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Registros de um exilado: subjetividade e aprendizagem política no diário de viagem de Francisco de Paula Santander (1829-1832)

Records of an Exile: Subjectivity and Political Learning in the Travel Diary of Francisco de Paula Santander (1829-1832)

Resumo

O general granadino Francisco de Paula Santander registra em diário sua experiência de viajante-exilado em vários países da Europa e nos Estados Unidos, entre os anos de 1829 e 1832. Tomando como fonte preferencial esse diário e, secundariamente, as memórias - uma delas produzida concomitantemente -, examinamos os significados discursivos atribuídos à viagem. Esta era um recurso para o refinamento pessoal, mas também um aprendizado político e administrativo. Ambos os significados compreendem seu esforço em retomar o prestígio público e recontar a história de sua trajetória, maculada pela acusação de traidor e pelo exílio que se seguiu. A narrativa ordinária demonstra que Santander não pode ser enquadrado como um viajante comum; foi ele um exilado, mais do que um viajante. Essa distinção subjetiva entre viajante e exilado nos conduziu a refletir sobre três questões essenciais: a modelagem da escritura, a subjetividade do escrevente e a estratégia narrativa, assentada na descrição como meio de alcançar uma (sempre pretensa) neutralidade textual.

Palavras-chave
Santander; diário; memórias; exilado; viajante

Abstract

The Grenadian general Francisco de Paula Santander records in a diary his experience as an exiled traveler in various countries of Europe and in the United States, from 1829 to 1832. Taking this diary as a preferential source and, secondarily, his memoirs - one of them produced concomitantly -, we examine the discursive meanings attributed to the voyage. This voyage was a means to add to his personal refinement, but it was also meant to obtain some political and administrative learning. Both meanings comprehend his effort to earn back his public prestige and to retell the story of his trajectory, soiled by the accusation of treason and the exile that followed it. The ordinary narrative demonstrates that Santander cannot be framed as a common traveler; he was an exiled more than he was a traveler. This subjective distinction between traveler and exile has led us to reflect on three essential points: the modelling of the writing, the subjectivity of the writer and the narrative strategy, based on descriptive means in order to reach a (supposedly) textual neutrality.

Keywords
Santander; diary; memoirs; exiled; traveler

Depois do que vi de belas artes na Europa, estou persuadido de que um viajante, percorrendo as galerias que abrigam quadros e estátuas, frequentando teatros com pessoas de algum conhecimento em belas artes, familiariza-se com a pintura em geral, a arquitetura, a escultura e a música. Ademais, instrui-se sobre a história dos povos, seus usos e costumes, a mitologia e muitos outros conhecimentos úteis. Além do mais, um viajante, se faz algum estudo sério, se lida com homens célebres, se frequenta a boa sociedade e se visita os estabelecimentos de ciências naturais, exatas e metafísicas, nada poderá lhe ser tão útil quanto a viagem. Por mim, posso dizer que nestas viagens, nas quais percorri a França, a Inglaterra, parte da Alemanha e da Itália, aprendi mais do que em todo o tempo vivido.

Florença, 06 de novembro de 1830.

(SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 27)

1 1 Duas intervenções metodológicas foram consideradas fundamentais pelas autoras. Com objetivo de conceder fluência ao texto, todas as citações (fonte e referência bibliográfica) foram traduzidas do espanhol. Com o propósito de orientar o leitor, as citações de trechos do diário escaparam ao tipo de referência autor/data, obedecendo à seguinte ordem: (lugar do registro, data. Autoria, título, tomo, ano de publicação, página).

Este artigo é fruto das instigantes possibilidades que o diário de uma personalidade política da envergadura do general granadino Francisco de Paula Santander (1792-1840) propicia2 2 Em outro artigo, Escrever, contar, guardar - Os diários de Santander no exílio europeu (1829-1832), também fundamentado nesse diário de viagem, Bittencourt (2013) examina as reflexões do general granadino sobre as questões políticas da Colômbia e da Venezuela, então sob o comando do grupo de Bolívar, bem como os contatos que Santander fez na Europa e nos Estados Unidos, com o propósito de angariar as simpatias com que contava na tarefa que ele se autoatribuiu de reposicionar sua biografia, marcada pela infâmia. Afinal, depois das lutas independentistas, o grupo dirigente se desentendeu quanto à forma de governo, e Santander foi considerado traidor. . A leitura de diários coloca ao pesquisador um dilema: se pressupomos que a intimidade aparecerá desvelada neste tipo de fonte, arriscamo-nos ao desapontamento. Até quando a intimidade se desvela, não é possível desprezar a censura vigilante dos próprios escreventes. Assim, o exercício de ler um diário exige captar a relação que integra externo e interno à escritura - respectivamente, a saber: os acontecimentos que se quer registrar e a percepção daquele que registra. No tocante à percepção, não se trata de observar apenas a escolha dos acontecimentos, mas como esses vão revelar o que perpassa pelo universo daquele que narra. O acontecimento vivido, quando narrado, permite apreender a existência subjetiva do escritor, de um modo que, não raro, ao próprio escapa. Como este se preocupa apenas em registrar, e não necessariamente em analisar a relação entre o acontecimento e a percepção dele resultante, cabe ao historiador refazer o percurso subjetivo nem sempre tão evidente. Assim, lidamos com uma fonte singular: o diário serve, em primeira instância, para registro, mas nele caberiam confissões. Registrar e confessar parecem ações que ora confluem, ora refluem. Isso significa que, dentre as escritas de si, o diário constitui-se como a mais fugidia a regras metodológicas. Por esse motivo, é necessário contextualizar e caracterizar o diário de Santander.

Aliado de Simón Bolívar nas lutas pela independência, com ele Santander se desentendeu, dentre outros motivos, quanto à forma de governo na Grã-Colômbia, depois da vitória sobre a metrópole, a Coroa Espanhola. Em meio às desavenças, Santander foi acusado de liderar uma conspiração contra Bolívar; em face dessa acusação, foi preso e condenado à morte, tendo a pena comutada pelo exílio. Ao longo das batalhas políticas que se seguiram à morte de Simón Bolívar, em 1830, este general permaneceu como espelho para Santander3 3 Fredrigo (2017), ao analisar as Memorias del General Santander, propõe a interpretação acerca de Bolívar aparecer na narrativa como a persona espelho - persona, segundo a autora, é a “figura que se (re)constrói no texto e depende de um contexto externo - que é o que lhe obriga à escrita. Partindo desse pressuposto, estabelecem-se relações entre autor e personagem e entre texto e contexto, sem que essas relações sejam apriorísticas ao ato biográfico”. Santander elege Bolívar como o outro, a alteridade que esclarecerá (para ele e) para os demais as derrotas enfrentadas, após a independência. Portanto, não há como desconsiderar que, ao escrever suas memórias, Santander se viu imiscuído numa luta representacional com a figura de Simón Bolívar. : as defesas públicas e a trajetória política do granadino não se livraram do peso de sua relação com Bolívar. O diário que tomamos como fonte tem início após a sua libertação da prisão4 4 Sobre sua prisão, Santander escreveu nas linhas iniciais do diário, em formato de epígrafe: “No dia 15 de novembro de 1828 saí de Bogotá, embarcando para Cartagena. No dia 4 de dezembro fui conduzido ao Castelo de São Fernando de Bocachica, de onde me trasladaram ao de São José, no dia 19, e assim permaneci até 16 de junho de 1829, quando fui conduzido a bordo da fragata de guerra nacional Cundinamarca, sob o comando do coronel Jolly. No dia 18 seguinte o buque levantou vela de Cartagena a Porto Cabello, aonde lançou âncora no dia 19 de agosto. Ali permaneci a bordo até o dia 27 de agosto, quando fui embarcado para a Europa”. (SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 15). Anota também suas companhias na viagem, Ezequiel Rojas, Francisco Evangelista González e três criados, a saber, Juan, Cruz e José Caballero. . Nele, anotou minuciosamente os contatos e as atividades na Europa e nos Estados Unidos até o seu regresso, já como presidente, em 1832. Ele foi eleito pelo Congresso, mesmo em ausência, uma vez que, na difícil conjuntura política que levou ao afastamento de Bolívar, o nome de Santander - agraciado com os adjetivos de “o homem das leis” e “organizador da vitória” - alcançou consenso. Cabe lembrar que colaborou para esse consenso o fato de que, em período anterior, ele exerceu, por duas vezes, a vice-presidência da Grã-Colômbia. Os oito cadernos, contendo os manuscritos que compõem seu diário, só foram divulgados em 1948, quando expostos na sede do Museu Nacional da Colômbia. A primeira publicação do diário ocorreu com o patrocínio do Banco de la República da Colômbia, em 1963. A edição que utilizamos, em dois volumes (um correspondente ao período 1829-1832, e outro ao período 1830-1832), é do ano de 1989, pela qual se responsabilizou a Biblioteca de la Presidencia de la Republica, em Bogotá. Faz parte deste projeto editorial mais dois volumes, contendo a correspondência de Santander, nesse mesmo período, e um volume com o índice comentado sobre os lugares e as personalidades que o general visitou durante sua permanência como exilado político na Europa e nos Estados Unidos.

