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Memória da atuação do imperador Teodósio II na Controvérsia Nestoriana (Séc. V d.C.)* * Esse artigo se insere nas reflexões da tese de doutorado defendida na UNESP/Franca, em 2018, sob financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processos 2013/24320-4 e 2015/09002-1.

Memory of the Performance of the Emperor Theodosius II in the Nestorian Controversy (5th Century AD)

Resumo

Teodósio II governou o Império Romano do Oriente de 408 a 450 d.C. A memória da sua atuação ficou marcada como um imperador pouco habilidoso na condução político-administrativa do Império, sobretudo no que se refere ao gerenciamento da Controvérsia Nestoriana. Essa controvérsia teológica opunha os bispos Cirilo de Alexandria e Nestório de Constantinopla acerca da interação entre as naturezas divina e humana do Cristo. Relatos posteriores a sua morte, ocorrida em 450 d.C., como os de Prisco de Pânio, Evágrio Escolástico e João Malalas ressaltavam o seu caráter inconstante por alternar apoio entre as facções que se formaram em apoio aos dois bispos. Ao se analisar as cartas imperiais e episcopais produzidas durante o conflito, inseridas na obra Acta Conciliorum Oecumenicorum (ACO), por meio do método prosopográfico, percebe-se a presença de funcionários imperiais, civis e militares, se associando aos bispos na questão teológica. Uma vez que na Antiguidade Tardia questões religiosas permeavam as demais esferas da vida social, o objetivo desse artigo é demonstrar que a alternância de apoio do imperador, longe de caracterizar fraqueza nas suas decisões, se inseria na estratégia de contrabalanceamento de poderes entre as aristocracias imperiais, no sentido de manter sua centralidade frente ao poder imperial.

Palavras-chave:
Antiguidade Tardia; Império Romano do Oriente; Imperador Teodósio II; Conflito político-religioso e administrativo

Abstract

Theodosius II ruled the Eastern Roman Empire from AD 408 to 450. Theodosius II’s performance is remembered as an emperor who was not very skilled in the political-administrative conduct of the Empire, especially regarding to the management of the Nestorian Controversy. This theological controversy arose during his rule within the ecclesiastical hierarchy who stood against to the bishops Cyril of Alexandria and Nestorius of Constantinople regarding the interaction between the natures of the divine and the human in the incarnate Christ. Reports made after Theodosius’ death by Priscus of Panium, Evagrius Scholasticus and John Malalas, underscore his fickle character when he changed his support among the factions that were formed to support each of the two bishops. However, when analyzing the imperial and episcopal letters produced during the conflict, inserted in the work Acta Conciliorum Oecumenicorum (ACO), through the prosopographic method, the presence of civil and military officials is perceived, associating with the bishops on the issue theological. This fact demonstrated that the conflict was not restricted to the ecclesiastical milieu. Once in Late Antiquity, religious issues permeated the other spheres of social life, the aim of this article is to demonstrate that the alternation in support by the emperor is far from characterizing weakness in his decisions. His performance was inserted in the well-articulated political-administrative strategy of counterbalancing powers and accommodation of the interests of the imperial aristocracies that contributed to the maintenance of the centrality of power by the Emperor.

Keywords:
Late Antiquity; Eastern Roman Empire; Emperor Theodosius II; Political-religious and administrative conflict

Memória da atuação do imperador Teodósio II na Controvérsia Nestoriana nos relatos da Antiguidade Tardia.

O imperador Teodósio II governou o Império Romano do Oriente por quarenta e dois anos, de 408 a 450 d.C.1 1 Todas as demais indicações temporais referem-se ao período depois de Cristo, salvo indicação contrária. , período em que as porções oriental e ocidental do Império já se encontravam divididas política e administrativamente2 2 A região que correspondia ao Império Romano do Oriente, na Antiguidade Tardia, englobava uma extensa área que reunia uma diversidade de povos e de culturas, mas que se hibridizavam ao longo da Antiguidade, muito em função da circularidade de pessoas em uma região que era rota de passagem entre o Ocidente e o Extremo Oriente. Anteriormente ao início da conquista romana, no século II a.C., a maior parte dessa região havia abrigado os antigos reinos helenísticos que se formaram após a morte do general Alexandre da Macedônia. Em comparação com a geografia política atual, o Império Romano do Oriente incluía as regiões da Península Balcânica, Ásia Menor, Egito, Líbia e parte do Oriente Médio, na região conhecida como Levante (BADEL; INGLEBERT, 2014). . Tratou-se do mais longo período de governo de um imperador em toda história do Império Romano. Diversas realizações são atribuídas à iniciativa administrativa desse imperador nas áreas política, educacional, jurídica, urbanística, diplomática e militar. Dentre esses empreendimentos, destacam-se a compilação do Código Teodosiano; a melhoria da segurança e urbanização da capital do Império, Constantinopla; a criação de instituições de ensino; o envio de expedições militares ao Ocidente, com o objetivo de resguardar a dinastia teodosiana ameaçada de usurpação em duas ocasiões, 410 e 425; e os esforços de manutenção da integridade territorial do Império do Oriente frente aos povos germânicos e tribos hunas (MORRISSON, 2012MORRISON, Cécile. Les événements/perspective chronologique. In: MORRISON, Cécile. (org.). Le Monde Byzantin I: L’Empire romain d’Orient (330-641). Paris: Presses Universitaires de France, 2012, p. 3-47., p. 19). Além dessas medidas defensivas, registra-se, ainda, a disposição de Teodósio II em favorecer a diplomacia na sua política externa, principalmente como alternativa às guerras em relação ao Império Persa (SÓCRATES, Historia ecclesiastica, VII).

A despeito desse leque de realizações, a memória sobre a atuação de Teodósio II é bastante enfatizada nos registros posteriores à sua morte, ocorrida em 450, no que se refere ao gerenciamento da Controvérsia Nestoriana, conflito que emergiu na hierarquia eclesiástica oriental durante o seu governo. No plano teológico, o conflito se deu em torno da busca por se estabelecer uma ortodoxia em relação ao modo de interação entre as naturezas divina e humana no momento da encarnação do Cristo e, consequentemente, qual o estatuto mais adequado a ser atribuído à Virgem Maria, se portadora de Deus (Theotokos) ou portadora de Cristo (Christotokos). Dois grupos se opunham nessa definição, aquele liderado pelo bispo Cirilo de Alexandria, que propunha uma união entre as naturezas divina e humana, e o liderado pelo bispo Nestório de Constantinopla, que advogava uma separação entre elas. Ao enfatizar a união das naturezas, Cirilo privilegiava a divindade de Cristo, a segunda pessoa da Trindade, propondo a fórmula “uma natureza encarnada de Deus, a Palavra (CIRILO, Adversus Nestorius, Tomo II). Ao contrário, Nestório, ao separar as naturezas em Cristo, enfatizava sua porção humana, pois, para ele, a divindade não teria sido passível de sofrimento, nem tampouco poderia ter sido gerada de uma mulher (NESTÓRIO, Liber Heraclidis, parágrafos 301-304)3 3 O Liber Heraclidis é uma apologia escrita por Nestório no final da sua vida para se defender das acusações de heresia feitas por Cirilo. Narra os acontecimentos relacionados ao seu episcopado em Constantinopla e reproduz uma versão personalizada da Controvérsia Nestoriana. Reproduz algumas cartas imperiais e episcopais inseridas nos Acta Conciliorum Oecumenicorum (SCIPIONI, 1956). .

Como parte da estratégia para gerenciar o conflito, Teodósio II convocou dois Concílios episcopais na cidade de Éfeso, em 431 e 449. Suas determinações na carta imperial que delineou os objetivos para o Concílio de Éfeso I, em 431, era de que os bispos encontrassem uma fórmula ortodoxa sobre a questão no sentido de promover a “unidade da Igreja e o bem-estar das coisas públicas” (ACO I, 1, 1, p. 114-116). Uma vez que os resultados dessa reunião não foram conclusivos e a hierarquia eclesiástica permanecia dividida, uma fórmula intermediária foi estabelecida, também sob o patrocínio imperial, em 433, conhecida como Fórmula da Reunião (ACO I, 1, 7, p. 156-157). Entretanto, a ortodoxia proposta nesse compromisso trazia subjacente no seu bojo o viés de separação das naturezas, nos moldes da teologia nestoriana. Esse resultado não foi suficiente para unir as facções em disputa, requerendo que o imperador convocasse o Concílio de Éfeso II, em 449. Diferentemente da postura adotada no Concílio anterior e nas negociações que resultaram na Fórmula da Reunião, Teodósio II, nesse momento, abandonou a estratégia de conciliação entre as partes, até então privilegiada, e passou, de forma enfática, a apoiar a adoção de uma ortodoxia nos moldes propostos pelo bispo Cirilo e seu grupo, que aprofundava, ainda mais, a união das naturezas (ACO II, 1, 1, p. 68-69). Mais adiante essa doutrina seria reconhecida como monofisismo.4 4 O Monofisismo acentuava a divindade de Cristo, no sentido de que a natureza humana teria sido absorvida pela natureza divina. Foi proposta pelo monge Eutiques, no Concílio de Éfeso II (449) a partir da teologia ciriliana que propunha “uma natureza divina da Palavra encarnada”. Seus adeptos recusavam aceitar a definição do Concílio de Calcedônia (451) argumentando que ela era nestoriana (DAVIS, 1990, p. 329).

Por essa alternância de posições durante a controvérsia, a memória da atuação de Teodósio II ficou marcada como um imperador fraco, de caráter flutuante e facilmente influenciável, por, supostamente, tomar decisões baseadas na influência de bispos poderosos e de eunucos da Corte Imperial. O historiador Prisco de Pânio, que havia servido ao governo de Teodósio II em missões diplomáticas junto à Corte do rei huno Átila, reteve as seguintes impressões da personalidade do imperador em seus relatos:

Teodósio, que sucedeu seu pai Arcádio como imperador, era dócil e viveu uma vida de covardia. Ele obtinha a paz por dinheiro, não lutando por ela. Tudo o que ele fazia era sob influência dos eunucos, e eles traziam os assuntos em tal grau de absurdo que, para colocar brevemente, eles distraíam o imperador, como se distrai uma criança com brinquedos, e não o permitiam fazer nada digno de registro, embora ele tivesse um bom caráter. Mesmo quando ele havia alcançado cinquenta anos de idade, eles o persuadiam a continuar em certas atividades de baixa classe e em caçadas de bestas selvagens, tanto que eles, e Crisáfio [eunuco] em particular, empunharam o poder real (PRISCO, Historia, 1983, p. 227-229).

