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A Santa Sé e o serviço de proteção ao índio: as disputas entre a igreja católica e o estado pela tutela e gestão das populações indígenas

The Holy See and the indian protection service: disputes between the catholic church and the state for the protection and management of indigenous populations

RESUMO

Este artigo analisa as políticas da Santa Sé diante da criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e da legislação indigenista do governo brasileiro, que pretendiam excluir a participação de instituições religiosas, bem como diante das denúncias sobre Putumayo, no Peru. Nesse contexto, a Igreja Católica, o Estado e os positivistas lutavam pela tutela e pela gestão das populações indígenas, por recursos financeiros e pelo apoio da opinião pública. No centro dos debates, estavam o SPI, as missões salesianas, o marechal Cândido Mariano da Silva Rondon e o padre Antônio Maria Malan. As ofensivas da Santa Sé procuravam assegurar a defesa dos interesses da Igreja Católica e o apoio e a colaboração do Estado. Para isso, a Igreja buscou apoio de setores do governo, de políticos católicos ou de simpatizantes, a fim de desarticular o SPI e seus inimigos ideológicos. Outras estratégias foram promover a expansão institucional, favorecendo o controle religioso da população e do território eclesiástico, por meio da interiorização de religiosos e da criação de missões religiosas e circunscrições eclesiásticas nas regiões onde havia grande concentração de populações indígenas. As fontes foram obtidas no Arquivo Apostólico Vaticano e no Arquivo da Sagrada Congregação dos Trabalhos Eclesiásticos Extraordinários.

Palavras-chave:
Igreja Católica; Santa Sé; Serviço de Proteção ao Índio; Salesianos; Nunciatura Apostólica

ABSTRACT

This article analyses the policies of the Holy See in view of the creation of the Indian Protection Service (SPI) and the indigenous legislation of the brazilian government, which intended to exclude the participation of religious institutions, and in view of the denunciations about Putumayo, in Peru. In this context, the Catholic Church, the State and the positivists fought for the protection and management of indigenous populations, for financial resources and for the support of public opinion. At the centre of the debates were the SPI, the Salesian missions, Marshal Cândido Mariano da Silva Rondon and Father Antônio Maria Malan. The offensives of the Holy See sought to ensure the defence of the interests of the Catholic Church and the support and collaboration of the State and, to this end, sought the support of sectors of the Government, of Catholic politicians or sympathisers in order to disarticulate the SPI and its ideological enemies. Other strategies were to promote institutional expansion, favoring religious control of the population and ecclesiastical territory, through the creation of religious missions and ecclesiastical circumscriptions in regions where there was a large concentration of indigenous populations and the interiorization of religious. The sources were obtained from the Vatican Apostolic Archives and from the Archives of the Sacred Congregation of Extraordinary Ecclesiastical Works.

Keywords:
Catholic Church; Holy See; Indian Protection Service; Salesians; Apostolic Nunciature

O objetivo deste artigo é analisar as disputas e conciliações entre a Igreja Católica e o Estado pela tutela e gestão das populações indígenas no Brasil e as intervenções da Santa Sé diante da criação do Serviço de Proteção aos Índios, da legislação indigenista, da crescente secularização do Estado e da sociedade e das polarizações acerca desses temas. Em meio a essas tensões, ganharam repercussão internacional as denúncias de escravização, maus-tratos e extermínio de indígenas em Putumayo, região fronteiriça entre Peru, Colômbia e Brasil. O papa Pio X reagiu publicando a encíclica Lacrimabili Statu IndorumPIO X, -. Lacrimabili Statu Indorum (1912). Disponível em: Disponível em: https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_07061912_lacrimabili-statu.html . Acesso em: 19 nov. 2015.
https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/...
, em que propôs a colaboração entre os poderes temporal e espiritual, além de várias intervenções para assegurar a presença da Igreja Católica entre os indígenas e para proteger, cristianizar e integrar as populações indígenas à sociedade. Será enfocado o período entre 1912 e 1914, período de maior tensão entre os dois poderes, quando passou a atuar no Brasil, como representante pontifício, o núncio Giusseppe Aversa (1912-1916).

A Santa Sé frente às políticas indigenistas do Brasil

A República sonhada, e pela qual muitos militavam, deveria ser laica e livre, com a separação plena entre a Igreja Católica e o Estado. O Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890, aboliu o direito do padroado e estabeleceu a liberdade de cultos e o livre exercício da propaganda religiosa. A Santa Sé e o episcopado brasileiro, apesar de demonstrarem grande apreensão diante do novo contexto sociopolítico, não rejeitaram a nova ordem liberal e comemoraram a extinção do padroado, por suprimir as intrusões no domínio espiritual, o que seria um elemento dissolvente da disciplina e da moral católica. Durante a elaboração da Constituição, houve intensa mobilização para reverter os artigos desfavoráveis à Igreja Católica. Membros da hierarquia eclesiástica se reuniram com ministros e com Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório. Também foram importantes as pressões da bancada de 18 deputados católicos, constituída, em sua maioria, de baianos e mineiros, além de outros considerados amigos e simpatizantes, que militaram para alterar o projeto constitucional (VIEIRA, 2007VIEIRA, D.R. O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil (1844-1926). Aparecida: Santuário, 2007., p. 351).

