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Usos públicos de passados ditatoriais: Visualizações na Alemanha

RESUMO

Este artigo objetiva reconstruir a visualização do passado na Alemanha entre 1945 e 2005. As lembranças do nacional-socialismo manifestam as inúmeras maneiras pelas quais os alemães têm buscado para memorar esta parte tenebrosa de sua história. As lembranças das experiências do Holocausto e do nazismo foram incorporadas na sociedade de acordo com situações políticas. Neste estudo, encontramos cinco diferentes estágios que descrevem múltiplas discussões acerca do esquecimento e da memória. A fim de examinar esse assunto, oferecemos uma análise teoricamente estruturada e amparada por eventos históricos.

Palavras-chave:
Nazismo; Memória; Esquecimento

ABSTRACT

This article aims to reconstruct the visualization of the past in Germany between 1945 and 2005. The remembrances of the National Socialism shows the myriad ways in which Germans have sought to memorialize this dark part of their history. The remembrances of the experiences of the Holocaust and the Nazism were incorporated in the society according to political situations. In this study we found five different stages that describe multiple discussions over forgetting and memory. In order to examine this subject, we offer an analysis based on a theoretical framework and historical events.

Keywords:
Nazism; Memory; Forgotten

I. Introdução

O debate público sobre a representação histórica e de sua cristalização através da memória coletiva e da política pública está a todo vigor no cenário político contemporâneo alemão. Fulcral a esse problema é a preocupação com a redefinição do foco e escopo da análise sobre o passado recente - uma tendência que tem sido revitalizada nos últimos anos. De acordo com filósofos como Nietzsche e Benjamim, as maneiras pelas quais o Estado manipula a história para propósitos políticos deve ser observada com esmero. Em Von Nutzen und Nachteil der Historie für das Leben, a monumentalische Art der Historie (a história monumental) é apresentada como um narcótico que petrifica a vida. Em Der Begriff der Geschichte, a história oficial é associada com a opressão dos vencedores que silenciam a história dos perdedores. Contudo, as políticas de memória seriam sempre incapazes de se reconciliarem com um uso "adequado" do passado? O historiador Enzo Traverso responderia de modo afirmativo. Em sua tese sobre a teodiceia secular ele alerta para o uso do passado pelo governo. Isto acontece quando certos eventos da história são descritos de modo negativo com o intuito de justificar a ordem política vigente.

O presente artigo objetiva reconstruir certas questões visualizadas pelo emprego público do passado na Alemanha entre 1945 e 2005. Tal tentativa envolve principalmente uma revisão literária do trabalho de pensadores alemães que estiveram diretamente interessados nessa questão, como Nietzsche, Benjamin, Arendt e Koselleck. O cerne da análise será o estudo de caso dos memoriais dos alemães sobre o Nacional Socialismo, cujo ponto convergente estará na memória cultural que diz respeito ao regime Nacional Socialista na Alemanha do período pós-guerra à construção do memorial aos judeus assassinados em Berlim. Isso acarreta um escrutínio de memoriais, museus, julgamentos, leis e compensações econômicas, analisadas através do prisma de várias concepções teóricas, como os usos da história - por exemplo, as várias formas de articulação entre lembrar e esquecer -, o processo interpretativo originando-se de postulados historiográficos e mesmo a própria noção de verdade, entendida como um espaço de conflito entre forças contendoras.

II. Responsabilidade, justiça e silêncio após a guerra

O interesse público pela história, e consequentemente pela memória coletiva, indica certas lembranças que detém um conjunto de valores e crenças chamadas por certos pensadores como religião civil (GENTILE, 2007GENTILE, E. Le religioni della politica: frademocrazie e totalitarismi. Roma: Laterza, 2007.). A memória e o esquecimento são amalgamados de diferentes formas e constroem a temporalidade. Doravante, é possível a disseminação de certos discursos nos quais refletem-se implicações políticas durante comemorações públicas.

Benjamim propõe que a memória está entrelaçada ao componente teológico. Das Eingedenken (lembrança) and die Erlösung (salvação ou redenção) é um par que se encontra ligado à configuração de um novo conceito de história. É a compreensão de que, como anunciado na segunda tese de suas "Teses sobre a filosofia e a história", deveria carregar através de uma fraca força messiânica (eine schwache messianische Kraft) para redimir a história do que ela não era, do que poderia ter vindo a ser. Tais ecos invocam para eventos que estão às margens da história, pois foram silenciados pelos vitoriosos. A força das gerações precedentes, de seus mortos, daqueles cuja memória está ameaçada, está à espera da salvação que, de acordo com Benjamin, pode ser alcançada através da memória. Essa é a tarefa de Angelus Novus e da filosofia vindoura: curar as feridas dos oprimidos. O Jetztzeit (tempo-de-agora) pode reabrir a história naqueles aspectos que pareciam irrevogáveis. Entretanto, seriam todas as memórias dignas de lembrança? E o que dizer sobre projetos políticos totalitários que objetivaram silenciar outras memórias?

No caso das políticas de memória alemãs, questões como o que, como e em que sentido o passado deveria ser relembrado tem sido consideradas por pensadores que também distinguiram uma memória individual ou uma coletiva (HALBWACHS, 1997HALBWACHS, M. La mémoire collective. Paris: Presses Universitaires de France, 1997.; RICOEUR, 2000RICŒUR, P. La mémoire, l'histoire, l'oubli. Paris: Seuil, 2000.; TODOROV, 2004TODOROV, T. Les abus de la mémoire. Paris: Arléa, 2004.). É possível observar cinco grandes estágios de 1945 até o presente.1 1 Para as intervenções previas do memorial de reunificação, atentaremos a experiência da BRD ( Bundesrepublik Deutschland ), isso é, da República Federal da Alemanha. Incluímos alguns dos mais importantes trabalhos sobre memoriais políticos na Alemanha referentes ao Holocausto, os quais nos amparam no presente artigo. O primeiro é o magnífico livro Das umstrittene Gedächtnis , publicado em 2011 e de autoria do historiador alemão Arnd Bauerkämper, o qual, para além de trabalhar sobre questões conceituais, reúne estudos sobre o tratamento da memória na Europa após 1945, onde a Alemanha ganha destaque entre outros trezes países, dentre os quais estão a Áustria, França, Espanha e Itália. Esses textos demonstram as controvérsias políticas das culturas memoriais nas representações dos passados nazista, fascista e colaboracionista. O trabalho de Carrier (2005) e Pearce (2008) foram de grande auxílio no desenvolvimento dessa seção do capítulo. O primeiro é aquele situado nos anos pós-guerra, onde os principais julgamentos (o de Nuremberg em 1945, aqueles outros que os sucederam, e o de Auschwitz de 1947 na Cracóvia) e as compensações econômicas (o acordo de Luxemburgo de 1952) foram levados a cabo (BAUERKÄMPER, 2013BAUERKÄMPER, A. Aufarbeitung und kein Ende? Thesen zur Zukunft der Erinnerungskultur in Europa. Beitrag zur Tagung "Verdrängung, Aufarbeitung, Historisierung?" Vom Umgang mit dem diktatorischen Erbe des 20. Jahrhunderts in Europa, Hessische Landeszentrale für Politische Bildung, 16/17 Mai 2013.). As políticas durantes aqueles anos foram fortemente influenciadas pelos aliados. Graças à intervenção da comunidade internacional que supervisionou o modo como a Alemanha deveria "reconciliar-se com seu passado" (ROUSSO, 2007ROUSSO, H. History of Memory, Policies of the Past: What For? in Konrad, H. Jarauch and Lindenberger, T. Conflicted memories: Europeanizing contemporary histories. New York: Berghahn Books, 2007.), é possível observar a desnacionalização do modo como o Estado lidou com a história. Naqueles anos, o passado nazista teve um papel preponderante em questões judiciais, mas não na fala política, onde, se por um lado a Alemanha certamente se situava como culpada pela Segunda Guerra Mundial, por outro o Holocausto não era um objeto muito discutido. Tais processos legais demonstraram que as consequências toleradas pelos desenvolvimentos históricos não são metafóricas. A memória cria responsabilidades (ARENDT, 2003ARENDT, H. Responsibility and Judgment. New York: Shocken, 2003.). Isso significa que a intervenção das memórias adquire sua realização material quando se envolve a possibilidade de distinção entre o que é considerado como ser inocente e o que é ser culpado. A relevância da memória representa um cálculo político a favor de certas obrigações que definem posições diferentes sobre dilemas éticos de uma nação e estabelecem sua união através da combinação do passado com sensibilidades em voga (JOHANN, 2010JOHANN, M. Gouverner les mémoires. Paris: Presses Universitaires de France , 2010.). A discussão mais complexa vem atrelada a questões sobre critérios através dos quais bem e mal são identificados em um contexto onde a maior parte das pessoas já tomou uma decisão sobre tais aspectos. Este medo de julgar pode escamotear a ideia da impossibilidade de uma pessoa responder por seus próprios atos, e onde as tendências políticas podem condicionar as escolhas das pessoas, o que nos permite pensar em uma concepção de culpa coletiva. Essa noção poderia desculpar a todos aqueles que estão de fato implicados nos fatos, algo que faria com que as responsabilidades desaparecessem. De acordo com Arendt, as tendências e os sistemas políticos atuais não são julgados, mas ao invés disso o são homens de carne e osso como você e eu, algo que torna impossível evadir-se da responsabilidade pessoal:

Tais postulados tem sido empregados para acobertarem os culpados - quando todos bradam "somos culpados", ninguém pode mais descobrir quais crimes reais de fato cometemos. Quer alguém tenha participado do assassínio de centenas de milhares ou apenas tenha se mantido sem silêncio, vivendo de modo recluso, então cabe questionar-se onde o grau de diferença é irrelevante. E isso, particularmente, penso que é intolerável (ARENDT, 2007ARENDT, H. The jewish writings. New York: Schocken Books, 2007., p. 488).

Discussões incipientes foram realizadas nesse período. Em 1946, ao menos duas publicações emblemáticas refletiram os debates acerca do passado nazista: Die Schuld Frage, de Jaspers, e Die deutsche Katastrophe, de Meinicke. O periódico Der Ruf também foi uma iniciativa importante que tentou promover discussões sobre o nacional socialismo, mas em pouco tempo sua licença foi revogada, mais precisamente em 1947 (PEARCE, 2008PEARCE, C. Contemporary Germany and the Nazy lecacy. Remembrance, politics and the dialectic of normanily. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008.). De acordo com alguns pensadores, após esse debate inicial e a sentença dos principais oficiais nazistas, vem um segundo período que sob uma concepção de Stunde Null,² 2 Stunde Null (termo militar que significa "hora zero") é o nome comumente dado ao período inicial da guerra, também chamado de Nachkriegszeit . Sobre tais conceitos, cf. Guisan (2012) , Herf (1997) e Grossmann (1998) . Koselleck (2011) admite que a Alemanha atravessou o período pós-guerra marcado por uma Verdrängung (repressão). foi marcado pelo silêncio (GUISAN, 2012GUISAN, C. A political theory of identity in European integration. Memory and policies. New York: Routledge, 2012., GROSSMANN, 1998GROSSMANN, A. Trauma, Memory, and Motherhood: German and Jewish Displaced Persons in Post-Nazi Germany, 1945-1949. Archiv für Sozialgeschichte38, p. 215-329, 1998.). Uma das razões para essa falta de debate na agenda pública pode ter sido que o principal desafio naquele momento era a consolidação democrática, a reconstrução da vida civil e o desejo em se evitar renovações do nacionalismo (PEARCE, 2008PEARCE, C. Contemporary Germany and the Nazy lecacy. Remembrance, politics and the dialectic of normanily. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008.). Muitas políticas foram baseadas na noção de "silêncio saudável", que permitiram ao poder político incorporar ao governo antigos apoiadores do nazismo. De acordo com Herf "a democracia foi possível tão somente por ter sido inaugurada por um período de silêncio sobre os crimes do passado nazista" (HERF, 1997HERF, J. (comp.). Divided memory: the Nazi past in the two Germanys. Cambridge Mass: Harvard Univ. Press, 1997., p. 225). O início da Guerra Fria também fortaleceu essa tendência em favor de uma luta contra o comunismo onde uma sociedade alemã "normalizada" deveria juntar-se ao lado estadunidense. Pearce destaca que: "por volta da segunda metade da década de 1950, as atrocidades alemãs na Segunda Guerra Mundial haviam sido amplamente reduzidas a um mito de demonização, por meio do qual Hitler e um pequeno grupo a ele associado foram culpabilizados, enquanto o resto da nação era retratada como indivíduos politicamente seduzidos" (PEARCE, 2008PEARCE, C. Contemporary Germany and the Nazy lecacy. Remembrance, politics and the dialectic of normanily. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008., p. 17).3 3 Da mesma forma, Jelin (2006) , citando Olick, demonstra o esforço alemão em expor-se perante ao mundo como uma nação padrão: "Uma forma de se ler a história das diretrizes alemãs frente ao pasado é observá-las através de tentativas seguidas de normalizá-lo (assim como ao presente), propondo-se a apresentar-se como um país "normal" (OLICK, 2003). Muito sucitamente, do período pós-guerra ao início dos anos 1960, o governo alemão tentou mostrar ao mundo que a Alemanha era uma nação confiável: através de reformas institucionais, um claro alinhamento com o Ocidente, e com amplos repasses de recursos à Israel como forma de reparação. Essas políticas foram tentativas de mostrar ao mundo que a Alemanha era um país confiável" ( JELIN, 2006 , p. 3). O autor partilha da mesma tese no caso da Argentina. Nos anos 90, os programas de memória também obedeceram a uma demanda por "normalização", exigindo que a operação do neoliberalismo para o investimento de capital externo demandava uma garantia de estabilidade democrática. Contudo, por que essa reconstrução do passado foi tão criticada? Enquanto a memória é considerada uma obrigação política, um modo de reconciliar-se com o passado através de sua reelaboração, o esquecimento é de praxe associado ao silêncio e a impunidade. Aqueles que desejam preservar a fidelidade com o passado em narrativas históricas defendem a memória em detrimento do esquecimento. Em poucas palavras: esquecer aparece quando a memória falha. Ao mesmo tempo, o ato de esquecer é associado com a natureza animal, incapaz de reter registros de modo consciente. Seria possível, entretanto, lembrar-se de tudo? Nietzche (1980)NIETZSCHE, F. On the Advantage and Disadvantage of History for Life. Indiana: Hackett, 1980. é um dos mais importantes pensadores que fazem uma proclamação a favor do esquecimento. Ele argumenta que isso é introduzir um vínculo entre a história e uma tarefa exequível de importância vital. De acordo com essa perspectiva, o ato de esquecer permite o desenvolvimento da ação e previne uma possível paralisia causada pela memória excessiva. Na primeira página de seu Von Nutzen und Nachteil der Historie für das Leben, Nietzsche nos conta sobre um homem que contempla o gado pastando e está completamente encantado pelo momento:

Mas também espantou-se consigo mesmo, pois ao mesmo tempo em que não consegue aprender a esquecer sempre permanece ligado ao passado: por mais longínquo e rápido que se faça passar, seu concatenamento move-se junto a ele. É surpreendente: o momento, aqui em um piscar de olhos, se esvai no instante seguinte, sem nada a antepor-lhe ou a sobrepujá-lo, e mesmo assim retorna como um espectro para perturbar a quietude de um momento posterior. [...] Então o homem diz "eu me lembro", e inveja o animal, que imediatamente se esquece [...] (NIETZSCHE, 1980NIETZSCHE, F. On the Advantage and Disadvantage of History for Life. Indiana: Hackett, 1980., p. 8-9).