A preocupação de Santander ao escrever era a de registrar lugares e acontecimentos. Embora nenhum registro escape a um princípio subjetivo, posto que há escolha do que e como registrar, Santander elege a descrição como guia da narrativa, pretendendo alcançar a neutralidade (suposta) do registro5 5 Explorar a fonte em seu caráter descritivo implica uma estratégia metodológica das autoras, especialmente pela razão de que o próprio Santander produz uma narrativa apoiando-se na descrição. Além disso, a pecha de traidor e a construção de um perfil de bom administrador - a primeira contestada e a segunda retoricamente elaborada - revelam-se mais nas memórias do general do que nos diários. Reforçamos: no diário, a escrita é contida e descritiva. O que nos permitiu desvendar o perfil de administrador e associá-lo à narrativa do exilado no diário foi exatamente o conhecimento de ambas as fontes e a comparação entre elas, quando possível. Dessa maneira, conduzir o leitor a acompanhar a descrição é recurso metodológico para demonstrar que as fontes têm características distintas. . Nesse sentido, talvez, seu diário possa ser compreendido como o que se convencionou considerar relatos de viagem, também chamados de diários de viajantes, que abundaram no século XVIII até a primeira metade do século XIX. Contudo, este enquadramento condicional, como se verificará ao longo deste artigo, se deve ao fato de Santander não ser um cientista ou um empreendedor em busca do exótico, atividades comuns aos viajantes que tinham no registro um ofício. De imediato e sinteticamente, é preciso anotar que, neste Santander viajante, destacam-se duas condições: a do exilado político e a do administrador de nascentes repúblicas americanas, espoliado do cargo. Para compreendermos a pretensa neutralidade de sua escrita no diário, não é possível perder de vista as condições imanentes à subjetividade do granadino. Mesmo que não mencione ou mencione pouco as circunstâncias políticas de sua terra natal, as condições subjetivas (a de exilado e a de administrador espoliado) emergentes de tais circunstâncias políticas não lhe abandonam; na verdade, tecem, no registro do diário, o não dito, obrigando o pesquisador a alcançar, outrossim, o significado do registro para Francisco de Paula Santander. Essa obrigação se torna mais premente quando tomamos conhecimento de que, na mesma época, o granadino escrevia memórias, para as quais adotava uma outra escritura.6 6 Também no exílio, além do diário, Santander se preocupava em organizar um arquivo de “documentos autênticos”, segundo sua compreensão reiterada, que lhe servia de sustentação para uma peça autobiográfica. Com tal escrito, Santander respondia às acusações de traição e apropriação indébita de recursos públicos (FREDRIGO, 2017). Os acontecimentos na Colômbia e o combate com Bolívar mantêm-se temas fundamentais, entre 1829-1832, aparecendo nas memórias, no diário e na correspondência. De um lado, Bolívar estava correto em sua avaliação, reportada em carta para José Fernandez Madrid, de que Santander, uma vez na Europa, não deixaria de lhe tecer críticas, “calúnias”, em sua expressão. As cartas do exílio merecem um estudo à parte não apenas para captar a rede de relações riquíssimas de Santander, mas sobretudo para avaliar as diferentes gradações do embate entre os generais da independência, demarcadas também nessas missivas. Duas são as convicções de Santander: a perda do projeto liberal e republicano nos territórios emancipados, a responsabilidade de Bolívar na transformação da liberdade em ditadura. De Paris, escrevia a amigos: “É um primor ver que, depois de tantos anos de sacrifício para derrocar a arbitrariedade, tenhamos sido vítimas de insuportável despotismo; e que medidas tão escandalosas tenham sido ditadas por ele que tanto se vangloria do título de Libertador (Carta de Francisco de Paula Santander para Coronel José Concha. Paris, 10/4/1830. Tomo III, R. 12, 1989, p. 25-28) (FREDRIGO, 2017). Imediatamente, surge uma conclusão, seguida de uma interrogação. A conclusão: Santander modela seus escritos, indicando, por meio deles, a distinção entre um diário e uma memória, conforme as elabora. A interrogação: como, ao modelar seus escritos, ele nos revela suas condições subjetivas? Isso implica, como sugerimos, apreender o modelo de escritura de Santander, o que se aproxima da necessidade de responder como o autor distinguia diário e memórias, no próprio processo de escrita. Como demonstração de tais perguntas e do argumento desenvolvido, anotemos a presença da questão financeira no diário e nas memórias. No diário especificamente, apesar de raramente aludir a questões pessoais, quase sempre mencionava seu estado de saúde e os custos da viagem. Não há casualidade na menção. Por um lado, o relato das dificuldades financeiras adquire sentido se considerarmos que recaía sobre Santander a acusação de apropriação indébita de recursos públicos. Por outro, a ênfase nos parcos recursos não vem acompanhada de um exame da situação que o levou ao descalabro econômico. Nas memórias, outra é a construção narrativa Sua situação financeira é esquadrinhada e associada ao evento maior: sua injuriosa condenação como traidor da pátria. Quanto à descrição das cidades que visitava, sua narrativa ordinária distancia-se da forma lacônica que adota com respeito aos demais temas assinalados, e procede a um registro precioso sobre o cotidiano e os eventos dos quais ele se tornou uma testemunha ocular, em uma Europa sacudida pelas revoluções liberais.

Neste artigo, exploramos o diário de uma perspectiva sociocultural, que, evidentemente, não deixa de ser política. Neste percurso, aflora um Santander embevecido com as cidades que conheceu, suas instituições e seu cotidiano. Cultura e política, então, entrecruzam-se no diário, uma vez que o interesse de Santander pela cidade associa-se ao seu iluminismo liberal, ao mesmo tempo em que as instituições e o cotidiano complementam seu aprendizado de administrador. Santander observa e registra com o intuito de aplicar às suas teses políticas a experiência com a “civilização”. Seu deslumbre com as artes e o conhecimento, visto dessa perspectiva, não é o de um viajante comum, mas de um exilado que guarda o desejo de retornar à pátria para a ela conceder o “verniz civilizatório”, reforçando sua crença no projeto liberal. Em síntese, a viagem para o general granadino não é uma opção de desfrute, feita em liberdade, mas uma intercorrência imposta pelo exílio. Ainda assim, nela, ele encontra uma utilidade, criando para si mesmo uma oportunidade de aprendizado. Nesse sentido, tais características vão ao encontro do que Demetris (2012DEPETRIS, Carolina. Viajar en 1832: ¿empresa ilustrada o gesta romántica? Península [online]. v. VII, n.1, 2012, p. 39-49. , p. 3) denomina por empresa ilustrada: “a viagem e o viajante ilustrados assumem como objetivo fundamental o conhecimento científico das realidades visitadas; e, por científico, devemos compreender aqui a busca por saberes universais, por explicações totais, tendentes a alcançar um progresso benéfico para a humanidade”. Apesar de ter registrado observações sobre quase todas as cidades pelas quais passou, trataremos apenas das principais capitais visitadas por Santander: Paris, Londres e Roma, bem como analisaremos sua brevíssima passagem pelos Estados Unidos. O cotejamento com as memórias, objetivo secundário, afirmará o entrecruzamento entre cultura e política, na medida em que revelará as estratégias narrativas diferenciadas de Santander e a elas emprestará sentido, quando vinculadas à experiência vivenciada pelo granadino. Dessa maneira, as comparações entre diário e memórias aparecerão diluídas, no decorrer do artigo.

Escritas modeladas e regras metodológicas: diários e memórias

No século XIX, os diários assomaram como um dos meios privilegiados de registro da intimidade, em uma sensibilidade própria do indivíduo. Segundo Cunha (2009CUNHA, Maria Teresa. Diários pessoais - Territórios abertos para a História. In: PINSKY, Carla Bassanezi e de LUCA, Tania Regina (Orgs.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, p. 251-280.), os diários pessoais são formas de inscrição autoral, consideradas escritas ordinárias e, ao serem trabalhados pelos historiadores, movimentam-se do espaço privado para a visibilidade pública. Há expressas dificuldades para circunscrever as narrativas dos diários de viagem em algum gênero, posto que a multiplicidade dos relatos desafia qualquer precisão formal, segundo Nicolia (2006NICOLIA, Beatriz Colombi. A viagem e seu relato. Latino América - Revista de estúdios latino-americanos, México, v.2, n. 43, 2006. p.11-35 .). Contudo, desde o século XVII, com a valorização da experiência individual, a prática de relatar viagens se consolidou e responde aos mesmos princípios retóricos do relato histórico: brevidade, simplicidade e veracidade. A compreensão de que a viagem altera o cotidiano, sendo uma surpresa e/ou um tempo suspenso, reitera a relevância do registro, tornando viajar e narrar etapas estreitamente vinculadas. Apesar de individual, o registro interfere e modifica a realidade das paisagens visitadas. Por isso, Nicolia (2006NICOLIA, Beatriz Colombi. A viagem e seu relato. Latino América - Revista de estúdios latino-americanos, México, v.2, n. 43, 2006. p.11-35 .) reitera como tais narrativas configuram uma formação discursiva que abriga em seu interior gêneros discursivos menores, como guias, mapas, cartas, itinerários, descrições. A textualidade permite desvendar por detrás de cada relato uma seleção de momentos e cenas, uma articulação hierarquizada e uma reorientação dos eventos. Nicolia (2006NICOLIA, Beatriz Colombi. A viagem e seu relato. Latino América - Revista de estúdios latino-americanos, México, v.2, n. 43, 2006. p.11-35 .) assinala que a viagem contém a disposição de uma narração, um começo (a partida) que interrompe o continuum da vida, permitindo o nascimento de uma parcialidade independente e um fim (o regresso).

A viagem é o relato de uma mudança que se produz em um sujeito submetido à alteridade, e sua narração obedece a padrões estabelecidos na sua própria língua para expressar tal mudança. É preciso reiterar que a comparação é a figura central em qualquer viagem, uma vez que é o pensamento analógico que permite tornar inteligível a diferença. Não importa quão próximo ou exótico seja o objeto; este sempre encontrará um correlato e, portanto, uma chave metafórica para alcançar seu leitor. A despeito da concordância com a autora no tocante aos problemas colocados, voltamos a indicar a peculiaridade do diário de viagem de Santander: não é ele um viajante com data de regresso marcada, é um desterrado. Não sabe se voltará nem quando, apenas guarda o desejo, que, talvez, se realizasse com a morte de Simón Bolívar. Nesse sentido, seu registro revela a experiência desterritorializada e atemporal, num reforço da condição de exilado que, desfamiliarizado com a experiência cotidiana das gentes do lugar que visita, desloca-se, ainda, em tempo distinto do que considera como seu.

Em um diário de viagem, as estruturas narrativas são operações organizadoras do espaço como mapa e como percurso, a partir de procedimentos de delimitação e de focalizações enunciativas (Nicolia, 2006NICOLIA, Beatriz Colombi. A viagem e seu relato. Latino América - Revista de estúdios latino-americanos, México, v.2, n. 43, 2006. p.11-35 .). As chamadas digressões são inerentes à literatura de viagens, em um cultivo de alternâncias, uma vez que mal se chega e já se tem de preparar para partir. Mesmo que proporcione estratégias dispersivas ou de distração a respeito de um eixo (itinerário, caminho ou objetivo), a viagem dispõe de numerosas ancoragens para reforçar a coesão e a unidade (2006). Desse modo, a fiabilidade do relato de viagem se apoia em seu caráter de testemunho presencial, o que se reforça no protagonismo do olhar que fixa seleções e hierarquias no relato daquele que escreve: a pessoa que viaja. Por esse motivo, a viagem aparece frequentemente associada aos gêneros íntimos como diários.

A elaboração de uma das memórias de Santander - projeto gestado durante o exílio e, portanto, no decorrer do deslocamento de uma capital europeia a outra - diverge da constituição narrativa do diário. Dela, o que cabe ressaltar, para o que nos interessa neste artigo, é a característica de batalha no presente, visando resguardar a trajetória política do granadino no futuro. A mencionada memória, datada de 1829, trata da relação entre Bolívar e Santander; apesar de escrita um ano antes da morte de Bolívar, só foi publicada em um órgão de maior divulgação após o falecimento de ambos os generais7 7 Referimo-nos, aqui, à peça autobiográfica intitulada Memorias sobre el origen, causas y progreso de las desavenencias entre el Presidente de la Republica da Colombia, Simón Bolívar, y el Vicepresidente de la misma, Francisco de Paula Santander, conforme indicado na nota 5. Uma segunda peça autobiográfica, Apuntamientos para las memorias sobre Colombia y la Nueva Granada, foi redigida por Francisco de Paula Santander em 1837, sendo publicada em 1838 e 1839 na Colômbia, e em 1869 em Paris. Para acompanhar a reflexão sobre a conceituação de “memórias” e “autobiografias”, ver FREDRIGO, 2017. . Entretanto, não é possível desconsiderar que, nos idos de 1829 e 1830, esse escrito disseminara-se em círculos restritos, porém de grande importância. Para Santander, a memória de 1829 serve, outrossim, como espaço narrativo para compreender os motivos que o levaram ao exílio. Já a peça de 1837, uma segunda memória, registra sua acolhida na Europa e o que ele percebera como equívoco estratégico de Bolívar: para Santander, a situação de exilado, uma vez vivenciada e distante no tempo, seria tomada como uma oportunidade, em suas palavras um desterro suavizado:

Bolívar concebera a falsa ideia de que, tendo me encerrado num castelo ou desterrado na Europa, ele podia chegar mais facilmente ao poder onipotente a que aspirava. Que miserável engano! Eu sofria meu desterro suavizado, é verdade, pela acolhida que obtive na Europa e que jamais esquecerei, enquanto a Colômbia seguia experimentando novas agitações e transtornos. (SANTANDER, 1837, p. 79 apudSANTANDER, F.P. Santander en Europa: Diario de Viaje (1830-1832). Bogotá, Colômbia: Fundación para la conmemoración del bicentenário del natalicio y el sesquicentenário de la muerte del general Francisco de Paula Santander, 1989. [Biblioteca Presidencia de la República] FREDRIGO, 2017FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837). Goiânia: CEGRAF/Editora da UFG, 2017. , p. 106).