A Constituição, aprovada em 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada em nome dos representantes do povo brasileiro, e não em nome de Deus, consagrando a plena separação entre a Igreja e o Estado e firmando a laicidade estatal, ao instituir o casamento civil, o ensino leigo, a secularização dos cemitérios, a recusa de direitos eleitorais aos religiosos ligados por voto de obediência (exime-se, portanto, o clero secular da cláusula restritiva), além de não prever subvenções oficiais a cultos ou igrejas e relações de dependência ou aliança com o governo federal ou estadual. Apesar disso, houve várias conquistas, pois os bens da Igreja foram poupados, permaneceram os pagamentos das côngruas aos bispos e aos padres nomeados pelo governo imperial, as ordens e congregações foram admitidas sem reserva alguma e gastos eclesiásticos continuaram a ser subvencionados por mais um ano. Outras medidas consideradas desfavoráveis foram reinterpretadas num sentido acomodatício, permitindo o restabelecimento de subvenções da administração pública, a título de ajuda a obras de beneficência. Em suma, o Estado laico foi domesticado e não se consagrou a separação plena e independente com a Igreja Católica, que conseguiu impor uma soberania indireta.

Apesar das conquistas políticas e econômicas, o episcopado nunca cessou de combater o laicismo e a secularização. A Constituição de 1891 era combatida por ser agnóstica, ou seja, por cultivar a neutralidade religiosa e por afastar a educação, a política e a economia da ordem religiosa católica. Os bispos defendiam que a maioria dos brasileiros eram católicos, que o Brasil era um país católico, desde seu descobrimento, em 1500, e que a Igreja foi injustamente separada do Estado e nivelada às demais religiões. Por essas razões, a luta que empreendiam se traduzia na “luta pelos ‘direitos’ da maioria”, para que a legislação e o Estado reconhecessem “os sentimentos do povo brasileiro” (BEOZZO, 2007BEOZZO, J.O. A Igreja entre a Revolução de 1930, o Estado Novo e a redemocratização. In: FAUSTO, B. (dir.). O Brasil Republicano: economia e cultura (1930-1964). 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 273-341. (História Geral da Civilização Brasileira, t. III, v. 11)., p. 280). A ofensiva estava fundamentada na defesa da sociedade, da civilização cristã e do regime republicano, ao propugnar que indivíduo, pátria e Deus eram aspectos de uma única realidade. A prosperidade nacional estava associada ao fortalecimento da fé e do patriotismo e à difusão de valores conservadores e da ab-rogação de leis anticristãs. A defesa dos direitos da Igreja Católica abarcava o combate aos inimigos ideológicos, às religiões concorrentes e ao agnosticismo do Estado. O episcopado, ao associar fé e nacionalidade, confundia os interesses da Igreja com os do Estado. Entre as metas, estavam a legalização do ensino religioso nas escolas públicas, a moralização da gestão pública, a introdução de símbolos religiosos nos espaços públicos, o combate à legalização do divórcio, a defesa da participação da Igreja Católica junto às populações indígenas etc. (PASTORAL COLLECTIVA, 1900PASTORAL COLLECTIVA do episcopado brasileiro ao clero e aos fiéis das duas Províncias Ecclesiástica do Brasil. São Paulo: Escola Typographica Salesiana, 1900., p. 32-33).

A Santa Sé patrocinou várias políticas conciliatórias e de aproximação com o Estado, evidenciando sua posição de boa vontade e simpatia pelo regime republicano. Diante da crescente autoafirmação da sociedade civil e do Estado frente à religião, o papa Leão XIII passou a valorizar a teologia tomista, na qual a Igreja Católica aparecia como sociedade perfeita ao lado do Estado. O poder civil estaria representado pelo governo do Estado, e o eclesiástico, pelo papa e pela hierarquia eclesiástica. Estes eram dois poderes autossuficientes para concretizarem seus fins e objetivos, porém com uma ascendência, pelo menos indireta, da Igreja sobre o Estado. O liberalismo, a laicidade do Estado, os regimes de liberdade, a democracia, a liberdade de imprensa e a separação entre a Igreja Católica e o Estado eram vistos pela Santa Sé e pelo episcopado como erros da sociedade moderna, ou seja, inimigos a serem combatidos. Nesse contexto, a hierarquia eclesiástica brasileira encontrava-se num processo de aproximação com a Santa Sé, implementando inúmeras reformas internas, como a expansão hierárquica e institucional, a fim de consolidar sua presença na sociedade, ampliar sua participação política e impor-se frente ao Estado.