Prisco realçava aspectos negativos de caráter e ineficiência administrativa de Teodósio II e seu relato, provavelmente, só foi publicado após a morte do imperador, ocorrida, supostamente, de forma acidental ao sofrer queda do cavalo durante uma caçada (NESTÓRIO, Liber, 506). Outros relatos produzidos na Antiguidade Tardia também colaboraram para reforçar a imagem de inaptidão do imperador. O historiador Evágrio Escolástico (Hist. eccl., I, 5), na segunda metade do século V, também delineou o caráter flutuante de Teodósio II na tomada de decisões, enquanto o cronista João Malalas (Chronica, XXIV, 19)MALALAS. Chronicle. Translation by Elizabeth Jeffreys, Michael Jeffreys and Roger Scott. Melbourne: Australian Association for Byzantine Studies, 1986., em meados do século VI, sugeriu, até mesmo, que a fraqueza de Teodósio II estaria na atração que o imperador nutria pela excessiva beleza do eunuco Crisáfio (PLRE 2, 1980, p. 295-297). Tais relatos se inserem no contexto pós-Concílio de Calcedônia, ocorrido em 451, poucos meses após a morte de Teodósio II. Essa reunião foi convocada pelo imperador Marciano (451-457), sucessor de Teodósio II, e teve como deliberação principal reverter as disposições relativas ao aprofundamento da união das naturezas divina e humana em Cristo, nos moldes da teologia ciriliana, e que foram patrocinadas por Teodósio II no Concílio de Éfeso II. A nova fórmula cristológica adotada propôs a não confusão entre as naturezas, deixando subjacente a separação delas, conforme preconizado pelos ensinamentos de Nestório (ACO II, 1, 2, p.128-130).

Os relatos sobre a atuação de Teodósio II na Controvérsia Nestoriana produzidos na Antiguidade Tardia balizaram a construção da memória negativa do imperador na historiografia subsequente. Essas impressões contribuíram, ainda, na elaboração da imagem de todo um período como decadente nas diversas esferas da vida social, política, econômica e cultural, conforme a percepção do historiador iluminista Edward Gibbon:

Os ferimentos mais profundos foram infligidos ao Império durante a minoridade dos filhos e netos de Teodósio [avô de Teodósio II]; depois de terem atingido a idade viril, esses príncipes incapazes deixaram a Igreja entregue aos bispos, o Estado aos eunucos e as províncias aos bárbaros (GIBBON, 2005GIBBON, Edward (1737-1794). Declínio e Queda do Império Romano. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 542).

Até recentemente, algumas interpretações historiográficas, em consonância com as narrativas produzidas na Antiguidade Tardia, ainda atribuem a Teodósio II aquelas impressões depreciativas acerca do caráter e atuação do imperador, conforme percepção de Kathryn Chew (2006CHEW, Kathryn . Virgins and Eunuchs: Pucheria, Politics and the Death of Emperor Theodosius II. Historia: Zeitschrift für Alte Geschichte, v. 55, n. 2, p. 207-224, 2006., p. 208):

É possível que Teodósio II sobreviveu tanto tempo como imperador porque ele era o fantoche de todos, mas fraqueza em um imperador dificilmente era uma garantia de longevidade - testemunha Geta ou Severo Alexandre. Teodósio II parece ter se baseado em ajuda para todas as suas realizações; e parece improvável que ele poderia ter conseguido sobreviver por conta própria.

Contudo, a construção da memória de Teodósio II nos relatos de escritores da Antiguidade Tardia esteve permeada pelo ambiente de disputas entre as facções monofisistas (de inspiração ciriliana) e calcedonianas (de inspiração nestoriana) que se seguiu ao Concílio de Calcedônia, que havia revertido a disposição relativa à união das naturezas em Cristo. Portanto, tais construções, como as de Prisco, Evágrio e Malalas, se constituíam de representações que estavam “atravessadas por disputas e lutas pelo poder de categorizar e classificar - pelo poder de representar e de se fazer representar” (BLÁSQUEZ, 2000BLÁZQUEZ, Gustavo. Exercícios de apresentação: Antropologia Social, Rituais e Representações. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, Jurandir. (org.). Representações: contribuição a um debate transdiciplinar. Campinas: Papirus, 2000, p. 169-198., p. 188).

Outras abordagens têm reavaliado de forma positiva a atuação de Teodósio II na Controvérsia Nestoriana, no sentido de reabilitar a memória do imperador. Dentre esses trabalhos, destaca-se as pesquisas de Susan Wessel (2001WESSEL, Susan. The Ecclesiastical Policy of Theodosius II. Annuarium Historiae Conciliorum, v. 33, p. 285-308, 2001.), George A. Bevan (2005BEVAN, George A. The Case of Nestorius: Ecclesiastical politics in the East, 428-451 CE. 2005. 575 f. Thesis (Degree of doctor of Philosophy). Graduate Department of Classics. University of Toronto, 2005.) e Hugh Elton (2009ELTON, Hugh. Imperial Politics at the Court of Theodosius II. In: CAIN, Andrew; LENSKI, Noel. (org.). The Power of Religion in Late Antiquity. Farnham: Ashgate Publishing, 2009, p. 133-142.), que enfatizam a bem articulada política eclesiástica adotada pelo imperador. Tais autores não se baseiam apenas nos relatos posteriores produzidos acerca da atuação imperial. Suas análises recaem, em grande parte, nas cartas imperiais e episcopais trocadas durante a controvérsia e se encontram inseridas na obra Acta Conciliorum Oecumenicorum (ACO)ACTA CONCILIORUM OECUMENICORUM (ACO). Tomus I et II. Edidit Eduard Schwartz et al. Berlin et Leipzig: Walter de Gruyter & Co., 1914-.. Os Acta se constituem de uma monumental coletânea de manuscritos medievais reunidos e editados pelo filólogo Eduard Schwartz e colaboradores, no início do século XX. Esses documentos abrangem não somente os registros das sessões conciliares - que reuniram bispos de diferentes províncias do Império por determinação do imperador - mas, também, de uma miríade de cartas trocadas entre membros da organização eclesiástica, decretos e cartas dos imperadores e funcionários imperiais, homilias, transcrições de relatos verbais das sessões dos Concílios de Éfeso I (431) e Calcedônia (451)5 5 Mesmo após a morte de Teodósio II, em 450, muitos documentos relacionados ao seu governo foram lidos e registrados nas atas da primeira sessão do Concílio de Calcedônia, em 451, inclusive os procedimentos relacionados ao Concílio de Éfeso II (449) (PRICE; GADDIS, 2007). . Incluem, ainda, citações de tratados doutrinais contemporâneos aos acontecimentos e também subsequentes. Os documentos foram redigidos no idioma grego, sendo que alguns deles foram preservados em versão latina (MILLAR, 2006MILLAR, Fergus. A Greek Roman Empire: Power and belief under Theodosius II - 408-450. Los Angeles: University California Press, 2006., p. 236-237).

A partir dessa documentação, Wessel (2001WESSEL, Susan. The Ecclesiastical Policy of Theodosius II. Annuarium Historiae Conciliorum, v. 33, p. 285-308, 2001., p. 305), por exemplo, destaca que o comprometimento de Teodósio II na questão teológica era com o credo de Niceia6 6 Os fundamentos do Concílio de Niceia (325) preconizavam que o Cristo era verdadeiramente homem e Deus ao mesmo tempo, composto por uma tríade de pessoas em igualdade de condições, sem subordinação entre elas (uma ousia em três hipóstasis). Ou seja, uma mesma divindade que se manifestava por meio de três substratos distintos. Essa fórmula foi mantida e aperfeiçoada pelo Concílio de Constantinopla (381) (MAGALHÃES, 2009). e suas intervenções visavam coibir inovações naquela doutrina, que já havia sido consagrada pela tradição. A autora considera que o imperador participou ativamente da administração dos assuntos da Igreja, articulando e exercitando uma política eclesiástica coerente. Bevan (2005BEVAN, George A. The Case of Nestorius: Ecclesiastical politics in the East, 428-451 CE. 2005. 575 f. Thesis (Degree of doctor of Philosophy). Graduate Department of Classics. University of Toronto, 2005., p. 230-235), por sua vez, indica que a estratégia de alternância do imperador visava promover divisão na hierarquia eclesiástica como forma de enfraquecer as facções em confronto. A despeito de reconhecer o imperador como atuante nas negociações, ele afirma, entretanto, que outras forças políticas, dentre as quais as aristocracias imperiais, se mantiveram neutras no conflito por não fazerem parte do meio eclesiástico. Embora reabilitem a memória do imperador, as perspectivas de análises de ambos os estudos resultam na percepção de que o imperador mediou um conflito restrito à esfera teológica. De modo diferente, Elton (2009ELTON, Hugh. Imperial Politics at the Court of Theodosius II. In: CAIN, Andrew; LENSKI, Noel. (org.). The Power of Religion in Late Antiquity. Farnham: Ashgate Publishing, 2009, p. 133-142., p. 133-142) indica que Teodósio II estava comprometido com a unidade da Igreja, mas não estava preocupado com qual forma de pensamento religioso deveria predominar. Elton percebe, ainda, que os funcionários imperiais estavam intimamente envolvidos nos negócios religiosos, uma vez que as decisões de governo se davam de forma colegiada na Corte Imperial. Mas, tal envolvimento se daria em virtude apenas de questões burocráticas relacionadas às posições que ocupavam na estrutura imperial.

