e outras muitas maravilhas" que não viu no ultramar, como uma forma de lembrar que tratou do que efetivamente viu (JEAN DE MANDEVILLE, 2007, p. 255JEAN DE MANDEVILLE. Viagens de Jean de Mandeville. Trad. Susani Silveira Lemos França. Bauru: EDUSC, 2007.). Para além deste aspecto, os dois autores aproximam-se pela determinação de contar coisas notáveis, estranhas e até novas, como anunciam. O pseudo-viajante inglês mais de uma vez o faz, como quando inclui a informação sobre a peculiaridade da crença dos gregos em relação à do seu povo, justificando fazê-lo, porque "muitos homens se deleitam e sentem prazer em ouvir falar sobre coisas estranhas" (JEAN DE MANDEVILLE, 2007, p. 51JEAN DE MANDEVILLE. Viagens de Jean de Mandeville. Trad. Susani Silveira Lemos França. Bauru: EDUSC, 2007.); ou quando destaca que os ocidentais, regidos pela Lua, que é "o planeta de passagem", tinham especial disposição para "a busca de coisas estranhas e das diversidades do mundo" (JEAN DE MANDEVILLE, 2007, p. 156-157JEAN DE MANDEVILLE. Viagens de Jean de Mandeville. Trad. Susani Silveira Lemos França. Bauru: EDUSC, 2007.), ou quando generaliza que "a todo mundo sempre agrada ouvir falar de coisas novas" (JEAN DE MANDEVILLE, 2007, p. 255JEAN DE MANDEVILLE. Viagens de Jean de Mandeville. Trad. Susani Silveira Lemos França. Bauru: EDUSC, 2007.). O narrador do Livro do Infante,9 9 Os problemas em torna autoria, ao mesmo tempo declarada e ocultada, já que o nome revelado é desconhecido, foi tratada, entre outros por: ROGERS, 1961, p. 214-220; CORREIA, 2000. p. 112. por sua vez, igualmente afirma que se mostrava determinado a "contar algumas coisas notáveis", no seu tratado, acerca daquilo que ele e seus companheiros viram "nas quatro partidas do mundo" (LIBRO, 2008, p. 11LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.).10 10 Vale recordar que esta é uma referência que remete ou para as quatro partes do mundo recordadas por Isidoro de Sevilha, seguindo a tradição de Macróbio, ou para os pontos cardeais (CORREIA, 2000, p. 57). Posteriormente, estas partidas passaram a ser sete, como se pode ver na edição de 1623. Segundo Menéndez y Pelayo, por confusão com as sete partidas de Afonso X (MENENDEZ Y PELAYO, 1905, p. CDXI; ROGERS, 1961, p. CDX).

As aproximações dos dois textos, entretanto, já foram mais de uma vez destacadas (MENENDEZ Y PELAYO, 1905, p. CDXI; ROGERS, 1961, p. 197, 199, 204; ENTWISTLE, 1922, p. 255-257ENTWISTLE, William James. The spanish Mandevilles. The modern language Review, v. 17, 1922, p. 251-257.; CORREIA, 2000, p. 27, 70-78CORREIA, Margarida Sérvulo. As viagens do infante D. Pedro. Lisboa: Gradiva, 2000.), de forma que não cabe aqui reiterar diálogos textuais, mas antes refletir sobre os porquês de um relato assumido como de viagem, mas de uma viagem não necessariamente realizada, ter sido admitido como tal para os contemporâneos e sucessores imediatos. Ou melhor, cabe refletir sobre o repertório de temas de viagem aceitos como fiáveis na Península Ibérica do final do século XV, em especial se considerarmos a fortuna dos dois relatos e se lembrarmos o paradoxo da própria viagem, ao mesmo tempo uma atividade e um tema que servia para descansar o espírito e avivar a imaginação - nessa altura, marcadamente religiosa.11 11 Mais tarde virá a ser, inclusive, forma de entretenimento. Cf. WESTREM, 2001, p. 2. O de Mandeville, por exemplo, que tinha sido um dos livros mais populares na Europa do final do século XIV e dos séculos XV e XVI, provavelmente o mais conhecido e amplamente lido pelo menos até o Quatrocentos (PHILLIPS, 1994, p. 28PHILLIPS, S. The outer word of the European Middle Ages. In: SCHWARTZ, S. B. (ed.). Implicit Understandings. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.) - sucesso notável pelos aproximadamente 250 manuscritos conhecidos, nas mais diversas línguas europeias, e pelas 80 edições realizadas a partir do final do século XV -,12 12 Como lembram Seymour (1967, p. XIII) e Deluz (1998, p. 43-53). não teve menor força nos territórios ibéricos, como vem referido nos documentos da cancillería real aragonesa 13 13 Doc. CCXXXIII: "Rey molt excellent e avoncle molt car: [...] nos nos dedelitam molt en legir e axi propiament en frances com en nostra lengua matexa, perque us pregam que ns vullats enviar tres libres escrits en lenguatge frances, ço es les canoniques de França, Titus Livius e Mendivila [...]". Doc. CCXXXVIII: "Molt care mare nostra e molt amada: [...] noresmenys vos pregam, cara mare, que ns. trametats com enans porets lo libre de Johan de Mendrevile e le romanç de Mexaut" (RUBIÓ Y LLUCH, 1921, p. 221 e 225). ou nas listas de bibliotecas régias de então (CRIVÃT , 2003CRIVÃT, Anca. Los libros medievales de viajes en el ámbito hispánico. In: Los libros de viajes en la Edad Media Española. Universitatea din Bucuresti: publicación electronica, 2003. Disponível em: http://ebooks.unibuc.ro/filologie/AncaCrivat/cap3.htm. Consultado em: 27/01/2014.
http://ebooks.unibuc.ro/filologie/AncaCr...
; NASCIMENTO, 1993NASCIMENTO, Aires. As livrarias dos príncipes de Avis. Biblos, Coimbra, v. LXIX, 1993, p. 265-287.) ou, como se percebe ainda, pelas diversas referências ao relato em outras obras do período (ENTWISTLE, 1922, p. 255ENTWISTLE, William James. The spanish Mandevilles. The modern language Review, v. 17, 1922, p. 251-257.). Difusão à qual certamente não se igualou o Livro do Infante D. Pedro, pois suas edições, no século XVI, foram sobretudo em espanhol e português, e a primeira conhecida data de 1515 (ROGERS, 1961, p. 273-274ROGERS, Francis M. The travels of the Infante Dom Pedro of Portugal. Cambridge-Massachusetts: Harvard University Press, 1961.); da mesma forma que, como vimos, apenas é conhecida, no século XV, a referida menção às viagens de D. Pedro no Bienandanzas e fortunas, de Lope Garcia de Salazar - talvez de ouvir falar, mas pouco importa. Todavia, o século XVI foi mais pródigo em unir o infante legendário e aquele nobre viajante que realizara em parte o desejo dos reis e aristocratas do seu tempo de ampliar seus horizontes geográficos pelo espaço europeu e até mais adiante (BECEIRO PITA, 2007, p. 223BECEIRO PITA, I. Libros, lectores y bibliotecas en la España Medieval. Múrcia: Medievalia, 2007.), ou seja, alguns autores - entre os quais Francisco Álvares e Duarte Nunes de Galvão - deixaram indícios de que, no rol das suas referências literárias ou de ouvir dizer, se encontrava a obra em questão (ROGERS, 1961, p. 243-246ROGERS, Francis M. The travels of the Infante Dom Pedro of Portugal. Cambridge-Massachusetts: Harvard University Press, 1961.; CORREIA, 2000, p. 12-13CORREIA, Margarida Sérvulo. As viagens do infante D. Pedro. Lisboa: Gradiva, 2000.).