Nesse contexto, a Santa Sé estava predisposta a assinar uma concordata com o Brasil, a fim de garantir os direitos da Igreja Católica, a liberdade de atuação e para consolidar a “Igreja e o seu líder máximo como entes absolutamente apartados e acima da política partidária” (ROSA, 2015ROSA, L.R. de O. A Santa Sé e o Estado brasileiro: estratégias de inserção política da Igreja Católica no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2015., p. 108). A política concordatária abrangeria a civilização, proteção, integração e evangelização das populações indígenas. O objetivo era que o Estado se comprometesse legalmente com a presença da Igreja junto aos indígenas, propiciando autonomia e a liberdade de atuação para gerenciar as missões indígenas e que as auxiliasse financeiramente.1 1 A.A.V. (Archivio Apostolico Vaticano), Indici 1153, Fondo della Nunziatura Apostolica in Brasile (A.N.B.), Busta 72, Fascicolo 350. Carta de Antonio da Enchio para Francesco Spolverini, 8 out. 1891. Para isso, a política externa do Vaticano procurou fortalecer as aproximações e as relações diplomáticas com o governo brasileiro.2 2 Em 1890, reconheceu o regime republicano; em 2 de julho de 1894, o papa Leão XIII publicou a encíclica Litteras a vobis, onde exortava o episcopado e os católicos a aceitarem o regime republicano e a não se engajarem na restauração da Monarquia. Em 1901, elevou sua representação diplomática no Rio de Janeiro à categoria de nunciatura. Em 1905, foi criado o primeiro cardinalato brasileiro e também da América Latina (D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti). Houve também a multiplicação das circunscrições eclesiásticas católicas, a fim de se ampliar a presença e a participação da Santa Sé na sociedade, bem como pleitear o reconhecimento dos seus princípios. Com a morte de Leão XIII, em 20 de julho de 1903, e a ascensão de Pio X (1903-1914), houve a troca da cúpula do secretariado de Estado e mudanças na política externa. A “negociação e a abertura ao diálogo, que marcaram o pontificado leonino, foram colocadas em segundo plano” e a Santa Sé passou a adotar posturas de maior isolamento e intransigência às transformações internacionais. Pio X priorizou a reorganização interna nos moldes tridentinos, enfatizando as reformas católicas, a expansão e o fortalecimento institucional e o aumento da representatividade na sociedade. Como decorrência, a assinatura da concordata não foi mais priorizada e a “Igreja Católica local não conseguiu engendrar uma ação coesa e forte o suficiente para influir na política nacional em prol dos interesses católicos” e houve uma pulverização das pressões políticas da hierarquia eclesiástica (ROSA, 2015ROSA, L.R. de O. A Santa Sé e o Estado brasileiro: estratégias de inserção política da Igreja Católica no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2015., p. 110-111).

A Santa Sé frente ao SPI e a legislação indigenista

As denúncias de escravização, de massacres e de extermínio de etnias indígenas, e suas repercusões em nível nacional e internacional, impuseram ao Estado a necessidade de elaborar políticas governamentais para prestar assistência, proteger, civilizar e integrar a população indígena à nacionalidade. A polêmica tornou-se pública, e diferentes instituições se posicionaram com propostas divergentes e opostas: o diretor do Museu Paulista, Hermann Von Ihering, defendia que os indígenas seriam obstáculos ao desenvolvimento nacional; os naturalistas do Museu Nacional repudiavam as ideias de Von Ihering; a professora Leolinda Daltro propunha a incorporação dos indígenas por meio da educação leiga (FREIRE, 2009FREIRE, C.A.R. Rondon: a construção do Brasil e a causa indígena. Brasília: Abravideo, 2009., p. 70). Os positivistas elaboraram propostas baseadas nas experiências das linhas telegráficas e nas ideias de José Bonifácio de Andrade e Silva. Para implementá-las, articularam várias instituições, como o Museu Nacional, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC) e o Apostolado Positivista, a fim de “criar uma agência indigenista leiga, de âmbito nacional, com a finalidade, entre outras coisas, de garantir a sobrevivência física das populações indígenas e de estabelecer contatos pacíficos com os índios hostis, fixando esses grupos à terra, tornada produtiva”, além de favorecer a adoção de hábitos “civilizados” pelo ensino e difusão de tecnologias agrícolas (FREIRE, 2009FREIRE, C.A.R. Rondon: a construção do Brasil e a causa indígena. Brasília: Abravideo, 2009., p. 76).

As divergências e os confrontos quanto à questão contribuíram para que Nilo Peçanha (1909-1910) implementasse no MAIC, em 20 de junho de 1910, pelo Decreto nº 8.072, o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN), renomeado, a partir de 1918, de Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Como diretor, foi nomeado Cândido Mariano da Silva Rondon, que imprimiu diretrizes positivistas às políticas indigenistas. Por meio do SPI, o “Estado brasileiro passaria a se responsabilizar pelas ações frente às populações indígenas, instituindo códigos legais regulares da ação indigenista, implementadas por uma nova malha administrativa baseada em postos indígenas e inspetorias” (FREIRE, 2009FREIRE, C.A.R. Rondon: a construção do Brasil e a causa indígena. Brasília: Abravideo, 2009., p. 78). Ou seja, a política indigenista passou para a responsabilidade do Estado republicano, que desenvolveria uma assistência leiga, afastando a participação das instituições religiosas, como tinha ocorrido nos períodos colonial e imperial. A proposta de proteção, assistência e integração social do SPI previa o “fim do monopólio da Igreja Católica sobre a catequese” e a implantação da “hegemonia do positivismo como força motriz do novo ordenamento institucional de tutela e o predomínio da ideia de demarcação de territórios necessários à existência dos índios a serem protegidos pelas forças militares do Estado” (MONTERO, 2017MONTERO, P. A catequese secular de Rondon. In: KURY, L.; SÁ, M.R. Rondon inventários do Brasil 1900-1930. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2017, p.196-223. , p. 209). Os positivistas passaram a ocupar importantes postos no governo e a intervir nos rumos da política indigenista.