Inserindo-nos nesse debate, ao analisarmos as cartas imperiais e episcopais relacionadas à atuação de Teodósio II, inclusas nos Acta, constatamos a existência de funcionários da administração imperial, seja na Corte ou nas províncias, se associando e atuando de forma conjunta e articulada com os bispos. Essa constatação, cujos resultados discorreremos a seguir, nos despertou a atenção de que a controvérsia gerenciada pelo imperador não estava apenas restrita ao âmbito teológico. Sobretudo porque, na Antiguidade Tardia, a esfera religiosa não estava dissociada dos demais domínios da vida social, como a política, a administração e a economia. De acordo com a documentação consultada, o nosso entendimento, contrariando os relatos antigos, que considerava o imperador inapto na condução dos negócios do Império oriental, e os estudos modernos, que indicam que ele tenha atuado em conflito restrito ao meio eclesiástico, indicará que Teodósio II não estava negociando somente a unidade doutrinal em torno de uma ortodoxia com membros da hierarquia eclesiástica. Estava, também, articulando a unidade imperial em torno de elementos culturais, políticos, administrativos e territoriais, com outros grupos detentores de poder, que contribuíam para legitimar a sua posição de governante. O jogo de concessões estabelecido pelo imperador, ao alternar seu apoio entre as facções, longe de caracterizar que ele estava conduzindo as negociações somente com o clero, ou sendo susceptível de ser conduzido pela habilidade dos bispos e funcionários imperiais, nos indica que as negociações abarcavam estratégias de acomodação de interesses e contrabalanceamento de poderes com a aristocracia de funcionários, que contribuíam para a manutenção da sua centralidade política.

A atuação de Teodósio II na Controvérsia Nestoriana a partir das cartas imperiais e episcopais.

A Controvérsia Nestoriana irrompeu quando Teodósio II convocou Nestório para ocupar a chefia do episcopado da capital imperial, Constantinopla, em 428. Entretanto, as formulações doutrinais defendidas pelas facções oponentes já faziam parte de culturas político-religiosas que se gestavam no Império Romano do Oriente e podem ser rastreadas a partir da segunda metade do século IV.7 7 A partir da apropriação da definição de Culturas Políticas proposta por Serge Berstein (1998, p. 350-352), optamos em falar em “culturas político-religiosas” para enfatizar o peso do componente religioso no imaginário da época. Cirilo, por exemplo, buscava atribuir autoridade ao seu projeto de união das naturezas a partir dos ensinamentos do bispo Atanásio de Alexandria (296-373), cuja Sé episcopal se localizava na Diocese do Egito. Nestório, por sua vez, se ancorava nas formulações doutrinais dos bispos Diodoro de Tarso (?-390) e Teodoro de Mopsuéstia (350-428) no que se refere à sua defesa de separação das naturezas (NESTÓRIO, Liber, 454). As Sés episcopais de Diodoro e Teodoro se localizam em províncias da Diocese do Oriens, cuja capital era a metrópole de Antioquia, região de origem de Nestório. Constata-se, além das questões teológicas trazidas no seu bojo, que o conflito contemplava, também, disputas antigas entre Antioquia e Alexandria por preeminência na organização eclesiástica. Tais disputas se davam pela busca do controle político da Sé de Constantinopla, uma vez que o seu bispo era um dos integrantes de Corte imperial e, portanto, atuava como conselheiro nas políticas imperiais (BAYNES, 1926BAYNES, Norman H. Alexandria and Constantinople: a study in ecclesiastical diplomacy. The Journal of Egyptian Archaeology, v. 12, n. 3-4, p. 145-156, 1926.).

Além dessas constatações, um ingrediente da disputa que requeria atenção especial por parte de Teodósio II era o de que a noção de divindade que viesse a prevalecer teria impacto direto na percepção do seu papel como representante do divino entre os súditos. Essa característica atribuída à imagem imperial persistiu na Antiguidade Tardia, de forma apropriada pelo Cristianismo, a partir da noção da realeza helenística (DRAKE, 2014DRAKE, Harold A. Topographies of power in Late Antiquity and beyond. In: RAPP, Claudia; DRAKE, Harold A. (org.). The City in the Classical and Post-Classical World: changing contexts of power and identity. Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 217-239., p. 217-239). Somou-se a esse atributo a condição de que o imperador romano, em qualquer período na história romana imperial, era o símbolo da unidade, da continuidade e da existência do Império. Conforme destaca Jan W. Drijvers (2015DRIJVERS, Jan Willem. The ‘divisio regni’ of 364: The End of Unity? In: DIJKSTRA, Roald; POPPEL, Sanne Van; SLOOTJES, Danielle. (org.). East and West in the Roman Empire of the Fourth Century: an end to unity? Leiden: Brill, 2015, p. 82-96., p. 83) “o imperador era efetivamente a personificação do Império. Ele simbolizava mais do que qualquer coisa a unidade desse Estado cultural, linguístico e religioso diverso. Nele as várias tradições e povos do Império estavam ideologicamente associados”.

Desde a instauração do Principado, em um longo processo de acumulação de magistraturas, dignidades e prestígio, a figura do soberano fora revestida com uma gama de atributos tais como chefe do exército (imperium proconsulare maius), juiz supremo (iudex) e supervisor do culto imperial (pontifex maximus). A elaboração desse projeto de personalização e institucionalização se ancorava na capacidade de fazer crer que o princeps dominava essa multiplicidade de atribuições, que no passado republicano foram ocupadas pela aristocracia senatorial (BARCELÓ, 2011BARCELÓ, Pedro. The Desconstruction of the Emperor in the IVth. Century. In: HERNÁNDEZ DE LA FUENTE, David. (org.). New Perspectives on Late Antiquity. Cambridge: Cambridge Scholars Publishing, 2011, p. 23-39., p. 26-27). Na Antiguidade Tardia, os atributos práticos relacionados ao ofício imperial mantiveram-se em relevo nos discursos retóricos dos cronistas que exaltavam a imagem imperial, conforme indicou o cronista Sozomeno (aprox. 375-447), em panegírico escrito a Teodósio II:

É considerada a maior e real coisa para o governante de todo povo possuir, pelo menos, uma das simples virtudes. Mas nenhuma tão grande estimativa tem sido feita da piedade, que é, acima de tudo, o verdadeiro ornamento do Império. Tu, porém, ó mais poderoso imperador Teodósio, tem, em uma palavra, pela ajuda de Deus, cultivado todas as virtudes. Cingido com o manto púrpura e a coroa, um símbolo da sua dignidade para os espectadores, você veste sempre aqueles verdadeiros ornamentos da soberania: a piedade e a filantropia. Por isso os poetas, escritores e a maior parte dos seus funcionários preocuparem-se, em todas as ocasiões, com você e com os seus atos. [...] Rumores dizem que durante o dia você pratica exercícios corporais e militares, organiza os assuntos do Estado e profere as decisões judiciais, [...] e à noite você se preocupa com os livros. [...] Eu tenho devotado à sua mais inocente e amada em Cristo majestade que Deus sempre o preserve em sua inquebrantável boa vontade, triunfando sobre os inimigos, tendo todas as coisas sobre os seus pés e transmitindo o santo Império para os filhos dos seus filhos com a aprovação de Cristo (Sozomeno, Hist. eccl., Prefácio).

Percebe-se, desse modo, a emergência de discursos cristãos que se pretendiam associar como fiadores dessa legitimidade ao colocar em destaque outras qualidades que o soberano deveria ser depositário. Dentre essas virtudes, Sozomeno, assim como Cirilo (ACO, I, 1,1, p. 10-23), exaltava a piedade, que caracterizava a boa vontade divina para aqueles que professassem a verdadeira fé no deus único, e a filantropia, que representava o amor de Deus pela humanidade, virtude esta que concentrava todas as demais virtudes, por se tratar de atributo reservado somente à divindade e ao imperador que a imitasse em relação aos seus súditos (SILVA, 2003SILVA, Gilvan Ventura da. Reis, santos e feiticeiros: Constâncio II e os fundamentos da Basileia - 337-361. Vitória: Edufes, 2003., 109-110).

A não adoração da divindade correta, sobretudo por parte do imperador, conforme imaginada pelos líderes das facções que buscavam estabelecer a fé ortodoxa, apresentava implicações práticas no que se refere à segurança individual dos súditos, bem como à segurança coletiva em relação a todo o Império, conforme destacou Nestório em suas memórias:

Quando aquelas coisas começaram a acontecer relativas à fé e durante a disputa contra Deus, o Verbo, que não teria sido imortal e impassível8 8 Nestório justamente separava as naturezas humana e divina em Cristo porque defendia que a sua porção divina, aquela não teria sido gerada pela Virgem Maria, não fora passível de sofrer dor, medo e outros sentimentos inerentes à natureza humana (NESTÓRIO, Liber, 222-227). [...] começaram a ser destruídos e subjugados. [...] Eles sofreram doenças, fome, privação de chuva, o granizo, o calor, tremores de terra surpreendentes, o cativeiro, o medo, a fuga e todos os males. (NESTÓRIO, Liber, 497).

Além dessas questões, a noção de representação da realeza divina atribuída à figura imperial, conforme indicamos antes, era percebida, no imaginário da época, em consonância com a formulação teológica que viesse a prevalecer nos Concílios da Igreja. Nesse sentido, Cirilo acusou Nestório, por meio de homilia proferida no Concílio de Éfeso I, de querer transformar o Cristo em um Deus mundano, sobretudo no que se refere à realeza persa:

Você [Nestório] não foi persuadido por Paulo [Apóstolo] quando ele disse: ‘Mesmo se um anjo dos céus pregar ao contrário daquilo que pregamos que ele seja amaldiçoado’? Paulo não parou sua arrogância [de Nestório]. Mas Isaías, quando ele disse, ‘Observem, uma Virgem conceberá, e ela dará à luz um filho, e ele se chamará Emmanuel, que é interpretado Deus está conosco’? Ele [Isaías] não fez de outro modo. Pois você possui uma mente de terrível perversidade. Ouça ao menos os demônios que dizem: ‘O que você tem a ver conosco, Ó Filho de Deus? Você veio no princípio dos tempos para nos torturar?’ Que conselho você dá para esse inútil argumento? Quem trabalhou com você nessa inoportuna calamidade? Você [Nestório] não tem vergonha de comparar Deus a um rei persa? Você não tem vergonha de rejeitar as tradições dos Padres, dos evangelistas e dos profetas na intenção de dominar sobre todas as Igrejas; você não se lembra do que te levantou do monte estrume às alturas celestes e, concentrado nas criaturas, você não reconhece o Criador. [...] Mas imitando Beliar você pensa que pode convencer, pelas correntes do seu pensamento sem lei, um imperador afeiçoado da doutrina ortodoxa e adorador da consubstancial trindade, através da qual ele reina continuamente, esmaga os inimigos hostis, e através do qual reinam o coro das virgens perpétuas [irmãs imperiais] e ele restaura a paz no mundo, - você pensa que pode fazer desse homem um apóstata com suas enganosas palavras (ACO, I, 1, 2, p. 103-104, destaque nosso).