Se, pois, as relações de viagem, como as de Mandeville, Santisteban, ao lado de outras relações de viajantes cujo deslocamento é inquestionável, como Marco Polo e Odorico de Pordenone, foram impressas e reimpressas e estiveram no universo das trocas e aquisições dos séculos XV e início do XVI, período em que viajar para o leste e para o oeste já não era algo extraordinário, cabe perguntar que elementos componentes do relato de Santisteban melhor traduziram as aspirações do seu tempo e alimentaram novas acerca do universo a ser conhecido, a despeito de sua personagem ter ou não ido mais longe na viagem narrada do que mostram outros documentos. Cabe igualmente questionar porque, ao que tudo indica, ele teria usado um pseudônimo, e porque, se a viagem foi uma invenção, julgou oportuno apelar para a figura de D. Pedro, que não é mais que um nome no relato (ROGERS, 1961, p. 241ROGERS, Francis M. The travels of the Infante Dom Pedro of Portugal. Cambridge-Massachusetts: Harvard University Press, 1961.).

Logo no proêmio, começam a surgir as marcas de um tempo em que os viajantes, suas observações e seus relatos integram a descrição e a própria percepção do mundo (CHAREYRON, 2000, p. 9-10CHAREYRON, Nicole. Les pèlerins de Jérusalem au Moyen Âge. Paris: Imago, 2000.; TOLEDO, 2007, p. 21-54TOLEDO, Francisco Javier Villalba Ruiz de. La Perception du Monde: les Connaissances Géoraghiques. In: PORTELA, Feliciano Novoa. Voyageurs au Moyen Âge. Paris: Imprimerie Nationale Éditions, 2007.; BOULOUX, 2010, p. 119BOULOUX, Nathalie. Les formes d'intégration des récits de voyage dans la géographie savante. Quelques remarques et un cas d'étude: Roger Bacon, lecteur de Guillaume de Rubrouck. In: BRESC, Henri; TIXIER DU MESNIL, Emmanuelle (dir.). Géographes et voyageurs au Moyen Âge. Paris: Presses Universitaires de Paris Ouest, 2010.), entre as quais marcas não podiam faltar as referências a Maomé, como "derramador de sangue da Cristandade" (LIBRO, 2008, p. 22), mas são os aspectos positivos que ganham mais peso. De saída, nas "quatro partidas do mundo", a Terra Santa é o lugar de destaque (LIBRO, 2008, p. 11), pólo de atração, como tinha sido na maior parte dos relatos de viagem desde o século IV (SIGAL, 1974, p. 8SIGAL, Pierre-André. Les marcheurs de Dieu. Pèlerinages et pèlerins au Moyen Âge. Paris: Armand Colin, 1974.; CHAREYRON, 2000, p. 14CHAREYRON, Nicole. Les pèlerins de Jérusalem au Moyen Âge. Paris: Imago, 2000.). Era ali, do Santo Sepulcro à pedra ferida por Moisés para extrair água, passando pelo corpo incorrupto de Santa Catarina, que o fiel recordaria algumas passagens que permitiam fortalecer a sua fé. Os indicativos sobre a sedução da viagem a Jerusalém (CHAREYRON, 2000, p. 111CHAREYRON, Nicole. Les pèlerins de Jérusalem au Moyen Âge. Paris: Imago, 2000.) manifestam-se, à partida, no pesar do rei de Portugal, seu pai, "porque queria passar naquelas partidas" (LIBRO, 2008, p. 12LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.). Desejo esse que fazia ecoar os diversos relatos de peregrinos do período nos quais a cidade aparecia exaltada, como bem ilustra o relato do monge toscano Niccolò de Poggibonsi, que viajou entre 1346 e 1350 e que a definiu como "a mais santa, a mais real, a mais nobre e magnífica, acima de todas as cidades do mundo"; além de "tão grande, bela e adorável!", ao ponto de todas as gerações do mundo a reconhecerem como tal, "primeiramente os cristãos e os judeus, depois os sarracenos, os jacobitas, os nestorianos, os georgianos, os etíopes, os coptas, os árabes, os turcos, os berberes e os pagãos" (NICCOLD OF POGGIBONSI, 1993, p. 9NICCOLD OF POGGIBONSI, Fra. A Voyage beyond the seas (1346-1350). Transleted by Fr. Theophilus Bellorini o. f. m. and Fr. Hoade o. f. m. Jerusalem: Franciscan Printing Press, Reprinted 1993.).