Como as memórias registram a experiência, fruto, neste caso, do vivido avaliado à luz da reminiscência, o exílio assume características distintas, uma vez comparadas as peças de 1829 e 1837. Só se encontra a ideia de um "desterro suavizado em 1837; em 1829, o desterro é devastador (FREDRIGO, 2017FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837). Goiânia: CEGRAF/Editora da UFG, 2017. , p. 106). Diante de indícios narrativos variados, a relevância do cotejamento entre as memórias e o diário de viagem não exige maiores justificativas.

A elaboração dos relatos: deslocamento, cultura e política

O registro das atividades cumpridas no diário, quando da visita a Paris e a Londres, revela que o lugar ocupado por essas capitais, no entendimento de Santander, é distinto: nas duas cidades, manteve seu projeto de se encontrar com personalidades que pudessem ajudá-lo, de algum modo, a intervir na situação política americana, mesmo que isso se limitasse ao acúmulo de aprendizagem, observando o cultivo dos hábitos, no decorrer da viagem. Junto desse objetivo, manteve-se informado sobre a Colômbia e, no diário, mencionava seus esforços para retratar a injustiça da condenação e do exílio.

Comparando os relatos elaborados em Paris e Londres, verificamos três circunstâncias de escritura. 1) Há um cuidado maior na narrativa dos costumes em Londres; os relatos tornam-se mais longos, inclusive. Londres apresenta a Santander uma cultura peculiar, o que o leva a registrar pormenorizadamente os usos e costumes que, segundo suas palavras, “em tudo difere dos outros da Europa”. (Londres, 13 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 167). Essa narração mais apurada decorre da novidade com a qual se deparava, apesar de a comparação manter a alteridade. 2) Conforme a comparação se expressa, não se trata apenas de compreendermos que Londres é peculiar, mas que Paris é familiar, daí a confirmação da influência da cultura francesa na América Ibérica. 3) A despeito da obviedade, é importante guardar a informação de que a hierarquização de Santander dar-se-á considerando que não se trata de um europeu em visita ao mundo colonial, mas de um criollo, marcado pela experiência colonial, em visita às metrópoles colonizadoras.

Conforme anunciado, Santander registra os costumes por onde passa, mas não perde de vista sua terra natal. Entretanto, intriga a forma do registro, que acaba por confirmar uma hipótese aventada anteriormente: o granadino tem na Colômbia uma referência de comparação, mas não na maior parte das vezes. Ou seja, a Colômbia aparece em seu diário por motivo mais específico do que pelo interesse na comparação com os costumes europeus, embora encontremos esta elaboração narrativa também. De fato, a América aparece em seus registros pela situação política que lhe afeta e que definiria o futuro político e pessoal de Santander, como ele bem sabia. Nesse sentido, ao escrever no diário, age como exilado, e não como viajante: não tem o tempo simplesmente suspenso; antes, vivencia os acontecimentos de dois lugares, os do que visita e os de seu país. Se não compreendermos isso, não teremos resposta para algumas minúcias que não caberiam ao registro de um diário de viagem. Exemplo de uma delas é a menção de Santander sobre o envio a Bolívar de uma solicitação: a de que a representação escrita na prisão de Bocachica e seu processo por conspiração fossem impressos e publicizados. Dito isso, não cabe dúvida de que o diário foi, para Santander, um amparo; as anotações que abriga serviriam a escritos futuros. O registro, mesmo que breve, tem a função de não permitir o esquecimento, mas é precioso especialmente pelo que permitiria a elaboração de memórias, de cunho não ordinário. Essa hipótese se confirma quando percebemos que o escrevente multiplica suas anotações (o que significa definir modelos diferenciados de escritura), durante seu deslocamento. Uma passagem de 20 de junho termina com a seguinte informação: “Entre meus papéis, conservo um prospecto do diário que comecei a redigir, no particular. Não saí à noite”. (Londres, 20 de junho de 1830. SANTANDER, 1989, Tomo I, p. 174). Assim, tal como argumentamos, não é possível separar cultura e política nas anotações do diário de viagem do general granadino.

Paris e Londres: a comparação civilizatória, entre o distinto e o familiar

Santander desembarcou em Hamburgo no dia 15 de outubro de 1829, percorrendo várias cidades da Alemanha durante o restante desse ano até o início de 1830, quando passou pela Bélgica a caminho da França. Chegou a Paris no dia 17 de fevereiro de 1830 e começou o périplo pelos pontos mais importantes da cidade; no dia 25, ele visitou o Louvre, a tumba de Luís XVIII e o Madalena, edifício construído por Napoleão para abrigar os cadáveres de “homens ilustres”. Desvelando seu olhar aguçado para as novas possibilidades anotou:

De regresso, vi um homem que no bulevar observava a lua com um telescópio; esta é uma das mil possibilidades que há aqui. O dono do instrumento ganha alguns trocados permitindo a todos que vejam os planetas. Aqui, mais do que em outras partes por onde andei, há inúmeras possibilidades de se ganhar a vida; encontram-se nas ruas homens com escovas para limpar as botas e para limpar os vestidos, diários que se leem por um centavo, diligências ou coches de bairro a bairro da cidade, em todas as horas do dia, ao custo de seis soldos por pessoa, etc. É digno de nota que na Europa são as mulheres que se ocupam inteiramente de quase todos os ofícios e exercícios de especulação. (Paris, 4 de março de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 109).

À primeira vista, elementos descritivos que desvelam uma compreensão do que a Europa tinha, mas rareava na América afetada pelas guerras: espaço público - do qual usufruíam inclusive as mulheres, sendo “digna de nota” a presença feminina e sua atuação - e geração de ofícios por iniciativa individual. Santander buscava conhecer distintas instituições, tendo percorrido inúmeros estabelecimentos de beneficência, escolas, oficinas, abrigos8 8 Visita uma cooperativa no dia 20 de junho de 1830, deixando entrever em seu relato a relação entre a civilização e a aprendizagem. Segundo suas informações, tal empreendimento era dirigido por Owens [referência ao já célebre Robert Owens, considerado como um dos fundadores do socialismo utópico], que ministrava aulas todos os domingos e “tinha seguidores até nos Estados Unidos” (Londres, 20 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 173). Da experiência, relatou que o objetivo do instituto era aperfeiçoar a sociedade, introduzindo uma espécie de comunidade de prazer a favor da anulação das fortunas, das riquezas e do trabalho material e intelectual dos homens. Após essas observações, Santander escreveu: “Por mais filosófico que seja o projeto, eu penso que é irrealizável, principalmente nos Estados governados monarquicamente”. (Londres, 20 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 174). . No dia 12 de março, visitou a biblioteca do Rei, com cerca de quinhentos mil volumes distribuídos em grandes salões e organizados “como a biblioteca de Bogotá”. A comparação se faz sempre presente no diário, e nesse caso certamente foi a biblioteca de Bogotá organizada segundo os padrões europeus, e não o contrário. Para não restar dúvida, anotou que a biblioteca que visitava teve início sob o reinado de Carlos V, o Sábio, ressaltando que o fechamento dos conventos no período revolucionário e a transferência dos acervos para locais públicos como aquele ampliaram os volumes ali disponibilizados ao público. No dia 13 de março, ao passar pelo Jardim do Rei ou Jardim Botânico, foi apresentado ao naturalista Saint Hilaire, membro da Academia Real de Ciências.

No dia 14 de março, visitou a Igreja de Santa Genoveva, lembrando que anteriormente ali era o Panteão, mandado edificar ao tempo de Luís XV pela Assembleia Nacional para sepultar os “grandes homens”, antes da Restauração em 1822. Visitou a igreja da Sorbonne durante um ofício religioso, asseverando: “o canto executado por jovens inteligentes me inspirou um respeitoso prazer e contentamento”. No dia 17, visitou a Câmara de Deputados e, no dia 21 de março, um domingo, foi convidado para a missa na capela real. Descreveu a capela e a missa, celebrada por quatro eclesiásticos e quatro acólitos, tendo ao centro um piquete de dezesseis soldados. Santander anotou: “a música é magnífica e o canto é divino, pois as atrizes da grande ópera é que cantam. Pareceu-me que a música e o canto não permitem que se ouça a missa devotamente” (Paris, 21 de março de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 125). Também registrou encontros frequentes com autoridades europeias e americanas, exiladas ou de passagem pela Europa. Era recorrentemente procurado por pessoas interessadas em aprofundar conhecimentos sobre a América, particularmente sobre a Colômbia, ou se informarem sobre os encaminhamentos políticos. Recebia também convites das mais diversas instituições, para comparecer a eventos. Era convidado para soirées ou tertúlias. No prólogo ao diário, o editor Mario Germán Romero chama a atenção às “curiosas estatísticas das atividades de Santander na Europa. No período de desterro ele assiste à apresentação de 162 óperas, 129 peças teatrais e revistas musicais, sete espetáculos circenses e a 36 concertos” (GERMÁN ROMERO, 1989, p. XXII). Reforçamos o entrecruzamento: não faltam notícias atualizadas da América a Santander, assim como ele as utiliza para tecer contatos com personalidades europeias de destaque, buscando esclarecer, de sua perspectiva, os fatos que o levaram ao exílio. A narrativa breve no diário, que entremeia informações políticas da terra natal ao cotidiano na Europa, pode deixar o leitor confuso, como ocorre, por exemplo, em uma anotação datada de 16 de março. Após uma rápida menção à Colômbia e ao comentário de um interlocutor sobre a inadequação da república na América, Santander expressa sua irritação com uma dor de ouvido. A sequência narrativa pode soar até como um chiste: não tendo gostado do que ouviu, lembrou-se do aborrecimento da enfermidade que lhe impediu de tomar banho por alguns dias. O corte abrupto na narrativa é o que permite essa interpretação:

Disse-me [o Senhor Sismondi] que o Duque Montebello, que acabara de chegar de Bogotá, falava mal da situação da Colômbia, que o governo estava sob o poder de cinco ou seis pessoas e que a oposição era também pequena, que a massa da população era inerte e que o país não podia ter um governo republicano. Estive falando com a Senhora Destutt de Tracy um pouco, e com Vidaurre. Há três dias sinto uma irritação no ouvido, motivo pelo qual não tomei banho hoje. (Paris, 16 de março de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 120).