Com essa retórica contundente, Cirilo expõe um paradoxo na doutrina de Nestório. Para o bispo alexandrino, ao enfatizar a humanidade do Filho (Cristo), Nestório tornava ainda mais transcendente a porção divina representada pelo Pai. Analisando essa questão, Wessel (1999WESSEL, Susan. Nestorius, Mary and Controversy in Cyril of Alexandria Homily IV. Annuarium Historiae Conciliorum , v. 31, p. 1-49, 1999., p. 37) aponta que com essa refutação Cirilo teria construído uma imagem da Virgem Maria que serviu a fins políticos. Como portadora de um deus em que as porções divina e humana estavam unidas, a Virgem de Cirilo incorporava ao conjunto o Deus/Filho que Nestório relegava ao status de um Deus mundano. A partir dessa consideração e na perspectiva que o discurso cristão buscava estabelecer uma simetria entre a divindade com as funções do seu representante na terra - o imperador - deduz-se que, na prática, esse pensamento de Nestório poderia redundar em uma descentralização do governo imperial, como resultado do distanciamento do imperador dos negócios de governo, na medida em que ao postular um deus transcendente, ele afastava a divindade da humanidade (BROWN, 2002BROWN, Peter. Poverty and leadership in the later Roman Empire. Hanover: University Press of New England, 2002., p. 103).

Essa perspectiva de análise pode ser reforçada a partir do mapeamento das redes de sociabilidade construídas pelos bispos Cirilo e Nestório e espelhadas nas cartas imperiais e episcopais inseridas nos Acta Conciliorum Oecumenicorum (ACO)ACTA CONCILIORUM OECUMENICORUM (ACO). Tomus I et II. Edidit Eduard Schwartz et al. Berlin et Leipzig: Walter de Gruyter & Co., 1914-.. Por meio da abordagem prosopográfica é possível identificar os indivíduos, do clero ou das elites romanas, que se associaram aos projetos político-religiosos de Cirilo ou Nestório e as implicações decorrentes que nortearam a atuação de Teodósio II em função da formação dessas facções. O propósito do método prosopográfico é coletar dados biográficos das elites políticas e religiosas que transcendam suas vidas individuais na perspectiva de analisar grupos de indivíduos a partir dos seus contatos mútuos e interesses comuns. (KOENRAAD; CARLIER; DUMOLYN, 2007KOENRAAD, Verboven; CARLIER, Myrian; DUMOLYN, Jan. A Short Manual to the Art of Prosopography. In: KEATS-ROHAN, Katherine. S. B. (org.). Prosopography Approaches and Aplications. Oxford: University of Oxford/Linacre College, 2007, p. 35-69., p. 41-43; PUECH, 2012PUECH, Vincent. La Méthode Prosopographique et l’Histoire des Élites dans l’Antiquité Tardive. Revue Historique. n. 661, p. 155-168, 2012., p. 155-168).

Desse modo, ao mapearmos as correspondências, percebemos a marcante presença de funcionários imperais se correspondendo com bispos ou sendo citados nas cartas. Essa disposição nos demonstra que a estratégia de Teodósio II em alternar sua posição durante as negociações do conflito contemplava, além das questões eclesiásticas, a negociação com as forças aristocráticas que contribuíam na sustentação do seu poder. No que se refere aos funcionários que se associaram a Cirilo, constata-se a presença marcante dos cubicularii, grupamento do qual fazia parte Crisáfio, citado por Prisco, como tendo grande ascendência sobre o imperador. Esse segmento da administração imperial era composto, normalmente, de indivíduos eunucos, de origem estrangeira e servil, que atuavam nos cuidados pessoais do imperador e sua família na Corte imperial. Tratavam-se de servidores que operavam no rico mercado de influência, mas que não aspiravam a maiores ambições políticas na estrutura administrativa devido a origem estrangeira e servil (TOUGHER, 2008TOUGHER, Shaun. The Eunuch in Byzantine History and Society. London and New York: Routledge, 2008., p. 45). Uma carta enviada pelo secretário de Cirilo, Epifânio, mirava esse grupamento de funcionários na Corte, e relacionava uma grande quantidade de presentes, a ser entregues por um intermediário, como forma de cooptá-los ao seu projeto:

Os clérigos que estão aqui estão tristes, pois a igreja de Alexandria está sendo despojada por causa desse distúrbio. E é devido, além das coisas que foram expedidas a partir daqui: mil e quinhentas libras de ouro para o comes Amônio, para que ele mantenha a sua promessa. Mas, sua igreja [deve] prover a avareza daqueles a quem você conhece, para que a igreja de Alexandria não se entristeça por sua santidade ter agido contra as suas promessas. Como você o conhece, fale ao comes Amônio de modo que sua santidade possa persuadi-lo e trazê-lo para mais perto de nós, de modo que não haja tristeza sobre isso também. O magnífico Aristolau, que trabalha por sua santidade, está completamente triste, pois você escreveu tais coisas a ele. Deixe, portanto, a sua santidade pedir à sua senhora esposa [de Aristolau] que escreva a ele pedindo esse trabalho com perfeição e que também o reverendíssimo Eutiques escreva a ele. Além disso, sua santidade deve se apressar em perguntar à dama Pulquéria se ela deixou o senhor Lauso [cubicularius] entrar para ser prefeito, de modo que o poder de Crisero [cubicularius]9 9 Conforme dados prosopográficos, embora tenha exercido a função de chefe dos cubicularii, as evidências indicam que Crisero, diferente da maioria dos indivíduos que exerciam esse posto, não se tratava de eunuco (PLRE 2, 1980, p. 297). seja destruído e, assim, nosso ensino seja reforçado. Caso contrário, estamos prestes a estar sempre aflitos. (ACO, I, 4, p. 222-224).

No que se refere aos funcionários que perfilaram apoio a Nestório, os dados sobre eles extraídos das cartas, bem como da obra Prosopography of the Later Roman Empire, Vol. II (1980), indicam a presença de altos funcionários das esferas civil e militar oriundos, sobretudo, da Diocese do Oriens, que conforme representações cartográficas abaixo, extraída da lista de votações do Concílio de Éfeso I, indica se tratar de reduto nestoriano:

Figura 1 -
Mapa da divisão administrativa do Império Romano do Oriente (Séc. V)

Figura 2 -
Mapa da localização das Sés episcopais que apoiaram Nestório, em azul

Dentre os segmentos de funcionários que a documentação indica ter apoiado Nestório, percebe-se a presença de servidores lotados nos diversos departamentos da administração imperial. Como exemplo, indicamos, na tabela abaixo,os funcionários do alto escalão do exército - os Magistri Utriusque Militiae (MVM) (Figuras 1 e 2).

Tabela 1 -
Magistri Utriusque Militiae (MVM) durante o governo de Teodósio II.

A tabela acima indica que grande parte desses generais era de origem germânica e professava uma forma de Cristianismo conhecida por Arianismo, que diferia da ortodoxia estabelecida pelo Concílio de Niceia (325), da qual Teodósio II era defensor.10 10 Arianismo tratou-se de doutrina que pregava a subordinação entre as pessoas da Trindade. Seu principal defensor foi o presbítero Ário, no século IV. Ário e sua doutrina foram condenados pelo Concílio de Niceia, em 425 (MAGALHÃES, 2009). A partir do governo do imperador Teodósio I, avô de Teodósio II, constata-se o incremento de assentamentos de godos, alanos e hunos dentro das fronteiras do Império, cuja contrapartida era fornecer unidades com status de aliados para campanhas específicas do exército romano (foederati) (LEE, 2013LEE, A. Doug. From Rome to Byzantium - AD 363 to 565: the transformation of ancient Rome. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2013., p. 37). Durante o governo de Teodósio II esses grupos já haviam se incorporado à sociedade romana, pois os chefes de determinadas famílias comandavam divisões do exército romano por várias gerações, o que demonstra a existência de verdadeiras dinastias de funcionários de origem germânica dentro do exército. Para indicar um exemplo da força política desses indivíduos, destacamos o general Flávio Ardabur Aspar, que foi Magister por longos quarenta anos. Ele era filho de Flávio Ardabur 3, que também fora Magister, e foi casado com a filha de outro Magister, o general Flávio Plinta. Em 424, ambos participaram da campanha vitoriosa contra o usurpador João e tiveram sucesso em instalar o primo de Teodósio II, Valentiniano III, no governo do Ocidente. Aspar também participou das negociações para sucessão de Teodósio II, quando da morte do imperador, logrando nomear seu domesticus Marciano (PLRE 2, 1980PROSOPOGRAPHY OF THE LATER ROMAN EMPIRE 2 (PLRE 2). Edited by John R. Martindale. Cambridge: Cambridge University Press , 1980., p. 714-715) para o mais alto posto do Império Romano do Oriente. Após a morte de Marciano, em 457, o candidato apoiado por ele, Leão (PLRE 2, 1980PROSOPOGRAPHY OF THE LATER ROMAN EMPIRE 2 (PLRE 2). Edited by John R. Martindale. Cambridge: Cambridge University Press , 1980., p. 663-664), veio a tornar-se também imperador.

No sentido de gerenciar essa associação de interesses, que congregava bispos e funcionários em torno dos projetos de Cirilo e Nestório cujas ideologias religiosas poderiam afetar a percepção do papel do imperador como representante da divindade, Teodósio II atuou de modo a alternar seu apoio entre as duas facções. Destacamos dois episódios, dentre outros, em que essa estratégia imperial se torna evidente na documentação: a carta imperial de convocação do Concílio de Éfeso I, em 431, e a carta de compromisso que resultou na Fórmula da Reunião, em 433.