Há uma estória muito famosa do escritor argentino Jorge Luis Borges, chamada Funes, el memorioso, que versa sobre um homem que podia lembrar-se de tudo, e em função de sua habilidade ilimitada de lembrar-se, Funes tinha dificuldade de pensar e agir. Assim, esquecer significa algo que tornaria possível viver a vida. Em um cenário contemporâneo, o historiador e filósofo búlgaro Todorov (2004TODOROV, T. Les abus de la mémoire. Paris: Arléa, 2004.) apresenta um trabalho que alerta para os excessos de memórias e discute o potencial de esquecer em relação ao passado recente. Uma vez que reter todas as memórias é efetivamente impossível (ambas, a individual e a coletiva), certas doses de esquecimento são necessárias. Porém, ainda assim, há uma outra contribuição teórica que pode auxiliar-nos a pensar sobre o silêncio no período. Paul Ricoeur (2000)RICŒUR, P. La mémoire, l'histoire, l'oubli. Paris: Seuil, 2000. estabelece uma diferença entre mémoire empêché (memória transversal), mémoire manipulée (memória manipulada) and oublie commandé (esquecimento forçado). A primeira baseia-se na obra de Freud e Bergson e, consequentemente, está conectada a questões psicoanalíticas, como reminiscências, traumas, sintomas e inconsciente. A segunda relaciona-se com uma atitude semiativa e semipassiva considerando-se certos episódios do passado. Ela envolve um vouloir-ne-pas-savoir (desejo sombrio de não saber) e de não ser informado.4 4 Entre os possíveis incentivos para trabalhar a memória de uma sociedade, Ricoeur menciona Henry Rousso, que em Le syndrome Vichy , reexamina a atitude dos franceses no que concerne aquele estágio em sua história, os quais agora possuem uma obsessão memorialista. Esse tipo de estratégia de evitar o passado pode ser útil ao analisarmos a atitude de cidadãos e do governo nesses anos. Ao mesmo tempo é possível notar uma ambiguidade neste comportamento a medida que ele pode acarretar a mesma responsabilidade de negligência. O último tipo de esquecimento que Ricoeur menciona - e que pode ser igualmente útil ao estudarmos essa etapa - é aquele relacionado ao perdão. Ele destaca que na língua francesa há uma estranha e interessante similaridade entre o termo e o conceito de amnésie (amnésia) e amnistie (anistia). Tal semelhança existe também em alemão: die Amnestie e die Amnesie. Tal proximidade da mesma forma avizinha, em inglês, esquecer (forgetting) e perdoar (forgiving). Em muitos casos a anistia, o propósito oficial mira em uma reconciliação entre os cidadãos e a paz civil. Contudo, por outro lado, uma das consequências mais complicadas é aquela que envolve a obliteração das narrativas de crimes terríveis no passado que poderiam prevenir recorrências posteriores na história. Logo, essa pretensa unidade é leal ao passado da nação? Pode-se dizer que este tipo de política tem um comprometimento com uma meta utilitária mas não com a veracidade histórica.

III. O despertar de uma memória

Esse silêncio difuso alterou-se mais tarde, nos anos 1960, quando mais dois julgamentos foram realizados: o de Otto Adolf Eichmann em 1961 e a segunda parte daquele de Auschwitz em Frankfurt (1963). Tais embates legais tiveram impactos políticos e sociais. De acordo com muitos historiadores, esses eventos forneceram informações sobre o passado e despertaram o interesse público para esse assunto. Uma das mais famosas discussões foi em torno do conceito de "banalidade do mal", cunhado por Hannah Arendt enquanto cobria o julgamento de Eichmann para um jornal estadounidense.5 5 A terminologia proposta por Arendt focada na banalidade do mal retrata o burocrata como um novo criminoso. A escritora expõe a figura da pequena burguesia que não faz nada além de receber e cumprir ordens no serviço civil, sem gerar qualquer distinção que permita reflexões relacionadas ao exterminio humano. A atenção especial dada aos crimes nazistas foi em função da alteração temporal que trouxe interrogações de novas gerações. Nesse ponto exato, os jovens reivindicavam necessitar de explicações e culpavam a geração mais velha pelo silêncio e pela repressão (PEARCE, 2008PEARCE, C. Contemporary Germany and the Nazy lecacy. Remembrance, politics and the dialectic of normanily. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008.). Porém, como transmitir a experiência nazista para aqueles que não a experimentaram? Qual seria o modo apropriado de manter a memória de algo que não foi vivenciado? Para dizer a verdade, há um modo apropriado para fazê-lo? Confrontar o passado nesse período não se referia a aspectos jurídicos mas sim morais. Perguntas sobre como colocar um passado tão catastrófico para trás foram reformuladas: agora tratava-se de trazê-lo ao presente no sentido de analisar as políticas contemporâneas. A famosa obra de Adorno Was bedeutet: Aufarbeitung der Vergangenheit foi uma das várias interpretações filosóficas que mostraram essa grande preocupação durante aqueles anos. Certas atitudes dos governantes articularam essa tendência e expressaram um modo de alterar como se encarou o passado nacional socialista, expondo a vontade de aplicar essa superação do passado (Vergangenheitbewältigung). Os casos mais famosos são as visitas de Willi Brandt e de Helmut Schmidt à lugares chave de retenção de memória, que eram vistos com motivações políticas.

Uma vez que nem todas as memórias partilham do mesmo status - enquanto há algumas mais sólidas enquanto outras são mais efêmeras (TRAVERSO, 2011), períodos de transições como esse apresentam uma relevância especial. Memórias mais sólidas são meios de entrada empregados pela memória oficial e promovidos pelas instituições governamentais, o que significa que elas são representações dominantes. Por outro lado, memórias mais efêmeras permanecem na escuridão e são excluídas da política. Todavia, - e como podemos avaliar nesse caso - em um contexto democrático não há estados fixos, pois eles se alteram de acordo com o contexto político. Nesse especificamente, Peter Novick (1999NOVICK, P. The Holocaust in American Life. New York: Houghton Mifflin, 1999.) realizou um estudo baseado na sociedade estadunidense onde argumenta sobre como a memória do Shoah foi escondida para posteriormente tornar-se uma religião civil. Tal exemplo revela o uso seletivo da memória, que opera destacando certos eventos e escondendo outros, e também nos mostra que toda memória implica por sua vez que algo foi esquecido (HUYSSEN, 2004).

De acordo com alguns intelectuais, o caminho dominante na cultura da memória deixou para trás o ponto de vista de seus algozes e começou a contar os relatos das vítimas. Nos últimos anos, muitos estudos focados em memória deram grande ímpeto à identificação da testemunha com a vítima (WIEVIORKA, 2013WIEVIORKA, A. L'ère du témoin. París: Pluriel, 2013. ).6 6 A historiadora francesa Annette Wieviorka (2013) descreve as alterações do registro testemunhal desde o final da Segunda Guerra até o presente. A primeira, que ocorre imediatamente após ao Shoah , foi caracterizado pela dissipação de registros e a fidelidade às palavras legadas por aqueles que não sobreviveram aos campos de concentração. O segundo estágio, chamado L'ère du témoin (a era do testemunho), é onde o ato de testemunhar tornou-se um imperativo social por excelência. Ocorre uma democratização dos atores da história, um processo que estende sua voz àqueles que não tiveram acesso à ela. Por exemplo, as obras de Primo Levi La tregua (A trégua) e Se questo e un uomo (É isto um homem?) foram publicadas inicialmente na Itália, e logo depois em todo o mundo, tornando-se dois dos escritos testemunhais recentes mais emblemáticos e influentes. As narrativas contadas sobre experiências vividas situam a memória como um registro particularmente subjetivo: ela contém os eventos observados pelas vítimas, considerando as impressões que eles alegam como parte da narrativa do passado (BENJAMIN, 1977; RICOEUR, 2000RICŒUR, P. La mémoire, l'histoire, l'oubli. Paris: Seuil, 2000., LEVI, 1987). Citando o filósofo italiano Agamben, Levi alega que apesar do fato que os testemunhos dados tenham vindo daqueles que não "tocaram o fundo", a memória dos sobreviventes poderia reconstruir o destino dos exilados. Contudo, para além do grande valor que esses testemunhos representam, Levi admite o quão falacioso esse tipo de registro pode ser. Quando se trata de memórias de experiências traumáticas, a memória de tais fatos não é inócua pois traz à tona dor, contradição, vergonha e mesmo culpa. Porém, as mesmas perguntas devem ser direcionadas à historiografia e a memória? Qual o sentido em exigir a verdade de acordo com a adequação das coisas e do intelecto à memória?