No dia primeiro de abril, visitou o palácio de Saint Cloud e escreveu que ali os reis passavam a primavera e o verão, tendo sido também o local no qual Napoleão realizou o 18 Brumário. No dia 8 de abril, Quinta-Feira Santa, anotou que desde a quarta até a sexta-feira se faziam passeios pelos Campos Elíseos até o Bosque de Bolonha, chamado de Long Champs, aos quais se dirigia a imensa população de Paris a pé, a cavalo ou de coche. Na noite do dia 27 de abril, esteve em uma soirée na casa do general Lafayette, com quem tivera vários encontros anteriores; foi o general que se encarregara de restabelecer suas relações com Bolívar. Em meio ao relato das atividades culturais que frequentava, destacava sempre a admiração despertada por sua figura em representantes de governos do mundo inteiro. Anotava com regularidade as missivas que escrevia e recebia; registrava com diligência os recursos pecuniários de que dispunha para manter a si e seus acompanhantes. Mencionava também as enfermidades que o acometiam ao longo do percurso, todas sem maior gravidade, como infecção no ouvido e resfriado. Referenciava os presentes recebidos, inclusive um busto de bronze feito sob medida, em homenagem aos seus feitos na luta pela independência da Colômbia. Listava os procedimentos com passaportes e vistos nos diversos deslocamentos. Considerava um imperativo moral reposicionar sua biografia, livrando-se da mácula da traição, envidando todos os esforços nesse sentido, durante o exílio. Essa forma de elaborar a narrativa - registros detalhados quanto às personalidades políticas encontradas e à situação na América, entremeados pelo deslumbre com a riqueza cultural da cidade visitada - talvez responda ao fato de ter sido comunicado pelo governo francês de que atividades políticas da parte dele não seriam toleradas; Santander evitou-as, entretanto, sem as deixar completamente de lado. Foi discreto, mas eficaz.

Atendendo ao convite da Sociedade Revista Enciclopédica, compareceu a uma reunião no dia 11 de maio, quando foi convidado para ser membro da mesma. No dia 4 de junho, iniciou sua primeira viagem à Inglaterra, chegando ao seu destino no dia 8 daquele mês. Baseado na sua experiência em Paris, teceu comparações:

O país está perfeitamente cultivado de Canterburry a Londres, tão povoado e tão repleto de casas de campo que admira e compraz vê-lo. O caminho, as diligências, os cavalos, seus arreios, a cultura do campo, as populações, tudo me pareceu o melhor que já vi. Os povoados são alegres e asseados, os hotéis muito decentes. Quatro milhas antes de chegar a Londres há tantas povoações, que parecem uma mesma cidade, e edifícios muito belos rodeados de jardins. A cidade até agora me parece enorme, as casas edificadas com bastante simetria, ainda que as paredes estejam escuras; as ruas muito largas e pavimentadas, sem os canos que Paris tem ao meio. Nos povoados há algumas casas de palha, quase todos os tetos são de telha em lugar de ardósia e alguns edifícios são de madeira, os demais de ladrilho ou de adobe. As mulheres todas me parecem muito bonitas. (Londres, 08 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 161).

No dia 15 de junho, anotou que os jornais divulgavam a adesão de Bogotá à luta pela independência da Venezuela. Seus registros sobre as questões políticas eram lacônicos9 9 Mais um reforço: a despeito disso, revelam indícios de que a situação política da América do Sul nunca deixou de ser acompanhada, de muito perto, por Francisco de Paula Santander. Em março de 1830, registra: “Recebi de Londres um boletim de notícias da casa Michols & Lucas, que continha uma carta da Jamaica do Doutor Azuero e impressos de Bogotá contra a administração constitucional (este boletim me custou 20 francos, ou seja, 4 pesos)”. (França, 28 de março de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 130). , diferentemente das anotações sobre usos e costumes, bem como a arquitetura das cidades europeias, que eram detalhados, como assinala a descrição abaixo:

Na estação de inverno a boa sociedade de Londres não tem espetáculos, nem soirées, nem bailes como em Paris; ou vão ao campo, onde recebem em suas magníficas quintas, ou viajam pelo continente. É em maio, junho e julho que a sociedade tem suas diversões na capital; teatros, suntuosos bailes, soirées ou partys, comidas, etc. Já se vai desterrando o pugilato para divertir o público. As corridas a cavalo são muito estimuladas e concorridas. [...] Os convites são para as oito regularmente. O serviço é luxuoso, quer dizer pratos revestidos de prata ou prateados, boa louça e bons talheres. Nenhum inglês ou inglesa falam com ninguém em nenhuma parte sem que antes tenha sido apresentado. (Londres, 19 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 173).

No dia 12 de junho, visitou a famosa ponte de Waterloo e diversos outros lugares históricos, assinalando as diferenças entre as duas nações:

[...] depois de minha saída de Paris, me pediram o passaporte em Air, em Saint Omer e em Calais; na Inglaterra somente em Dover para me entregar outro. [...] As vestimentas das mulheres daqui geralmente diferem muito das da França; quase todas portam gorros; na França somente os usam as senhoras e as pessoas que prezam a comodidade. Os trabalhadores aqui usam casaco branco largo, em vez do azul curto que usam na França. Os criados e criadas, em vez de um avental, usam uma espécie de camisão que cobre do peito até o tornozelo e somente à frente. De Paris a Calais nos mortificaram os pobres e crianças pedindo esmola com impertinência, o que não aconteceu de Calais a Londres, a não ser em um ponto. Em Paris não se pede esmola, pois quem o fizer é castigado como vagabundo. (Londres, 9 de junho. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 162).

Descreveu o primeiro passeio em Londres “em ruas excelentes, cada uma mais formosa que a outra” (Londres, 9 de junho. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 162). Impressionou-se com as salas da Câmara dos Lordes. No dia 12 de junho, visitou a abadia de Westminster, “aonde se coroam os reis e onde são enterrados os grandes homens”. (Londres, 12 de junho. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 165). Considerou magnífica a arquitetura gótica em forma de cruz e os sepulcros de Henrique VII; de Eduardo, o confessor; de Isabel, enterrada no mesmo lugar que Maria da Escócia, que fora decapitada sob suas ordens e de Ricardo II. Na capela de Henrique VII, surpreendeu-se com os mosaicos antigos que ele considerou simplórios; em outra capela, anotou que naquele lugar se coroavam os reis, em uma espécie de estrado alto, localizado do lado esquerdo do altar. Ainda, em outra capela, estavam as cadeiras destinadas à cerimônia de coroação desde tempos imemoriais, também de madeira, “muito ordinária”. A escolha das palavras para compor a narrativa reforça sua surpresa com o ascetismo inglês; o granadino esperava suntuosidade nos lugares destinados à coroação dos reis.

No mesmo dia, assistiu a uma ópera e a uma apresentação de uma companhia de balé de Paris, e observou “com pesar que os ingleses não conhecem e nem sentem a música; regularmente aplaudem e pedem repetição das passagens estrepitosas e fortes”. (Londres, 12 de junho. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 167). Em 13 de junho, iniciou as anotações do dia escrevendo:

Começarei a anotar os usos e costumes do povo inglês, que em tudo difere dos outros da Europa. O comércio, quer dizer os comerciantes e os manufatureiros, não gozam de grande consideração na sociedade. A cozinha inglesa é simples, com pouca variedade. Há nisso, como em todas as coisas, um sistema constante. Nas casas não há porteiros como na França; mesmo as portas estando sempre fechadas, se abrem pela portinhola, quando se bate ou se toca uma campainha; o modo de bater tem suas regras. Os salões têm pouco adorno, como espelhos, lâmpadas, relógios, em relação à França. Os hotéis são muito simples, mesmo que alguns sejam grandes e todos limpos e asseados. Não se costuma fixar convites nas paredes: ou se coloca em uma mesa baixa ao pé da parede ou em alguma grade, ou alguns homens andam pela rua com eles afixados em uma espécie de estandarte. Não há muitos escritórios de correios como em Paris, isto é, os encarregados de levar a correspondência para fora da cidade; em lugar disso, um homem passa pelas ruas todos os dias com uma campainha recolhendo as cartas para levá-las ao correio. [...] Em todo salão, teatro, reunião, etc., se pode entrar com o guarda-chuva ou bengala, porém não há como na França quem os recolha na porta e, depois, cobre gorjetas ao devolvê-los. (Londres, 13 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 167).

Estranhou a atmosfera da cidade, sempre escura devido à fumaça expelida pelas chaminés, pois se usava o carvão de pedra que deixava o horizonte negro e desagradável. Destacou que aos domingos, também como na França, todas as lojas ficavam fechadas; não havia teatro e nenhuma outra atividade. Ali os negócios “se decidiam após prévia discussão, o que contribuía para difundir as luzes e criar um interesse comum por qualquer espécie de matéria, assunto e empresa”. (Londres, 13 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 168). Os relatos de Santander nos dão pistas de seu interesse pela prática comercial e empresarial, ou melhor, de sua curiosidade pela aplicação dos princípios liberais ao cotidiano, isso em um país que se tornara conhecido por seu pioneirismo neste quesito. Chama muito a atenção a anotação de que comerciantes e manufatureiros não gozavam de prestígio social. A Inglaterra era pioneira no comércio e na indústria, mas não deixava de ser, do ponto de vista sociocultural, uma monarquia. Mantinha-se, por isso, presidida pelos valores do Antigo Regime, atuante na primeira metade do século XIX. Ainda assim, se na visita à Paris percebemos as controvérsias da revolução, ao registrar o cotidiano dos ingleses notamos a positividade atribuída ao engenho em relação ao trabalho e à apropriação espacial. Sua narrativa sobre a organização do espaço citadino revela aprovação.

Escreveu que a cidade tinha mais de setenta praças, todas muito arborizadas e rodeadas de grades como nos jardins, o que contribuía para enfeitá-las. Observou que em algumas das principais ruas havia pequenas praças redondas chamadas de circos, todas arborizadas. No dia 17 de junho, visitou uma ponte suspensa, que ele considerou ser melhor do que as de Paris sobre o Sena. Visitou Greenwich, a seis milhas de Londres, passeando pelo seu magnífico parque e jardim, onde se localizava o famoso observatório. Mais uma vez teceu comparações:

Ali está localizado um estabelecimento do governo para ensinar os rudimentos de náutica a 400 jovens filhos de marinheiros. Ao lado está outro estabelecimento para meninas, também filhas de marinheiros. O lugar é imenso. Ali se encontra o charmoso e vasto edifício aonde se recolhem os marinheiros inválidos, mantidos pela Marinha. Ali têm seu hospital, médicos, boticas, passeios, etc., de modo que há agora cerca de três mil inválidos tratados muito melhor do que os inválidos de Paris. O edifício tem quatro partes e dá para o Tâmisa. (Londres, 17 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 171).

O aprendizado destinado àqueles que poderiam vir a formar as classes perigosas e o acolhimento aos inválidos, a cargo do Estado, são atividades que merecem observação. Seu relato indica que sua visão ultrapassa o assistencialismo para alcançar a segurança administrativa do bem-estar social. Não por acaso, se preocupa em descrever os estabelecimentos quanto à dimensão (lugar imenso), à beleza (charmoso edifício) e à comodidade (o acesso a hospitais, médicos, boticas, passeios). Sem ter tido iniciativa similar em Paris - talvez pela rede de sociabilidade mais expressiva, que lhe tomava mais tempo em atividades culturais, fazendo-lhe dividir espaço com os passeios de pura observação -, ele registra os hábitos londrinos detalhadamente:

As corridas de cavalo são muito estimuladas e concorridas pelos ingleses; as de Ascot são as mais citadas. Nas casas há sinos e batentes para tocar a porta; os criados tocam a sineta e os cavalheiros o batente. Pela manhã não se visita as senhoras e, mesmo quando são vistas, não se vê as filhas; é pouco antes ou depois de comer que estas são vistas. A comida comum é o pescado, assado, legumes, pouco pão, vinho, que não seja francês (porque é muito caro), queijo e raras vezes uma torta doce ou pudim. Depois se serve chá. O almoço é café com leite e algumas vezes carne fria ou alguma ave. Comumente, se come às 6 da tarde, ou ainda mais tarde. Prevê a etiqueta que os convites sejam para as oito regularmente. Consome-se também pouca fruta. (Londres, 19 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 173).