Na carta que convocou o concílio, Teodósio II agiu de forma ambígua ao determinar sua realização na cidade de Éfeso, metrópole da província da Ásia, cujo bispo Menão atuava, desde o início do conflito, ao lado de Cirilo, mas, em contrapartida, destacou dois funcionários imperiais que atuariam em favor de Nestório, os comes11 11 Comes (κόμης) ou companheiro do imperador: designava uma dignidade conferida a título honorífico ou uma função dentro do conjunto do entourage imperial (Corte) (LANÇON, 1992, p. 72). O título poderia ser atribuído a funcionário de qualquer ramo do serviço imperial, seja na administração civil, financeira ou militar (MIILAR, 2006, p. 195-196). Candidiano e Irineu:

Nós nos preocupamos grandemente de tudo o que é vantajoso ao Estado, mas, particularmente das coisas relacionadas à piedade, pois dessas coisas resultam em acréscimo para os homens todos os outros bens. Por essa razão, nós escrevemos recentemente sobre a reunião de Vossa Piedade à cidade metrópole de Éfeso. Mas como necessitaria também que nos preocupássemos da boa ordem e da tranquilidade apropriadas às consultas do vosso mais santo Concílio, nós não negligenciamos nesse ponto, de modo que haja, de toda parte, ausência de problema no Concílio. Nós estamos persuadidos de que Vossa Piedade não tem necessidade de uma ajuda externa para procurar a paz com os outros, contudo, pertence à nossa precaução bem regular o assunto da piedade, que não pode ser negligenciado. Desse modo, o magnífico Candidiano, conde das sagradas coisas domésticas, recebeu a ordem de ir ao vosso santo Concílio e, sem tomar parte de nenhuma das questões ou moções sobre os mais piedosos dogmas (não é permitido que quem não esteja na lista dos mais santos bispos se imiscua nos exames eclesiásticos) e de manter distância da supramencionada cidade as pessoas comuns e os monges que já estão reunidos lá por causa do Concílio, porque não há necessidade de que aqueles estranhos ao exame do dogma, que deve acontecer livre de problemas e, por essa razão, causem impedimentos às definições que devam ser estabelecidas em paz por Vossa Santidade; além disso, que ele [Candidiano] assegure que nenhuma dissensão nascida da antipatia se estenda adiante, de modo que o exame do vosso santo sínodo não sofra mais impedimento e que a busca exata da verdade não seja contrariada pela repercussão que poderia advir, para que, enfim, cada um, escutando pacientemente aquilo que é dito, dê sua opinião ou se oponha à opinião enunciada, e que, assim, todo o exame instituído sobre o modo de proposição e de solução seja decidido sem nenhum problema e que, por um voto comum de Vossa Santidade, e receba uma decisão judicial não facciosa e que agrade a todos. Antes de tudo, o mesmo magnífico Candidiano recebeu de nossa divindade a ordem de velar de toda maneira de que nenhum membro do vosso mais santo Concílio, sob o pretexto de retornar para casa ou querer vir até nossa divina Corte imperial ou de decidir a ir a outro lugar, deixe o lugar que foi fixado para o exame, de velar também que não seja absolutamente colocando em questão nenhuma outra questão relacionada à discussão em jogo sobre o santo dogma, antes que a dúvida levantada ao assunto tenha sido resolvido e que as proposições contribuam à verdadeira investigação do dogma, examinadas com exatidão, obtendo ao fim somente aquilo que convém com a religião ortodoxa. Que Vossa Piedade saiba que agrada à Nossa Serenidade que nenhum processo, pecuniário ou criminal, seja levantado contra quem quer que seja perante o vosso mais santo Concílio ou diante do tribunal civil de Éfeso, se chegar, talvez, a um e a outro de levantar tal processo, mas que toda instrução a esse assunto seja estabelecida nessa ilustre cidade [Constantinopla]. Agradou-nos, igualmente, que o magnífico Irineu acompanhe o mais santo e caro a Deus bispo dessa ilustre cidade, Nestório, por amizade apenas, sem que ele deva participar em qualquer coisa nos planos de vosso mais santo Concílio e aos negócios do ilustríssimo Candidiano que nós enviamos. (ACO I, 1, 1, p. 120-121, destaques nossos).

Inicialmente, Nestório havia proposto ao imperador que o Concílio fosse realizado em Constantinopla, onde, apesar de parcela da comunidade lhe fazer oposição, as condições pareciam mais favoráveis para que ele controlasse a agenda da reunião. Conforme escreveria mais tarde em suas memórias, Nestório acreditava, nesse momento, que dispunha do apoio do imperador:

Mas ele [Cirilo] me temia por causa do socorro que me dava o imperador. Diz-se que, na realidade, esse [imperador] me traiu bastante, que ele não me socorreu. Mas admitamos isso, o que impedia então que houvesse um julgamento sem o socorro do imperador? Ele já estava convencido que eu deixaria Constantinopla (NESTÓRIO, Liber, 391).

Contudo, Teodósio II determinou que a assembleia se realizasse em Éfeso, cidade ligada ao imaginário de adoração da Virgem Theotokos, culto propagado por Cirilo (SHOEMAKER, 2006SHOEMAKER, Stephen J. Ancient traditions of the Virgin Mary’s dormition and assumption. Oxford: Oxford University Press, 2006., p. 71-76). A aliança do bispo Menão de Éfeso com Cirilo pode ser entendida tanto por afinidades doutrinais como pelo fato das constantes intervenções dos bispos de Constantinopla na província da Ásia (LIEBESCHUETZ, 2004LIEBESCHUETZ, John H. W.G. Barbarians and Bishops: Army, Church, and State in the Age of Arcadius and Chrysostom. Oxford: Clarendon Press, 2004., p. 214). Por outro lado, sob a coordenação de Candidiano, como representante imperial, e a presença de Irineu, amigo de Nestório, que durante o Concílio intermediou várias tentativas de apoio à facção nestoriana junto à Corte imperial, a assembleia foi marcada por inúmeras irregularidades, conforme já previstas pelo imperador na carta de convocação do Concílio. Essas irregularidades redundaram na sua dissolução da reunião sem ter alcançado o objetivo de unidade almejado por Teodósio II. Nessa ocasião, ainda, Cirilo e seus partidários excomungaram Nestório, situação essa que foi mantida sem a interferência de Teodósio II (ACO I, 1, 3, p. 10-13; ACO I, 1, 5, p. 131).

Com essa atitude dúbia, o conflito se manteve acirrado, contudo o imperador passava a percepção de que a sua atuação estava acima da querela dos bispos e que ele atuava de modo equidistante, conforme indicou Cirilo:

O mais pio e amado em Cristo imperador direcionou meu senhor, o mais admirável tribuno e notário Aristolau, um homem cristão que está lutando duramente pela verdadeira fé, para unir as igrejas em paz. O imperador também escreveu claramente que o antioqueno [João de Antioquia, aliado de Nestório] deve primeiro subscrever a condenação de Nestório, anatematizar seus perversos ensinos e, assim, buscar comunhão conosco. Meu senhor, o mais religioso e excelente ancião, o bispo Acácio [de Bereia], escreveu-me uma proposição incongruente como se fosse composta pelos bispos do Oriente, ou melhor, falando a verdade, por aqueles que compartilham as opiniões de Nestório. Enquanto era apropriado que eles concordassem com que fosse próprio e anatematizassem a doutrina perversa de Nestório, de acordo com a intenção do mais pio imperador e de todos os ortodoxos. Por outro lado, eles buscam cancelar tudo que foi escrito por mim em panfletos ou em livros [sobre a excomunhão de Nestório]. Desse modo, eles dizem, as igrejas estariam em comunhão umas com as outras (ACO, I, 4, p. 140).

Na sequência, uma vez que o conflito se mantinha entre as facções, Teodósio II destacou o tribuno Aristolau e do bispo Paulo de Emesa para que intermediassem um acordo. Após diversas negociações um compromisso foi firmado entre as partes, cujos termos são conhecidos por meio da carta que Cirilo endereçou ao representante nestoriano, o bispo João de Antioquia, em meados de 433, que ficou conhecido como Fórmula da Reunião. Paradoxalmente, destaca-se que a intermediação imperial resultou em fórmula que privilegiava a teologia de separação das naturezas em Cristo, de inspiração nestoriana, embora Teodósio II não tenha interferido para a remoção da excomunhão de Nestório e, até mesmo, viria a determinar o seu exílio, em 435 (NESTÓRIO, Liber, 516-520):

Portanto, nós confessamos que nosso senhor Jesus Cristo, o unigênito Filho de Deus, é perfeito Deus e perfeito homem, de alma e corpo racionais, gerado do Pai antes dos tempos de acordo com a sua divindade e que em tempos recentes, para nossa salvação, ele nasceu da Virgem Maria de acordo com a sua humanidade, consubstancial ao próprio Pai de acordo com a divindade, consubstancial a nós de acordo com a humanidade, para uma união feita das suas duas naturezas. Consequentemente, nós confessamos um Cristo, um Filho, um Senhor. Com esse entendimento de uma união sem fusão, nós confessamos que a Virgem é Portadora de Deus , porque Deus, a Palavra, foi feito carne e foi feito homem e desde a sua concepção ele uniu para si um templo tomado dela. (ACO, I, 1, 4, p. 7-9, destaque nosso).

Essa estratégia imperial indica que a intenção de Teodósio II era a de manter as facções sob constante enfrentamento de modo a promover o enfraquecimento delas em proveito da sua atuação. Nesse sentido, ele mantinha o conflito renovado para evidenciar o seu papel de negociador. Essa situação perdurou até a morte de Cirilo, ocorrida em 444. Ao que tudo indica, a partir desse momento, verifica-se que o equilíbrio de forças pendeu para o lado dos nestorianos. Nos anos finais do seu governo, Teodósio II temia que o trono fosse usurpado pelo general Flávio Zenão (PLRE 2, 1980PROSOPOGRAPHY OF THE LATER ROMAN EMPIRE 2 (PLRE 2). Edited by John R. Martindale. Cambridge: Cambridge University Press , 1980., p. 1199-1200). Há indicações, ainda, da tentativa de assassinato do imperador pelo general Lúcio (PLRE 2, 1980PROSOPOGRAPHY OF THE LATER ROMAN EMPIRE 2 (PLRE 2). Edited by John R. Martindale. Cambridge: Cambridge University Press , 1980., p. 692). Ambos os generais, conforme dados prosopográficos, atuaram como Magistri no Oriente. Soma-se a essa situação, rumores na Corte imperial nos revelam um ambiente permeado por disputas envolvendo os funcionários e a família imperial, como a acusação de adultério contra a imperatriz Eudócia, esposa de Teodósio II e a execução do funcionário Paulino, a mando do imperador, por, supostamente, ser o amante da imperatriz (NESTÓRIO, Liber, 520).