A seguir ao anúncio desses e outros lugares que faziam lembrar os diálogos entre a terra e o céu e que, por isso, precisavam ser visitados, surge a personagem central viageira, o infante, "filho do rei D. João de Portugal" - apresentado como Conde de Barcelos e não Duque de Coimbra, como deveria ser (LIBRO, 2008, p. 12LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.). As viagens, nesta altura, embora pudessem ainda ser com finalidade religiosa, como veremos, já não eram protagonizadas por irmãos franciscanos ou dominicanos, como tinham sido nos séculos XIII e XIV, quando João de Pian dei Carpine, Ascelino Cremona, André de Longjumeau, Guilherme de Rubruc, Burchard de Monte Sião, João de Montecorvino, André de Pérouse, Peregrino de Castelo, Riccold de Monte Croce, Guilherme Adam, Raymond Étienne, Jordan Catala de Sévérac, Jean de Marignolli, Ludolph de Sudheim, Pascal de Victoria, Niccolò de Poggibonsi e outros partiram em missão. Depois de 1368,14 14 Quando o fim da dinastia mongol parece ter deixado de beneficiar as missões latinas (JACKSON, 2005, p. 260). as missões perderam força, mas não o interesse pelos contatos e por Jerusalém.

Entre os diversos escritos que, além de Mandeville - por sua vez já inspirado em grande parte por Guilherme Boldensele e o tratado da sua viagem à Terra Santa, o Liber de quibusdam ultramarinis partibus (1336) -, ajudam a entender a expressividade histórica do Livro do Infante, estão o de Johann Schiltberger, o bávaro cujo relato se destaca pelo apoio, da mesma forma que o Infante, ao Imperador Segismundo da Hungria contra os turcos. Ou o relato de Ambroise Contarini, embaixador veneziano na Pérsia e Geórgia, cuja história, como várias da época, entre as quais a de Marco Polo ou a de Niccolò de' Conti, foi contada oralmente e depois registrada (1477).15 15 Apenas no século XVII, o relato foi traduzido para o latim e o francês e, no XIX, para o inglês. Mas são especialmente as narrativas dos cavaleiros, como a do francês Ogier d'Anglure (1395)OGIER D'ANGLURE. Journal de voyage à Jérusalem et en Egypte (1395-1396). In: Vers Jérusalem: itinéraires croisés au XIVe siècle. Introduction, traduction et notes de Nicole Chareyron; préface de Jean Meyers. Paris: Belles lettres, 2008. (OGIER D'ANGLURE, 1878, p. 32OGIER D'ANGLURE. Le saint voyage de Jherusalem du seigneur d'Anglure. Ed. François Bonnardot et Auguste Longnon. Paris: Firmin Didot, 1878.), do gascão Nompar de Caumont (1417), do borgonhês Gillebert de Lannoy (1421) (SIGAL, 1974, p. 98SIGAL, Pierre-André. Les marcheurs de Dieu. Pèlerinages et pèlerins au Moyen Âge. Paris: Armand Colin, 1974.), do burgúndio Bertrandon de la Broquière (1432), pelo perfil dos protagonistas, que melhor denunciam que, ao sentido religioso das viagens, se juntava o intuito explorador (GRABOÏS, 1998GRABOÏS, Aryeh. Le pèlerin occidental en Terre Sainte au Moyen Âge. Paris; Bruxelles: De Boeck & Larcier, 1998., p. 197; CHAREYRON, 2004, p. 53-91), destacado por Santisteban a propósito do Infante. Entre a ênfase sobre o Santo Sepulcro, onde Jesus sofreu a paixão e morreu, como Nompar (NOMPAR DE CAUMONT, 1858, p. 3NOMPAR DE CAUMONT. Voyaige d'oultremer en Jhérusalem par le Seigneur de Caumont l'an 1418. Publié pour la première foi d'après le manuscrit du Musée Britannique par le Marquis de La Grange. Paris: A. Aubry, 1858.), ou, como Ogier, a descrição da sua trajetória a partir dos lugares santificados por terem sido palco da história da Paixão de Cristo (OGIER D'ANGLURE, 1878, p. 1OGIER D'ANGLURE. Le saint voyage de Jherusalem du seigneur d'Anglure. Ed. François Bonnardot et Auguste Longnon. Paris: Firmin Didot, 1878.; OGIER D'ANGLURE, 2008, p. 210-211OGIER D'ANGLURE. Journal de voyage à Jérusalem et en Egypte (1395-1396). In: Vers Jérusalem: itinéraires croisés au XIVe siècle. Introduction, traduction et notes de Nicole Chareyron; préface de Jean Meyers. Paris: Belles lettres, 2008.), as preocupações partilhadas com Santisteban, apesar das diferenças notáveis e dos reposicionamentos geográficos são muitas, destacando-se os lugares comuns (ENTWISTLE, 1922, p. 256ENTWISTLE, William James. The spanish Mandevilles. The modern language Review, v. 17, 1922, p. 251-257.), como Jerusalém, propriamente, o Egito e outras cidades, as referências sagradas nas imediações (CHAREYRON, 2004, p. 111-159CHAREYRON, Nicole. Globe-Trotters au Moyen Âge. Paris: Imago, 2004.; LIBRO, 2008, p. 15-16LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.), bem como o que se enfatiza nas descrições de cidade.