No dia 21 de junho, passou pela coluna de pedra “erguida para perpetuar a memória do terrível incêndio de Londres de 1666” (Londres, 21 de junho. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 175); e, no dia 23, visitou o Museu Britânico e se maravilhou com a exposição de antiguidades gregas e egípcias apoderadas pelos ingleses e exibidas permanentemente naquele local. No dia 26, registrou a morte do rei George IV em seu palácio de Windsor, a 20 milhas de Londres, e a escolha do seu irmão, o duque de Clarence, que assumiu o nome de Guilherme IV. Anotou que o luto rigoroso começaria no dia 30 e se prolongaria por seis semanas; todos deveriam expô-lo pelas vestimentas. Ele descreveu as cerimônias dessa transmissão; fazia parte dela o fechamento das portas da cidade até a proclamação do sucessor, uma simbologia para impedir a ocorrência de usurpação do poder ou de privação da cidade de seus privilégios e liberdades, cerimônia que reiterava os direitos do cidadão. No dia 29, registrou que o luto era diferente para distintas solenidades, havendo etiqueta para sair à tarde e para passear. As gazetas publicavam os detalhes dessa mudança e “quase todas as lojas não continham senão gêneros e coisas próprias para luto”. (Londres, 29 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 180-181).

No dia 30, visitou a Torre de Londres, construída ao tempo de Guilherme I para moradia dos reis, assim funcionando desde Guilherme, o Conquistador, até a Rainha Isabel, quando foi transformada em prisão. Anotou também que a Companhia das Índias recebia em seu escritório correspondência para qualquer parte do mundo, e dali estas eram entregues à administração geral dos correios que as remetia para os mais distintos países. No dia 5 de julho, depois de ter solicitado, foi recebido por Jeremias Bentham. Descreveu-o como um “ancião de mais de 80 anos, alegre, baixo, gordo e com cabelo inteiramente branco que lhe caía pelas costas, vestido de forma antiga e simples, sem gravata ou qualquer enfeite”. Com Bentham, a conversa não pôde escapar da política; falaram, então, sobre a Colômbia e Bolívar, quando o inglês, de “opiniões eminentemente liberais”, disse “que não havia tirano que não tivesse seu Timoleão10 10 General grego, considerado figura fundamental para a vitória contra Cartago. e que esperava não ser Bolívar uma exceção a essa regra consoladora para a liberdade”. (Londres, 29 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 185).

No dia 10 de julho, deixou Londres, passando pelos países Baixos; percorreu as principais cidades até o dia 26 quando retornou a Hamburgo. No dia 14 de agosto, seguiu viagem para Berlim. Percorreu várias cidades da Alemanha até o dia 30 de setembro, quando chegou ao Tirol italiano. Passou por Veneza, Florença, onde permaneceu por mais tempo, do dia 22 de outubro ao dia 6 de dezembro, tendo participado de inúmeras atividades sociais.

Roma: a suntuosidade religiosa, a pobreza e a revolução nos estados papais

Para Santander, Roma significou a possibilidade de demarcar, ainda mais, a diferença já percebida em Paris e Londres. A comparação, porém, era implícita, como demonstraremos a seguir. Não parecia haver contatos prévios ou importantes a serem localizados em Roma. Ao que tudo indica, Santander escolheu tal itinerário por desejo de conhecer a cidade, não tendo interesses políticos planejados para esta viagem. A despeito disso, sua passagem foi rica em acontecimentos considerados significativos pelo escrevente: ele presenciou os funerais de um Papa, um Conclave e os conflitos em território papal, emergentes no contexto da Revolução Liberal. Os registros sobre os rituais que acorriam ao espaço público se destacam pelo cuidado descritivo "e pela implícita narrativa de confronto, que exigia demarcar o teor laico ou religioso dos rituais, associando-lhes desdobramentos sociais.

Santander chegou em Roma no dia 8 de dezembro de 1830. Descreveu a magnífica entrada da cidade pela praça do povo e comentou: “Tendo comprado o itinerário de Roma, me refiro a ele em todos os pormenores dos monumentos”. (Londres, 08 de dezembro de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 37). O diário detalha cada passeio de Santander com minúcias que nenhuma cidade visitada anteriormente merecera. Os guias/itinerários compuseram a formação discursiva sobre a cidade, na qual Santander se portou mais como viajante do que como exilado. Recebeu carta de permanência de três meses. Assinalou, no dia 10 de dezembro, que a Roma moderna tinha 140 mil habitantes - já havia informado que Londres possuía cerca de um milhão e quatrocentos mil habitantes. Nesse mesmo dia, visitou o monte Palatino “habitado pelos primeiros reis” (Londres, 10 de dezembro de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 41).

No dia 11 de dezembro, escreveu que tinham começado na Basílica de São Pedro os funerais do Papa [Pio VIII - 1829-1830] aos quais ele compareceu, descrevendo que o túmulo era magnífico e a cerimônia muito concorrida. Santander destacou o canto de ofício de réquiem com dois sopranos castrados. Não havia música, e os funerais duraram três dias; no último, após a oração fúnebre, o Conclave para a sucessão foi aberto. Em visita ao capitólio moderno, ele destacou que o percorreu lentamente com o guia nas mãos. Visitou o Fórum Romano, e sobre essas visitas escreveu prolificamente. No dia 13, visitou o Palácio Quirinal ou Montecavallo, onde os papas passavam o verão. Lembrou que nesse Palácio se reuniriam, no dia seguinte, os cardeais em conclave para a eleição do novo Papa. Anotou também no diário, sob o título Observações:

A população de Roma se compõe de um grande número de gente pobre e miserável. A afluência de estrangeiros sustenta condutores, cocheiros, cavadores e aqueles que têm casas ou quartos para alugar. Sem isso essa população não conseguiria subsistir. Pessoas de toda condição consideram que a frequente morte de papas arruína o Estado porque, além dos gastos que ela causa, obriga a suspender as diversões, os teatros, etc., dos quais subsistem muitas pessoas. Os gastos dos funerais de Leão XII [1823-1829] ainda não tinham sido pagos. O povo geralmente é ignorante; a carreira que lhes é franqueada é a eclesiástica ou a de lacaios ou pintores, escultores e músicos. O estado eclesiástico é numerosíssimo. O povo é supersticioso, tolerante e não tem respeito servil pelo clero. (Roma, 13 de dezembro de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 46).

Mesmo que Santander não evidencie a comparação com Paris e Londres, esta se sobressai nas anotações, que se preocupam, inclusive, em relacionar a religião à situação de descalabro econômico - é por meio dessa estratégia narrativa que identificamos a mencionada comparação implícita. Do ponto de vista da composição sociocultural e econômica, Roma é percebida como inferior. Se em Londres Santander parece surpreso com o ascetismo protestante, em Roma lhe impressionam os gastos com os rituais religiosos, decorrentes dos funerais pontifícios, que recaíam sobre uma economia já deficitária. O interesse religioso não é casual: em Londres, o ascetismo (herança cultural protestante) associa-se a uma economia pujante; em Roma, o catolicismo ao desperdício, à pobreza e às limitadas possibilidades de trabalho. Ademais, culturalmente, a população, provida apenas de trabalhos voltados a servir os visitantes que afluíam à cidade, tornara-se supersticiosa, apesar de paradoxalmente ter ciência da ruína provocada pelos gastos religiosos. A crítica à religião, seja pela sugestão do anticlericalismo ou pela luxúria dos religiosos, informa o discurso de um liberal, sustentado pelos princípios das Luzes. Mesmo que o relato pareça identificar a porção territorial do Vaticano, a comparação entre os registros de 13 de dezembro de 1830 e 04 de março de 1830 expõe não apenas a distinção entre a organização sociocultural e econômica em Roma e Londres, mas o interesse que orientava o olhar e o registro de Francisco de Paula Santander. Apesar de as diferenças serem uma evidência da experiência com a alteridade, o que Santander registra o diferencia como viajante. Como viemos argumentando, a viagem é tomada por ele como uma oportunidade de aprendizado, o que o leva a associá-la com seus princípios políticos. Durante todo o tempo como exilado-viajante, acalentou o desejo de retorno ao seu país, em condições de aplicar, político-administrativamente, o que observava durante o périplo europeu.

Até o dia 19 de dezembro, ele não mencionou visitas ou encontros. No dia 24 de dezembro, registrou a apresentação ao Conclave dos embaixadores extraordinários da França e da Áustria, este último tendo se apresentado no dia anterior. Essas duas cortes e a da Espanha formalizavam essas apresentações em virtude de serem as três potências que tinham poder de veto nas eleições do Papa. Permanecia, como das outras vezes, mencionando a leitura constante de jornais, tanto europeus quanto do seu país e de outras nações americanas, que davam destaque às questões colombianas e, no dia 30 de dezembro, registrou ter recebido um pacote de gazetas de Bogotá, que lhe inspiraram tristeza pelos revezes em seu país.

Depois de relatar o frio intenso e a neve abundante nos dias finais de janeiro, no dia 2 de fevereiro escreveu que os canhões de Santo Ângelo anunciaram às 10:30 a eleição do Papa. Tinha sido escolhido o Cardeal veneziano Cappellari, de 64 anos de idade, que adotou o nome de Gregório XVI. Santander descreveu a cerimônia, reforçando, novamente, o luxo que envolvia tais eventos:

Hoje vi a solene procissão de trânsito do Papa à Basílica de São Pedro desde o Quirinal. A carruagem do papa, de grande luxo em meio às tropas, levou o Papa com dois Cardeais de uma a outra parte; por todo o percurso o papa abençoava o povo. Primeiro foi à Capela Sistina, onde foi reverenciado pelos cardeais e depois adentrou a Basílica, sentado em uma cadeira luxuosa carregada por oito pessoas; chegando ao altar principal, se sentou com o rosto voltado para o altar da Catedral de São Pedro e ali, pela terceira vez, os cardeais lhe beijaram os pés, a mão e receberam dois beijos e um abraço do Papa. Depois ele concedeu a benção ao povo e regressou ao Quirinal. A multidão e todos os embaixadores assistiram em gala. O castelo de Santo Ângelo fez duas salvas à passagem do Papa na ida e no regresso. A cidade se iluminou esta noite. (Roma, 3 de fevereiro de 1831. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 73).

Entremeou a descrição de um evento religioso com outro; laico, profano. Com olhar arguto, registrou o Carnaval, que ocorria paralelamente e que ele considerou digno de nota:

O carnaval começa hoje; se resume ao seguinte: desde as duas da tarde os coches percorrem a rua do Corso, indo e vindo à praça do povo e se atiram uns aos outros e dos balcões confetes e flores, que formam uma alegre diversão. As janelas e balcões exibem cortinas de seda. A tropa de infantaria e cavalaria percorre a rua e ocupa diversos pontos para manter a ordem pública. Às quatro horas, em uma brilhante carroça, passa o governador da cidade e pouco depois os senadores vestidos elegantemente e com acompanhamento. Pessoas vestidas de máscaras passeiam pela rua. Às cinco se faz a corrida de cavalos, reduzida a soltar alguns para que corram sozinhos na mesma rua e o primeiro a chegar ganha uma bandeira e alguns escudos; o segundo, a metade dessa quantia. Os cavalos devem ser de raça italiana. Essas diversões atraem à dita rua uma multidão. (Roma, 5 de fevereiro de 1831. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 73).

