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Construindo as bases de um império: um contraste entre as vidas de Marco Antônio e Augusto

Building the Bases of an Empire: The Dichotomy between the Lives and Deaths of Marc Antony and Augustus.

Resumo

As disputas político-militares entre o herdeiro de Júlio César, futuro Augusto, e o general Marco Antônio deixaram marcas indeléveis na História da formação do Império Romano. Seus entraves, assim como suas manifestações perante a sociedade romana, auxiliaram na formação das perspectivas sobre o período, na criação de memórias e esquecimentos que, ao perpassar dos séculos, foram transmitidas, assimiladas e reassimiladas, até chegarem aos nossos dias. Criaram, desta maneira, imagens diversas e, também, opostas, sobre estes personagens, suas vidas e suas mortes. Assim sendo, a proposta deste artigo é destacar brevemente algumas interpretações realizadas sobre as vidas e as mortes de Marco Antônio e Augusto em alguns autores antigos, procurando demonstrar que a disputa entre ambos acontece, igualmente, na maneira em que vivem e em que morrem.

Palavras-chave:
Vidas; Império Romano; Marco Antônio; Augusto

Abstract

The political-military disputes between the heir of Julius Caesar, future Augustus, and the General Marc Antony left indelible marks in the History of the formation of the Roman Empire. Your oppositions, as well your manifestations before the Roman Society, helped in the formation of perspectives about the period, in the creation of memories and forgetfulness that, over the centuries, were transmitted, assimilated and reassimilated, until they reach our present day. In this way, they created diverse and also opposing images about these personas, their lives and their deaths. Therefore, the purpose of this article is to briefly highlight some interpretations made about the lives and deaths of Marc Antony and Augustus in some ancient authors, trying to demonstrate that the dispute between them happens, equally, in the way in which one lives and dies.

Keywords:
Lifes; Roman Empire; Marc Antony; Augustus

Aos dezenove anos1 1 Por volta de 44 a.C. , formei um exército por minha iniciativa e às minhas custas. Com ele, restituí à liberdade a República oprimida pelo domínio de uma facção. Por isso, o Senado admitiu-me à sua ordem com decretos honoríficos, ao mesmo tempo, cedendo-me, no Consulado de C.Pansa e A.Hírcio, a prerrogativa de sentenciar, a mesma dos cônsules, e entregou-me o poder. Ordenou ainda que, sendo eu pró-pretor, juntamente com os cônsules providenciasse para que a República não sofresse qualquer desgaste. O povo, no mesmo ano, fez-me cônsul, já que os dois cônsules haviam tombado em uma guerra. Fez-me também triúnviro com a incumbência de que a República houvesse de se consolidar. (RES GESTAE, I, 1.).

É desta maneira que se iniciam as inscrições presentes nas Res Gestae Divi Augusti, que o autor Suetônio2 2 Biógrafo com cidadania romana que vivenciou Roma entre o final do século I d.C. até meados do século II d.C. Sua obra, intitulada A Vida dos Doze Césares retrata as biografias dos Imperadores Romanos, iniciando com Júlio César e finalizando com o governo de Domiciano. (O Divino Augusto CI, 1) retrata como sendo um testamento, escrito pelo próprio Augusto, cerca de quatro meses antes de seu falecimento. Relatando nessa inscrição, que posteriormente foi exposta a fronte de seu mausoléu, as informações sobre seus feitos e honrarias por ele recebidas, este Imperador deixa-nos entrever uma visão, perpetuada pelo mesmo durante seu período frente ao governo de Roma, que terá seus resquícios presentes mesmo em nossa sociedade atual: Ele como sendo o salvador de Roma, aquele que resgata a Res Publica, que a reestabelece pelo bem do povo de Roma. A “facção” por ele mencionada faz referência aos seus inimigos no período abordado, Marco Antônio3 3 O nome Marco Antônio nunca é mencionado diretamente na Res Gestae. Em nossa visão, isso ocorre pois Augusto o considerava inimigo de Roma e seu próprio. Além disso, a citação do nome de Antônio poderia lembrar ao povo romano que seu governante estabeleceu uma Guerra contra um cidadão de Roma, algo que não era bem quisto para o período. Assim, mais fácil tratar Antônio como um inimigo externo, um traidor. e Cleópatra. Inimigos não de Augusto4 4 Neste período, ainda era reconhecido pela alcunha de Otaviano. O nome adotado por este homem durante os conflitos com Marco Antônio era o de Caio Júlio César, seu pai adotivo. , mas sim de Roma e de seus cidadãos.

Contudo, as conturbadas relações entre Antônio e o herdeiro de César5 5 Este Imperador terá seu nome modificado de acordo com sua ascensão política. Nascerá como Otávio, tornar-se-á Júlio César após a adoção (momento que também receberá o apelido de Otaviano) e, por fim, receberá o título de Augusto, o qual será adotado como nome e não só titulação. possuem raízes bem mais profundas do que as proclamadas nas Res Gestae.

O início do conflito: o herdeiro de César x o general romano

Nascido Otávio em 63 a.C., o filho de Átia e Caio Otávio vivenciou, desde o princípio, uma sociedade romana que enfrentava profundas transformações políticas, sociais, econômicas e culturais. A Res Publica não era capaz de responder de forma eficiente as necessidades que o momento colocava e, por isso, partia-se com a concentração de pequenos poderes centrados nas mãos de líderes autocráticos. Em meio a estes, estava Caio Júlio César, tio-avô de Otávio e importante personagem do período da República Tardia, que, após ter concentrado imensos poderes em suas mãos, dando as bases para o que viria a ser o Principado, foi assassinado a facadas por aqueles que o chamavam de tirano. Nesta ocasião, em 44 a. C., Otávio contava com 18, quase 19 anos. Não havia desempenhado cargos de grande relevância em meio à sociedade romana e não se constituía em uma persona de grande fama. Assim, ao ser nomeado por César como seu herdeiro6 6 Otávio aparece não só como um herdeiro dos espólios materiais, mas, também, como uma espécie de legatário político cesariano , o jovem tem que, basicamente, criar a si mesmo. Faz-se necessário que sua imagem demonstre, de certa forma, a sua capacidade de gerir os assuntos de Roma frente aos problemas daquele período, afastando-se das características que fizeram com que seu antecessor fosse morto e aproximando-se daquelas que lhe possibilitaram sua ascensão. Otávio criou-se e recriou-se inúmeras vezes, transformando-se à medida que o Império Romano era transformado.

Todos os artífices precisaram ser empregados desde o momento em que Otávio chega a Roma, após o assassinato de seu tio-avô. Nesta ocasião, depara-se com a oposição de Marco Antônio, braço direito de César e cidadão romano em pleno desempenho de seu cursus honorum. Como podemos notar no trecho abaixo:

O cônsul Antônio o aceitou (Otaviano) de imediato, porém com arrogância - não era apenas rejeição, mas sim temor - e, ao recebê-lo nos jardins de Pompeu, tomou apenas um momento para falar com ele, e depois começou a acusá-lo maliciosamente de ter intentado contra ele, e isso foi uma evidência vergonhosa de sua falsidade. (VELÉIO PATÉRCULOVELÉIO PATÉRCULO -. História Romana II. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid: Gredos, 2001.7 7 Originário da região romana da Campânia, Veléio Patérculo nasceu por volta de 19 a.C., no seio de uma ilustre família. Desde muito cedo, como ressaltam Maria Asunción Sánchez Manzano (2001, p.07) e Emma Dench (2005, p.120), Patérculo desempenhou funções militares em meio ao exército imperial romano. Sua obra, aqui analisada, História Romana, é dedicada a Marcus Vinicius e encontra-se dividida em duas partes, sendo que é, principalmente no Livro II que podemos encontrar maiores referências a Marco Antônio e a Augusto. , História Romana II, 60. Grifo nosso)