Mais ou menos desejosos "de ver o mundo" do que o Infante, seguindo como ele em expedição, mas não propriamente respeitando a simbologia religiosa dos doze apóstolos seguidores de Cristo, como D. Pedro fez questão ao dispensar os muitos outros candidatos e seguir com apenas uma dúzia (LIBRO, 2008, p. 12LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.), esses viajantes, a partir da sua experiência direta ou de seus conhecimentos literários ou de ouvir dizer - o que aproxima os relatos considerados imaginários daqueles dos peregrinos que efetivamente se deslocaram -, ajudaram a preservar a memória religiosa e a rechear a memória político-administrativa sobre essas terras a oriente. Os problemas políticos do oriente mediterrânico, por exemplo, são relatados por Bertrandon de la Broquière e Louis de Rochechouart. O primeiro descreve os lugares sob o domínio otomano e atenta para os exércitos turcos, os instrumentos de que dispunham, as formas da sua administração e, em especial, seu sistema militar, ou seja, tenta levantar os detalhes que poderiam ajudar no seu plano de tentar unir os cristãos para combatê-los (BERTRANDON DE LA BROQUIÈRE, 1892, p. 225-230BERTRANDON DE LA BROQUIÈRE. Le voyage d'oultremer: premier écuyer tranchant et conseiller de Philippe Le Bon, Duc de Bourgogne. Publié et annoté par Ch. Schefer. Paris: Ernest Leroux Éditeur, 1892.). O segundo, cujo relato é de 1461, destaca as divisões entre Turcos e Mamelucos (LOUIS DE ROCHECHOUART, 1997, p. 1140 e ssLOUIS DE ROCHECHOUART. Journal de Voyage à Jérusalem. In: RÉGNIER-BOHLER, Danielle (dir.). Croisades et pèlerinages: récits, chroniques et voyages en Terre Sainte XIIe-XVIe siècle. Paris: Laffont (Bouquins), 1997..).

Para essa percepção dos lugares para além das referências bíblicas conhecidas, os intérpretes cumpriram papel de destaque. D. Pedro, pelo que se deduz do relato de Santisteban, teria mesmo admitido, na constituição da sua expedição, desleixar da simbologia dos doze seguidores de Cristo, ao aceitar a oferta do rei D. João II de Castela para ser acompanhado de um 13° integrante, um seu arauto conhecedor "de todas as linguagens do mundo" (LIBRO, 2008, p. 12LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.). Este intérprete, cogitado infundadamente como possível narrador do livro,16 16 Margarida Sérvulo Correia desmonta a hipótese da identificação entre o narrador e o intérprete. Cf. ROGERS, 1961, p. 162; CORREIA, 2000, p. 112-113. ganha protagonismo no relato, aparecendo como aquele que toma a frente junto às autoridades encontradas pelo caminho, intermediando diálogos, como com o Gran Turco, em Pátras, com o filho do sultão da Babilônia, com o rei da Armênia e, entre muitos outros, com as Amazonas (LIBRO, 2008, p. 13, 14, 23 e ssLIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30..). Tais intermediários indispensáveis, a propósito, são mencionados por vários outros viajantes célebres, mas nem sempre com estima. O dominicano Riccold de Montecroce, cuja missão era assumidamente evangelizadora, defendera, no final do século XIII, que eram os seus iguais, os homens incumbidos de converter, que deveriam conhecer a língua dos alvos da sua conversão, tal como ele tinha aprendido a dos árabes (RICCOLDO MONTE CROCE, 1997, p. 457RICCOLDO MONTE CROCE. Pérégrination en Terre Sainte et au Proche Orient. Texte latin et traduction par René Kappler. Paris: Honoré Champion Éditeur, 1997.). Semelhante receio quanto à intervenção dos intérpretes tivera Guilherme de Rubruc, que lamentou que o seu tradutor, na corte do Cã mongol Mangu, não soubesse reproduzir suas palavras edificantes ou de pregação, tanto que adverte o Papa de que, se quisesse insistir em mandar novamente enviados aos mongóis, "seria necessário que tivesse um bom intérprete, e até vários intérpretes", justamente para evitar confusões desse tipo (JOÃO DE PIAN DEI CARPINE, 2005, p. 141, 174, 243JOÃO DE PIAN DEI CARPINE. História dos Mongóis. In: Crônicas de Viagem: franciscanos no Extremo Oriente antes de Marco Polo (1245-1330). Trad. Intr. e notas de Ildefonso Silveira e Ary E. Pintarelli. Porto Alegre; Bragança Paulista: EDIPUCRS/EDUSF, 2005.). No caso de D. Pedro, porém, o único indício claro de insatisfação com o 13° elemento da tropa, o arauto intérprete, é quando ele propõe deixarem um sinal no lugar onde, no Vale de Josafá, julgava que seriam, "no dia do juízo final, julgados". O Infante indigna-se com tal ousadia da proposta, ofensiva a Deus, segundo ele, e lamenta ter conhecido o arauto (LIBRO, 2008, p. 15LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.).