A despeito desse despertar da memória, é possível encontrar durante aquele período expressões públicas de um desejo de se impedir que o passado seja trazido para o presente. Uma das representações mais emblemáticas ocorreu em 1963, quando a República Federal da Alemanha [Bundesrepublik Deutschland] estabeleceu o primeiro memorial nacional com a seguinte inscrição: "Den Opfer der Kriege und der Gewaltherrschaft" (Às vítimas da guerra e do totalitarismo). Ele foi duramente criticado por conta de sua falta de precisão.7 7 Koselleck (2011 , p. 130) aponta para esse problema da seguinte forma: "É como se todos os alemães mortos na Segunda Guerra Mundial tivessem sido vítimas passivas do Nacional Socialismo, como um milhão de pessoas inocentes mortas por nós. Considere que cerca de seis milhões de judeus brutalmente assassinados formam uma quantia próxima ao de soldados mortos. Porém, agora todos são classificados juntos como vítimas do que se tem chamado de tirania: os executores são tratados da mesma forma - alguém deve matar os judeus - que vítimas que podem tão somente serem esboçadas como passivas. A questão de quem se sacrificou por quem, ou quem sacrificou-se por algo ou quem e por que foi morto não é respondida. A questão sequer é perguntada". Ademais, esse afastamento era duplo: por um lado, não diferenciava as vítimas dos criminosos, e, por outro, evitava mencionar o regime nacional socialista (tal avaliação também poderia ser dirigida ao Deutsche Reichsbahn (DRG), a Companhia Ferroviária do Reich) (KUHLE, 2004KUHLE, O. Representing German identity in the new Berlin republic: body, nation and place. New York: The Edwin Mellen Press, 2004.). Esse pode servir como um exemplo preciso de como o governo pode utilizar a história para justificar a atual ordem política: no meio da guerra fria, a assimilação do passado nazista com o governo soviético poderia ter sido visto como um modo de situar o mal naquele regime político e a bondade no capitalismo.

Conforme o passar dos anos, as discussões sobre o regime nacional socialista tornaram-se cada vez mais intensas. Entre o final dos anos 1970 e início dos 1980, muitos artistas, diretores de cinema, intelectuais e historiadores começaram a demonstrar um interesse especial sobre as políticas de memória (NOLAN, 2004NOLAN, M. The Politics of Memory in the Bonn and Berlin Republics Walkowitz, D. and Knauer, L. (ed.) Memory and the impact of political transformation in public space. New York: Duke University Press , 2004.). Duas das mais famosas expressões que despertaram grande interesse do público foram os sitcoms Heimat, de produção alemã, e Holocaust, de produção americana.8 8 Esse programa foi visto por quinze milhões de alemães. A grande audiência chamou a atenção de Novick (1999 ; 2002 ) e tal fenômeno foi a principal contribuição de ideias para sua tese sobre a presença da memória do Holocausto na memória estadounidense. O renascimento das discussões de memórias sobre o Holocausto foi influenciada provavelmente por questões de uma nova geração que queria saber o que aconteceu durante aqueles anos (KUHLE, 2004KUHLE, O. Representing German identity in the new Berlin republic: body, nation and place. New York: The Edwin Mellen Press, 2004.). Isso renovou os debates sobre responsabilidade, culpa, trauma, memória, representação do horror e lições do passado (BAUERKÄMPER, 2013BAUERKÄMPER, A. Aufarbeitung und kein Ende? Thesen zur Zukunft der Erinnerungskultur in Europa. Beitrag zur Tagung "Verdrängung, Aufarbeitung, Historisierung?" Vom Umgang mit dem diktatorischen Erbe des 20. Jahrhunderts in Europa, Hessische Landeszentrale für Politische Bildung, 16/17 Mai 2013.). Questões como "é possível reconciliar-se com seu passado? ", ou "por que o passado não morreu?" destacaram-se nas discussões públicas. Ao mesmo tempo, esse período ficou conhecido internacionalmente pelo crescimento súbito da memória (memory boom) que afetou não apenas as pesquisas historiográficas, mas também aquelas de cunho filosófico e político. As novas interrogações demonstraram que no passado ainda estavam ferimentos não cicatrizados que necessitavam de uma nova elaboração. A memória era vista como um dever ético enfatizando o lema "nunca mais".

Nesse entremeio, regimes jurídicos sobre a memória do Holocausto foram implementados. Por exemplo, em 1982 Schmidt aprovou uma lei contra a apologia, negação e trivialização/banalização do genocídio (artigo 149 do código penal alemão). 9 Na República de Bonn foram instituídas várias leis para punir não a negação diretamente, mas sim comportamentos correlatos, como a defesa do crime ou o vilipêndio dos mortos. As manisfestações de ódio racial também foram regulamentadas. Somente em 1982 foi aprovada a lei de apologia, negação e trivialização do genocídio, que passou por algumas alterações nos anos subsequentes. Após a reunificação, estabeleceu-se a pena de prisão. O caso mais famoso foi o de Günther Deckert, sentenciado a um ano de prisão após defender a negação do Holocausto. Contudo, a legislação variou consideravelmente nos últimos anos, tanto em âmbito nacional como provincial. A respeito da memória do Holocausto, as discussões de teorias revisionistas desempenharam um papel fundamental. Para saber mais sobre as regulamentações concernentes a negação na tradição legal alemã e européia, cf. Luther (2008) . Dois anos depois, novas medidas contra a negação foram criadas. Esse tipo de intervenção governamental suscita questões sobre a legitimidade dos instrumentos de memória coercitiva: é adequado ao Estado regular a história com mecanismos coercitivos? Como estabelecer um critério para os limites nos quais o Estado deve intervir em narrativas históricas? Se os discursos comemorativos possuem uma natureza não apenas informativa mas também prescritiva, isso significa que a maior preocupação não é informar a população sobre eventos passados, mas promover uma visão da memória pública. Além disso, tais instrumentos, longe de serem homogêneos, variam de acordo com a configuração de atores, suas tradições e costumes culturais. Nem todas as leis e decretos vem de um modelo centralista. Muitas vezes essa política é o resultado da consulta e negociação com diferentes atores. Mas o que acontece se elas não são realizadas? O aspecto mais indicado pode ser tomar conhecimento sobre a legalidade de todas as provisões legais. Por exemplo, as lois de mémoire (leis de memória) são um ponto de controvérsia na França. Tais medidas estão ao lado de uma visão específica da história e objetivam não tão somente criar proclamações públicas mas também estabelecerem atos criminosos e sanções que poderiam ser vistas como atos contra a liberdade de fala.10 10 Para um estudo mais detalhado das políticas de memória, cf. Johann (2010) .

Nesse período um novo fenômeno chamado "contramonumento" (countermonument) surgiu em diversas cidades alemãs. Tais iniciativas rejeitavam o conceito tradicional de monumento e ofereciam ao público uma ocasião de auto-reflexão onde eles não estariam mais em uma posição receptiva. Eles tentaram alterar o papel dos visitantes pedindo-lhes para interagir com o contramonumento Um monumento contra os fascismos deve ser concebido contra si próprio: "Na verdade, o melhor memorial alemão à era Fascista e suas vítimas pode não ser um único memorial em absoluto - mas simplesmente o debate sem fim sobre qual tipo de memória preservar, como fazê-lo, em nome de quem, e para que finalidade" (YOUNG, 1993YOUNG, J. The texture of memory. Holocaust, Memorials and meaning. New Heaven: Yale Univesity Press , 1993., p. 21). Um dos mais famosos contramonumentos situa-se em Hamburgo, onde Esther Gerz e Jochen Gerz eram responsáveis por um monumento contra o fascismo. Eles conceberam um Gegen-Denkmal e decidiram localizá-lo no centro comercial da cidade. Uma pilastra de doze metros de altura foi colocada nesse local e pedia-se aos visitantes para escreverem seus nomes nela. Mas seus nomes não perduravam: a coluna gradualmente desapareceu no chão em 1993.11 11 Die Absenkung (o declínio) não foi colocado em evidência até que muitos dos cidadãos que participaram assinando o pilar vissem seus nomes desaparecerem. Após algumas reclamações, foi anunciado que o pilar foi construído contemplando sua desaparição. O fato de deixar a cena como era previamente confirma que o anti-monumento contempla seu próprio esquecimento: "Ao chamar a atenção para sua própria presença fugaz, o contra-monumento zomba da convicção de história dos monumentos tradicionais: ele desdenha o que Nietzche chamou de "história monumental", seu epíteto para as versões petrificadas da história que compram os vivos. De fato, pode-se dizer que o contra-monumento nega as bases para o tropo do epíteto central: após o contra-monumento, a necessidade "monumental" não precisa mais ser concebida como uma figura para os mortos. Ao resistir à sua própria razão de ser, o contra-monumento paradoxalmente revigora a própria ideia de monumento" (YOUNG, 1992, p. 279). Antes dessa criação (1987) Jochen Gerz fez outro contramonumento em Sarrebruck, com 2146 parelelepípedos, onde constam os nomes dos cemitérios judeus existentes antes da Segunda Guerra Mundial. O que chama a atenção desse monumento é que ninguém pode ver as inscrições pois esse lado das pedras estava voltado para o chão. Há também um feito por Horst Hoheisel, que a partir de uma perspectiva similar criou um monumento de forma negativa ao redor da fonte Aschrott na praça da prefeitura (Hall Square) de Kassel.12 12 Durante os anos 1980, houve também um grande debate, onde historiadores conservadores relativizaram a singularidade do Holocausto comparando-o a outros genocidios. Por exemplo Ernst Nolte e Michael Stürmer foram duramente criticados por pensadores como Jürgen Habermas e Martin Broszat. A controvérsia finalmente inclinou-se a favor daqueles que defendiam a singularidade do Holocausto. Esses contramonumentos representam uma lacuna que expõem a ideia de uma representação comemorativa não-estética que estimula a memória. A representação não é definida, nesse caso, como estática ou terminada, mas sim pelo seu constante movimento. Ao revelar sua ausência, a identidade não cria um valor, mas sim uma construção.