Todos os temas relacionados às questões entre Estados deveriam ser reportadas pelos representantes pontifícios no Brasil ao secretário de Estado do Vaticano, Raffaele Merry Del Val. Apesar disso, as políticas indigenistas não despertaram nenhum intesse deles até a posse do núncio Giuseppe Aversa, no ano de 1912, que passou a acompanhar os debates e a informar a Santa Sé, com regularidade, sobre as circunstâncias e disputas envolvidas em torno dessa questão. Ele revelou que, num primeiro momento, não tinha conhecimento sobre o SPI e a catequese laica, que “não sabia o que era”, mas que “não soava bem”, pois não “sabia se era uma instituição oficial ou privada e distinta do SPI”. Ao procurar informações nos arquivos da Nunciatura Apostólica, não teria encontrado nenhum registro ou informação, pois estavam desorganizados. Por fim, confessou que, ao tentar compreender a questão, continuava com inúmeras dúvidas. Essas dificuldades foram interpretadas como uma estratégia dos “inimigos da Igreja” e do governo, que, por meio da desinformação e do silêncio, aprovavam leis contrárias à Igreja Católica. Para Aversa, o episcopado e os católicos, por sua vez, desconheciam a questão ou se mantinham indiferentes, permitindo, dessa forma, que os “inimigos” continuassem trabalhando sem serem perturbados.3 3 A.A.V., Indici 1289, Congregazione Consitoriale, Positiones (C.C., P.), Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).

Ao se aprofundar acerca do tema, passou a manifestar sua apreensão a Merry Del Val, pois considerava ser um dever “fazer uma exposição exata e segura da situação”, para que a Santa Sé tomasse providências para proteger e fomentar as missões católicas entre os indígenas. Em seu ponto de vista, não havia nada de positivo na política indigenista do governo brasileiro. Outro motivo de preocupação era a crescente secularização, com a afirmação de dogmas, valores e visões republicanas, maçônicas e positivistas, condenados pela Igreja Católica.4 4 Idem. (tradução nossa). Diante das suspeitas e dos temores, Aversa passou a acompanhar, com grande interesse, as políticas do MAIC, os debates na Câmara dos Deputados, as discussões nas comissões da Câmara dos Deputados, os posicionamentos dos políticos, os procunciamentos do presidente da República aos representantes das nações, os projetos de lei que tutelavam os indígenas e a atuação do marechal Cândido Rondon e do SPI. Para tal, passou a acompanhar esses temas pelos jornais do Rio de Janeiro e se informou com pessoas consideradas confiáveis. Além disso, reuniu-se com Lauro Müller, ministro das Relações Exteriores, para obter informações sobre o SPI e a legislação indigenista:

[...] solicitei ao Ministro das Relações Exteriores os documentos relativos ao Serviço de Proteção dos Índios, instituição oficial do governo, que vinha acompanhada de uma mensagem do Presidente da República. O ministro prometeu-me que enviaria por meio do ministro da Agricultura, de quem dependia esse serviço. Não demorou muito para chegarem esses documentos [...]. Eram seis volumes impressos, isto é, os Relatórios Anuais do Ministério da Agricultura. Estudando-os com a devida atenção nas partes referentes ao Serviço de Proteção dos Índios, encontrei a chave que me explicou tudo. Em suma, é disso que estamos falando: um excelente plano organizado pela maçonaria e implementado pelo Ministério da Agricultura, como a conivência inconsciente do governo, para dar fim às missões católicas. Nada mais e nada menos. Os pobres índios não passam de um pretexto.5 5 Idem. (tradução nossa).

Ao enviar informações, de forma sistemática, por meio de cartas e telegramas, Aversa contextualizava os fatos, formulava opiniões e sugeria que a Santa Sé interviesse para assegurar a presença da Igreja Católica entre os indígenas. As correspondências eram documentadas com fragmentos de cartas e de telegramas que recebia de informantes, com artigos publicados na imprensa e com edições do Diário Oficial. Os pronunciamentos do marechal Cândido Rondon também eram enviados, sobretudo aqueles em que criticava os “abusos da catequese religiosa”, defendia o Estado laico e considerava inadmissível que os poderes públicos permitissem a presença de religiosos entre os indígenas.6 6 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913 (Sub secreto S. Officii), 16 Aprile 1914, Sacra Congregazione Concistoriale (S.C.C.). Cuyabà e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, p. 6-12. (tradução nossa). Segundo Rosa (2015ROSA, L.R. de O. A Santa Sé e o Estado brasileiro: estratégias de inserção política da Igreja Católica no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2015., p. 117-118), os relatórios recebidos pela Secretaria de Estado sobre o Brasil reforçavam a ideia de que a cúpula do governo era maçom e que o projeto de uma “República cristã” estava ameaçado.