A pertinência histórica da narrativa, ou melhor, sua força como produto crível no seu tempo, a despeito das incursões pelas convenções fabulosas sobre o oriente vindas de longa data - como o Preste João, as Amazonas, os gigantes etc. -, estava, como se pode observar, nesse recurso às verdades consolidadas pela tradição, bases da erudição medieval, e que não chegaram a ser desmontadas nem mesmo com os contatos diretos, que serviram, muitas vezes, apenas para reafirmar as estranhezas cogitadas para aquelas plagas (DUVIOLS, 1985, p. 13DUVIOLS, Jean-Paul. L'Amérique espagnole vue et rêvée. Les livres de voyages de Christophe Colomb à Bougainville. Paris: Editions Promodis, 1985.). Estranhezas que, pelo que se deduz dos indicativos esparsos das narrativas, interessaram, em primeiro lugar, aos nobres, a quem chegavam os relatos (WOLFZETTEL, 1996, p. 24WOLFZETTEL, F. Le discours du voyageur. Paris: Presses Universitaires de França, 1996.), mas também a um público mais difuso (MOLLAT, 1992MOLLAT, Michel. Les Explorateurs du XIIe ao XVIe siècle. Premiers regards sur des mondes nouveaux. Paris: Editions du C.T.H.S., 1992.) - a que chegavam na forma oral -, seduzido por um conjunto de ideias valorizadas por sua previsibilidade, ou seja, um conjunto de moedas correntes legitimadas pela repetição. Tais regularidades da narrativa em questão, comparativamente às relações de viagem do período, ultrapassam, pois, as já referidas - articulação de interesses religiosos e políticos; destaque para certos lugares fins, o lugar santo por excelência, Jerusalém (CHAREYRON, 2000, p. 103CHAREYRON, Nicole. Les pèlerins de Jérusalem au Moyen Âge. Paris: Imago, 2000.); ou a presença de peças-chave das expedições, como os intérpretes -, abrindo espaço para vários outros elementos que contribuem para conferir credibilidade ao relato e configurar uma série histórica, apesar da provável ausência do deslocamento propriamente dito.

Alguns desses índices de confluência histórica que devem ter contribuído para fazer deste relato livresco um relato sobre uma experiência de viagem são as descrições dos diversos hábitos alimentares. Conta Santisteban que, na corte do Tamerlão, foram-lhes oferecidas muitas variedades de comestíveis, como "leite, mel, manteiga, passas, romãs e tâmaras", ao que se seguiram as carnes: "lombo e perna de cavalo assadas" e, como forma de exibição de suas riquezas, foram expostas a seguir "carne de dromedário, galinhas cozidas, carne de elefante, capões, carne de unicórnio, pavões, carne de marfil, papagaios, carne de besta fera, falcões e outras aves" (LIBRO, 2008, p. 20LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.). Alimentos de grande diversidade, como descrevem outros viajantes anteriores, que sintetizam, por exemplo, que os tártaros "comem indiferentemente tudo o que pode ser abatido" (GUILLAUME DE RUBRUQUIS, 1735, p. 11-12GUILLAUME DE RUBRUQUIS. Le voyage de Guillaume Rubruquis en Tartarie en diverses parties de l'Orien. In: BERGERON, Pierre. Voyages faits principalement en Asie dans les XII, XIII, XIV et XV siècles, par Benjamin de Tudèle, Jean du Plan-Carpin, N. Ascelin, Guillaume de Rubruquis, Marc Paul vénitien, Haiton, Jean de Mandeville et Ambroise Contarini: accompagnés de l'Histoire des Sarasins et des Tartares, et précédez d'une introduction concernant les voyages et les nouvelles découvertes des principaux voyageurs. La Haye: Chez Jean Neaulme, 1735.; GUILHERME DE RUBRUC, 2005, p. 124-125GUILHERME DE RUBRUC. Itinerário. In: Crônicas de Viagem: franciscanos no Extremo Oriente antes de Marco Polo (1245-1330). Trad. Intr. e notas de Ildefonso Silveira e Ary E. Pintarelli. Porto Alegre; Bragança Paulista: EDIPUCRS/EDUSF, 2005.), como diz Guilherme de Rubruc; ou que, em uma província da China, as "pessoas comem todas as carnes, quer cruas, quer cozidas, e arroz cozido com carne", segundo Marco Polo (MARCO POLO, 2000, p. 177MARCO POLO. O Livro de Marco Polo. Trad. H. Ferreira Alves. Sintra: Colares Editora, 2000.; MARCO POLO, 1854, p. 250MARCO POLO. Travels of Marco Polo. The translation of Marsden Revised, with a selection of his notes. Edited by Thomas Wright, Esq. M.A F.S.A. etc. London: Henry G. Bohn, York Street, Convent Garden, 1854.); ou, mais radicalmente, que os tártaros comiam os mais diversos bichos, como "cães, leões, raposas, éguas e potros, asnos, ratas, ratos e vários outros animais grandes ou pequenos, exceto cerdos e outros animais proibidos no Antigo Testamento", como narra Jean de Mandeville, inspirado pelo Speculum historiale, de Vicente de Beauvais (JEAN DE MANDEVILLE, 2007, p. 213JEAN DE MANDEVILLE. Viagens de Jean de Mandeville. Trad. Susani Silveira Lemos França. Bauru: EDUSC, 2007.). Mas, a despeito da diferença de ênfase, o foco nesses aspectos alimentares mostra a atenção dos cristãos para aspectos similares, que, menos do que dizer sobre as partes de lá, ilustram como partilhavam a ideia de que o comer refletia - como, a propósito, o trajar, o crer, o celebrar e seus associados - os valores, os ideais e os pactos coletivos (RÉGNER-BOHLER, 1983, p. 68RÉGNER-BOHLER, Danielle. Exil et retour: la nourriture des origines. Médiévales. v. 2, n. 5, 1983. Disponível em: http://www.persee.fr. Consultado em: 09 maio 2011.
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). O narrador, portanto, ao destacar a circunstância do banquete, apenas reitera aquilo que é uma das razões de ser dos relatos: enfatizar a peculiaridade das terras de lá relativamente às práticas correntes nas terras cristianizadas. A situação constrangedora em que se encontram, pois, é tanto mais significativa por configurar-se como um impasse diante das diferenças de costumes derivadas da fé, já que era sexta-feira e os cristãos não podiam comer carne, mas alguns, conta Santisteban, "pelo grande temor que tínhamos, nos aventuramos a comer a carne" (LIBRO, 2008, p. 20LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.).