Assim, nas linhas veleianas, Antônio faz uso de artífices embaraçosos e falsos para desacreditar o herdeiro de César, almejando, desta forma, alcançar a sua posição. Plutarco8 8 Plutarco nasceu no século I d.C., em uma pequena cidade chamada Queronéia, interior da Beócia, região localizada entre os golfos de Eubéia e Corinto, próxima a Tebas. O autor fez parte da nobreza de sua sociedade, o que lhe abriu inúmeras possibilidades, dentre estas a de estudar em Atenas durante a juventude. Após completar seus estudos, viajou por inúmeras regiões, chegando a residir por certo tempo em Roma, onde, por intermédio de Mestrio Floro, adquiriu a cidadania romana. Assim, detentor do que hoje entendemos por tripla cidadania - beociana, ateniense e romana - Plutarco passou a exercer inúmeros cargos políticos em meio à Roma imperial. Foi entre estes que iniciou a escrita de suas várias obras. Contudo, a coletânea de biografias de grandes personagens gregos e romanos, Vidas Paralelas, onde encontramos as biografias César e Antônio, por nós utilizadas, constituiu-se em uma produção tardia plutarqueana, sendo finalizada na primeira metade do século II d.C., antes que o famoso escritor beociano falecesse em 125 d.C. , Floro9 9 Gregorio Andrés e Isabel Ferreo (2000, p.12) defendem que Floro nasceu durante o governo de Trajano (entre 98 e 117 d.C.), em uma província romana na África, vivendo em Roma durante o Principado de Adriano. Durante o governo deste mesmo imperador, Floro, segundo Edward Forster(1984, p. X), teria partido para Tarraco na Hispania. Lá, se estabeleceu e passou a dar aulas de retórica. Seria neste período que elaborou a obra aqui selecionada, Epítome de Tito Lívio. Nesta, o autor se propõe a fazer um relato breve desde a fundação de Roma até o momento em que Otaviano é proclamado Augusto, em 27 d.C. e Nicolau de Damasceno 10 10 Nicolau de Damasceno nasceu por volta de 64 a.C., na região de Damasco, província romana na atual região da Síria. Oriundo de família pertencente a nobreza, teria estudado na Grécia, tornando-se amigo e biografo de Herodes Arquelau, governante da Judéia. Sua posição, de acordo com Mark Toher (2016, p.15), possibilitou que, ainda jovem, viajasse a Roma e lá estabelecesse contato com homens proeminentes, tais como Marco Antônio e Otávio. Sua obra aqui analisada, Vida de Augusto, é fruto deste ambiente no qual o autor foi inserido. Como vivenciou a época de Otávio, futuro Augusto, oferece-nos um relato pormenorizado deste momento, narrando a sua própria visão acerca das ações do comandante. parecem concordar com ele, uma vez que nos falam que:

É neste estado das coisas que o jovem César11 11 Plutarco, aqui, já o trata por tal titulação. O mesmo acontece em Veléio, Floro e Dión Cássio. chegou a Roma, um filho da sobrinha do César falecido, como já dissemos, o qual instituíra como herdeiro de sua fortuna. Encontrava-se em Apolônia quando César foi assassinado. Logo ao chegar foi saudar a Antônio, como a um amigo de seu pai, e o lembrou dos valores depositados junto a ele. Pois era de sua obrigação dar a cada romano o valor de setenta e cinco dracmas que César lhes legara em testamento. De início, Antônio, desdenhando sua juventude, disse-lhe que seria uma falta de bom julgamento, com a pouca capacidade e os amigos que possuía, encarregar-se de fardo tão pesado quanto a sucessão a César. E, quando o jovem recusou-se a dar ouvidos a isso, e reclamou a soma, Antônio continuou falando e tomando inúmeras atitudes para insultá-lo. (PLUTARCO, Antônio XVI, 1-2)

Olhando para Otávio, que contava com menos de dezoito anos, como um rapaz de tenra idade e, por isso, uma fácil vítima de injustiça, e para si mesmo, que tinha desfrutado todo o prestígio de seu longo serviço ao lado de César, Antônio continuou a destruir sua hereditariedade através de fraudes, a persegui-lo com insultos pessoais e a tentar impedir sua adoção pela família do Júlios através de todos os dispositivos em seu poder. (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 15).

Após a morte e o enterro do grande César, seus amigos (de Otávio), o aconselharam a cultivar a amizade de Antônio, colocando-o no comando de seus próprios interesses (...). Embora houvesse muitas causas que contribuíam para as discordâncias entre Otaviano e Antônio, o último parecia incitar cada vez mais a inimizade entre ambos, pois estava em desacordo com Otaviano e com um de seus partidários. Otaviano, no entanto, de forma alguma assustado, devido ao seu espírito elevado, fez algumas exposições na ocasião do festival de Vênus Genetrix, que seu pai havia estabelecido. Mais uma vez, ele se aproximou de Antônio com vários amigos, solicitando permissão para que o trono e a coroa de flores fossem expostos em homenagem a seu pai. Antônio fez a mesma ameaça de antes, insistindo para que Otaviano desistisse da ideia e permanecesse quieto. Otaviano retirou-se e respeitou o veto do Cônsul. Entretanto, quando ele adentrou o teatro, as pessoas o aplaudiram e saudaram em voz alta. Os soldados de seu pai, irritados por ele ter sido proibido de prestar a homenagem à honrosa memória de César, deram-lhe, como sinal de aprovação, uma salva de palmas (...). (NICOLAU DE DAMASCENO, A Vida de Augusto XXVIII, 3. Grifo nosso.)

Floro, por conseguinte, não deixa de ressalvar os mesmos aspectos, nos dizendo que: “ Antônio, instável como sempre, recusou-se a tolerar Otávio como o sucessor de César (...).” (FLOROCASSIUS DIO COCCEIANUS -. Roman History. Introduction, notes and english translation by Earnest Cary. London: William Heinemann, 1961, vols. I-Epítome de Tito Lívio II, 14.SUENTONNIUS -. The Lives of Caesars. Oxford: Oxford University Press, 2009.).

Tais atos do cônsul aparecem, inclusive, em Suetônio, o qual salienta que o jovem herdeiro de César inúmeras vezes teve que lidar com as injúrias que Antônio lhe atribuía (SUETÔNIO, O Divino Augusto IV, 3.; VII, 3). Dentre tais injúrias, a narrativa suetoniana alude ao cognome Turino, citado por Antônio quando este refere-se ao jovem Otávio. Para o autor, esse cognome não possuí nada de desonroso, mas pode indicar a origem dos ancestrais augustanos ou, até mesmo, o sucesso de seu pai perante a contenção de escravos fugitivos desse local. (SUETÔNIO, O Divino Augusto VII, 1-2).

A rejeição por parte de Antônio era atribuída a seu caráter, a sua índole. As palavras cassianas parecem concordar com as visões de autores antigos, uma vez que nos dizem:

Desta forma, ele, primeiramente chamado de Otávio, já conhecido nesse momento como César e, depois, Augusto, tomou em suas mãos os assuntos públicos. E ele gerenciou e lidou com estes mais vigorosamente que qualquer outro homem em seu auge, mais prudentemente que qualquer indivíduo mais velho. Em primeiro lugar, ele adentrou a cidade como se seu único propósito fosse o de tomar posse de sua herança, chegando como uma cidadão privado, acompanhado apenas por alguns subordinados, sem qualquer exibição. Novamente, ele não proferiu ameaças contra ninguém e não mostrou que estava descontente com o que aconteceu ou que gostaria de vingar-se. De fato, tão longe de exigir de Antônio o dinheiro que ele lhe havia tomado, ele, na realidade, cortejou-lhe, mesmo apesar de este ter lhe insultado e injustiçado. Pois Antônio lhe ofendeu tanto com palavras quanto com ações, particularmente quando a lex curiata foi aplicada, tranferindo Otávio para a família de César. (DIÓN CÁSSIO12 12 Originário da Nicéia na Bitína. Dión Cássio era filho de Cássio Aproniano, um senador romano e governador da Cílicia e da Dalmácia. A sua data de nascimento é situada, por estudiosos como Earnest Cary (1961, p.X) entre 155 e 164 d.C., no século II d.C. É nas décadas finais deste mesmo século, aparentemente por volta de 180 d.C., que Dión encontra-se em Roma, durante o governo de Cômodo, quando assume o posto de senador. Nos anos posteriores, já sob Septímio Severo, em 193 d.C., Dion passa a exercer a pretura, momento em que, de acordo com Drew Harrington (1992, p.177), começa a elaborar sua obra. Inicialmente, esta trataria apenas dos eventos concernentes à ascensão de Severo. Contudo, após a recepção positiva destes escritos, tanto por seu público quanto pelo próprio imperador, Dion teria resolvido iniciar seu relato desde a fundação de Roma, culminado em sua própria época, em 229 d.C.A vasta obra História Romana, originalmente, foi escrita em oito livros que cobriam um período de cerca de mil anos. , História Romana XLV, 5.)