No dia seguinte, voltou a anotar sobre as cerimônias de sagração do Papa, na sequência a essas, escreveu:

Sendo domingo não houve carnaval. À noite houve uma bela iluminação de São Pedro; primeiro se ilumina toda a cúpula, torres e fachada de um modo e às seis se ilumina repentinamente de outro, de uma maneira brilhante e singular, de tal modo que surpreende. Às sete se executaram os fogos de artifício de Santo Ângelo, bastante graciosos e bonitos devido às diferentes ideias que representam. São chamados de Girândola [...] No dia anterior à coroação foram distribuídos quatro mil escudos aos pobres, à razão de um Paulo por pessoa e se repete o mesmo em cada aniversário. Além disso, se consignou a quantia de cinquenta escudos para cinquenta jovens pobres que se casassem em Roma e dez para quinhentos dos Estados Pontifícios. Foram oferecidos vestuário ou cama para quinhentos pobres de Roma e para cinco mil dos ditos Estados. (Roma, 6 de fevereiro de 1831. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 74).

Em ambos os registros, que intercalam rituais sacros e seculares, Santander permite enxergar a multidão que ocupa o espaço público, seja para festejar, seja para orar. Reforça o princípio da benemerência por parte da Igreja. Assim, a tônica de seu registro permanece: a religiosidade se associa à concessão aos pobres agraciados, sem que isso signifique qualquer alteração na ordem social.

No dia 12, anotou que foi proibido o carnaval devido à revolução nos Estados Pontifícios, uma vez que havia o temor de que Roma também fosse conflagrada. As tropas permaneceram acantonadas em diversos pontos e “à noite houve um alvoroço” que não teve desdobramentos. Nos dias subsequentes, procedeu às despedidas formais, como estava previsto, e no dia 21 anotou que, tendo o embaixador da Áustria visado seu passaporte para Nápoles, o ministro napolitano não quis firmá-lo, motivo pelo qual ele fez a viagem via Florença. No dia 23 de fevereiro, escreveu:

Saí de Roma às seis e deixei à esquerda o caminho de Viterbo para tomar o de Perugia. Até Civittá Castellana, onde há uma fortaleza, se estende a autoridade do papa depois da revolução de Bolonha e a da Marca de Ancona; os postos avançados da guarnição estavam em Borghetto e Frente; em Otricoli estavam os [postos] dos insurretos, compostos pela guarda nacional armada com toda espécie de armas de fogo [...] Por todos os lugares de trânsito os cidadãos estavam armados. (Roma, 23 de fevereiro de 1831. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 77).

11 11 A presença de Santander em Roma lhe conferiu a oportunidade de acompanhar um dos desdobramentos das revoluções liberais na Itália: os conflitos territoriais nos estados pontifícios. Apesar de arguto observador (e registrador) do cotidiano, esta é uma das poucas referências que faz a respeito desse tema - e a elaboração soa, inclusive, desavisada. Ao contrário do que se possa imaginar, o silêncio acerca deste tema é um incômodo e não deve passar despercebido ao historiador. Entendemos que há no silêncio uma expressão da autocensura, uma vez que consideremos 1) a trajetória política de Santander e sua defesa da causa liberal; 2) seu ensejo por aprendizagem administrativa, o que nos obriga a duvidar do fato de que ele não tenha observado o ocorrido e/ou elaborado suas próprias opiniões; 3) sua ciência das incertezas políticas de seu país e de sua posição na Europa - ou seja, em Roma, ele ainda não era um estadista, mas um visitante (viajante) comum. Em Paris, já havia sido alertado sobre a cautela necessária, tanto para fazer política quanto para registrá-la. Por todas as questões apontadas, defendemos a tese de que a autocensura se revela no controle de informações sobre o tema das revoluções nos Estados Papais.

Não obstante o conflito, se encantou com a paisagem e chegou em Florença no dia 26 de fevereiro. No dia primeiro de março, leu no Journal du Commerce, de 21 de fevereiro, sobre a morte de Bolívar ocorrida em Santa Marta no dia 17 de dezembro de 1830. Anotou laconicamente: “Perda para a independência”. No dia 2 de março, assinalou ter recebido correspondência de Cartagena confirmando a notícia. O registro lacônico é apropriado, se considerarmos que Santander responsabilizava Bolívar por seu exílio e pelo desvirtuamento republicano. Ainda assim, registra uma perda para a independência, demonstrando o conflito que caracterizava sua relação com o venezuelano: dividira com o Libertador um projeto político, do qual deixara de ser fiador pelas rebeliões que combatera em território americano e, sobretudo, pelo exílio. Por fim, a anotação curta é a prova da autocensura, uma vez que tal tema terá tratamento distinto em suas memórias, como já mencionamos.

Retomando contatos e aguardando a estabilidade - o viajante-exilado vislumbra seu retorno vitorioso

No dia 3 de março, passou por Pisa, Gênova e Milão, seguindo para a Suíça, onde chegou no dia 25 de março. Visitou as principais cidades e, no dia 3 de abril, retornou a Paris. Nessa nova etapa na cidade, seguiu com a programação anterior, mas registrou uma troca mais acentuada de correspondência. Com a morte de Bolívar, abria-se um horizonte para um novo acordo político e, assim, a correspondência com a elite política granadina lhe interessa, sobremaneira. Anotou ter escrito inclusive ao ex-presidente da Grã-Colômbia: Joaquín Mosquera. Santander foi instado a retornar à Colômbia e, no dia 21 de abril, anotou que, numa visita a Humboldt, esse aprovava sua resolução de permanecer na Europa. Nesse mesmo dia, mencionou que escrevera sobre essa questão aos diários de Paris, indicando, ao mesmo tempo, a pressão por seu regresso e sua hesitação. No diário, ele não justifica em nenhum momento sua decisão de permanecer na Europa, mas deixa pistas de sua convicção, ao aludir a conversas e contatos. Dito isso, é sugestiva sua compreensão sobre a política de sua terra natal. Ele era um exilado, não poderia retornar ao primeiro chamado; antes, seria necessário que a situação convulsionada se acalmasse, produzindo um quadro institucional mais estável, no qual ele ocuparia lugar central. No dia 29 de abril, recebeu carta de Nova York, datada de 31 de março, dando conta de que começara uma reação na Colômbia em favor do regime constitucional. A anotação sobre a carta reforça a tese de que ele aguardava os desdobramentos políticos colombianos.

No dia 27 de maio, viajou novamente a Londres, onde chegou no dia 30 de maio. Compareceu a uma soirée no dia 4 de junho, quando conheceu alguns membros do parlamento. No dia 13 de junho, anotou o recebimento de cartas, inclusive uma de 29 de abril, que informava a capitulação da praça e a queda de Urdaneta, aliado de Bolívar. No dia 15, respondeu a estas e escreveu uma carta em que pleiteava indenização com respeito aos danos da sua fazenda, ocorridos durante os conflitos em seu país. Viajou pela Escócia e pela Irlanda e, no dia 26 de julho, regressou à Inglaterra. O registro de primeiro de agosto encontra-se demarcado pelo entusiasmo:

Ao concluir a viagem pela Inglaterra, Escócia e Irlanda consigno as seguintes observações: este país é o melhor cultivado em cereais da Europa; tem minas de carvão abundantes que significam uma grande riqueza, de xisto, cobre, ferro, etc. As cidades se assemelham umas às outras, são tão asseadas como o interior dos hotéis e das casas; todos os habitantes procuram viver do melhor modo possível; os hábitos e costumes são tão gerais que caracterizam a nação; os caminhos são todos excelentes [...] as diligências e postos são servidos com prontidão, a iluminação de todas as cidades é a gás, a navegação a vapor, os canais de comunicação são inumeráveis, os rios navegáveis atravessam quase todas as principais cidades e as máquinas de vapor estão aplicadas em todas partes, nas manufaturas e na exploração de minas. Tudo isso faz da Inglaterra a nação mais avançada da Europa e como a instrução pública está difundida, como a imprensa goza da mais completa liberdade e todo mundo tem direito de reunir-se e discutir os negócios da nação, o condado, a comunidade e demais, pode dizer-se que a Inglaterra é o primeiro país do velho mundo. É de observar que os ingleses propriamente conservam certo ar de desdém ou desprezo em relação aos escoceses, e maior ainda em relação aos irlandeses; em represália, estes e aqueles olham os ingleses com rivalidade e desafeto. (Londres, 1º. de agosto de 1831. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 138).

Notemos que as observações reforçam o aproveitamento das riquezas minerais e dos recursos naturais em favor da economia e da organização do país, retomando o princípio narrativo já detectado nas descrições acerca de Londres. Além da utilização econômica devida, registra a importância da instrução pública e da liberdade, como elementos que patrocinam a discussão política sobre os negócios da nação (considerada como aquela que padroniza seus costumes, sendo a Inglaterra a primeira nação do Velho Mundo). Não deixa de mencionar a relação conflituosa entre Escócia, Irlanda e Inglaterra, o que não causa espanto, uma vez que Santander, como já afirmamos, é um ator emergente da experiência colonial. Como já mencionamos também, a estratégia da descrição não apaga a força subjetiva da escolha: o granadino qualifica a relação colonial - desdém e desprezo de um lado, rivalidade e desafeto de outro. Mais uma vez, Santander alia utilidade e aprendizado, acrescentando sua compreensão acerca das idiossincrasias de comunidades a formar uma nação.

No dia 16, saiu de Londres com destino à França. Chegou a Paris no dia 19 de agosto. No dia 27 de agosto, escreveu ter recebido cartas de Bogotá, de Cartagena e de Nova Iorque que incluíam a gazeta da Colômbia de 19 de junho, veiculando um decreto do poder executivo do dia 10 daquele mês, restituindo seus “destinos e direitos privados pela sentença de 27 de novembro de 1828 nos termos mais honoríficos”. (Paris, 27 de agosto de 1831. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 143-144). No dia três de setembro, recebeu carta de Joaquín Mosquera sugerindo que ele viajasse aos Estados Unidos; encaminhava também o Daily Advertiser, que citava Santander “de modo eminentemente honroso”. (Paris, 03 de setembro de 1831. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 145). Anunciando uma mudança de tratamento desde que chegara ao país, no dia 16 de agosto foi recebido pelo Rei da França, no Palácio de Neuilly. Santander compareceu à recepção com o uniforme militar, tendo sido indagado sobre a geografia da Colômbia e sua situação política. Transcreveu o que o rei lhe dissera, segundo sua narrativa: “não tínhamos que temer nenhum ataque da Espanha e que era necessário formar um governo que inspirasse confiança à Europa e mantivesse a ordem pública”. (Paris, 16 de setembro de 1831. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 147).

A passagem pelos Estados Unidos e a culminância da busca pelo apoio internacional à causa republicana e liberal

No dia 23 de setembro, embarcou para Nova Iorque, onde chegou no dia 10 de novembro. Descreveu a cidade como bela, com 200 mil almas, de aparência holandesa e inglesa, construções de ladrilho, bastante limpa, a primeira cidade mercantil daquele país. No dia 12 de novembro, entre as várias cartas a ele endereçadas, anotou que recebeu dois ofícios da Colômbia, um comunicando sua eleição a deputado da Convenção e outro o congratulando. Mais uma vez, não detalhou seus sentimentos a respeito.