Os representantes pontifícios assumiam funções políticas, administrativas e religiosas, sendo um “artífice operoso” da Santa Sé, adequando-se às diretrizes do papa. Era o cooperador, o integrador, o diplomata e o intérprete do cenário político, econômico, cultural e religioso. Cabia a ele estabelecer negociações com a hierarquia eclesiástica brasileira, com as elites e com o governo, além de informar os “pormenores do perfil ou da vida dos líderes políticos brasileiros”, classificando-os em “bons católicos”, ateus, maçons, positivistas, liberais e hostis à Igreja Católica (ROSA, 2015ROSA, L.R. de O. A Santa Sé e o Estado brasileiro: estratégias de inserção política da Igreja Católica no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2015., p. 50). O objetivo era combater os inimigos e organizar os aliados a fim de influir na política nacional.

Aversa, ao repassar as notícias e suas percepções a Merry Del Val, dramatizava-as, reproduzindo-as com proporções exageradas, a fim de que a Santa Sé interviesse. Para que Raffaele Merry Del Val compreendesse os interesses envolvidos, Aversa historiou sobre a criação do MAIC, em 1906, sobre os titulares dessa pasta e sobre a transferência, em 1909, das competências sobre a catequese e civilização dos índios do Ministério da Justiça e Negócios Interiores para o MAIC. Segundo Aversa, os presidentes Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca desenvolveram políticas hostis à Igreja Católica. Antônio Cândido Rodrigues, primeiro ministro da Agricultura (entre 10 de junho e 26 de novembro de 1909), seria “uma boa pessoa”, mas teria sido substituído devido à interferência dos maçons, que teriam se reunido num congresso nacional, que contou com a participação de Pedro Manuel de Toledo, futuro ministro da Agricultura (1910-1913). Nesse evento, teriam sido decididas a extinção das missões católicas, a exclusividade da catequese laica e a troca do ministro, sendo escolhido o “maçom” Rodolfo Nogueira da Rocha Miranda (1909-1910), por defender que “os nossos deveres morais, sociais e cívicos exigiam um comportamento em defesa, assistência e proteção ao índio contra a tentativas de escravidão espiritual e material” da Igreja Católica. Nilo Peçanha teria dado continuidade à ofensiva contrária às missões religiosas ao criar o SPILTN. Portanto, haveria um plano organizado pela maçonaria e pelos positivistas para controlar o Estado e prejudicar a Igreja Católica.7 7 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).

O Diário Oficial nº 23, de 26 de setembro de 1912, em que foi publicado o projeto de lei concernente às populações indígenas, foi enviado na íntegra a Merry Del Val. Para que ele compreendesse os posicionamentos dos atores envolvidos, Aversa destacou, com cores vivas, as posições ideológicas e religiosas e os aspectos comportamentais e psicológicos do ministro, de Rondon e de políticos, a fim de contextualizar seus posicionamentos e estratégias:

Noto imediatamente que o chamado Serviço de Proteção dos Índios, comumente chamado de catequese laica, depende do Ministério da Agricultura. O ministro, o senhor Pedro Manuel de Toledo, é um maçom ativo e raivoso. O Sr. Manoel Miranda é o alter ego do Sr. Coronel Rondon, que é o chefe do Serviço de Proteção dos Índios. O Sr. Alipio Bandeira, ejusdem furfuris [farinha do mesmo saco], é o outro empregado do mesmo serviço. O projeto, que antecedeu à Câmara dos Deputados, foi elaborado por uma Comissão e ainda não foi discutido com a Câmara. É provável que seja apresentado à discussão antes do final desse ano. Será o orador do Sr. Deputado Mello Franco, que não é hostil à Igreja, pois é um católico praticante. Porém, será a favor do projeto porque considera vantajoso para os índios.8 8 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913 (Sub secreto S. Officii), 16 Aprile 1914, S.C.C. Cuyabà e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, p. 18. (tradução nossa, grifo meu).

O cenário político foi interpretado por Aversa como sendo de incerteza, de abalo das relações entre os dois poderes diante da afirmação do Estado laico. Sua apreensão se justificava pelo avanço da secularização e da adoção do positivismo na esfera pública, podendo ser observada em diferentes esferas de atuação civil e militar do Estado, inclusive na política agrícola e indigenista do MAIC, constituindo-se, para ele, numa grande ameaça à Igreja Católica e às missões dos salesianos em Mato Grosso. O desempenho do SPI foi reiteradamente criticado pelo núncio por não prestar bons serviços à causa humanitária, por consumir grandes recursos financeiros (enquanto escasseavam as doações às missões católicas) e por não produzir resultados concretos, pois era dirigida por um “incrédulo”, ou seja, por um “maçom e positivista”.9 9 Idem. (tradução nossa).