Assim, na visão apresentada pelos autores antigos aqui destacados, as ações de Antônio perante Otaviano foram, desde o princípio, as principais causadoras do confronto que se estabeleceria entre estes dois cidadãos romanos. Mostra-se, desta maneira, que em grande parte das narrações dos autores contemporâneos a Augusto ou, até mesmo, de períodos posteriores a ele, são construídas imagens opostas, onde o herdeiro de César, futuro Augusto, aparece como aquele que tenta manter a paz, enquanto Antônio é o seu reverso, seu opositor mais feroz e, desta forma, opositor de Roma em si.

É em meio às primeiras disputas contra Antônio que Otávio, novamente, dá provas de sua coragem e desempenho nos campos de batalha, evidenciando, desta maneira, uma das características que compartilhava com Júlio César. (SUETÔNIO, O Divino Augusto X, 5).

Dión é um pouco mais prolixo ao narrar as disputas entre o herdeiro cesarino e Marco Antônio. Estas, em sua visão, ocorreram, tanto no plano físico, com várias altercações entre estes homens e seus exércitos, quanto no plano ideológico, onde discursos difamatórios e imagens vexaminosas eram criados e proferidos por ambas as partes. (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLV - XLVI).

Sobre as batalhas entre o herdeiro de César e Antônio, Veléio e Floro também nos passam algumas informações. Nesse aspecto, mostram Antônio como um opressor. Em suas palavras:

A cidade estava sufocada pela opressão de Antônio. Todos sentiam dor e indignação, porém, não possuíam força para lhe fazer frente, quando Caio César, que iniciava o décimo nono ano de sua vida, com a coragem para ações admiráveis e para a busca de objetivos importantes por iniciativa própria, mostrou maior providência que o Senado na proteção da República (...). (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 61)

O povo romano, após os assassinatos de César e Pompeu, pareciam ter retornado ao antigo estado de liberdade; e eles teriam feito isso se Pompeu não tivesse filhos ou César nenhum herdeiro, ou, ainda mais fatal do que estas circunstâncias, se Antônio, outrora colega de César e, posteriormente, seu rival no poder, não tivesse sobrevivido para causar incêndios e tempestades nos próximos anos. (...). Pois o povo romano não podia encontrar salvação exceto refugiando-se na subserviência. No entanto, foi um motivo de celebração que, em meio grande agitação, o poder passou para as mãos que ninguém mais que Otávio Augusto, que, através de sua sabedoria e habilidade, restaurou a ordem no corpo do império (...). (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 14.)

O jovem César aparece, desde esse instante, nas obras destes escritores como um protetor da Res Publica contra as ameaças de Antônio, sendo este último, inclusive, declarado inimigo de Roma (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 63). Assim, reuniu parte das tropas de seu pai adotivo e sai em busca de Antônio, cujo exército, ao deparar-se com “(...) as qualidades de um jovem de tamanho valor (...)”. (História Romana II, 61), trocou de lado. Perante tal evento, o Senado honrou o jovem César com uma estátua localizada em frente à tribuna rostral; honra esta que, em trezentos anos, apenas Sila, Pompeu e Júlio César haviam recebido (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 61). Em seguida, contando com apenas vinte anos, o futuro governante vence uma violenta batalha em Módena, o que faz com que Antônio, com uma escassez vergonhosa de recursos, fuja dos territórios itálicos (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 61). Em nossa acepção, o autor, tenta demonstrar como Otávio, desde a juventude, constituiu-se em um homem de valores, de atributos que são demonstrados no campo de batalha, nos atos em defesa de Roma e que, por isso, são reconhecidos tanto pelo Senado quanto por seus inimigos.

Nota-se, desta maneira, que desde o princípio, como bem salienta Adrian Goldsworthy (2010GOLDSWORTHY, A. Antony and Cleopatra. New York: Yale University Press, 2010., p.234), Marco Antônio é descrito como sendo aquele que representa a inversão de valores, que contraria o Mos Maiorum13 13 Mos Maiorum: “costumes dos maiores”. Nesta expressão, o que traduzimos literalmente como “maiores” refere-se aos “mais velhos”, aos ancestrais romanos, simbolizando a reivindicação pela identidade romana através do reestabelecimento (e da manutenção) das condutas tradicionais romanas. Segundo Pierre Grimal (1993, p.54), Mos Maiorum significava os costumes ancestrais e os valores tradicionais romanos, morais e cívicos, que permeavam a sociedade. Para muitos pesquisadores, com os quais aqui concordamos, eram normas complexas que se desenvolveram paulatinamente, adaptando-se aos diferentes cenários sociais e aos distintos personagens. e os demais preceitos pré-concebidos que poderiam lhe atribuir características de um bom governante. Sua índole dúbia será o motivo dos inúmeros desentendimentos entre ele e o herdeiro de César, o que culminará na Guerra Civil.

É em detrimento desses traquejares de sua personalidade que Antônio passa a se relacionar com mulheres de dúbio caráter, tal como a governante ptolomaica, Cleópatra VII. Ainda de acordo com as linhas plutarqueanas:

Tal, então, era a natureza de caráter de Antônio, que agora abismou-se na desgraça pelo amor de Cleópatra, amor que despertou e desencadeou nele inúmeras paixões adormecidas e sufocou o que, apesar de tudo, podia ainda existir de bom e saudável em sua alma. (PLUTARCO, Antônio XV, 1.)

A relação de Antônio com Cleópatra torna-se a partir deste ponto, o eixo central da narrativa plutarqueana. A vida do cidadão romano irá girar em torno de suas ações sob o jugo desta estrangeira. Aqui, novamente, o autor beociano passa a realizar um destacamento das atitudes do biografado que demonstram seu caráter, suas virtudes e seus vícios.

Patérculo também enxerga na relação entre a governante egípcia e o triúnviro romano as causas da derrocada de Antônio. Para este autor: “Mais tarde, ao inflamar sua paixão por Cleópatra e como resultado de sua enorme degradação moral, a qual sempre aumenta ao encontrar possibilidades (...).” (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 82). Ou seja, para este autor, a união com a soberana ptolomaica possibilita que Antônio aumente seus defeitos morais, o que, futuramente, será a causa da guerra contra Otaviano.

O mesmo podemos encontrar na obra de Estrabão14 14 Fruto de meados do século I a.C., Estrabão é oriundo da Amásia, na região de Ponto (atual Turquia), filho de uma família que contava com proeminentes políticos em sua região. A posição social de sua família lhe possibilitou o desenvolvimento de seus estudos na Grécia e, posteriormente, em Roma. Seus escritos que aqui trabalhamos encontram-se compilados sobre o nome de Geografia. Estes, divididos em dezessete volumes , são compostos por relatos, descrições e reflexões preciosas, contento aspectos físicos, econômicos, humanos e, principalmente, sociais das regiões que analisa. Tal obra nos é de grande importância, pois o autor a elabora em meio ao governo de Augusto, colocando em seu relato a sua própria concepção sobre este Princeps, seu Principado e sua família imperial. , o qual nos diz que: “Antônio atravessou a Ásia e manteve Cleópatra em uma honra tão extraordinária que a escolheu como esposa e teve filhos com ela (...).” (ESTRABÃO, Geografia VIII, I)

Suetônio refere-se, igualmente, à relação entre Antônio e a herdeira ptolomaica. No entanto, não se estende muito na descrição desta. O autor destaca a manutenção destas relações e o que os frutos desta vieram a ocasionar na sociedade romana: uma nova guerra civil (SUETÔNIO, O Divino Augusto XVII, 1-2).