IV. O boom da memória

De acordo com várias análises, a cultura da memória tem sido radicalmente alterada desde a reunificação alemã. Tal fato trouxe à tona novas inquietações sobre a memória. Primeiramente, múltiplos aspectos fomentaram grandes mudanças. Por exemplo, a criação de uma identidade nacional forçada foi acrescida às representações simbólicas; o objetivo foi denotado em uma identidade pós-nacional vindoura. Em segundo lugar, novos atores estiveram envolvidos com a intervenção de mais gerações. Estudos sobre o ponto de vista dos adolescentes começaram a focar-se em questões do tipo como lembrar-se do passado nazista, inquirindo-se se aquele realmente seria um problema das novas gerações ou das mais antigas; o que deveria ser perguntado aos tataravôs, a visualização na escola e a ligação entre a história nacional socialista e outros problemas.13 13 Uma revisão ilustrativa neste aspecto foi publicada em 2010 pela Zeit Magazin sob o título de War Ur-Opa ein Nazi?. Cf. STAASSS, 2010 . Em terceiro lugar, reflexões sobre o passado tornaram-se mais polêmicas a medida que não mais estavam focadas na singularidade do Holocausto. Ao invés disso, a ênfase deslocou-se sobre o comportamento dos criminosos e nas formas como lembrar e compensar as vítimas e suas famílias. Isso forneceu um novo ímpeto para o desenvolvimento de um "contradiscurso sobre as vítimas alemãs e na produção aparentemente sem agentes de uma categoria difusa e variada de vítimas" (NOLAN, 2004NOLAN, M. The Politics of Memory in the Bonn and Berlin Republics Walkowitz, D. and Knauer, L. (ed.) Memory and the impact of political transformation in public space. New York: Duke University Press , 2004., p. 106). Por fim, muitas outras controvérsias alteraram as políticas de memória. Por exemplo, o livro de Daniel Goldhagen Os carrascos voluntários de Hitler; a exibição fotográfica Guerra de aniquilação (Vernichtungskrieg): Crimes do Wehmacht, 1914 - 1944, e o filme de Steven Speilberg A lista de Schindler. Essas três intervenções partilham de uma particularidade especial: elas não mostraram nenhuma nova evidência como resultado de uma pesquisa científica, mas, ao invés disso, manifestaram um ponto de vista diferente e sensível. Eles focaram nos criminosos, na cumplicidade e nos responsáveis.

Além disso, questões de representação receberam grande destaque nas políticas de memória, criando assim uma vista da cidade de Berlim completamente nova, repleta de evidências da memória: "A república berlinense e Berlim como uma cidade estão indelevelmente marcadas pela presença do passado assim como pela impossibilidade de reconciliação das memórias dos criminosos e das vítimas, de alemães e judeus" (NOLAN, 2004NOLAN, M. The Politics of Memory in the Bonn and Berlin Republics Walkowitz, D. and Knauer, L. (ed.) Memory and the impact of political transformation in public space. New York: Duke University Press , 2004., p. 106). Novos memoriais começaram a ser planejados e construídos. Em poucos anos, Berlim concentrou o Memorial aos Homossexuais Perseguidos sob o Nacional Socialismo, o Memorial em Marzahn para os Sinti e Roma (ciganos) assassinados sob o regime Nacional Socialista, o Memorial para a Associação de Pessoas Perseguidas pelo Regime Nazista, a escultura e a placa de homenagem "Operation 'T4"' (Eutanásia), a Casa da Conferência de Wannsee, o Memorial ao Judeu Berlinense Deportado (uma mesa, uma cadeira e uma cadeira caindo), placas comemorativas para vítimas e instituições, Pedras-obstáculo (Stolpersteinen), um memorial para a resistência alemã (Die Gedenkstätte Deutscher Widerstand), e o memorial prisional Plötzensee, entre outros.

Houve uma grande discussão em 1993 acerca da imagem cristã conhecida como La Pieta, situada em um dos locais de maior relevância para a memória de Berlim. Ao invés da imagem de um soldado, a escultura de Käthe Kollwitz de uma mãe segurando seu filho morto simbolizou o sofrimento de muitas mães durante a guerra. A principal crítica dirigida a esse memorial alegou que uma vez que a estátua era um símbolo cristão, ela excluía a comunidade judia e que não era apropriado agregar as lembranças de vítimas e criminosos (de acordo com esse memorial, os soldados alemães igualmente foram considerados vítimas). Graças a essa controvérsia e após um grande debate realizado depois da reconstrução do Neue Wache, foram adicionadas duas placas apontando para as diferentes vítimas (KATTAGO, 2012KATTAGO, S. Memory and Representation in Contemporary Europe: The Persistence of the Past. Farnham: Ashgate, 2012.).14 14 "Ao nomear cada categoria de vítima do Nacional Socialismo; nem um judeu com um civil alemão; ao invés disso, cada contexto histórico seria reconhecido por sua singularidade. O tema comum ligando todos os mortos foi aquele de perda irrecuperável" ( KATTAGO, 2012 , p. 84). Em função dessa desconformidade, foi proposta a construção do Holocaust-Mahnmal-Denkmal für die ermordeten Juden Europas.15 15 Sobre os começos, o processo de decisão e as dicussões pelas quais passaram o projeto, cf. Kuhle (2004) , Heimrod, Schlusche e Seferens (eds.) (1999) e Stavginki, (2002). Aqueles textos mostram uma crônica e uma análise a partir dos anos anteriores a unificação até sua abertura em 2005. A iniciativa veio de Lea Rosh, Förderkreis , e então foi tema de debates no Bundestag. Uma vez aprovado, um processo cuja competição estava sendo vencida por um projeto após ser revisado, foi rejeitado. Então a chamada para propostas a qual Eisenman acompanha com Richard Serra não foi a primeira. Essa segunda proposta vencedora foi aprovada com modificações que pediram 2711 ao invés dos 4350 planejados e um centro de informações, o que deixou Eisenman sozinho com o projeto. Outro problema que causou grande debate foi o use de tinta anti grafite para cobrir as trilhas. A empresa que poderia providenciá-la, Degussa, esteve envolvida no abastecimento do gás Zyklon B usado nos campos de concentração nazistas. Esse monumento substitui a centralidade que a La Pieta e o Neue Wache tinham anteriormente (BAUERKÄMPER, 2013BAUERKÄMPER, A. Aufarbeitung und kein Ende? Thesen zur Zukunft der Erinnerungskultur in Europa. Beitrag zur Tagung "Verdrängung, Aufarbeitung, Historisierung?" Vom Umgang mit dem diktatorischen Erbe des 20. Jahrhunderts in Europa, Hessische Landeszentrale für Politische Bildung, 16/17 Mai 2013.). Esse memorial foi erigido após várias discussões subsequentes a reunificação alemã, onde estiveram envolvidos não somente as autoridades governamentais como também atores civis. De acordo com seu arquiteto e outros pensadores, a principal característica desse memorial é representar um novo paradigma da memória, onde distinguem-se criminosos nazistas, vítimas da guerra e de crimes como o Holocausto (EISEMANN, 2006EISENMAN, P. Memorial to the Murdered Jews of Europa. New York: Leo Baeck Institute, 2006.; AGAMBEN, 2005AGAMBEN, G. Die zwei Gedächtnisse. Die Zeit, n. 19, Berlin, 4 Mai 2005.). O monumento foi erigido próximo ao Bundestag (Parlamento), do parque Tiergarten e do Portão de Brandemburgo, portanto em uma área central de Berlim. Ali foram colocados 2711 monolitos de diferentes alturas que estão localizados próximos uns aos outros, e possuem um pequeno espaço entre si, suficiente para que uma pessoa por ali circule. Esse sistema oferece uma jornada sem começos ou fins, onde os visitantes se perdem entre percursos altos e paralisantes. Sem entradas, saídas ou uma rota sugerida: o memorial é apresentado como um espaço aberto que promove a visita de todos aqueles transitando na área. Essa abertura tem como parelha um sentido de claustro: aquele que está situado em seu centro pode perder de vista o exterior, uma vez que de acordo com sua perspectiva, o monólito pode tornar-se a única coisa visível. Não há, inclusive, nenhuma inscrição informativa em sua superfície. O arquiteto estadunidense reconhece que a falta de nomes corresponde à intenção de que os visitantes experimentem uma "memória viva" do passado no presente: "Em outras palavras, o presente estaria apto a trazer o passado ao presente como algo vivo. Eu quis que a experiência dos campos (de concentração) fosse algo que trouxesse uma presença viva quando as pessoas estivessem caminhando pelo campo dos pilares" (EISENMAN, 2006EISENMAN, P. Memorial to the Murdered Jews of Europa. New York: Leo Baeck Institute, 2006., p. 3). Há um centro de informação localizado no subsolo do monumento que traça a história do Holocausto e recupera testemunhos de algumas vítimas no Nacional Socialismo. Nada que nos leia também refere-se a uma ordem do indizível. A partir dessa afirmação, o filósofo italiano Giorgio Agamben diz:

No livro de memórias na pedra de Peter Eisenman não há nada para ser lido. Contudo, quem, através de seus próprios passos transita entre monólitos inclinados de modos diferentes, alguns erguendo-se e outros caindo, sente ter entrado em outra dimensão da memória; vasculhando as páginas de outro livro. Enquanto hesita em caminhar sobre os monólitos que estão no mesmo nível do chão, e sua visão perde-se no alinhamento daqueles na vertical, o visitante deixa a memória para trás passo a passo, a qual pode ser registrada e arquivada para ingressar o inesquecível [das Unvergessliche] (AGAMBEN, 2005AGAMBEN, G. Die zwei Gedächtnisse. Die Zeit, n. 19, Berlin, 4 Mai 2005., par. 2).16 16 A tradução original para o inglês é da autora do artigo. O original diz: "In Peter Eisenmans versteinertem Buch der Erinnerung gibt es nichts zu lesen. Wer jedoch zwischen den unterschiedlich geneigten Stelen die mal ansteigenden, mal abfallenden Wege abschreitet, spürt, dass er eine andere Dimension des Gedächtnisses betreten hat; dass er in den Seiten eines anderen Buches blättert. Während er zögert, seinen Fuß auf den aus abgeflachten Stelen bestehenden Boden zu setzen, und sein Blick sich in der Flucht der vertikalen Stelen verliert, lässt er Schritt für Schritt die Erinnerung, die aufgezeichnet und archiviert werden kann, hinter sich, um ins Unvergessliche einzutreten".

Agamben chama de Unvergessliches (o inesquecível) o que pertence a ordem do inefável. É uma experiência que entra em contato com um fenômeno extremo, o qual não tem palavras para analisar; alguém poderia pensar que onde se quer expressar algo verbalmente sobre isso não seria possível senão pisar em falso. Na mesma linha da crítica de Agamben, tal ideia apoia a existência de uma segunda memória que se refere ao arquivístico, e se chama Erinnerbares (o neologismo poderia ser traduzido como "o memorável"). De modo que uma primeira memória - das Unvergessliches - é colocada na superfície de um monumento e uma segunda - das Erinnerbares -, no centro de informação subterrâneo. A combinação de ambos é o que faz o sentido mais profundo de Denkmal:

O limiar intangível entre essas duas memórias é precisamente o local do monumento. Por isso é importante distingui-los, ou de outro modo a má consciência, que somente quer esquecer, cobriria com milhares de memórias o que deve permanecer inesquecível. Descontínuo e ilegível como o monólito, o inesquecível [das Unvergessliche] continuamente interrompe as ficções de memórias coletivas (AGAMBEN, 2005AGAMBEN, G. Die zwei Gedächtnisse. Die Zeit, n. 19, Berlin, 4 Mai 2005., p. 4).17 17 A tradução original para o inglês é da autora do artigo. O original diz: "Die immaterielle Schwelle, die diese beiden Gedächtnisse trennt, ist der eigentliche Ort des Denkmals. Sie auseinander zu halten ist deshalb so wichtig, weil sonst das schlechte Gewissen, das nichts als vergessen möchte, mit Unmengen von Erinnerungen das verdecken würde, was unvergesslich bleiben muss. Diskontinuierlich und unlesbar wie die Stelen, unterbricht das Unvergessliche immer wieder die Fiktionen des kollektiven Gedächtnisses".

Uma das principais inovações que esse vasto memorial mostra é a intenção de expressar uma falta de sentido nessas mortes. Enquanto tradicionalmente a maior parte dos monumentos dedicados as mortes tentaram apontar algum sentido a elas através da representação de uma vitória, de um sacrifício ou de um herói, esse memorial demonstra uma total falta de sentido para essa atrocidade. Não há corpos humanos ou nomes ali caracterizados. Não há entradas e nem saídas. Tal criação tenciona levar o visitante a dar uma volta sem inícios nem fins, onde ele pode perder-se entre os monólitos altos e opressores. Essa experiência avassaladora cria uma atmosfera onde nada é estável e que transmite uma mensagem de aviso.

Enquanto seu criador defende que seu memorial é exclusivamente dedicado aos judeus (uma vez que eles foram exterminados e os outros foram assassinados), outros pensadores objetam que esse monumento hierarquiza as vítimas e foi construído utilizando as mesmas categorias que a SS empregava. A hierarquia das vítimas denunciadas está focada na grande relevância que os judeus possuem nesse memorial que obscurecem outras vítimas no Holocausto como os Sinti, os Roma e os homossexuais. Pensadores como Koselleck sustentam que esse memorial esconde fatos e que bloqueia uma lembrança apropriada desse episódio trágico em nossa história ao negar sua realidade. Ele inquire se esse memorial não deveria ter sido erigido à humanidade. Embora esse projeto não tenha sido planejado em uma posição unidirecional (pois muitos membros da sociedade civil estavam envolvidos), de acordo com o ponto de vista de Koselleck, esse memorial é opressivo com a memória das vítimas menos poderosas. Graças à descontinuidade da memória que detém o escritor, esse monumento busca, fracassadamente, representar uma memória primária:

Obviamente é impossível assumir o legado do genocídio, do crime organizado, do espírito do sacrifício e do terror sistemático como é dito de "superação" por qualquer tipo de lamento. Qualquer reconhecimento de culpa e responsabilidade final deixam resíduos intransponíveis (KOSELLECK, 2011KOSELLECK, R. Modernidad, culto a la muerte y memoria nacional. Madrid: Centro de estudios políticos y constitucionales, 2011., p. 137).

Em tais tentativas aparecem problemas envolvendo grupos de vítimas que começam a agir em forma de lobbies. Isso significa que quando sofrimentos pessoais reivindicam serem os únicos porta vozes da memória, as memórias sensoriais monopolizam e se "degeneram" na uma formação de um grupo que exclui sentidos no ato de transmissão. A questão mais importante não é mais quem deveria ser lembrado, mas seu reverso, um provocativo Wer darf vergessen werden? (Quem pode ser esquecido?). Quem deve ser relembrado? Quem foram as vítimas do regime nazista ou quem, para além de ser vítima, possui poderes políticos? Dizer que algumas mortes são mais valiosas do que outras não passa de uma ironia repugnante que responde ao critério quantitativo e a lamúria sufocante em uma nação de criminosos. Guiar a construção do monumento segundo as mesmas categorias que operava o nazismo é cometer um deslize seríssimo:

As categorias de extermínio foram configuradas e organizadas pelos ideólogos da raça da SS, que deram procedimento às suas ações conforme foi feito até agora. A morte era a mesma, tão singular e tão diferente como eram os seres humanos que foram elevados ao cardinalato sem culpa naquela máquina da morte (KOSELLECK, 2011KOSELLECK, R. Modernidad, culto a la muerte y memoria nacional. Madrid: Centro de estudios políticos y constitucionales, 2011., p. 132).