Para Aversa, o objetivo da política indigenista era que o Estado monopolizasse a proteção aos indígenas, inclusive os recursos financeiros, excluindo a participação da Igreja Católica. Entre os “ataques” à Igreja, estariam o fim de “todos os auxílios financeiros às missões religiosas, mas também controlá-las por meio do serviço de proteção oficial do Coronel Rondon”, a fim de “esmagá-las” ao “colocar obstáculos à ação benéfica das missões religiosas”, cuja preocupação era “salvar aquelas almas”. Para conquistar seus objetivos, os positivistas e maçons “caluniavam, desprezavam, ridicularizavam a fim de paralisar suas atividades”.10 10 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa). Para exemplificar, o núncio citou o caso ocorrido numa missão dos Capuchinhos em Minas Gerais, quando um funcionário do SPI teria dito aos indígenas que as pregações dos frades eram mentiras, e que deveriam aproveitar a vida, porque Deus era um mito e não existia.11 11 Idem. (tradução nossa). Além de o SPI e o MAIC criarem obstáculos à ação da Igreja Católica, Rondon desautorizava e deslegitimava publicamente a catequese religiosa, reduzindo-a à pregação e à violação da liberdade indígena. Para Aversa, as colônias dos salesianos em Mato Grosso eram as mais ameaçadas pelo sectarismo da política indigenista do MAIC e do SPI:

Em outro relatório [...] um diretor interino do serviço de proteção assinalou que a catequese religiosa não se justificava mais. ‘A catequese terminou! Somente a pacificação pode ser frutífera, praticada dignamente. Os religiosos já trabalhavam com a sentença da inutilidade dos seus esforços e usam métodos diferentes daqueles da pregação evangélica [...]. As missões religiosas, que existem em Mato Grosso, Goiás e em Minas Gerais, limitam-se a dirigir colônias indígenas estabelecidas, há muito tempo pacificadas, com escolas para a educação de menores, levando-os para as fazendas de propriedade dos religiosos.’ E pouco a pouco passamos à difamação e à guerra aberta. Aquela contra os Salesianos e contra o padre Malan, que apresentei resumidamente a Vossa Eminência, nada mais é do que um episódio digno de atenção. Os Salesianos são os que mais trabalham neste campo e demonstraram maior aptidão para atrair os selvagens e levá-los à civilização. Ficou claro que a guerra do coronel e seus acólitos era mais particularmente contra eles.12 12 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913 (Sub secreto S. Officii), 16 Aprile 1914, S.C.C. Cuyabà e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, p. 5. (tradução nossa).

A proposta de Rondon foi apresentada a Merry Del Val como tendo o objetivo de implantar os ideais republicanos, positivistas e maçônicos, ou seja, promover o aperfeiçoamento social por meio da incorporação dos indígenas à civilização, para que adotassem a “nossa indústria, as nossas artes, os nossos costumes”, “sem passar pela teologia”, mas pelo “Positivismo [a letra maiúscula P é do Coronel Rondon]”. Como membro da Igreja Positivista do Brasil, Rondon defendia a “abolição oficial do teologismo”, a fim de que os indígenas adotassem a “doutrina metafísica ou científica”. A meta era estabelecer uma catequese laica, controlada pelo Estado, excluindo a participação da Igreja.13 13 Ibid., p. 7 (tradução nossa). Diante disso, Aversa temia que o governo, sob o pretexto de proteger e tutelar os indígenas, organizasse “um serviço completo”, que fosse regulamentado pela legislação civil e penal, excluindo a presença e a participação da Igreja Católica. Nesse sentido, haveria uma “tendência sectária” e maçônica que objetivava fortalecer o SPI e que não considerava os interesses dos “pobres índios”. De acordo com Aversa, tais propostas eram divulgadas à sociedade brasileira como “bem intencionadas”, porém seu único objetivo era o de promover uma “guerra [...] contra as missões católicas”. Por fim, observou que a palavra “catequese”, que era utilizada para as missões religiosas entre os indígenas, passou a ser utilizada para definir a proposta secular, sem diferenciá-las.14 14 Ibid., p. 4. (tradução nossa). Ou seja, foi apropriada pelo SPI e pelo Estado para definir a política indigenista. Segundo Montero (2017MONTERO, P. A catequese secular de Rondon. In: KURY, L.; SÁ, M.R. Rondon inventários do Brasil 1900-1930. Rio de Janeiro: Andrea Jakobson Estúdio, 2017, p.196-223. , p. 219, grifo da autora), “o conceito de serviço de catequese foi utilizado por todas as correntes de pensamento para significar a promoção de uma pedagogia civilizatória para os índios”.

Para Aversa, a proposta de catequese laica estava sendo testada no Maranhão, servindo de experimento; posteriormente, seria difundida em todo o país. Seus ideólogos eram os maçons, que debateram e aprovaram seus métodos no Congresso Nacional da Maçonaria, que ocorreu em julho de 1909, quando solicitaram a intervenção do governo nas políticas indigenistas a fim de extinguir os “funestos resultados” da catequese religiosa. A loja Independência, de Campinas, em correspondência ao ministro, defendia o fim dos “abusos da catequese religiosa”, pois o “estado é laico e laico deve ser em todos os aspectos, sendo inadmissível que os poderes públicos contratassem serviços de instituições de caráter religioso”. Os maçons da loja 7 de Setembro, de São Paulo, propuseram a extinção da catequese religiosa, para evitar que os indígenas fossem conduzidos da “ignorância à escravidão do fanatismo religioso”. De acordo com Aversa, o ministro do MAIC, Rodolfo Nogueira da Rocha Miranda, e seu sucessor, Pedro Manuel de Toledo (1910-1913), seriam grão-mestres da maçonaria e estariam empenhados em implantar a proposta maçônica e positivista. Para “aperfeiçoá-la” e expandi-la, Toledo teria enviado um projeto de lei que tratava da catequese das populações indígenas e convidado o coronel Cândido Mariano da Silva Rondon para “fomentar e dirigir” a catequese laica e extinguir as missões religiosas e o “proselitismo religioso”, por contrariarem a legislação e o Estado laico.15 15 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).