A narrativa floreana também é bastante profusa sobre este ponto da vida de Antônio, como podemos notar abaixo:

A loucura de Antônio, uma vez que esta não podia ser apaziguada pela satisfação de sua ambição, foi trazida a um fim por seu luxo e libertinagem. Após a expedição contra os partos, ele adquiriu uma repugnância pela guerra, vivendo uma vida fácil e, escravo do amor por Cleópatra, permaneceu em seus braços reais como se tudo estivesse indo bem para ele. A mulher egípcia exigiu do general bêbado, em troca de seus favores, o Império Romano; e, isto, Antônio lhe prometeu (...). (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 21)

São nas linhas plutarqueanas e cassianas que aparecem as profusas descrições do relacionamento estabelecido entre Antônio e Cleópatra. Plutarco aponta desde o primeiro encontro onde, sabendo do gosto pela excentricidade de Antônio, a ptolomaica dirige-se a ele em meio a uma gama de artífices luxuosos, que pretendiam evidenciar a sua riqueza e seu poder. Antônio, que possuía como um de seus vícios o gosto pela ostentação e por festins, teria ficado admirado, entregando-se, desde o princípio a esta relação que não lhe seria de nada proveitosa (PLUTARCO, Antônio XXV, XXVI e XXVII).

Dión Cássio, de forma mais contida, alude ao encontro dos futuros amantes. Em suas linhas:

Durante esse mesmo período, após a batalha de Filipi, Marco Antônio viajou para a Ásia, onde arrecadou contribuições das cidades e vendeu as posições de autoridade; algumas destas províncias ele visitou pessoalmente e, para outras, enviou homens de confiança. Enquanto isso, ele apaixonou-se por Cleópatra, que ele tinha visto na Cilícia, e, depois disso, não pensou mais em sua honra e tornou-se escravo da mulher egípcia, devotando seu tempo para esta paixão. Isto levou-o a fazer muitas coisas ultrajantes (...). (DIÓN CÁSSIO, História Romana XLVIII, 24.).

Mais uma vez, o amor por Cleópatra é corrosivo. Destrói Antônio, tira-lhe tudo, inclusive o sentimento de ser romano. Para Plutarco (Antônio XXVIII, 1), este se deixou levar, esquecendo-se de seus princípios e de suas responsabilidades perante Roma, dando mostras de sua personalidade, de suas falhas morais e desvirtuosas. Inclusive, para os autores antigos aqui supracitados.

As falhas e os vícios de Antônio mais uma vez são os causadores de sua derrocada. Ao voltar a se relacionar com Cleópatra, o romano dá as costas para sua esposa Otávia e, com isso, para a pouca estabilidade que esse laço familiar lhe proporcionava com seu irmão, Otaviano. Com esta visão concorda Floro, que relata o que se segue:

Ele, no entanto, começou a almejar a soberania - não apenas para si mesmo - e não secretamente; mas, esquecido de sua origem, de seu nome, de sua toga e dos emblemas de seu cargo, ele, rapidamente e completamente, degenerou-se em um monstro, tanto no sentimento bem como em trajes e vestidos. Em sua mão estava um cetro dourado, ao seu lado, uma cimitarra; ele usava um robe púrpuro cravejado com enormes gemas; uma coroa era a única coisa que lhe faltava para lhe tornar um rei que flertava com uma rainha. (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 21)

Assim, Antônio era o único culpado por sua degeneração. Sua relação com Cleópatra e, por conseguinte, seu pendor pelos artífices de um rei o transforaram em um monstro. Curioso notar que Floro ressalva que Antônio buscava pelo poder único e, não, o herdeiro de César, distanciando este último de qualquer característica autoritária e despótica. Logo, mais um distanciamento é realizado por este autor entre as imagens de Antônio e o futuro Augusto e, por conseguinte, entre Antônio e César. Isso porque, parece-nos, que é Antônio que, nas vidas dos outros dois personagens, estabelece laços com as tradições monárquicas romanas, algo condenável para o período. Em relação a César, é ele, enquanto cônsul, que lhe oferece o laurel; em um momento posterior, onde desempenha funções de triúnviro, é ele que almeja tornar-se rei.

O autor beociano ainda enumera várias ações de Antônio que culminaram na guerra contra Otaviano e, por conseguinte, contra a própria Roma. De início, as honras prestadas a Cleópatra e o reconhecimento de seus filhos com esta agravaram, para o autor, o descontentamento dos romanos para com esse cidadão (PLUTARCO, Antônio XXXVI, 3-4). Para o autor, a relação com Cleópatra alterou, até mesmo, o resultado das guerras travadas por Antônio, que, em decorrência de sua ânsia por estar ao lado da soberana alexandrina, iniciou os conflitos em épocas impróprias, além de fatigar suas tropas e arrecadar, desta forma, o desgosto de seus soldados, mesmo entre aqueles que nutriam profundo respeito e admiração por seu comandante (PLUTARCO, Antônio XXXVII , XXXVIII, XXXIX e XL). Foi em meio a esse caos reinante na vida de Antônio que se estabeleceram os primórdios de uma nova guerra civil.

Ao citarmos tais passagens e descrições tão pormenorizadas das vidas destes dois personagens romanos, torna-se extremamente curioso a dualidade existente entre ambos. Enquanto um denota ser a personificação do bem, do salvador e protetor de Roma, exempla e detentor dos principais princípios do Mos Maiorum15 15 Dentre estes: a Pietas, a Virtus, a Gravitas, a Clementia, a Fides e a Humanitas. , o outro é descrito como sendo o detentor dos piores vícios, das piores falhas. Para nós, tal visão denota parte de toda uma construção elaborada no período augustano ou, principalmente, a partir do momento em que o futuro Imperador se transforma no herdeiro de César, época em que suas bases políticas eram frágeis e insubstanciais. Em outras palavras, a criação da imagem de Antônio parte da necessidade de legitimação de Otávio, futuro Augusto e da necessidade de se autoafirmar perante a sociedade romana. Integra, deste modo, toda uma propaganda elaborada com a intenção de destacar as falhas de seu adversário, que, diga-se de passagem, possuía uma experiência bem mais ampla nos assuntos políticos, econômicos, militares e sociais romanos. Logo, desconfiamos desta elaboração, a qual também irá atingir, inclusive, as descrições sobre os momentos finais da vida de cada um.

A dicotomia da morte: o renegado x o Augustus

De acordo com Barbara Levick (2010LEVICK, B. Augustus: Image and Substance. Harlow: Pearson Editorial, 2010., p. 289), essa oposição que permeia os relatos sobre as vidas e os feitos de Antônio e Augusto se fará presente, também, nas formas que suas mortes são narradas. Isso, pois, a maneira que a vida era ceifada, assim como os rituais de sepultamento, caracterizavam-se pelas experiências sociais vividas por aquele que deixava o plano físico para adentrar os mundos vivenciados pelos deuses.

Ao nos depararmos com escritos antigos diferenciados, como os já citados Floro e Estrabão, podemos perceber que há uma preocupação constante, política e social, na normatização de enterros (que se baseavam na posição social ocupada por aquele a ser velado) e na forma das solenidades prestadas pela família enlutada. Neste momento, a memória social e coletiva, como ressalva Maurice Halbwachs (2006HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo: Ed. Centauro, 2006., p.132), era de extrema importância, visto que o monumento funerário é projetado de forma a resguardar a memória, de torná-la tangível. Em Roma, principalmente, os monumentos fúnebres assumem essa função memorial e, ainda, de rememoração da importância social dos seres que ali jazem. É em meio a estas perspectivas que podemos analisar as narrações das mortes de Antônio e Augusto.