Em suma, nessa seção buscamos articular as políticas de memória na Alemanha, considerando-as a partir do final da Segunda Guerra Mundial até o presente. Nesse contexto, observamos que foi possível distinguir cinco diferentes estágios. Finalizamos essa seção com um dos maiores memoriais recentes, o qual é reivindicado por muitos e atacado por outros. Iremos, doravante, recapitular o que foi dito e procedermos para as conclusões.

V. Conclusões

Esse artigo pretendeu reconstruir o relacionamento entre a história e a política considerando programas de memória na Alemanha. Desde o final da Segunda Guerra Mundial até o presente, distinguimos cinco estágios: um primeiro nos quais reparações são acordadas e importantes oficiais nazistas são processados, um segundo marcado pelo esquecimento e silêncio, um terceiro iniciado nos anos 1960, no qual surgem novas preocupações, mas não obteve grande impacto, um quarto que ocorre entre os anos 1970 - 1980 nos quais a cultura da memória ganhou impulso a partir de iniciativas civis, e um quinto aberto pela reunificação alemã. Nessa última etapa observamos a relevância do Denkmal für die ermordeten Juden Europas, que esteve no centro de discussões. Dessa forma resumimos argumentos que focaram no radicalismo dessa proposta que reivindicam que monólitos expõem reflexões e questões em uma visita infinita onde o espaço se torna o tempo. Também mencionamos outros estudos que discordam ao apontarem a representação injusta de judeus e não de todas as vítimas do Holocausto. O argumento mais contundente nesse sentido que pode ser derivado da perspectiva de Koselleck é que a delimitação de um "nós" para construir uma memória coletiva pressupõe um ato de violência. Em luz de elementos recuperados nos perguntamos se esse monumento, construído na terra dos criminosos, pode ser pensado como uma forma de exprimir desculpas e se isso faria sentido considerando que aqueles envolvidos em sua construção não são os mesmos atores que cometeram os crimes. Graças à jornada que fizemos, podemos dizer que isso se assemelha a um gesto preventivo em direção à alemães e a reivindicação a um povo historicamente oprimido e perseguido, mas que hierarquiza as vítimas.

Apoiado no que foi supramencionado, as representações do passado envolvem disputas sobre o modo, o objeto e o propósito de sua reconstrução. Quando se fala de um passado "que não passou", referindo-se a eventos traumáticos que não foram suficientemente maturados para curarem as feridas de outrora, as definições desses aspectos são mais complexas graças aos seus possíveis usos políticos, algo que reduziria o passado a uma funcionalidade. Contudo, os "usos" propostos para essa análise não tencionam reduzir a história como um modo de se alcançar um dado objetivo.

Após essa breve retomada do conteúdo discutido, muitas questões se colocam: o que, como e quem deve ser lembrado? Há o risco de um abuso de memória? O esquecimento é antiético? A memória pode ser manipulada de acordo com interesses políticos? É possível distinguir entre "bons" e "maus" usos do passado? Os relatos dos perdedores estão perdidos para sempre? O Estado deveria controlar o passado? A memória pode ser dominada? As experiências primárias podem ser institucionalizadas? O que nos parece claro é que uma sociedade que se reflete sobre si mesma oferece diferentes possibilidades para as narrativas do passado. Em uma visão geral de cada estágio do caso alemão, não foi somente o Estado aquele que interviu nas mudanças que compõem o ambiente da memória. Em um contexto democrático, intelectuais, artistas, a mídia, a sociedade civil e os políticos estão todos envolvidos na construção da memória. Tal fato somente ocorre em um contexto pluralista onde todas as memórias conflitantes podem coexistir (KATTAGO, 2012KATTAGO, S. Memory and Representation in Contemporary Europe: The Persistence of the Past. Farnham: Ashgate, 2012.) e onde representações históricas replicam o passado, mas ao mesmo tempo o reproduzem. É disso que se trata a política: uma ordem totalitária apresentaria uma única verdade, uma única versão do passado. Em seu lugar, um contexto democrático colocou o antagonismo no cerne da política. Sob tal prisma, pode-se mencionar que um dos eixos fundamentais nessa área da análise está localizado na luta sobre o significado do passado.