Ao buscar mais subsídios e ao estudar o projeto de lei sobre a tutela das populações indígenas, que havia sido enviado em 18 de setembro de 1912 à Câmara dos Deputados pelo presidente Hermes da Fonseca, e que estava sendo discutido na Comissão de Constituição e Justiça, o núncio constatou que o projeto era “motivo de preocupação”. A mensagem de Hermes da Fonseca, dirigida ao Congresso Nacional ao encaminhar o projeto de lei, foi enviada na íntegra a Merry Del Val, sendo acrescida de um extenso parecer no qual concluía que o projeto era anticlerical, secularizante, maçônico e contrário aos interesses da Igreja Católica e às missões religiosas. Na fala, o presidente defendia a necessidade de se promulgar uma lei que regulasse a situação dos indígenas perante o direito pátrio, sendo um complemento lógico e indispensável ao SPI, com o objetivo de integrar os índios como cidadãos contribuintes à formação da nacionalidade e protegê-los das “injustiças e humilhações” de que eram vítimas. Na fala, Hermes criticou o abandono dos indígenas pelo regime imperial, cabendo à República retomar a questão e resolvê-la. Quanto à fala presidencial, relatou que não houve menção às missões indígenas e que o nome de Deus não fora pronunciado, reforçando sua suspeita de que se tratava de uma proposta do Estado secular, agnóstico, controlado pela maçonaria e contrário à Igreja Católica para extinguir a catequese religiosa.16 16 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17 Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 13 jun. 1913; Diário Official - Estados Unidos do Brasil, ano LI, n, 230, p. 12677-12688, 26 set. 1912. (tradução nossa).

Merry Del Val concordou com Aversa e manifestou sua apreensão pelo caráter secular, maçônico e contrário à Igreja Católica. Diante disso, recomendou que o núncio continuasse a acompanhar os desdobramentos da situação.17 17 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 12 abr. 1913. Nesse contexto de tensões, e diante das “intenções do governo”, o secretário de Estado ponderou que a Santa Sé deveria intervir de modo oportuno para favorecer os indígenas e as missões salesianas.18 18 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17 Fascicolo 1. Carta de Raffaele Merry Del Val para Giuseppe Aversa, 13 jun. 1913. (tradução nossa). Merry Del Val também solicitou que Aversa fosse diligente junto ao episcopado, ao governo e aos políticos católicos, para que influíssem nas escolhas dos ministérios, a fim de que fossem indicadas pessoas “favoráveis à Igreja e aos seus trabalhos de religião e civilização”. Outros pontos de interesse foram a permanência ou não da catequese religiosa e das subvenções do Estado às missões. Por fim, aconselhou que Aversa agisse com cautela e diplomacia e que resguardasse das críticas e acusações o padre Malan, os salesianos e suas colônias indígenas.19 19 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Raffaele Merry Del Val para Giuseppe Aversa, 19 nov. 1913 e 24 out. 1913. (tradução nossa).

Diante desse cenário, Aversa defendia a necessidade de organizar uma ofensiva para mudar o projeto de lei, a fim de garantir a catequese religiosa e as subvenções governamentais, e para excluir os maçons do SPI e do MAIC.20 20 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Brasile 1, dal 678/1910 al 503/1921. Cuyabá e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, 16 abr. 1914, p. 10; A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 24 out. 1913. Para que sua atuação passasse despercebida pelas autoridades e não criasse incidentes diplomáticos, sua estratégia foi agir com “cautela” e “prudência”, ou seja, “em silêncio”, mas sem perder as oportunidades ou circunstâncias para “bater no prego”. Seu objetivo era conquistar aliados e mobilizá-los para que defendessem as prerrogativas da Igreja Católica. A atuação do ministro Pedro Manuel de Toledo estava sendo criticada pelo senador Pinheiro Machado, que o acusava de ser ineficiente e não agir de acordo com o cargo que ocupava. Diante disso, Aversa se aproximou do senador para buscar seu apoio à defesa da presença da Igreja Católica junto aos indígenas, quando ouviu críticas severas ao desempenho do ministro.21 21 Idem. Ao conversar com o embaixador dos Estados Unidos e com um ministro inglês, teria dito inúmeras “verdades sobre o Brasil” e criticado os jornais ingleses e americanos, que não estariam realizando um bom trabalho ao elogiarem a política indigenista do governo e as instituições brasileiras, pois considerava que a catequese laica dispendia grandes recursos financeiros, porém sem resultados práticos.22 22 A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912; A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912. (tradução nossa).