Como destacado anteriormente, Antônio configura-se no antagonista de Otaviano. Enquanto o primeiro é narrado como uma espécie de “pária” romano, o segundo é o seu oposto, o salvador. A deflagração civil entre Antônio e Otaviano é abordada por vários autores antigos aqui já citados. Estes colocam em Antônio a maior parte da culpa, uma vez que seu desregramento moral o fez declarar guerra à sua própria pátria (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 82).

Dión relata o malquisto divórcio com Otávia (História Romana L, 3.) e a abertura de seu testamento, onde reconhecia Cesarião como filho de Cleópatra e Júlio César, além de seus próprios filhos com a soberana. Consequentemente, doava a essas crianças territórios romanos, inserindo-os nesta sociedade como seus herdeiros. Tais constatações, assim como o fato de o romano ter determinado que seus restos mortais deveriam ser enterrados em Alexandria, atitudes que contradiziam os valores e tradições romanas, além de infringirem a função memorial e social denotada aos rituais fúnebres romanos. Tais “informações” causaram grande indignação na sociedade romana de seu tempo. (História Romana L, 3 - 4.)

Suetônio também ressalva o testamento de Antônio. Em suas palavras, o futuro Augusto:

Finalmente rompeu a aliança sempre dúbia e incerta com Marco Antônio, mal restabelecida por várias reconciliações, e, para que pudesse melhor provar que ele tinha degenerado dos padrões de comportamento civil, fez abrir e ler em público o testamento que ele deixara em Roma e que também nomeava os filhos de Cleópatra como seus herdeiros. (SUETÔNIO, O Divino Augusto XVII, 1)

Sobre esse aspecto, Plutarco igualmente nos fala, (PLUTARCO, Antônio LVIII, 4), acrescentando a isto as cerimônias realizadas pelo próprio romano em Alexandria, onde este proclamava seus filhos com a ptolomaica como os detentores de honras divinas e de províncias romanas. Esta atitude, ainda de acordo com Plutarco, lhe atribuiu grande ódio e rancor em meio aos seus concidadãos (PLUTARCO, Antônio LIV, 3).

Tais atos geraram a acusação pública de Antônio realizada por César (futuro Augusto) frente ao Senado romano, o que intensificou a disputa, que, até este momento, ainda não tinha sido direcionada para o campo de batalha (PLUTARCO, Antônio LV,1- 4; DIÓN CÁSSIO, História Romana L, 4).

Sobre os embates das tropas, Veléio e Dión Cássio dedicam muitas linhas de seus relatos. Para o primeiro, estava claro, desde o princípio, qual seria o lado vencedor, utilizando, inclusive, a nomenclatura de Juliano ao tratar das forças do herdeiro de César. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 84). O autor igualmente denota atenção ao fato do grande número de desertores das tropas de Antônio; desertores estes que se uniam às causas de Otaviano (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 84). Ainda sobre a batalha: “Logo chegou o dia mais decisivo, em que César e Antônio combateram com as esquadras frente a frente, um pela salvação, outro pela destruição da urbe” (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 85). Logo, podemos notar que Veléio denota à guerra civil um objetivo: enquanto César lutava para proteger Roma, Antônio, guerreando ao lado do inimigo, personificado por sua relação com Cleópatra, lutava para destruí-la.

Por sua vez, o autor beociano, que produziu uma biografia inteira de Antônio, descreve as ações de forma pormenorizada. A princípio, cita as atitudes de Antônio e Cleópatra perante a configuração hostil que se formava. Para o autor, a participação da rainha e as ações do cidadão romano em sua presença, faziam com que muitos dos valiosos apoios do exército de Antônio partissem em retirada, passando a integrar as tropas de Otaviano (PLUTARCO, Antônio LVII e LVIII).

Interessante notar é que Plutarco e Dión Cássio ressalvam uma questão que não aparece nas obras dos outros autores. Eis o que eles nos falam:

Quando César já contava com preparativos suficientes, votou-se para que se decretasse guerra contra Cleópatra e para que se tirasse de Antônio a autoridade a qual ele tinha rendido a uma mulher. A isto, César adicionou que Antônio tinha sido enfeitiçado e que não era mais senhor de si mesmo, e que os romanos guerreavam contra o eunuco Madião, Potino, Iras, a dama de companhia de Cleópatra e Charmian, justamente os encarregados por gerir os principais assuntos do governo. (PLUTARCO, Antônio LX, 1)

Esta foi a razão pela qual eles votaram pela guerra contra Cleópatra, porém, eles não fizeram declaração igual contra Antônio, na realidade sabendo muito bem que ele iria se tornar um inimigo, uma vez que não se voltaria contra ela e defenderia César, e eles desejavam ter esta última acusação contra ele, onde ele teria voluntariamente iniciado uma guerra ao lado da mulher egípcia contra seu próprio povo (...). (DIÓN CÁSSIO, História Romana L, 6.)

Logo, o beociano expõe os motivos para a guerra alegados por Otaviano. Não se tratava de uma guerra civil, uma vez que a disputa não era entre dois cidadãos romanos. Antônio estava compelido por forças misteriosas, não era mais senhor de si mesmo. A guerra era contra um reino e contra uma rainha estrangeiros, contra Cleópatra e seus súditos. Para Dión, um pouco mais crítico, a guerra contra Cleópatra configurava-se num pretexto para desviar a atenção do verdadeiro motivo: a guerra contra Antônio.

A batalha em si é narrada por inúmeros autores, desde Veléio, Floro, passando por Nicolau e chegando a Díon, ou seja, cerca de quase quatro séculos de diferença. Em todos podemos constatar a ênfase que é dada na participação de Cleópatra e Marco Antônio na última batalha em Ácio (31 a.C.). Nesta, ao perceber que se encontrava derrotada, Cleópatra teria fugido, abandonando suas tropas e seu consorte, Antônio. O último, de acordo com os relatos:

Cleópatra foi a primeira a empreender a fuga, Antônio preferiu acompanhar a rainha fugitiva que permanecer com seus soldados em combate, e o general que deveria ter sido duro com seus desertores, desertou de seu próprio exército. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 85)

Foi então que Antônio demonstrou claramente que não estava sendo dirigido nem pelo pensamento de um comandante nem pelo pensamento de um bravo homem, nem ao menos pelo seu próprio, mas, como alguém brincando certa vez afirmou que a alma de um amante habita outro corpo, ele se viu arrastado por aquela mulher, como se ambos fossem um só e ele tivesse que estar onde ela estava. Tão logo viu a embarcação desta partindo, esqueceu-se de tudo, traindo e abandonando aqueles que lutavam e morriam por sua causa, subiu em um quinquerreme, acompanhado apenas pelo sírio Alexas e por Esquélio, e apressou-se em acompanhar a mulher que já havia lhe arruínado e agora tornaria esta ruína ainda mais completa. (PLUTARCO, Antônio LXVI, 4-5)

De acordo com Karl Galinsky (2012GALINSKY, Karl. Augustus. Introduction to the life of an Emperor. New York: Cambridge University Press, 2012., p. 76), o abondono de tropas por parte de seu general era algo extremamente mal quisto pela sociedade romana. Segundo o mesmo autor, era melhor que o perdedor cometesse a ambitiosa (suícido honroso perante uma batalha perdida visto como um dos princípios do Mos Maiorum), do que abandonasse um campo de batalha. O destino final de Marco Antônio, traçava-se ali, neste instante.