Nada registrou de importante durante todo o mês de janeiro. No dia 28, recebeu cartas de pessoas da cidade “empregando as expressões mais honrosas e satisfatórias em aprovação à minha conduta pública na Colômbia e me convidando para um banquete no hotel da Cidade”. No dia 1º de fevereiro, compareceu ao grande baile público da primeira sociedade de Nova Iorque, que lhe pareceu europeu “pela elegância das senhoras, senhoritas, adornos da sala, ceia esplêndida, música etc”. No dia seguinte, compareceu à sociedade bíblica americana “onde passaram uma resolução muito honrosa a mim e me nomearam unanimemente vice-presidente da sociedade”. (Nova Iorque, 29 de março de 1832. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 157).

No dia 9 de fevereiro, teve lugar a recepção para a qual fora convidado. Anotou que, ao adentrar no recinto, foi saudado com salvas de palmas. Ele ficou à direita do presidente, e alguns dos seus compatriotas foram colocados em lugares preferenciais. Todos se esmeraram em obsequiá-lo, e a solenidade foi noticiada no Daily Advertiser. Destaquemos que, desde a informação sobre a lenta, mas aparentemente segura, estabilidade colombiana e sobre a restituição de sua figura política, Santander parecia registrar os acontecimentos de que tomava parte, com o objetivo de demonstrar uma mudança na sua posição, como já sugerido: o tratamento deferente que lhe era reservado demonstrava que sua figura pública e sua carreira política tinham sobrevivido.

O granadino não precisa, no diário, confessar seu sentimento em relação aos ofícios e às homenagens que passa a receber. Antes, a simples descrição de tais situações já o coloca em lugar hierarquicamente superior. Desvela-se a subjetividade também na descrição, apenas aparentemente neutra. Nos Estados Unidos, Santander não é mais um viajante qualquer ou um exilado: ele se tornou o representante da Colômbia e a liderança viva e atuante da emancipação. Esse processo de transformação subjetiva inicia-se antes, mas nos Estados Unidos conhece a culminância. Se lhe ocupava a mente algum temor em relação ao modo pelo qual seus projetos iam ser aplicados na Colômbia, a estratégia que passa a assumir, durante esta viagem, deixa clara sua pretensão: consolidar o apoio internacional à causa republicana (e liberal). Assim posto, o passado administrativo passa a rondar suas anotações, o que é significativo, já que se apresenta como uma novidade nos registros. Ao comentar sobre a sociedade filosófica americana fundada por Franklin, Santander registra os dias gloriosos da Colômbia:

A livraria é seleta. Vi o rascunho que Jefferson fez em 1776 para a Declaração de Independência deste país, a cadeira (muito comum) na qual Franklin presidia a sociedade, a carta concedida a Chester por Guilherme Penn, o pergaminho com a sua assinatura e um volume das Memórias apresentadas ao Congresso da Colômbia em 1823 pelos secretários de Estado; não pude menos que enternecer-me ao ver este monumento do tempo de minha administração nos dias gloriosos da Colômbia. (Filadélfia, 21 de março de 1832. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 166).

Seguiu viagem para Washington no dia 24 de março. Chegou à capital do país no dia 26. Na condição de deputado da Convenção Colombiana, no dia 27 foi recebido no Senado estadunidense. No dia 29 de março, visitou o presidente Andrew Jackson, de quem foi alvo de “atenções e protestos de amizade pela Colômbia”. (Washington, 29 de março de 1832. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 169). Surpreendeu-se com a falta de etiqueta e simplicidade do Presidente, demonstradas por dois fatos: o de a residência não ter guarda e o da comunicação ter ocorrido apenas em inglês. No dia seguinte, compareceu a um jantar com o Presidente e membros do seu gabinete. Anotou que o presidente comia e bebia pouco, seu prato favorito era arroz com leite e açúcar e pareceu-lhe uma pessoa triste.

No dia 12 de maio de 1832, anotou laconicamente: “Hoje recebi a notícia de ter sido nomeado presidente da Nova Granada pela Convenção de Bogotá. Chegaram de Bogotá, enviados pelo governo, Joaquim Acosta e Honorato Rodriguez” (Nova Iorque, 29 de março de 1832. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 173). No dia 21, recebeu congratulações do governo local pela sua eleição, sendo oferecido um navio de guerra em Pensacola, de onde ele deveria embarcar no dia 20 de junho. Ele recusou o “mesquinho oferecimento” talvez porque esperasse um deslocamento mais condigno com sua posição de estadista. Durante todo o mês, não registrou atividades de vulto no diário, e no dia 20 de junho anotou: “Preparativos para meu regresso a Nova Granada e despedida de amigos e conhecidos”. No dia 23, embarcou para Santa Marta com Acosta e sua mulher e Honorato Rodríguez. Não fez nenhuma referência ao percurso da volta no diário, diferentemente da viagem inicial, quando relatou pormenores dia a dia. Em 17 de julho de 1832 anotou sucintamente: “Cheguei a Santa Marta às 7:30 da manhã e começa minha carreira em Nova Granada”. (Santa Marta, 17 de julho de 1832. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo II, 1989, p. 178).

Considerações finais

Desde a epígrafe deste artigo, destacamos a concepção de Santander sobre os significados atribuídos à viagem. Antes, porém, discutimos as implicações metodológicas envolvidas tanto no ato de deslocar-se espacial e temporalmente quanto no de narrar o deslocamento. Sobre a variedade de significados, voltamos a ressaltar dois deles: no primeiro, a viagem servia como recurso ao refinamento pessoal, agregando o conhecimento aprofundado pelos contatos, pelas visitas aos museus e pelas considerações de pessoas insignes; no segundo, a viagem é um aprendizado político e administrativo, pois se evidencia, dentre outros objetivos, a busca pelo apoio internacional.

Refinamento pessoal e aprendizado político, os dois significados que costuram a argumentação, explícita ou não, nos diários e memórias, apontam para o interesse em lidar com a própria biografia. Santander compreendia que se encontrava em tempo de disputa; fosse pela sobrevivência de seu presente como político e estadista, fosse pela vitória futura do combate com Simón Bolívar. Sobre esse último, não estavam em jogo apenas as figuras públicas dos generais, mas seus projetos - no caso de Santander, era importante reificar a figura do bom administrador, do republicano liberal e do companheiro de armas de Bolívar nos primeiros tempos, que com coragem apontara-lhe os erros aplicados à organização das repúblicas. Dessa maneira, não escapava ao granadino o esforço biográfico, articulado em escrituras variadas - o exílio e o que ele capturava (e narrava) por onde passava lhe davam oportunidades reais para costurar seu perfil12 12 A biografia (e/ou a autobiografia) não é tema deste artigo; porém, não é possível afastar a relação que as fontes guardam com a escritura biográfica. Os temas se ligam nas narrativas: quando Santander explora a injustiça de sua condenação e nega-se a assumir o perfil de traidor, ao mesmo tempo reforça o projeto liberal como uma expressão de seu compromisso com a pátria - a primeira circunstância narrativa aparece nas memórias; a segunda, nos diários. Apontada a proximidade das escrituras e a maneira como os temas se entrelaçam, o historiador deve se mostrar atento de igual modo às estratégias narrativas que distinguem as fontes (diários, memórias e biografias), a despeito de todas essas produções estarem abrigadas sob a denominação de “escritas de si”. Para nós, explorar a distinção entre duas escrituras é um dos ganhos teórico-metodológicos deste artigo. Por fim, manifestamos nossa concordância com Avelar (2011), para quem a biografia, ao trazer para história as discussões em torno da função da narrativa, do uso da imaginação e da subjetividade do biógrafo (e do biografado), afirma-se como gênero historiográfico, oponente a uma tradição cuja força metódica residia na domesticação “do contar os detalhes da vida” às estruturas de longa duração. Concordamos e ampliamos, na verdade: fazem isso as escrituras biográficas, e não apenas a biografia ou autobiografia, tomadas no espaço delimitado e singular da experiência de contar a vida. .

Manifesto o significado múltiplo da viagem, nos encaminhamos a demonstrar que Santander não pode ser enquadrado apenas como um viajante comum; àquela circunstância, foi ele um exilado, mais do que um viajante. Essa distinção subjetiva entre viajante e exilado nos orientou em buscar a comparação entre a escritura do diário e das memórias. Consideramos, então, que o registro no diário funcionou como um anteparo às memórias, que estavam sendo redigidas no mesmo período. Dessa percepção decorreram os comentários sobre a modelagem da escritura, mesmo que como objetivo secundário, considerando os limites de um artigo.

A condição de exilado político, se não conferiu a Santander a aura de herói, abriu-lhe a possibilidade de amplos contatos no mundo cultural e político, em um período em que a própria Europa era abalada pelas revoluções. De resto, foi uma personalidade acolhida e respaldada por extensa rede de sociabilidade na América e na Europa. Nesse ínterim, como sugerido, esforçou-se para recuperar não apenas sua biografia política, ferreteada pela pecha de traição, mas o poder administrativo, do qual foi afastado de forma traumática. Sua escolha para deputado à Convenção e, na sequência, para presidente da Colômbia, mesmo em ausência, sinaliza como foi ele o único a alcançar consenso para a reconstrução nacional na sua terra natal. Se esse trajeto, assim resumido, parece sem novidades, experimentamos uma percepção inversa na leitura do diário, e essa é a maior contribuição deste artigo. Explicitamos as escolhas subjetivas do escrevente e a sua mudança, capturada a partir das diferentes circunstâncias narrativas. O discurso fragmentado do diário revelou uma outra história, muito mais complexa, quando estabelecemos as ligações narrativas que perpassavam pela fonte. Foi a construção historiadora da narrativa o que nos permitiu entrecruzar os desejos do viajante ao do exilado, duas subjetividades presentes em um único homem. Elas não são similares, não são opostas, não são simbióticas, não são excludentes. Elas, na verdade, são visíveis a partir da leitura comprometida com o que é interno e externo ao texto. Por fim, essa complexidade pôde ser apresentada porque seguimos rigorosamente a anotação metodológica anunciada no início deste artigo. Dada sua importância, retornamos ao começo: a composição do saber do viajante exilado, retirado de seu deslocamento, teve de se amparar numa nova atribuição de significado à narrativa ordinária, sobretudo. Isso implicou não perder de vista a ciência de que Santander se preocupava em registrar, antes de analisar a relação entre o acontecimento registrado e sua percepção. Com tal ciência, tratamos de refazer o percurso subjetivo pouco evidente ao ator histórico. Nesse caminho, até as autocensuras puderam ser captadas, pois não nos deixamos ludibriar pela pretensa neutralidade da descrição.