As aproximações do Livro do Infante D. Pedro com outros relatos que, fazendo uso de elementos vistos e imaginados, ambicionaram apresentar uma visão das terras a oriente para os seus contemporâneos ansiosos por notícias de terras além da Europa (DELUZ, 1998, p. 16DELUZ, Christiane. Découvrir un monde imaginé, Le livre de Jean de Mandeville. In: LECOQ, D.; CHAMBARD, A. Terre à découvrir, terres à parcourir: exploration et connaissance du monde XIIe- XIXe siècles. Paris: L'Harmattan, 1998.), não param por aí. Desde a partida, elas são notáveis nos indicativos práticos, como os antecedentes e os preparativos da viagem, seguidos estes pelas implicações dos deslocamentos, como pedidos de licença para avançar por determinado território, pagamentos de salvo-conduto (LIBRO, 2008, p. 13, 14, 17LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.), meios e condições da viagem, bem como pela inclusão de passagens em que os soberanos de diversas partes são reverenciados; entre muitas outras regularidades, como a atenção às riquezas e abundâncias de algumas cortes e cidades (LIBRO, 2008, p. 22-23LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.).

Mas se nosso objetivo, neste percurso, é sondar o papel que as viagens passaram a ter no século XV, quando paulatinamente os interesses políticos se sobrepuseram aos religiosos e leigos célebres ganharam a estrada e se tornaram as personagens principais de uma história de ampliação do mundo, convém explorar um último aspecto que não podia escapar-lhes: as imagens e práticas de seres incomuns, disformes, monstruosos ou simplesmente maravilhosos que deram verossimilhança aos seus relatos. Estas, sem dúvida, desempenharam papel decisivo como alimento do desejo de conhecer, apesar de toda crueldade que por lá, nas plagas extra-europeias, se poderia achar (LIBRO, 2008, p. 23LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.). Os homens com cara de cão eram alguns desses seres e, diz o narrador, se encontravam na cidade de Sabá. Faziam lembrar aqueles mesmos seres já referidos por Santo Agostinho e Isidoro de Sevilha (AGOSTINHO, 1990, p. 229-230AGOSTINHO. Cidade de Deus: (contra os pagãos). Parte II. Introd. de Oscar Paes Lema. 2. ed. Petrópolis; São Paulo: Vozes; Federação Agostiniana Brasileira, 1990.; SAN ISIDORO DE SEVILLA, 2004, p. 881-883SAN ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías. Edicion Bilingüe. Texto latino, version española y nota por Jose Oroz Reta y Manuel-A. Marcos Casquero. Introduccion general por Manuel C. Diaz y Diaz. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2004.); aqueles mesmos que já tinham povoado o relato de Jean de Pian dei Carpine, que acrescentara que interpunham à sua fala um latido (JEAN DU PLAN-CARPIN, 1735, p. 48JEAN DU PLAN-CARPIN. Relation du voyage de Jean du Plan Carpin en Tartarie. In: BERGERON, Pierre. Voyages faits principalement en Asie dans les XII, XIII, XIV et XV siècles, par Benjamin de Tudèle, Jean du Plan-Carpin, N. Ascelin, Guillaume de Rubruquis, Marc Paul vénitien, Haiton, Jean de Mandeville et Ambroise Contarini: accompagnés de l'Histoire des Sarasins et des Tartares, et précédez d'une Introduction concernant les voyages et les nouvelles découvertes des principaux voyageurs. La Haye: Chez Jean Neaulme, 1735.; JOÃO DE PIAN DEI CARPINE, 2005, p. 58JOÃO DE PIAN DEI CARPINE. História dos Mongóis. In: Crônicas de Viagem: franciscanos no Extremo Oriente antes de Marco Polo (1245-1330). Trad. Intr. e notas de Ildefonso Silveira e Ary E. Pintarelli. Porto Alegre; Bragança Paulista: EDIPUCRS/EDUSF, 2005.); ou o de Benedito da Polônia, que os situa na Rússia (BENEDITO DA POLÔNIA, 2005, p. 101BENEDITO DA POLÔNIA. Relatório de Frei Benedito da Polônia. In: Crônicas de Viagem: franciscanos no Extremo Oriente antes de Marco Polo (1245-1330). Trad. Intr. e notas de Ildefonso Silveira e Ary E. Pintarelli. Porto Alegre; Bragança Paulista: EDIPUCRS/EDUSF, 2005.); ou o de Marco Polo, que os situa nas ilhas de Andamão e os caracteriza como gente muito má e comedora de prisioneiros (MARCO POLO, 2000, p. 246MARCO POLO. O Livro de Marco Polo. Trad. H. Ferreira Alves. Sintra: Colares Editora, 2000.; MARCO POLO, 1854, p. 348MARCO POLO. Travels of Marco Polo. The translation of Marsden Revised, with a selection of his notes. Edited by Thomas Wright, Esq. M.A F.S.A. etc. London: Henry G. Bohn, York Street, Convent Garden, 1854.).