Ao retornar à Alexandria, já o faz como um perdedor. Os autores aqui selecionaods ainda nos falam que Antônio, após empreender fuga, refugiou-se em Alexandria para aguardar o resultado final da batalha de Ácio. Segundo as linhas plutarqueanas, ao saber que suas tropas e seu aliados haviam debandado para o outro lado, o general pareceu sentir-se aliviado, voltando a emergir nos festins, nas bebedeiras e nas libertinagens com Cleópatra (PLUTARCO, Antônio LXXI, 1-2; FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 21; DIÓN CÁSSIO, História Romana LI, 1-5 ).

De acordo com o Plutarco, o jovem César chegou em terras alexandrinas, montando o cerco a Antônio. Este, por sua vez, tentou defender-se. Aqui, novamente deu provas de seu desempenho no campo de batalha (PLUTARCO, Antônio LXXIV,2-4.; LXXV,1). Contudo, até mesmo o deus Dionísio, com o qual Antônio procurava se assemelhar, abandonou-lhe (PLUTARCO, Antônio LXXV, 4). Em seguida, o restante de suas tropas, as quais também eram formadas por soldados alexandrinos, debandou-se para o lado cesarino (PLUTARCO, Antônio LXXVI, 1-2).

Antônio não tardou em suicidar-se, sendo que com sua morte expiou seus numerosos crimes (consequências) de sua negligência. De sua parte, Cleópatra, depois de burlar seus guardas, servindo-se de uma áspide, sem sentir o temor próprio de uma mulher, morreu da picada. E foi digno da fortuna e da clemência de César o fato de que nenhum dos que haviam pegado em armas contra ele, fora morto por ele ou por ordem dele. (VELÉIO PATÉRCULO, Historia Romana II, 87).

Para Plutarco, Antônio não demonstrou respeito nem com sua família, nem com seus amigos e aliados. Abandonou aqueles que lhe proporcionaram as maiores e mais belas vitórias (PLUTARCO, Comparação entre Demétrio e Antônio V). Em suas palavras: “O fim de Antônio foi covarde, vergonhoso e digno de piedade, porém, ao menos, antes que seu inimigo se tornasse mestre de sua vida. ” (PLUTARCO, Comparação entre Demétrio e Antônio VII, 2). Destarte, não foi o fim glorioso digno a um romano, à um general, cônsul e governante de um Império em plena ascensão. O mesmo vemos em Estrabão, que nos passa: “ e ele empreendeu a batalha em Ácio com ela e fugiu com ela; e depois que Augusto César os perseguiu, destruiu os dois e pôs fim ao governo bêbado e desvirtuado que infligia ao Egito.” (ESTRABÃO, Geografia XVII, 80)

Sobre seus ritos funerários, muito pouco é descrito. Segundo Díon Cássio ( História Romana LI, 18), Marco Antônio e Cleópatra foram sepultados em Alexandria, no Mausoléu construído pela Rainha, como fora determinado pelo próprio romano em seu testamento. Notamos aqui que até em sua morte, fora-lhe negado os ritos fúnebres tradicionais romanos. Antônio deixava de ser romano para se tornar alexandrino inclusive em sua morte16 16 Sobre esse suposto Mausoléu, só encontramos referências nas obras de escritores antigos. Resquícios arqueológicos não foram, até o momento, descobertos. Supõe-se que esta construção fúnebre possa ter sofrido soterramento e/ou destruição com os sucessivos terremotos e maremotos que atingiram Alexandria durante o período Imperial Romano. .

Visão completamente oposta temos acerca do vencedor de Ácio, o jovem César. Seu caráter, sua moral, são compostos de todas as características que faltavam em seu inimigo político, Antônio. Assim, após a morte deste último, a figura deste jovem romano irá resplandecer na Roma de seu tempo, projetando-se, inclusive, em momentos posteriores.

As narrativas de Veléio e de Suetônio após as batalhas entre César e Antônio direcionam-se para o mesmo ponto: para as descrições acerca das atitudes do novo governante romano. De acordo com Patérculo:

(...) com que abundância e com que atitude favorável de todos os cidadãos, de todas as idades e ordens sociais, foi recebido César em seu retorno a Roma, que magnificiência teve seu triunfo, quantas foram as recompensas, não se pode expressar de uma maneira que seja suficiente entre os conteúdos de uma narração regular, ainda mais na nossa tão limitada. Nada podem pedir os homens aos deuses e nada podem conceder os deuses aos homens, nenhum desejo conceber ou realizar felizmente que César após a sua volta a Roma não apresentasse ao estado, ao povo romano e ao mundo. (VELÉIO PATÉRCULO, História Romana II, 89)

Chama-nos a atenção, no trecho acima arrolado, o fato de que Veléio afirma que o jovem César, após a guerra contra Antônio, contava com o apoio de todos os cidadãos romanos. Em nossa acepção, encontramos aqui a construção da imagem de bom governante em torno da figura do futuro Augusto, construção esta que vai referendar o reflexo da imagem augustana dentro no sistema político do Principado Romano.

Sua vida, após 31 a.C., é descrita de forma a moldar ainda mais (se é que é possível) o seu caráter como salvador da Res Publica e do povo romano. Com isso, sucessivamente, foi colecionando títulos. Imperator, Princeps, Pontifex Maximus e, um dos mais importantes, em 27 a.C.: Augustus.

Para Floro e Dión Cássio, é como fruto de suas ações perante o povo e o Senado, que o então César recebe o título de Augusto. (FLORO, Epítome de Tito Lívio II, 33; DIÓN CÁSSIO, História Romana LIII, 16). De acordo com Suetônio:

O conjunto de cidadãos atribuiu-lhe o título de Pai da Pátria com repentino e total consenso: primeiramente a plebe, por uma legação enviada a Âncio; em seguida, porque não o aceitava, através de um significativo número de pessoas coroadas de louro, durante certa ocasião em que se dirigia aos espetáculos em Roma; logo depois, recebeu-o na cúria senatorial, não por decreto ou aclamação, mas através de Valério Messala. Esse homem disse em nome de todos: “que o bem e a ventura estejam contigo e com tua família, ó César Augusto!, pois, assim julgamos rogar eterna ventura e êxito para essa república: o senado, em comum acordo com o povo romano, saúda-te como Pai da Pátria”. Augusto respondeu-lhes entre lágrimas com tais palavras - pois eu as cito literalmente, assim como as de Messala - “realizados os meus votos, o que mais, ó senadores, devo suplicar aos deuses imortais, a não ser que me seja permitido manter esta vossa aprovação até o último dia de minha vida?”. (Suetônio, O Divino Augusto LVIII, 1-2)

De acordo com Suetônio, a nomeação como Pai da Pátria é feita por todas as instâncias da sociedade romana: pelo povo e pelo senado. Assim, a aclamação adquire os ares de uma nomeação completa, sem oposição.

Ainda sobre as demonstrações de amor a este governante por seus concidadãos, Suetônio ressalva as oriundas de reis e aliados estrangeiros, que fundaram cidades com o nome de Caesarea para homenageá-lo (O Divino Augusto LX, 1). Por conseguinte, salienta que até em meio a seus libertos foi nutrido de grande estima (O Divino Augusto LXVII, 1).

Ocupou por inúmeras vezes o cargo de Cônsul, ampliou o território imperial romano e legislou como nunca. Uniu em suas mãos os poderes que criaram as bases para o sistema governamental que hoje chamamos de Principado.

Como seguidor dos princípios do Mos Maiorum e dos costumes ancestrais, estabeleceu apenas dois casamentos: com Escribônia, de quem se divorciou, e com Lívia, esposa que o acompanhou até a sua morte. Sobre relações extraconjugais, curiosamente, apesar de serem comuns, não encontramos nenhum relato de que o então Augusto as tenha consumado.