Nestório nos indicou a forma como o imperador passou a tratar o segmento aristocrático que lhe fazia oposição:

Ele [imperador] exigiu, com um furor selvagem, os serviços ainda não pagos. As economias eram fixadas em público e denunciadas perante a multidão. Todo bispo que não tomasse partido de Eutiques era pego. Todo o imposto que eles tinham de pagar para ele [Teodósio II] e aos imperadores predecessores era exigido de uma só vez. Quanto àqueles que eram ilustres ou de famílias mais altas, ele exigia publicamente, causando horror, uma grande soma de ouro. [...] Ele [imperador] fez gemer e cair de joelhos a nobreza romana. (NESTÓRIO, Liber, 467).

Esse desequilíbrio de forças resultou no abandono das negociações até então privilegiadas pelo imperador, levando-o a convocar o segundo Concílio em Éfeso, em 449. Nesse momento, Teodósio II colocou, de forma violenta, todo o peso do seu poder no sentido de emplacar a teologia da união das naturezas de Cirilo, aprofundada pelo monge Eutiques, impedindo, de forma enfática, a presença de aliados de Nestório na reunião:

Está claro para todos que a paz de nosso Estado e de todos os negócios humanos é mantida e afirmada pela piedade em relação à Divindade, e que se Deus é favorável, as coisas são de natureza a prosperar e a serem governadas de acordo com as nossas opiniões. Pois, tendo obtido o Império da Providência divina, necessariamente nós velamos com o maior cuidado pela piedade e pela boa conduta dos nossos súditos, de tal sorte que a verdadeira religião e nosso governo brilhem consolidados pelo puro culto a Deus e pela piedade. Pois, como agora uma disputa de repente surgiu relativa à observância do dogma católico e apostólico de nossa fé ortodoxa, disputa essa que, como é natural, tira de todos os lados opiniões diversas, problemas e perturba os sentidos e as almas dos homens. Estimando que não seja suportável negligenciar tal delito, pois negligenciando-o não pareça levar a um ultraje contra o próprio Deus, nós decidimos que se reúnam os bispos mais santos e caros a Deus, que tenham a melhor reputação no que se refere à piedade e à fé ortodoxa e verdadeira para que, a partir de pesquisa exata tendo sido feita, seja dissipada essa vã contestação e que seja confirmada a fé verdadeira e cara a Deus, isto é, a fé ortodoxa.

Por isso, Tua Santidade, tendo tomado com ela dez dos mais reverendos bispos dentre os metropólitas naturais de tua diocese e dez outros mais santos bispos ornados de ciência e de virtude, renomados perante todos pela retidão, conhecimento e ensinamento da fé inerente e verdadeira, se apressará de chegar sem atraso à metrópole da Ásia, Éfeso, nas próximas calendas de agosto [01/08/449]; ninguém deve se apresentar perante o mais santo Concílio além das pessoas acima mencionadas, de modo que os mais santos e caros a Deus bispos aos quais prescrevemos de se reunirem por nossa ordem imperial estando juntos na cidade acima mencionada e tendo instituído uma pesquisa muito exata - todo erro perverso seja policiado - e que seja confirmado e brilhe o dogma habitual da fé ortodoxa e verdadeira e muito cara ao nosso Salvador, o Cristo; dogma que todos no futuro conservarão inquebrantável e inabalável com o favor de Deus. Se alguém escolher negligenciar esse Concílio tão necessário e tão caro a Deus e não estiver na data e lugar acima fixados, não terá nenhuma desculpa perante a Divindade e perante a Nossa Piedade e mantendo em má consciência a convenção sacerdotal será ferido na sua alma. Nós decretamos que Teodoreto [aliado de Nestório], o bispo da cidade de Ciro, a quem já ordenamos de se dedicar unicamente a sua igreja, não compareça a esse santo Concílio antes que todo o santo Concílio uma vez reunido decida que ele assista e seja participante. Se algum desacordo surgir sobre esse assunto, nós prescrevemos que o santo Concílio se reúna sem ele e siga as ordens recebidas. (ACO II, 1, p. 68-69, destaque nosso).

Tal procedimento nos descortina a atuação estratégica e coerente de Teodósio II na condução do conflito, no sentido de resguardar seus interesses de governante, muito diferente da memória construída pelos relatos de Prisco, Evágrio e Malalas, mencionados anteriormente, que propagavam a inaptidão político-administrativa do imperador. Frente ao avanço das forças nestorianas, que no campo teológico promoviam uma ideologia político-religiosa não favorável à percepção de centralidade do imperador, Teodósio II optou por aprofundar aquela percepção do Cristo de Cirilo que enfatizava a divindade que ele representava na terra.

O governo de Teodósio II foi repleto de paradoxos, dentre eles o fato de a dinastia teodosiana ter tido como um dos seus pilares de sustentação a defesa de uma ortodoxia lastreada nos princípios emanados do Concílio de Niceia, ocorrido em 325, mas, apesar disso, comportar na sua administração, sobretudo no que se refere à administração militar indivíduos pertencentes a outras orientações político-religiosas, inclusive não cristãs. No que se refere à interpretação que extraímos da atuação do imperador, constatamos que o grande trunfo do governo de Teodósio II, que o torna paradoxal ao nosso olhar, foi a manutenção da unidade imperial por quatro décadas, por meio da negociação com a ampla diversidade que caracterizava a sociedade romana oriental na Antiguidade Tardia.

Em julho de 450, Teodósio II morreu vítima de um acidente que sofreu ao cair do seu cavalo (NESTÓRIO, Liber, 506). Chew (2006CHEW, Kathryn . Virgins and Eunuchs: Pucheria, Politics and the Death of Emperor Theodosius II. Historia: Zeitschrift für Alte Geschichte, v. 55, n. 2, p. 207-224, 2006., p. 208) considera que esse acidente tenha sido provocado por inimigos que se aproveitariam do seu desaparecimento para destruir o poder que o núcleo próximo a ele tinha sobre o Império. Em nossa percepção, se Teodósio II foi assassinado, o que não deixa de ser uma hipótese plausível, tal fato ocorreu em virtude do imperador e do seu entourage se virem impossibilitados de manter a unidade imperial em torno dele, por meio das habilidosas estratégias de negociação com a diversidade político-religiosa constituída pela associação entre bispos e funcionários imperiais que, por bom tempo, para nós, foi a marca que caracterizou seu governo. Nesse sentido, sua atuação no conflito entre Cirilo e Nestório, em torno de questões doutrinais que contribuíam na percepção da centralidade do seu poder, não pode ser entendida se não agregarmos a associação que bispos e funcionários imperiais mantiveram durante o conflito.

Catálogo prosopográfico

Acácio de Bereia. Bispo de Bereia, da transliteração do grego Beroea, atual cidade de Alepo, na Síria. Em 404 d.C. assumiu a liderança do Sínodo do Carvalho, ao lado de Teófilo de Alexandria, tio de Cirilo, por ocasião da deposição do bispo João Crisóstomo da Sé Episcopal de Constantinopla. Desaprovou os anátemas de Cirilo contra Nestório, pois via neles traços da heresia apolinarista. Atuou como mediador entre as duas facções durante a Controvérsia Nestoriana, para que se chegasse ao acordo da Fórmula da Reunião (433). Muito reverenciado, ganhou o título de “pai e mestre de todos os bispos”. Presume-se que tenha morrido em torno dos cento e dez anos de idade (aprox. 322-433). Embora tenha tentado se mostrar isento, a percepção é de que tenha apoiado a facção nestoriana. Contemporâneo de Simão Estilita, ambos eram considerados homens-santos com quem o imperador Teodósio II se aconselhava. (ACO, I, 1, 1, p. 112; ACO, I, 1, 7, p. 115-116; ACO, I, 1, 7, p. 140-142; ACO, I, 1, 7; p. 142; ACO, I, 1, 7, p. 146-147; ACO, I, 1, 7, p. 147-150; ACO, I, 1, 4, p. 6-7; ACO, I, 1, 4, p. 7-9; ACO, I, 1, 4, p. 31-32; ACO, I, 1, 7, p. 39; ACO, I, 4, p. 140).

Amônio. (Ammonius 3). Foi comes na Corte Oriental. Está na lista das pessoas que receberam presentes de Cirilo (ACO, I, 4, p. 222-224; PLRE 2, 1980, p. 71).

Ardabur Aspar. (Fl. Ardabur Aspar). MVM per Orientem (431-471), cônsul (434). Filho de Ardabur 3. De origem antioquena. Casou-se três vezes e uma das suas esposas era filha do MVM Plinta, de quem Aspar era aparentado. Comandou o exército romano oriental em campanhas no Ocidente, em 424, e na África, em 431, contra os vândalos. Participou da campanha contra os hunos, em 441. É registrado que tinha pouca influência sobre Teodósio II. Estava presente no leito de morte de Teodósio II quando este teria indicado seu domesticus Marciano como seu sucessor. Em 457, Leão 6, apoiado por ele, foi indicado para suceder a Marciano. Era de filiação religiosa ariana. Teodoreto de Ciro agradeceu-o, por carta, pela ajuda no fim do seu exílio. Em 469, foi acusado de subornar soldados em tentativa frustrada para assassinar o general isaurio Zenão 7. É registrado que o senado de Roma teria oferecido a Aspar o posto de imperador do Ocidente, que teria recusado (PLRE 2, 1980, p. 164-169).