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  • YOUNG, J. The texture of memory Holocaust, Memorials and meaning. New Heaven: Yale Univesity Press , 1993.
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    Para as intervenções previas do memorial de reunificação, atentaremos a experiência da BRD ( Bundesrepublik Deutschland ), isso é, da República Federal da Alemanha. Incluímos alguns dos mais importantes trabalhos sobre memoriais políticos na Alemanha referentes ao Holocausto, os quais nos amparam no presente artigo. O primeiro é o magnífico livro Das umstrittene Gedächtnis , publicado em 2011 e de autoria do historiador alemão Arnd Bauerkämper, o qual, para além de trabalhar sobre questões conceituais, reúne estudos sobre o tratamento da memória na Europa após 1945, onde a Alemanha ganha destaque entre outros trezes países, dentre os quais estão a Áustria, França, Espanha e Itália. Esses textos demonstram as controvérsias políticas das culturas memoriais nas representações dos passados nazista, fascista e colaboracionista. O trabalho de Carrier (2005) CARRIER, P. Holocaust Monuments and National Memory Cultures in France and Germany since 1989. New York: BerghahnBooks, 2005. e Pearce (2008) PEARCE, C. Contemporary Germany and the Nazy lecacy. Remembrance, politics and the dialectic of normanily. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008. foram de grande auxílio no desenvolvimento dessa seção do capítulo.
  • 2
    Stunde Null (termo militar que significa "hora zero") é o nome comumente dado ao período inicial da guerra, também chamado de Nachkriegszeit . Sobre tais conceitos, cf. Guisan (2012) GUISAN, C. A political theory of identity in European integration. Memory and policies. New York: Routledge, 2012. , Herf (1997) HERF, J. (comp.). Divided memory: the Nazi past in the two Germanys. Cambridge Mass: Harvard Univ. Press, 1997. e Grossmann (1998) GROSSMANN, A. Trauma, Memory, and Motherhood: German and Jewish Displaced Persons in Post-Nazi Germany, 1945-1949. Archiv für Sozialgeschichte38, p. 215-329, 1998. . Koselleck (2011) KOSELLECK, R. Modernidad, culto a la muerte y memoria nacional. Madrid: Centro de estudios políticos y constitucionales, 2011. admite que a Alemanha atravessou o período pós-guerra marcado por uma Verdrängung (repressão).
  • 3
    Da mesma forma, Jelin (2006) JELIN, E. Memories of state violence: the past in the present. Human Rights Institute: University of Connecticut, 2006. , citando Olick, demonstra o esforço alemão em expor-se perante ao mundo como uma nação padrão: "Uma forma de se ler a história das diretrizes alemãs frente ao pasado é observá-las através de tentativas seguidas de normalizá-lo (assim como ao presente), propondo-se a apresentar-se como um país "normal" (OLICK, 2003). Muito sucitamente, do período pós-guerra ao início dos anos 1960, o governo alemão tentou mostrar ao mundo que a Alemanha era uma nação confiável: através de reformas institucionais, um claro alinhamento com o Ocidente, e com amplos repasses de recursos à Israel como forma de reparação. Essas políticas foram tentativas de mostrar ao mundo que a Alemanha era um país confiável" ( JELIN, 2006 JELIN, E. Memories of state violence: the past in the present. Human Rights Institute: University of Connecticut, 2006. , p. 3). O autor partilha da mesma tese no caso da Argentina. Nos anos 90, os programas de memória também obedeceram a uma demanda por "normalização", exigindo que a operação do neoliberalismo para o investimento de capital externo demandava uma garantia de estabilidade democrática.
  • 4
    Entre os possíveis incentivos para trabalhar a memória de uma sociedade, Ricoeur menciona Henry Rousso, que em Le syndrome Vichy , reexamina a atitude dos franceses no que concerne aquele estágio em sua história, os quais agora possuem uma obsessão memorialista.
  • 5
    A terminologia proposta por Arendt focada na banalidade do mal retrata o burocrata como um novo criminoso. A escritora expõe a figura da pequena burguesia que não faz nada além de receber e cumprir ordens no serviço civil, sem gerar qualquer distinção que permita reflexões relacionadas ao exterminio humano.
  • 6
    A historiadora francesa Annette Wieviorka (2013) WIEVIORKA, A. L'ère du témoin. París: Pluriel, 2013. descreve as alterações do registro testemunhal desde o final da Segunda Guerra até o presente. A primeira, que ocorre imediatamente após ao Shoah , foi caracterizado pela dissipação de registros e a fidelidade às palavras legadas por aqueles que não sobreviveram aos campos de concentração. O segundo estágio, chamado L'ère du témoin (a era do testemunho), é onde o ato de testemunhar tornou-se um imperativo social por excelência. Ocorre uma democratização dos atores da história, um processo que estende sua voz àqueles que não tiveram acesso à ela.
  • 7
    Koselleck (2011 KOSELLECK, R. Modernidad, culto a la muerte y memoria nacional. Madrid: Centro de estudios políticos y constitucionales, 2011. , p. 130) aponta para esse problema da seguinte forma: "É como se todos os alemães mortos na Segunda Guerra Mundial tivessem sido vítimas passivas do Nacional Socialismo, como um milhão de pessoas inocentes mortas por nós. Considere que cerca de seis milhões de judeus brutalmente assassinados formam uma quantia próxima ao de soldados mortos. Porém, agora todos são classificados juntos como vítimas do que se tem chamado de tirania: os executores são tratados da mesma forma - alguém deve matar os judeus - que vítimas que podem tão somente serem esboçadas como passivas. A questão de quem se sacrificou por quem, ou quem sacrificou-se por algo ou quem e por que foi morto não é respondida. A questão sequer é perguntada".
  • 8
    Esse programa foi visto por quinze milhões de alemães. A grande audiência chamou a atenção de Novick (1999 NOVICK, P. The Holocaust in American Life. New York: Houghton Mifflin, 1999. ; 2002 PEARCE, C. Contemporary Germany and the Nazy lecacy. Remembrance, politics and the dialectic of normanily. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008. ) e tal fenômeno foi a principal contribuição de ideias para sua tese sobre a presença da memória do Holocausto na memória estadounidense.
  • 9
    Na República de Bonn foram instituídas várias leis para punir não a negação diretamente, mas sim comportamentos correlatos, como a defesa do crime ou o vilipêndio dos mortos. As manisfestações de ódio racial também foram regulamentadas. Somente em 1982 foi aprovada a lei de apologia, negação e trivialização do genocídio, que passou por algumas alterações nos anos subsequentes. Após a reunificação, estabeleceu-se a pena de prisão. O caso mais famoso foi o de Günther Deckert, sentenciado a um ano de prisão após defender a negação do Holocausto. Contudo, a legislação variou consideravelmente nos últimos anos, tanto em âmbito nacional como provincial. A respeito da memória do Holocausto, as discussões de teorias revisionistas desempenharam um papel fundamental. Para saber mais sobre as regulamentações concernentes a negação na tradição legal alemã e européia, cf. Luther (2008) LUTHER, J. El antinegacionismo en la experiencia jurídica alemana y comparada. Congreso "Historia, verdad, derecho". Sociedad Italiana para el Estudio de la Historia, Universidad de la Sapienza, Roma, 2008. .
  • 10
    Para um estudo mais detalhado das políticas de memória, cf. Johann (2010) JOHANN, M. Gouverner les mémoires. Paris: Presses Universitaires de France , 2010. .
  • 11
    Die Absenkung (o declínio) não foi colocado em evidência até que muitos dos cidadãos que participaram assinando o pilar vissem seus nomes desaparecerem. Após algumas reclamações, foi anunciado que o pilar foi construído contemplando sua desaparição. O fato de deixar a cena como era previamente confirma que o anti-monumento contempla seu próprio esquecimento: "Ao chamar a atenção para sua própria presença fugaz, o contra-monumento zomba da convicção de história dos monumentos tradicionais: ele desdenha o que Nietzche chamou de "história monumental", seu epíteto para as versões petrificadas da história que compram os vivos. De fato, pode-se dizer que o contra-monumento nega as bases para o tropo do epíteto central: após o contra-monumento, a necessidade "monumental" não precisa mais ser concebida como uma figura para os mortos. Ao resistir à sua própria razão de ser, o contra-monumento paradoxalmente revigora a própria ideia de monumento" (YOUNG, 1992, p. 279).
  • 12
    Durante os anos 1980, houve também um grande debate, onde historiadores conservadores relativizaram a singularidade do Holocausto comparando-o a outros genocidios. Por exemplo Ernst Nolte e Michael Stürmer foram duramente criticados por pensadores como Jürgen Habermas e Martin Broszat. A controvérsia finalmente inclinou-se a favor daqueles que defendiam a singularidade do Holocausto.
  • 13
    Uma revisão ilustrativa neste aspecto foi publicada em 2010 pela Zeit Magazin sob o título de War Ur-Opa ein Nazi?. Cf. STAASSS, 2010 STAASSS, Ch. War Ur-Opa ein Nazi? Zeit Magazin, 45, 4-11, 4 nov. 2010. .
  • 14
    "Ao nomear cada categoria de vítima do Nacional Socialismo; nem um judeu com um civil alemão; ao invés disso, cada contexto histórico seria reconhecido por sua singularidade. O tema comum ligando todos os mortos foi aquele de perda irrecuperável" ( KATTAGO, 2012 KATTAGO, S. Memory and Representation in Contemporary Europe: The Persistence of the Past. Farnham: Ashgate, 2012. , p. 84).
  • 15
    Sobre os começos, o processo de decisão e as dicussões pelas quais passaram o projeto, cf. Kuhle (2004) KUHLE, O. Representing German identity in the new Berlin republic: body, nation and place. New York: The Edwin Mellen Press, 2004. , Heimrod, Schlusche e Seferens (eds.) (1999) e Stavginki, (2002). Aqueles textos mostram uma crônica e uma análise a partir dos anos anteriores a unificação até sua abertura em 2005. A iniciativa veio de Lea Rosh, Förderkreis , e então foi tema de debates no Bundestag. Uma vez aprovado, um processo cuja competição estava sendo vencida por um projeto após ser revisado, foi rejeitado. Então a chamada para propostas a qual Eisenman acompanha com Richard Serra não foi a primeira. Essa segunda proposta vencedora foi aprovada com modificações que pediram 2711 ao invés dos 4350 planejados e um centro de informações, o que deixou Eisenman sozinho com o projeto. Outro problema que causou grande debate foi o use de tinta anti grafite para cobrir as trilhas. A empresa que poderia providenciá-la, Degussa, esteve envolvida no abastecimento do gás Zyklon B usado nos campos de concentração nazistas.
  • 16
    A tradução original para o inglês é da autora do artigo. O original diz: "In Peter Eisenmans versteinertem Buch der Erinnerung gibt es nichts zu lesen. Wer jedoch zwischen den unterschiedlich geneigten Stelen die mal ansteigenden, mal abfallenden Wege abschreitet, spürt, dass er eine andere Dimension des Gedächtnisses betreten hat; dass er in den Seiten eines anderen Buches blättert. Während er zögert, seinen Fuß auf den aus abgeflachten Stelen bestehenden Boden zu setzen, und sein Blick sich in der Flucht der vertikalen Stelen verliert, lässt er Schritt für Schritt die Erinnerung, die aufgezeichnet und archiviert werden kann, hinter sich, um ins Unvergessliche einzutreten".
  • 17
    A tradução original para o inglês é da autora do artigo. O original diz: "Die immaterielle Schwelle, die diese beiden Gedächtnisse trennt, ist der eigentliche Ort des Denkmals. Sie auseinander zu halten ist deshalb so wichtig, weil sonst das schlechte Gewissen, das nichts als vergessen möchte, mit Unmengen von Erinnerungen das verdecken würde, was unvergesslich bleiben muss. Diskontinuierlich und unlesbar wie die Stelen, unterbricht das Unvergessliche immer wieder die Fiktionen des kollektiven Gedächtnisses".

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    08 Maio 2015
  • Aceito
    27 Out 2015
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