É na ocasião de sua morte que, mais uma vez, o povo demonstra todo respeito e estima que mantinha por aquele que chamavam de Augusto. Como já destacamos, Augusto morre, de acordo com nossos autores, em Nola, no ano 14 d.C. Seus restos mortais são queimados em Roma, ocasião onde muitos dos presentes afirmam ter visto o espectro do morto ascender ao céu. Ao contrário de Júlio César e Antônio, a morte de Augusto é tranquila, quando este já contava com idade avançada. Nossos autores deixam transparecer que isto é decorrente das ações que praticou durante a sua vida. Como esta foi muito proveitosa, tanto para ela quanto para aqueles que governava, sua passagem para o mundo efémero foi tranquila. Nas palavras de Suetônio:

Os decuriões dos municípios e colônias transportaram seu corpo de Nola a Bovilas durante a noite em razão do clima, tendo sido ele depositado durante o dia na basílica ou nos maiores templos de cada cidade. De Bovilas, a ordem equestre recebeu-o, trouxe a Roma e depositou no vestíbulo de sua casa. O senado mobilizou-se, com emulação, em tão grande empenho para preparar seus funerais e cultuar-lhe a memória (...). (SUETÔNIO. O Divino Augusto C, 1-2)

Augusto, diferentemente de Antônio, passou por todas as honras e ritos funerários destinados aos romanos, principalmente àqueles considerados valorosos. O Mausoléu de Augustus17 17 O edifício funerário passou a ser conhecido como mausoleum por autores, como, por exemplo, Estrabão e, ao fim do século XVIII, foi identificado como Augusteo. dominava a parte norte do Campo de Marte. A tumba augustana foi sua primeira construção predial em Roma e iria permanecer como a mais alta. 18 18 85 metros de diâmetro e 45 metros de altura. A data de início da criação desta edificação ainda é incerta, podendo variar de 32 a 28 a.C. De acordo com Galinsky (2012GALINSKY, Karl. Augustus. Introduction to the life of an Emperor. New York: Cambridge University Press, 2012., p. 155), estruturalmente, o mausoléu augustano comportava vários túmulos em uma espécie de mansão concêntrica dividida por camadas. Tratava-se de um modelo baseado em sepulcros gregos, algo que remetia, inclusive a Tróia.

O mausoléu ganha aspectos de teatralidade, onde todo o poder de seus integrantes é exponenciado pela grandiosidade da construção. Não é algo apenas religioso, mas transforma-se, também, em uma manifestação política. Os Iulos e seus descendentes associam-se, através de um prédio funerário, a ancestralidade romana, ao Mos Maiorum e, por fim, às instituições republicanas, como podemos notar na Figura 1.

Figura 1 -
Modelo em 3d do Mausoléu de Augusto. Crédito para o site 3D Warehouse.

Considerações finais

Diante do que expusemos, podemos perceber toda dicotomia existente nas narrações acerca da vida destes dois importantes personagens romanos. Tratamos, nessa rápida exposição acerca de autores diversos, pertencentes a períodos e a regiões distintas, além de exporem suas narrativas através de gêneros de escrita diferentes. Contudo, apesar das diferenças, notamos inúmeras semelhanças, principalmente na maneira como estes retratam Antônio e Augusto. Como criam imagens discursivas semelhantes.

As imagens discursivas são formadas em um discurso, o qual não está isento das impressões de seu contexto de produção nem da subjetividade daquele que o produz. Logo, concordamos com Pierre Bordieu (2004, p. 45) que o discurso deve ser enxergado como uma práxis, uma ação daquele que o cria sobre o mundo em que vive. A linguagem, enquanto discurso, é interação e um modo de produção social. Ela não é neutra, inocente ou impensada. Trata-se do lugar privilegiado para a manifestação da ideologia do autor ou da sociedade em que este se insere.

Desta maneira, torna-se interessante percebermos como as similaridades destas imagens discursivas criam as personas, suas características, qualidades e defeitos que perpassam os séculos e chegam até nossos dias atuais.

Assim acontece com os discursos sobre as vidas e sobre as mortes de Marco Antônio e de Otávio (ora Júlio César, ora Otaviano e, por fim, Augusto). Suas descrições aparecem, quase que completamente, antagônicas, tanto na vida, quanto na morte. Antônio exemplifica o mau exemplo, aquele que não deve ser seguido nem lembrado. Sofre, com isso, a damnatio memoriae (a danação da memória), o esquecimento seletivo. É privado, inclusive, dos ritos fúnebres tradicionais romanos.

No viés oposto, deparamo-nos com o futuro Imperador Augusto. Aquele que exemplifica os costumes ancestrais, personifica o Mos Maiorum, torna-se um exempla. A ele, todas as glórias, tanto em vida quanto na morte. Seu túmulo constitui-se, até hoje, em um prédio imponente, destino de peregrinações, de homenagens, de libações. Ainda, possuiu um privilégio que não foi dado a Antônio (se aconteceu, não chegou aos nossos dias): pode deixar escrito em pedra a sua versão dos acontecimentos, a sua autobiografia, por assim dizer.

Imagens discursivas distintas, construídas com propósitos diferentes. Frutos de um período específico, que procurava propagar e propagandear questões singulares, peculiares. A legitimação política, tornar um poder legítimo, utiliza-se de várias armas, dentre estas a propaganda, que é divulgada através de obras literárias, construções arquitetônicas, relatos autobiográficos, entre outros. São inseridas como formas de legitimação que encontramos determinadas representações de Marco Antônio e de Augusto. Este último, como procuramos salientar, na ocasião da morte de Júlio César, seu tio-avô, contava com dezoito anos, não possuindo um papel relevante frente a sociedade romana. Contudo, ao ser proclamado herdeiro cesariano, deparou-se com a necessidade de autoafirmação, de legitimação de sua pessoa para que conseguisse o respaldo do meio social e político romano. É também como expoente de toda essa tentativa de legitimação que encontramos construções específicas em torno da imagem de Marco Antônio. Este último, na ocasião do assassinato de César, já figura com maior proeminência no meio político e social romano. Deste modo, Antônio constituíra em um forte adversário para o herdeiro de César, uma vez que além de suas conquistas de ordem militar, este homem, mais experiente, já desempenhava importantes funções administrativas, tais como o consulado. Sua posição era propícia para sua ascensão, algo que Otávio fez questão de dificultar. O futuro Augusto utiliza-se da propaganda para denegrir a figura de Antônio. Logo, as ações do militar recebem outras roupagens, outras caracterizações que, ao nosso ver, são bem diferentes das intenções de Antônio ao praticá-las. Passam a ser identificadas como coisas pouco benéficas a Roma, como frutos da perversidade e da insensatez de um homem em busca pelo poder monárquico. Marco Antônio é alvo de intensas críticas, de elaborações propagandísticas adversas que usufruem dos costumes, da tradição e da religião romana para atestar o desvirtuamento de um de seus mais imponentes cidadãos. Ainda, estas mesmas idealizações são empregadas para legitimar não só a figura de Augusto, mas, igualmente, para legitimar a nova estrutura política e social que surge com ele: o Principado.