Aristolau. (Aristolaus). Exerceu a função, no Império Romano do Oriente, de Vir spectabilis tribunus et notarius, entre 432 e 435. Em meados de 432, o Imperador Teodósio II encarregou-o de restaurar a unidade da Igreja no Oriente. Ele foi enviado, primeiramente, a Antioquia, a Sé do bispo João e, depois, para Alexandria, a Sé do bispo Cirilo. Retornou novamente a Antioquia a fim de colher a assinatura do bispo João nos documentos da Fórmula da Reunião. Em 435, o imperador Teodósio II enviou-o a Cilícia, onde os bispos recusavam a aceitar o acordo de unidade. (PLRE 2, 1980, p. 146-147; ACO, I, 1, 7, p. 147; ACO, I, 4, p. 140; ACO, I, 1, 4, p. 33; ACO, I, 1, 4, p. 6-7; ACO, I, 1, 7, p. 39; ACO, I, 1, 4, p. 7-9; ACO, I, 1, 4, p. 20-31; ACO, I, 1, 7, p. 155; ACO, I, 1, 4, p. 31-32; ACO, I, 4, p. 206; ACO, I, 4, p. 230; ACO, I, 4, p. 229; ACO, I, 5, p. 310-315; ACO, I, 1, 7, p. 162-163; ACO, I, 4, p. 224-225; ACO, I, 1, 7, p. 146-147; ACO, I, 4, p. 222-224; NESTÓRIO, Liber, 398).

Candidiano. (Fl. Candidianus 6). Comes domesticorum no Oriente (431-435). Foi representante dos imperadores Teodósio II e Valentiniano III no Concílio de Éfeso, entre junho de julho de 431. Foi instruído para manter a ordem e verificar se os assuntos tratados se concentravam nas divergências teológicas. Parece que manteve parcialidade a favor dos nestorianos e os bispos orientais sob a liderança de João de Antioquia. Deu retorno acerca das sessões nas quais Cirilo foi condenado e tentou impedir que esse bispo entrasse em contato com o imperador em Constantinopla. A despeito disso, foi incapaz de evitar a condenação de Nestório (PLRE 2, 1980, p. 257-258; ACO, I, 1, 1, p. 120-121; ACO, I, 3, p. 96-98; ACO, I, 1, 5, p. 131-132; ACO, I, 1, 5, p. 124-125; ACO, I, 1, 5, p. 127-128; ACO, I, 3, p. 91-92; ACO, I, 3, p. 115-116; ACO, I, 1, 2, p. 66-68; NESTÓRIO, Liber, 161-167, 169-178, 184-186).

Crisáfio. (Chrysaphius dito Ztummas) Eunuco spatarius no Oriente, de 443-450. Foi muito próximo de Teodósio II durante as negociações do Concílio de Éfeso II, em 449. Prestou ostensivo apoio a Eutiques nessa ocasião. Empreendeu forte oposição ao bispo Flaviano de Constantinopla. Há indicações de que após a morte de Teodósio II ele tenha sido assassinado a mando de Pulquéria. (PLRE 2, 1980PROSOPOGRAPHY OF THE LATER ROMAN EMPIRE 2 (PLRE 2). Edited by John R. Martindale. Cambridge: Cambridge University Press , 1980., p. 295-297; EVÁGRIO, Hist. eccl., I, 5; MALALAS, Chron., XXIV, 19).

Crisero. (Chryseros 1). Praepositus sacri cubiculi (PSC) no Império Romano do Oriente. Cubicularius que fez oposição a Cirilo na Corte. Recebeu presentes para apoiar o bispo alexandrino. Nenhuma fonte indica tratar-se de um eunuco, embora tenha exercido a função de cubicularius (ACO, I, 4, p. 222-224; ACO, I, 4, p. 224-225; PLRE 2, 1980, p. 297; BATIFFOL, 1911BATIFFOL, Pierre. Les présents de Saint Cyrille à la cour de Constantinople. Bulletin d’ancienne literature et d’archéologie chrétiennes, v. 1, p. 247-264, 1911., p. 253).

Dióscoro de Alexandria. Sucedeu a Cirilo no episcopado de Alexandria, em 444. Foi convocado por Teodósio II para presidir o Concílio de Éfeso II, em 449, em apoio ao monge Eutiques. Perseguiu os parentes de Cirilo em Alexandria. Foi condenado no Concílio de Calcedônia, em 451 (ACO, II, 1, 1, p. 68-69; ACO, II, 1, 1, p. 71; ACO, II, 1, 1, p. 74; NESTÓRIO, Liber, 473-478, 481, 488-492).

Epifânio. Arquidiácono e secretário de Cirilo. Foi ele quem escreveu a carta (ACO, I, 4, p. 222-224) e o catálogo de presentes que a acompanha (ACO, I, 4, p. 224-225) destinada ao bispo Maximiano de Constantinopla para que tais presentes e expressiva quantidade de ouro fossem distribuídos na Corte imperial. Epifânio escreveu a carta durante um período de enfermidade de Cirilo (ACO, I, 4, p. 224-225; ACO, I, 4, p. 222-224).

Eudócia. [Aelia Eudocia (Athenais) 2]. Augusta. Segundo Sócrates Escolástico, era filha do sofista ateniense Leôncio. Foi batizada pelo bispo Ático de Constantinopla antes de se casar com o imperador. Seu nome antes do batismo era Athenais. Casou-se com Teodósio II, em 421. Cirilo dedicou a ela e às irmãs imperiais tratados acerca da “verdadeira doutrina” (ACO, I, 1, 1, p. 73-74; ACO, I, 4, p. 228; ACO, I, 4, p. 224-225; SÓCRATES, Hist. eccl., VII, 22; PLRE 2, 1980, p. 408-409).

Eutiques. Arquimandrita em Constantinopla. Foi condenado no Sínodo de Constantinopla (448) por afirmar que após a encarnação do Cristo teria ocorrido uma fusão das naturezas humana e divina. Recebeu apoio do eunuco Crisáfio, do imperador Teodósio II e do bispo Dióscoro de Alexandria por ocasião do Concílio de Éfeso II (449). Foi condenado pelo Concílio de Calcedônia, em 451(ACO, II, 1, 1, p. 72-73; NESTÓRIO, Liber, 460-462, 464-467, 470-472, 476, 482-484, 491, 493).

Irineu. (Irenaeus 2). Amigo de Nestório na Corte Imperial. Apresentava o título de Comes. Parece que durante o Concílio de Éfeso tentou impedir a comunicação entre Cirilo e seus agentes em Constantinopla. Após a condenação e exílio de Nestório foi ordenado bispo da cidade de Tiro, na Fenícia, pelo bispo Domo de Antioquia. Posteriormente essa ordenação foi revogada a mando do imperador Teodósio II (ACO, I, 1, 1, p. 120-121; ACO, I, 1, 5, p. 131; ACO, I, 1, 5, p. 131-132; ACO, I, 3, p. 115-116; ACO, I, 1, 5, p. 135-136; ACO, I, 4, p. 204; NESTÓRIO, Liber, 175; PLRE 2, 1980, p. 624-625).

João de Antioquia. Bispo de Antioquia entre 429 e 448. Indicou Nestório ao imperador para ocupar a Sé Episcopal de Constantinopla. Convocou, em Éfeso, um contra-sínodo à reunião convocada por Cirilo que havia deposto Nestório. Depôs Cirilo e Menão de Éfeso. Foi compelido pelos agentes imperiais a chegar a um acordo com Cirilo e seus seguidores através da Fórmula da Reunião, em 433. Enfrentou oposição dos bispos orientais em decorrência desse compromisso. Tais bispos, que não aceitavam a excomunhão de Nestório, doravante passaram a divulgar os ensinamentos de Teodoro de Mopsuéstia, bispo já falecido e que Cirilo indicava como sendo a origem das “blasfêmias” de Nestório. Morreu em 441 e foi substituído pelo seu sobrinho Domo, na Sé de Antioquia (ACO, I, 1, 1, p. 75-77; ACO, I, 1, 1, p. 90-91; ACO, I, 1, 1, p. 96-98; ACO, I, 1, 1, p. 99-100; ACO, I, 1, 1, p. 112; ACO, I, 1, 2, p. 66-68; ACO, I, 3, p. 85-87; ACO, I, 1, 5, p. 132-133; ACO, I, 3, p. 99-109; ACO, I, 3, p. 109-111; ACO, I, 3, p. 169-173; ACO, I, 1, 3, p. 16-17; ACO, I, 1, 3, p. 45-46; ACO, I, 1, 4, p. 6-7; ACO, I, 1, 4, p. 20-31; ACO, I, 1, 4, p. 31-32; ACO, I, 1, 4, p. 33; ACO, I, 1, 4, p. 34; ACO, I, 1, 7, p. 39; ACO, I, 1, 7, p. 115-116; ACO, I, 1, 7, p. 143-147; ACO, I, 1, 7, p. 146-147; ACO, I, 1, 7, p. 147-150; ACO, I, 1, 7, p. 162-163; ACO, I, 1, 7, p. 164-165; ACO, I, 2, 5, p. 128-129; ACO, I, 1, 4, p. 3-5; ACO, II, 1, 3, p. 66; CIRILO, Ep., 57, 58, 72, 105; NESTÓRIO, Liber, 161, 164, 175-176, 181-182, 188, 195, 370-372, 381, 391, 400-452).

Lauso. (Lausus). Eunuco na Corte imperial em Constantinopla. A documentação indica a sua presença na Corte Oriental, entre os anos de 420 e 436, onde exerceu a função de Praepositus Sacri Cubiculi (PSC). Parece que esse posto foi conquistado através de gestões de Cirilo junto à imperatriz Pulquéria, no sentido de neutralizar a atuação do cubicularius Crisero, que parece atuar a favor de Nestório. Ao que tudo indica, foi uma pessoa muito influente. O escritor Paládio dedicou a sua Historia Lausiaca a ele (ACO, I, 4, p. 222-224; ACO, I, 4, p. 224-225; PLRE 2, 1980, p. 660-661).

Lúcio. (Lucius 2). MVM praesentalis (Oriente) (408-450). Era não cristão. Segundo Damáscio, ele teria tentado matar Teodósio II. Além de Damáscio, nenhuma outra fonte cita essa tentativa de assassinato (PLRE 2, 1980, p. 692).

Marciano. (Marcianus 8). Augusto (450-457). De origem trácia ou ilírica. Domesticus de Aspar antes de se tornar imperador do Oriente. Casou-se com Pulquéria após a morte de Teodósio II (PLRE 2, 1980, p. 714-715).