Resumidos na carta do Preste João, interposta na narrativa como carta enviada ao rei de Castela através de D. Pedro,17 17 Sobre a provável ligação da legenda do Infante unida à carta, ver: MEJÍA, 1998, p. 227. entre os seres incomuns das terras orientais, descritos pelo Preste - alguns seus vassalos -, estavam os gigantes, "altos como lanças de armas" e que não morrem "senão quando muito velhos" (LIBRO, 2008, p. 25LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.). Estavam igualmente - para além da citada terra apenas de mulheres, que só se relacionavam com os homens durante três meses do ano (LIBRO, 2008, p. 23LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.) - os famigerados seres de um olho só (LIBRO, 2008, p. 28), que não faltaram nem em Mandeville (MANDEVILLE, 2007, p. 184-185JEAN DE MANDEVILLE. Viagens de Jean de Mandeville. Trad. Susani Silveira Lemos França. Bauru: EDUSC, 2007.) nem, entre outros, em Jean de Marignolli (JEAN DE MARIGNOLLI, 2009, p. 72-73JEAN DE MARIGNOLLI. Au jardim d'Éden. Traduit du latin, presenté et annoté par Christine Gadrat. Toulouse: Anacharsis, 2009.), e que são recordados por Santisteban através da referida carta síntese das maravilhas, a do Preste João. Nessa mesma carta, a propósito, todo um rol de lugares comuns das possíveis peculiaridades das terras de lá ajudavam a alimentar a crença em que, no universo criado por Deus, nada era impossível.18 18 Lc 1, 37: "Pois nada é impossível para Deus". O maravilhoso cristão, fundado na fé, era interpretado como um traço do poder divino. Sobre ele, ver: LECOUTEUX, 1998, p. 16-21. Os pequeninos seres mencionados por Mandeville e Pordenone e seus congêneres aparecem ali apenas referidos como uma "outra geração, em que não são maiores os homens e as mulheres que os meninos de cinco anos, e são cristãos" (LIBRO, 2008, p. 28LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.). Da mesma forma, aparecem gentes com características incomuns, como os lavradores "de pés redondos", que não sabem guerrear, ou os mais conhecidos homens "da cintura para cima e, da cintura para baixo, cavalos" (LIBRO, 2008, p. 28LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.).

E nem só as estranhezas ameaçadoras eram sedutoras nas partes de lá. Nas terras do rei cristão do oriente, os sinais divinos manifestavam-se de formas inequívocas nas próprias propriedades da natureza. Conta Santisteban que havia ali duas árvores, entre o Tigre e o Eufrates, das quais eram extraídas 40 peras anualmente e eram entregues ao Preste João. A tais frutos era atribuída a potência de firmar o Preste e seu povo na fé cristã, pois por elas viam a materialização de um milagre, dado que, "em cada parte que se parte, aparece o crucifixo e Santa Maria com seu filho nos braços" (LIBRO, 2008, p. 25-27LIBRO del infante don Pedro de Portugal, el cual anduvo las cuatro partidas del mundo. Elena Sánchez Lasmarías. Edición del Libro del infante don Pedro de Portugal de Gómez de Santisteban. In: Memorabilia, n. 11, 2008, p. 1-30.).

O Livro do Infante, em suma, a despeito de alguns dos que o estudaram terem minimizado seu valor histórico, ao taxarem-no de imaginário, é um relato que inegavelmente entrecruza aspectos que dizem muito sobre a época em que foi preparado, tanto no que se refere ao viajar como um dos aspectos de valorização da nobreza, quanto no que diz respeito aos diversos elementos que ajudam a refletir sobre as condições e circunstâncias de produção dos relatos. A identidade duvidosa do autor, por exemplo, não era uma novidade, já que a figura de Mandeville estava envolta em mistérios. Do mesmo modo, acerca do relato atribuído a Ruy González de Clavijo, às certezas quanto à sua identidade, não correspondiam iguais convicções quanto à autoria única do relato, provavelmente escrito com muitas mais mãos,19 19 Segundo Francisco López Estrada, a relação da embaixada foi atribuída a Clavijo, todavia, no prólogo da obra, o nome que primeiramente aparece é o de Afonso Páez de Santa Maria, o que, conjugado aos títulos que lhe são atribuídos e sua formação, sugere que ele seria mais preparado para levar a cabo o labor de escrita (ESTRADA, 1999, p. 34-37). configurando-se mesmo como obra coletiva. Não era do mesmo modo novidade que um terceiro, como foi Santisteban, viesse a ser o autor do relato de uma viagem protagonizada por outro, pois ele não foi o único. O frade dominicano Simon de Saint-Quentin, por exemplo, que viajou com um grupo de religiosos liderado pelo também frade dominicano Ascelino de Cremona, foi quem depois escreveu seu Historia Tartarorum, em que se destacam os diálogos do líder do seu grupo com os orientais. Ou, para não voltar a citar Marco Polo - cujo relato foi registrado por Rustichello -, foi Poggio Bracciolini, secretário do mercador Niccolò de' Conti (viajou pela Síria, Índia e Mar Vermelho entre os anos de 1415 e 1440) quem, ao ouvir sua história e relatá-la na sua obra De varietate Fortunae, o ajudou a cumprir penitência por ter cedido à pressão para se converter ao Islamismo.

Menos ainda podemos descartar o registro de Santisteban por rechear seu relato de elementos maravilhosos ou inventados,20 20 Apesar de real e imaginário serem contemplados por muitos historiadores como peças não excludentes mas complementares da sociedade medieval, persiste, especialmente no que diz respeito aos relatos de viajantes, um gosto por demarcar os limites de um e outro, como, por exemplo, em: QUESADA, 2007, p. 55-74. afinal, tal como aquele tantas vezes citado, Jean de Mandeville, e outros como Jourdain Catala de Sévérac e Johannes Witte de Hese (GADRAT, 2009, p. 13GADRAT, Christine. Introduction. In: JEAN DE MARIGNOLLI. Au jardim d'Éden. Traduit du latin, presenté et annoté par Christine Gadrat. Toulouse: Anacharsis, 2009.; WESTREM, 2001WESTREM, Scott D. Broader Horizons. A Study of Johannes Witte de Hese's Itinerarius and Medieval Travel Narratives. Massachusetts: The Medieval Academy of America, 2001.), para citar apenas os mais célebres reconhecidos como viajantes imaginários, já tinham trabalhado para que o que se vê e o que se imagina viessem a ter relevância semelhante para os historiadores.