Referências

  • AVELAR, Alexandre de Sá. Figurações da escrita biográfica. Art Cultura Revista do Instituto de História e Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia, v. 13, n. 22, jan./jun. 2011. p. 137-155.
  • BITTENCOURT, Libertad Borges. Escrever, contar, guardar - Os diários de Santander no exílio europeu (1829-1832). Revista Brasileira de História, São Paulo, n.66, v. 33, 2013, p. 247-267.
  • CUNHA, Maria Teresa. Diários pessoais - Territórios abertos para a História. In: PINSKY, Carla Bassanezi e de LUCA, Tania Regina (Orgs.). O historiador e suas fontes São Paulo: Contexto, 2009, p. 251-280.
  • DEPETRIS, Carolina. Viajar en 1832: ¿empresa ilustrada o gesta romántica? Península [online]. v. VII, n.1, 2012, p. 39-49.
  • FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837). Goiânia: CEGRAF/Editora da UFG, 2017.
  • NICOLIA, Beatriz Colombi. A viagem e seu relato. Latino América - Revista de estúdios latino-americanos, México, v.2, n. 43, 2006. p.11-35 .
  • SANTANDER, F.P. Santander en Europa: Diario de Viaje (1830-1832). Bogotá, Colômbia: Fundación para la conmemoración del bicentenário del natalicio y el sesquicentenário de la muerte del general Francisco de Paula Santander, 1989. [Biblioteca Presidencia de la República]

Notas

  • 1
    Duas intervenções metodológicas foram consideradas fundamentais pelas autoras. Com objetivo de conceder fluência ao texto, todas as citações (fonte e referência bibliográfica) foram traduzidas do espanhol. Com o propósito de orientar o leitor, as citações de trechos do diário escaparam ao tipo de referência autor/data, obedecendo à seguinte ordem: (lugar do registro, data. Autoria, título, tomo, ano de publicação, página).
  • 2
    Em outro artigo, Escrever, contar, guardar - Os diários de Santander no exílio europeu (1829-1832), também fundamentado nesse diário de viagem, Bittencourt (2013BITTENCOURT, Libertad Borges. Escrever, contar, guardar - Os diários de Santander no exílio europeu (1829-1832). Revista Brasileira de História, São Paulo, n.66, v. 33, 2013, p. 247-267. ) examina as reflexões do general granadino sobre as questões políticas da Colômbia e da Venezuela, então sob o comando do grupo de Bolívar, bem como os contatos que Santander fez na Europa e nos Estados Unidos, com o propósito de angariar as simpatias com que contava na tarefa que ele se autoatribuiu de reposicionar sua biografia, marcada pela infâmia. Afinal, depois das lutas independentistas, o grupo dirigente se desentendeu quanto à forma de governo, e Santander foi considerado traidor.
  • 3
    Fredrigo (2017FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837). Goiânia: CEGRAF/Editora da UFG, 2017. ), ao analisar as Memorias del General Santander, propõe a interpretação acerca de Bolívar aparecer na narrativa como a persona espelho - persona, segundo a autora, é a “figura que se (re)constrói no texto e depende de um contexto externo - que é o que lhe obriga à escrita. Partindo desse pressuposto, estabelecem-se relações entre autor e personagem e entre texto e contexto, sem que essas relações sejam apriorísticas ao ato biográfico”. Santander elege Bolívar como o outro, a alteridade que esclarecerá (para ele e) para os demais as derrotas enfrentadas, após a independência. Portanto, não há como desconsiderar que, ao escrever suas memórias, Santander se viu imiscuído numa luta representacional com a figura de Simón Bolívar.
  • 4
    Sobre sua prisão, Santander escreveu nas linhas iniciais do diário, em formato de epígrafe: “No dia 15 de novembro de 1828 saí de Bogotá, embarcando para Cartagena. No dia 4 de dezembro fui conduzido ao Castelo de São Fernando de Bocachica, de onde me trasladaram ao de São José, no dia 19, e assim permaneci até 16 de junho de 1829, quando fui conduzido a bordo da fragata de guerra nacional Cundinamarca, sob o comando do coronel Jolly. No dia 18 seguinte o buque levantou vela de Cartagena a Porto Cabello, aonde lançou âncora no dia 19 de agosto. Ali permaneci a bordo até o dia 27 de agosto, quando fui embarcado para a Europa”. (SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 15). Anota também suas companhias na viagem, Ezequiel Rojas, Francisco Evangelista González e três criados, a saber, Juan, Cruz e José Caballero.
  • 5
    Explorar a fonte em seu caráter descritivo implica uma estratégia metodológica das autoras, especialmente pela razão de que o próprio Santander produz uma narrativa apoiando-se na descrição. Além disso, a pecha de traidor e a construção de um perfil de bom administrador - a primeira contestada e a segunda retoricamente elaborada - revelam-se mais nas memórias do general do que nos diários. Reforçamos: no diário, a escrita é contida e descritiva. O que nos permitiu desvendar o perfil de administrador e associá-lo à narrativa do exilado no diário foi exatamente o conhecimento de ambas as fontes e a comparação entre elas, quando possível. Dessa maneira, conduzir o leitor a acompanhar a descrição é recurso metodológico para demonstrar que as fontes têm características distintas.
  • 6
    Também no exílio, além do diário, Santander se preocupava em organizar um arquivo de “documentos autênticos”, segundo sua compreensão reiterada, que lhe servia de sustentação para uma peça autobiográfica. Com tal escrito, Santander respondia às acusações de traição e apropriação indébita de recursos públicos (FREDRIGO, 2017FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837). Goiânia: CEGRAF/Editora da UFG, 2017. ). Os acontecimentos na Colômbia e o combate com Bolívar mantêm-se temas fundamentais, entre 1829-1832, aparecendo nas memórias, no diário e na correspondência. De um lado, Bolívar estava correto em sua avaliação, reportada em carta para José Fernandez Madrid, de que Santander, uma vez na Europa, não deixaria de lhe tecer críticas, “calúnias”, em sua expressão. As cartas do exílio merecem um estudo à parte não apenas para captar a rede de relações riquíssimas de Santander, mas sobretudo para avaliar as diferentes gradações do embate entre os generais da independência, demarcadas também nessas missivas. Duas são as convicções de Santander: a perda do projeto liberal e republicano nos territórios emancipados, a responsabilidade de Bolívar na transformação da liberdade em ditadura. De Paris, escrevia a amigos: “É um primor ver que, depois de tantos anos de sacrifício para derrocar a arbitrariedade, tenhamos sido vítimas de insuportável despotismo; e que medidas tão escandalosas tenham sido ditadas por ele que tanto se vangloria do título de Libertador (Carta de Francisco de Paula Santander para Coronel José Concha. Paris, 10/4/1830. Tomo III, R. 12, 1989, p. 25-28) (FREDRIGO, 2017FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837). Goiânia: CEGRAF/Editora da UFG, 2017. ).
  • 7
    Referimo-nos, aqui, à peça autobiográfica intitulada Memorias sobre el origen, causas y progreso de las desavenencias entre el Presidente de la Republica da Colombia, Simón Bolívar, y el Vicepresidente de la misma, Francisco de Paula Santander, conforme indicado na nota 5. Uma segunda peça autobiográfica, Apuntamientos para las memorias sobre Colombia y la Nueva Granada, foi redigida por Francisco de Paula Santander em 1837, sendo publicada em 1838 e 1839 na Colômbia, e em 1869 em Paris. Para acompanhar a reflexão sobre a conceituação de “memórias” e “autobiografias”, ver FREDRIGO, 2017FREDRIGO, Fabiana de Souza. Guerras de papel: Francisco de Paula Santander e Simón Bolívar, das peças autobiográficas à relação epistolar (1826-1837). Goiânia: CEGRAF/Editora da UFG, 2017. .
  • 8
    Visita uma cooperativa no dia 20 de junho de 1830, deixando entrever em seu relato a relação entre a civilização e a aprendizagem. Segundo suas informações, tal empreendimento era dirigido por Owens [referência ao já célebre Robert Owens, considerado como um dos fundadores do socialismo utópico], que ministrava aulas todos os domingos e “tinha seguidores até nos Estados Unidos” (Londres, 20 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 173). Da experiência, relatou que o objetivo do instituto era aperfeiçoar a sociedade, introduzindo uma espécie de comunidade de prazer a favor da anulação das fortunas, das riquezas e do trabalho material e intelectual dos homens. Após essas observações, Santander escreveu: “Por mais filosófico que seja o projeto, eu penso que é irrealizável, principalmente nos Estados governados monarquicamente”. (Londres, 20 de junho de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989, p. 174).
  • 9
    Mais um reforço: a despeito disso, revelam indícios de que a situação política da América do Sul nunca deixou de ser acompanhada, de muito perto, por Francisco de Paula Santander. Em março de 1830, registra: “Recebi de Londres um boletim de notícias da casa Michols & Lucas, que continha uma carta da Jamaica do Doutor Azuero e impressos de Bogotá contra a administração constitucional (este boletim me custou 20 francos, ou seja, 4 pesos)”. (França, 28 de março de 1830. SANTANDER, Diário de viagem, Tomo I, 1989SANTANDER, F.P. Santander en Europa: Diario de Viaje (1830-1832). Bogotá, Colômbia: Fundación para la conmemoración del bicentenário del natalicio y el sesquicentenário de la muerte del general Francisco de Paula Santander, 1989. [Biblioteca Presidencia de la República], p. 130).
  • 10
    General grego, considerado figura fundamental para a vitória contra Cartago.
  • 11
    A presença de Santander em Roma lhe conferiu a oportunidade de acompanhar um dos desdobramentos das revoluções liberais na Itália: os conflitos territoriais nos estados pontifícios. Apesar de arguto observador (e registrador) do cotidiano, esta é uma das poucas referências que faz a respeito desse tema - e a elaboração soa, inclusive, desavisada. Ao contrário do que se possa imaginar, o silêncio acerca deste tema é um incômodo e não deve passar despercebido ao historiador. Entendemos que há no silêncio uma expressão da autocensura, uma vez que consideremos 1) a trajetória política de Santander e sua defesa da causa liberal; 2) seu ensejo por aprendizagem administrativa, o que nos obriga a duvidar do fato de que ele não tenha observado o ocorrido e/ou elaborado suas próprias opiniões; 3) sua ciência das incertezas políticas de seu país e de sua posição na Europa - ou seja, em Roma, ele ainda não era um estadista, mas um visitante (viajante) comum. Em Paris, já havia sido alertado sobre a cautela necessária, tanto para fazer política quanto para registrá-la. Por todas as questões apontadas, defendemos a tese de que a autocensura se revela no controle de informações sobre o tema das revoluções nos Estados Papais.
  • 12
    A biografia (e/ou a autobiografia) não é tema deste artigo; porém, não é possível afastar a relação que as fontes guardam com a escritura biográfica. Os temas se ligam nas narrativas: quando Santander explora a injustiça de sua condenação e nega-se a assumir o perfil de traidor, ao mesmo tempo reforça o projeto liberal como uma expressão de seu compromisso com a pátria - a primeira circunstância narrativa aparece nas memórias; a segunda, nos diários. Apontada a proximidade das escrituras e a maneira como os temas se entrelaçam, o historiador deve se mostrar atento de igual modo às estratégias narrativas que distinguem as fontes (diários, memórias e biografias), a despeito de todas essas produções estarem abrigadas sob a denominação de “escritas de si”. Para nós, explorar a distinção entre duas escrituras é um dos ganhos teórico-metodológicos deste artigo. Por fim, manifestamos nossa concordância com Avelar (2011AVELAR, Alexandre de Sá. Figurações da escrita biográfica. Art Cultura. Revista do Instituto de História e Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia, v. 13, n. 22, jan./jun. 2011. p. 137-155.), para quem a biografia, ao trazer para história as discussões em torno da função da narrativa, do uso da imaginação e da subjetividade do biógrafo (e do biografado), afirma-se como gênero historiográfico, oponente a uma tradição cuja força metódica residia na domesticação “do contar os detalhes da vida” às estruturas de longa duração. Concordamos e ampliamos, na verdade: fazem isso as escrituras biográficas, e não apenas a biografia ou autobiografia, tomadas no espaço delimitado e singular da experiência de contar a vida.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    15 Out 2017
  • Aceito
    06 Mar 2018
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