Menão de Éfeso. Bispo metropólita da cidade de Éfeso, província da Ásia, diocese da Asiana. Anfitrião do Concílio de 431 que depôs Nestório de Constantinopla. Aliado de Cirilo de Alexandria. Foi excomungado por João de Antioquia e colocado sob prisão pelo imperador Teodósio II, provavelmente em virtude dos excessos cometidos durante a realização do Concílio. Estabeleceu que as sessões conciliares devessem ser realizadas na Igreja consagrada à Virgem Theotokos, demonstrando a sua tendência de condenar Nestório (ACO, I, 1, 2, p. 55-64; ACO, I, 1, 3, p. 16-17; ACO, I, 1, 3, p. 45-46; ACO, I, 1, 5, p. 124-125; ACO, I, 1, 5, p. 125-127; ACO, I, 1, 5, p. 129-131; ACO, I, 1, 5, p. 131-132; ACO, I, 1, 5, p. 132-133; ACO, I, 1, 7, p. 79-80; ACO, I, 1, 7, p. 97; ACO, I, 2, 5, p. 128-129; ACO, I, 3, p. 18-20; ACO, I, 3, p. 94-95; ACO, I, 3, p. 99-109; ACO, I, 3, p. 109-111; ACO, I, 3, p. 111-112; ACO, I, 3, p. 112-114; ACO, I, 3, p. 115-116; ACO, I, 3, p. 116-117; ACO, I, 3, p. 117-119; ACO, I, 3, p. 141-142; ACO, I, 3, p. 169-173; NESTÓRIO, Liber, 196, 198, 367-368, 370-371, 381, 384, 386; DESTEPHEN, 2008DESTEPHEN, Sylvain. (org..). Prosopographie Chrétienne du Bas-Empire - Diocèse d’Asie (325-641). Paris: Centre d’histoire et civilization de Byzance, 2008., p. 663-688).

Paulino. (Paulinus 8). Magister Officiorum (430). Amigo de infância de Teodósio II. Ele teria ajudado Pulquéria a encontrar uma esposa para o imperador (Eudócia). Em 443, foi acusado de amante da imperatriz e executado no ano seguinte (NESTÓRIO, Liber, 520; PLRE 2, 1980, p. 846-847).

Paulo de Emesa. Bispo da cidade de Emesa, na província da Fenícia Libanense, diocese do Oriens. Votou pela deposição de Cirilo e Menão no Concílio de Éfeso I. Foi intermediário entre João de Antioquia e Cirilo durante as negociações da Fórmula da Reunião, em 433 (ACO, I, 1, 4, p. 6-7; ACO, I, 1, 4, p. 7-9; ACO, I, 1, 4, p. 15-20; ACO, I, 1, 4, p. 20-31; ACO, I, 1, 4, p. 31-32; ACO, I, 1, 7, p. 39; ACO, I, 1, 7, p. 115-116; ACO, I, 1, 7, p. 151-152; ACO, I, 1, 7, p. 155; ACO, I, 4, p. 37-38).

Teodoreto de Ciro. Bispo de Ciro, na província de Eufratense, diocese do Oriens. Escreveu um trabalho contra os Doze Anátemas que Cirilo havia lançado contra Nestório. Possuía parentesco com Nestório, a quem defendeu desde o início do conflito. Votou pela condenação de Cirilo e Menão no Concílio de Éfeso I. Escreveu um tratado atacando a união das naturezas de Cirilo: Eranistes. Estabeleceu correspondência epistolar com vários funcionários imperiais, sobretudo alguns ligados à área militar. Foi impedido por Teodósio II de participar do Concílio de Éfeso II, em 449 (ACO, I, 1, 6, p. 110-111; ACO, I, 1, 7, p. 79-80; ACO, I, 1, 7, p.137; ACO, I, 4, p. 37-38; ACO, I, 4, p. 231; ACO, II, 1, 1, p. 68-69).

Zenão. (Fl. Zenon 6). MVM per Orientem (447-451), cônsul (448). Nativo da Isáuria. Correspondeu-se por meio de cartas com o bispo Teodoreto de Ciro. Em 449, resistiu aos esforços de Crisáfio para apaziguar Átila. É registrado que tenha tentado assassinar Teodósio II (PLRE 2, 1980, p. 1199-1200).

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  • 1
    Todas as demais indicações temporais referem-se ao período depois de Cristo, salvo indicação contrária.
  • 2
    A região que correspondia ao Império Romano do Oriente, na Antiguidade Tardia, englobava uma extensa área que reunia uma diversidade de povos e de culturas, mas que se hibridizavam ao longo da Antiguidade, muito em função da circularidade de pessoas em uma região que era rota de passagem entre o Ocidente e o Extremo Oriente. Anteriormente ao início da conquista romana, no século II a.C., a maior parte dessa região havia abrigado os antigos reinos helenísticos que se formaram após a morte do general Alexandre da Macedônia. Em comparação com a geografia política atual, o Império Romano do Oriente incluía as regiões da Península Balcânica, Ásia Menor, Egito, Líbia e parte do Oriente Médio, na região conhecida como Levante (BADEL; INGLEBERT, 2014BADEL, Christophe; INGLEBERT, Hervé. Grand Atlas de l’Antiquité romaine. Paris: Éditions Autrement, 2014.).
  • 3
    O Liber Heraclidis é uma apologia escrita por Nestório no final da sua vida para se defender das acusações de heresia feitas por Cirilo. Narra os acontecimentos relacionados ao seu episcopado em Constantinopla e reproduz uma versão personalizada da Controvérsia Nestoriana. Reproduz algumas cartas imperiais e episcopais inseridas nos Acta Conciliorum OecumenicorumACTA CONCILIORUM OECUMENICORUM (ACO). Tomus I et II. Edidit Eduard Schwartz et al. Berlin et Leipzig: Walter de Gruyter & Co., 1914-. (SCIPIONI, 1956SCIPIONI, Luigi I. Richerche sulla cristologia de ‘Libro di Eraclide’ di Nestorio. Friburgo: Edizioni Universitarie Friburgo Svizzera, 1956.).
  • 4
    O Monofisismo acentuava a divindade de Cristo, no sentido de que a natureza humana teria sido absorvida pela natureza divina. Foi proposta pelo monge Eutiques, no Concílio de Éfeso II (449) a partir da teologia ciriliana que propunha “uma natureza divina da Palavra encarnada”. Seus adeptos recusavam aceitar a definição do Concílio de Calcedônia (451) argumentando que ela era nestoriana (DAVIS, 1990DAVIS, Leo Donald. The First Seven Ecumenical Councils (325-787): Their History and Theology. Collegeville: The Liturgical Press, 1990., p. 329).
  • 5
    Mesmo após a morte de Teodósio II, em 450, muitos documentos relacionados ao seu governo foram lidos e registrados nas atas da primeira sessão do Concílio de Calcedônia, em 451, inclusive os procedimentos relacionados ao Concílio de Éfeso II (449) (PRICE; GADDIS, 2007PRICE, Richard; GADDIS, Michael. The Acts of the Council of Chalcedon : Vol. 1. Liverpool: Liverpool University Press, 2007.).
  • 6
    Os fundamentos do Concílio de Niceia (325) preconizavam que o Cristo era verdadeiramente homem e Deus ao mesmo tempo, composto por uma tríade de pessoas em igualdade de condições, sem subordinação entre elas (uma ousia em três hipóstasis). Ou seja, uma mesma divindade que se manifestava por meio de três substratos distintos. Essa fórmula foi mantida e aperfeiçoada pelo Concílio de Constantinopla (381) (MAGALHÃES, 2009MAGALHÃES, Júlio César. Arianistas. In: FUNARI, Pedro Paulo Abreu (org.). As religiões que o mundo esqueceu: como egípcios, gregos, celtas, astecas e outros povos cultuavam seus deuses. São Paulo: Contexto, 2009. p. 87-101.).
  • 7
    A partir da apropriação da definição de Culturas Políticas proposta por Serge Berstein (1998BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean Pierre; SIRINELLI, Jean-François.(org.). Para uma história cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 349-363., p. 350-352), optamos em falar em “culturas político-religiosas” para enfatizar o peso do componente religioso no imaginário da época.
  • 8
    Nestório justamente separava as naturezas humana e divina em Cristo porque defendia que a sua porção divina, aquela não teria sido gerada pela Virgem Maria, não fora passível de sofrer dor, medo e outros sentimentos inerentes à natureza humana (NESTÓRIO, Liber, 222-227).
  • 9
    Conforme dados prosopográficos, embora tenha exercido a função de chefe dos cubicularii, as evidências indicam que Crisero, diferente da maioria dos indivíduos que exerciam esse posto, não se tratava de eunuco (PLRE 2, 1980PROSOPOGRAPHY OF THE LATER ROMAN EMPIRE 2 (PLRE 2). Edited by John R. Martindale. Cambridge: Cambridge University Press , 1980., p. 297).
  • 10
    Arianismo tratou-se de doutrina que pregava a subordinação entre as pessoas da Trindade. Seu principal defensor foi o presbítero Ário, no século IV. Ário e sua doutrina foram condenados pelo Concílio de Niceia, em 425 (MAGALHÃES, 2009MAGALHÃES, Júlio César. Arianistas. In: FUNARI, Pedro Paulo Abreu (org.). As religiões que o mundo esqueceu: como egípcios, gregos, celtas, astecas e outros povos cultuavam seus deuses. São Paulo: Contexto, 2009. p. 87-101.).
  • 11
    Comes (κόμης) ou companheiro do imperador: designava uma dignidade conferida a título honorífico ou uma função dentro do conjunto do entourage imperial (Corte) (LANÇON, 1992LANÇON, Bertrand. Le monde romain tardif : IIIe.-VIIe. Siècle ap. J.-C. Paris: Armand Colin Éditeurs, 1992., p. 72). O título poderia ser atribuído a funcionário de qualquer ramo do serviço imperial, seja na administração civil, financeira ou militar (MIILAR, 2006MILLAR, Fergus. A Greek Roman Empire: Power and belief under Theodosius II - 408-450. Los Angeles: University California Press, 2006., p. 195-196).
  • *
    Esse artigo se insere nas reflexões da tese de doutorado defendida na UNESP/Franca, em 2018, sob financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processos 2013/24320-4 e 2015/09002-1.
  • Dossiê Memórias e Mortes de Imperadores romanos (I a.C. – VI d.C.)

    Organizadoras: Margarida Maria de Carvalho, Rita Lizzi Testa & Janira Feliciano Pohlmann

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2020
  • Aceito
    04 Ago 2020
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