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  • WOLFZETTEL, F. Le discours du voyageur. Paris: Presses Universitaires de França, 1996.
  • 1
    G. Warner fala em fraude e mendacidade na sua obra (WARNER, 1889, p. XXIX).
  • 2
    Há, porém, toda uma discussão sobre tal datação. Francis Rogers, em 1961, fez um estudo e uma tradução da primeira edição conhecida do livro, a de Sevilha, Cromberger, ca. 1515. Mais tarde, porém, Harvey Sharrer, em "Evidence of a Fifteenth-Century Libro de Infante don Pedro de Portugal [...]", argumenta, a partir de uma referência às viagens em um livro de 1471-1476 de Lope García de Salazar, Las bienandanzas e fortunas, e pela própria estrutura do livro, que se trataria de uma obra do século XV. Tese, entretanto, contestada, de forma pouco convincente, por Carmen Mejía (ROGERS, 1961; MEJÍA, 1998, p. 219).
  • 3
    Segundo Francis Rogers, que fez um estudo minucioso do livro, ela não teria conhecido a edição de 1515 (ROGERS, 1961, p. 212).
  • 4
    O único exemplar desta encontra-se na biblioteca pública de Cleveland, nos Estados Unidos (MEJÍA, 1998, p. 218).
  • 5
    "[...] en la carta que él enbió al rey don Juan Segundo de Castilla con don Pedro de Portugal, que andobo mirando mucho en estas partidas [...]" (LOPE GARCÍA DE SALAZAR, [s/d]).
  • 6
    Nas crônicas que tratam do Infante D. Pedro, como as de Gomes Eanes de Zurara e de Fernán Pérez de Gusmán, não há referência a este personagem (MEJÍA, 1998, p. 217).
  • 7
    Evitar, assim, a oposição entre a viagem real e o mítica, que foi preocupação de estudiosos inclusive mais recentes, como, por exemplo: LIMA, 2012, p. 127.
  • 8
    Como fez também Mandeville (GUÉRET-LAFFERTÉ, 2002, p. 193-196).
  • 9
    Os problemas em torna autoria, ao mesmo tempo declarada e ocultada, já que o nome revelado é desconhecido, foi tratada, entre outros por: ROGERS, 1961, p. 214-220; CORREIA, 2000. p. 112.
  • 10
    Vale recordar que esta é uma referência que remete ou para as quatro partes do mundo recordadas por Isidoro de Sevilha, seguindo a tradição de Macróbio, ou para os pontos cardeais (CORREIA, 2000, p. 57). Posteriormente, estas partidas passaram a ser sete, como se pode ver na edição de 1623. Segundo Menéndez y Pelayo, por confusão com as sete partidas de Afonso X (MENENDEZ Y PELAYO, 1905, p. CDXI; ROGERS, 1961, p. CDX).
  • 11
    Mais tarde virá a ser, inclusive, forma de entretenimento. Cf. WESTREM, 2001, p. 2.
  • 12
    Como lembram Seymour (1967, p. XIII) e Deluz (1998, p. 43-53).
  • 13
    Doc. CCXXXIII: "Rey molt excellent e avoncle molt car: [...] nos nos dedelitam molt en legir e axi propiament en frances com en nostra lengua matexa, perque us pregam que ns vullats enviar tres libres escrits en lenguatge frances, ço es les canoniques de França, Titus Livius e Mendivila [...]". Doc. CCXXXVIII: "Molt care mare nostra e molt amada: [...] noresmenys vos pregam, cara mare, que ns. trametats com enans porets lo libre de Johan de Mendrevile e le romanç de Mexaut" (RUBIÓ Y LLUCH, 1921, p. 221 e 225).
  • 14
    Quando o fim da dinastia mongol parece ter deixado de beneficiar as missões latinas (JACKSON, 2005, p. 260).
  • 15
    Apenas no século XVII, o relato foi traduzido para o latim e o francês e, no XIX, para o inglês.
  • 16
    Margarida Sérvulo Correia desmonta a hipótese da identificação entre o narrador e o intérprete. Cf. ROGERS, 1961, p. 162; CORREIA, 2000, p. 112-113.
  • 17
    Sobre a provável ligação da legenda do Infante unida à carta, ver: MEJÍA, 1998, p. 227.
  • 18
    Lc 1, 37: "Pois nada é impossível para Deus". O maravilhoso cristão, fundado na fé, era interpretado como um traço do poder divino. Sobre ele, ver: LECOUTEUX, 1998, p. 16-21.
  • 19
    Segundo Francisco López Estrada, a relação da embaixada foi atribuída a Clavijo, todavia, no prólogo da obra, o nome que primeiramente aparece é o de Afonso Páez de Santa Maria, o que, conjugado aos títulos que lhe são atribuídos e sua formação, sugere que ele seria mais preparado para levar a cabo o labor de escrita (ESTRADA, 1999, p. 34-37).
  • 20
    Apesar de real e imaginário serem contemplados por muitos historiadores como peças não excludentes mas complementares da sociedade medieval, persiste, especialmente no que diz respeito aos relatos de viajantes, um gosto por demarcar os limites de um e outro, como, por exemplo, em: QUESADA, 2007, p. 55-74.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2015
  • Aceito
    09 Mar 2015
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