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Notas

  • 1
    Por volta de 44 a.C.
  • 2
    Biógrafo com cidadania romana que vivenciou Roma entre o final do século I d.C. até meados do século II d.C. Sua obra, intitulada A Vida dos Doze Césares retrata as biografias dos Imperadores Romanos, iniciando com Júlio César e finalizando com o governo de Domiciano.
  • 3
    O nome Marco Antônio nunca é mencionado diretamente na Res Gestae. Em nossa visão, isso ocorre pois Augusto o considerava inimigo de Roma e seu próprio. Além disso, a citação do nome de Antônio poderia lembrar ao povo romano que seu governante estabeleceu uma Guerra contra um cidadão de Roma, algo que não era bem quisto para o período. Assim, mais fácil tratar Antônio como um inimigo externo, um traidor.
  • 4
    Neste período, ainda era reconhecido pela alcunha de Otaviano. O nome adotado por este homem durante os conflitos com Marco Antônio era o de Caio Júlio César, seu pai adotivo.
  • 5
    Este Imperador terá seu nome modificado de acordo com sua ascensão política. Nascerá como Otávio, tornar-se-á Júlio César após a adoção (momento que também receberá o apelido de Otaviano) e, por fim, receberá o título de Augusto, o qual será adotado como nome e não só titulação.
  • 6
    Otávio aparece não só como um herdeiro dos espólios materiais, mas, também, como uma espécie de legatário político cesariano
  • 7
    Originário da região romana da Campânia, Veléio Patérculo nasceu por volta de 19 a.C., no seio de uma ilustre família. Desde muito cedo, como ressaltam Maria Asunción Sánchez Manzano (2001SANCHES-MANZANO, M. A. Introdução. In: VELÉIO PATÉRCULO-. História Romana I. Trad. Maria Assunción Sánchez Manzano. Madrid: Gredos, 2001, p. 7-30, p.07) e Emma Dench (2005DENCH, E. Romulu’s Asylum. Roman Identities from the Age of Alexander to the Age of Hadrian. Oxford: University Press, 2005., p.120), Patérculo desempenhou funções militares em meio ao exército imperial romano. Sua obra, aqui analisada, História Romana, é dedicada a Marcus Vinicius e encontra-se dividida em duas partes, sendo que é, principalmente no Livro II que podemos encontrar maiores referências a Marco Antônio e a Augusto.
  • 8
    Plutarco nasceu no século I d.C., em uma pequena cidade chamada Queronéia, interior da Beócia, região localizada entre os golfos de Eubéia e Corinto, próxima a Tebas. O autor fez parte da nobreza de sua sociedade, o que lhe abriu inúmeras possibilidades, dentre estas a de estudar em Atenas durante a juventude. Após completar seus estudos, viajou por inúmeras regiões, chegando a residir por certo tempo em Roma, onde, por intermédio de Mestrio Floro, adquiriu a cidadania romana. Assim, detentor do que hoje entendemos por tripla cidadania - beociana, ateniense e romana - Plutarco passou a exercer inúmeros cargos políticos em meio à Roma imperial. Foi entre estes que iniciou a escrita de suas várias obras. Contudo, a coletânea de biografias de grandes personagens gregos e romanos, Vidas Paralelas, onde encontramos as biografias César e Antônio, por nós utilizadas, constituiu-se em uma produção tardia plutarqueana, sendo finalizada na primeira metade do século II d.C., antes que o famoso escritor beociano falecesse em 125 d.C.
  • 9
    Gregorio Andrés e Isabel Ferreo (2000ANDRES, G., FERREO, I. Introducción. In FLORO. Epítome de la historia de Tito Livio. Introducción, traducción y notas de Gregorio Hinojo Andrés y Isabel Moreno Ferrero. Madrid: Gredos, 2000, p. I - XIII., p.12) defendem que Floro nasceu durante o governo de Trajano (entre 98 e 117 d.C.), em uma província romana na África, vivendo em Roma durante o Principado de Adriano. Durante o governo deste mesmo imperador, Floro, segundo Edward Forster(1984FORSTER, E. Introduction, Translation and Notes. In: Epitome of Roman History.Cambridge: Harvard University Press, 1984, p. X), teria partido para Tarraco na Hispania. Lá, se estabeleceu e passou a dar aulas de retórica. Seria neste período que elaborou a obra aqui selecionada, Epítome de Tito Lívio. Nesta, o autor se propõe a fazer um relato breve desde a fundação de Roma até o momento em que Otaviano é proclamado Augusto, em 27 d.C.
  • 10
    Nicolau de Damasceno nasceu por volta de 64 a.C., na região de Damasco, província romana na atual região da Síria. Oriundo de família pertencente a nobreza, teria estudado na Grécia, tornando-se amigo e biografo de Herodes Arquelau, governante da Judéia. Sua posição, de acordo com Mark Toher (2016, p.15), possibilitou que, ainda jovem, viajasse a Roma e lá estabelecesse contato com homens proeminentes, tais como Marco Antônio e Otávio. Sua obra aqui analisada, Vida de Augusto, é fruto deste ambiente no qual o autor foi inserido. Como vivenciou a época de Otávio, futuro Augusto, oferece-nos um relato pormenorizado deste momento, narrando a sua própria visão acerca das ações do comandante.
  • 11
    Plutarco, aqui, já o trata por tal titulação. O mesmo acontece em Veléio, Floro e Dión Cássio.
  • 12
    Originário da Nicéia na Bitína. Dión Cássio era filho de Cássio Aproniano, um senador romano e governador da Cílicia e da Dalmácia. A sua data de nascimento é situada, por estudiosos como Earnest Cary (1961, p.X) entre 155 e 164 d.C., no século II d.C. É nas décadas finais deste mesmo século, aparentemente por volta de 180 d.C., que Dión encontra-se em Roma, durante o governo de Cômodo, quando assume o posto de senador. Nos anos posteriores, já sob Septímio Severo, em 193 d.C., Dion passa a exercer a pretura, momento em que, de acordo com Drew Harrington (1992HARRINGTON, D. Cassius Dio: The Augustan Settlement. In: The Classical World, v. 86, n. 2 (Nov. - Dec., 1992), p. 177-179., p.177), começa a elaborar sua obra. Inicialmente, esta trataria apenas dos eventos concernentes à ascensão de Severo. Contudo, após a recepção positiva destes escritos, tanto por seu público quanto pelo próprio imperador, Dion teria resolvido iniciar seu relato desde a fundação de Roma, culminado em sua própria época, em 229 d.C.A vasta obra História Romana, originalmente, foi escrita em oito livros que cobriam um período de cerca de mil anos.
  • 13
    Mos Maiorum: “costumes dos maiores”. Nesta expressão, o que traduzimos literalmente como “maiores” refere-se aos “mais velhos”, aos ancestrais romanos, simbolizando a reivindicação pela identidade romana através do reestabelecimento (e da manutenção) das condutas tradicionais romanas. Segundo Pierre Grimal (1993GRIMAL, P. O Império Romano. Lisboa: Edições 70, 1993., p.54), Mos Maiorum significava os costumes ancestrais e os valores tradicionais romanos, morais e cívicos, que permeavam a sociedade. Para muitos pesquisadores, com os quais aqui concordamos, eram normas complexas que se desenvolveram paulatinamente, adaptando-se aos diferentes cenários sociais e aos distintos personagens.
  • 14
    Fruto de meados do século I a.C., Estrabão é oriundo da Amásia, na região de Ponto (atual Turquia), filho de uma família que contava com proeminentes políticos em sua região. A posição social de sua família lhe possibilitou o desenvolvimento de seus estudos na Grécia e, posteriormente, em Roma. Seus escritos que aqui trabalhamos encontram-se compilados sobre o nome de Geografia. Estes, divididos em dezessete volumes , são compostos por relatos, descrições e reflexões preciosas, contento aspectos físicos, econômicos, humanos e, principalmente, sociais das regiões que analisa. Tal obra nos é de grande importância, pois o autor a elabora em meio ao governo de Augusto, colocando em seu relato a sua própria concepção sobre este Princeps, seu Principado e sua família imperial.
  • 15
    Dentre estes: a Pietas, a Virtus, a Gravitas, a Clementia, a Fides e a Humanitas.
  • 16
    Sobre esse suposto Mausoléu, só encontramos referências nas obras de escritores antigos. Resquícios arqueológicos não foram, até o momento, descobertos. Supõe-se que esta construção fúnebre possa ter sofrido soterramento e/ou destruição com os sucessivos terremotos e maremotos que atingiram Alexandria durante o período Imperial Romano.
  • 17
    O edifício funerário passou a ser conhecido como mausoleum por autores, como, por exemplo, Estrabão e, ao fim do século XVIII, foi identificado como Augusteo.
  • 18
    85 metros de diâmetro e 45 metros de altura.
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento da CAPES (Proc. 88882.317801/2019-01).
  • Dossiê Memórias e Mortes de Imperadores romanos (I a.C. – VI d.C.)

    Organizadoras: Margarida Maria de Carvalho, Rita Lizzi Testa & Janira Feliciano Pohlmann

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2020
  • Aceito
    10 Jul 2020
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