Enfim, repito o que disse no meu último relatório sobre o esse assunto: tudo depende do Ministério da Agricultura. Certamente, é ótimo corrigir os graves defeitos da lei e retirar dos maçons e anticlericais do Ministério da Agricultura e do Serviço de Proteção dos Índios uma arma perigosa, que poderia infligir muitos danos às missões católicas. É uma vantagem negativa, pois a positiva consistirá em expulsar a maçonaria do Ministério da Agricultura. E para isso devemos concentrar, com cautela e prudência - já que não é fácil - todos os nossos esforços. É por isso que eu trabalho em silêncio e sem me permitir escapar de qualquer oportunidade de bater o martelo. Eu já posso dizer a Vossa Eminência que a posição do ministro Pedro Manuel de Toledo está bastante abalada. O próprio senador Pinheiro Machado sabe algumas coisas sobre o ministro da Agricultura, pouco honrosas para um membro do governo e a uma pessoa que se preze. [...] O senador fez declarações muito duras ao ministro e com o trabalho dele.23 23 Idem. (tradução nossa).

A participação de maçons e positivistas no governo foi vista como funesta e tenebrosa, por excluir a participação da Igreja Católica. Aversa acompanhava as discussões, os debates, as alterações propostas pela comissão, que era presidida pelo deputado Afrânio de Mello Franco. Ele não demonstrava “entusiasmo” com o SPI e duvidava do “êxito” dos seus resultados, pois estava “começando a funcionar”. As alterações no projeto de lei foram consideradas positivas, pois foram favoráveis à Igreja Católica. O artigo 6º foi alterado e tirou poderes e atribuições dos inspetores, pois antes da reforma eles seriam tutores e procuradores dos indígenas. A modificação foi comemorada, pois o SPI teve sua “licença de onipotência” cerceada. No artigo 48, título V, capítulo II, permitiu-se a catequese religiosa, porém sem subsídios oficiais, de acordo com os termos da Constituição (artigo 72, parágrafo 7º). No entendimento do núncio, as discussões em torno do projeto de lei seriam finalizadas após as eleições de 1914 para a presidência da República, cuja expectativa era de que fosse eleito Venceslau Brás e que fosse indicado para o MAIC um católico. Aversa informou também sobre a crise financeira que o Brasil atravessava e o déficit nas contas públicas, que iriam afetar o orçamento e comprometer a atuação do SPI. Esse aspecto foi considerado favorável aos interesses institucionais.24 24 Idem. (tradução nossa).

Na luta entre o bem e o mal, Rondon seria a expressão do mal, ou seja, da secularização do Estado, do positivismo, da maçonaria e, portanto, um inimigo da Igreja Católica, dos salesianos e das missões católicas. Para Aversa, a admiração e o prestígio que Rondon possuía na sociedade e no Estado, em razão da sua participação ou elaboração de projetos nacionais, tornavam-no ainda mais ameaçador e diabólico. O principal inimigo de Rondon e do SPI seria o padre salesiano Antônio Malan, inspetor da missão salesiana em Mato Grosso. No jogo de imagens construídas pelo núncio, Malan seria uma vítima e um “verdadeiro apóstolo que trabalhava movido pelo amor”:

Todos reconhecem a obra verdadeiramente louvável dos salesianos do Estado do Mato Grosso e a inconfundível direção do padre Malan, recentemente nomeado membro honorário da Academia de História Internacional de Paris, para acompanhar os estudos do excelente salesiano sobre os indígenas Bororos, uma das tribos mais ferozes que os missionários souberam apaziguar e conduzir à vida civilizada.25 25 A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912. (tradução nossa).

Nessa luta, a Igreja Católica representava o bem e a Deus, debatendo-se contra o mal e o Diabo, representados pelo positivismo, o laicismo, a República e a maçonaria, que haviam sidos condenados por vários papas como erros modernos e que precisavam ser derrotados.

As polarizações entre Antônio Malan e o marechal Cândido Mariano da Silva Rondon

A imprensa brasileira debatia amplamente sobre o SPI, a catequese laica e religiosa e, sobretudo, a ineficiência das missões salesianas em Mato Grosso, levando ao grande público os embates sobre a tutela indígena e as disputas entre a Igreja Católica, o Estado e o SPI, tendo como centro das atenções o marechal Cândido Rondon e o padre Antônio Malan. Nesse contexto, houve mudanças nos posicionamentos em relação às missões salesianas e ao padre Malan, superior da missão em Mato Grosso. A imprensa elogiava Malan e as missões salesianas e as considerava uma “obra benemérita”, pela eficácia dos métodos civilizatórios e catequéticos.26 26 BNDigital (Biblioteca Nacional Digital - Hemeroteca Digital), O EVANGELHO nas selvas: a missão salesiana de Matto Grosso - uma obra benemerita. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, ano X, n. 3226, 17 maio 1910, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_02/1255. Acesso em: 11 mar. 2016.

Esses posicionamentos favoráveis mudaram em 1912, quando foram publicadas reportagens no jornal A Notícia, de Cuiabá, nas quais foi criticada a subvenção federal de 50:000$000 (cinquenta contos de réis) para as missões salesianas. Além disso, as matérias denunciavam inúmeras irregularidades, como desvios de recursos públicos e maus-tratos dos indígenas. De acordo com Aversa, a reportagem desencadeou um debate em nível nacional, sobretudo pelos jornais do Rio de Janeiro, que passaram a publicar “successivos artigos, em que inverdades, falsificações, calunnias foram encampadas por funccionarios do Serviço de Protecção aos Indios, preoccupados na mesquinha tarefa de desmoralizar uma obra” civilizadora que contava com 18 anos de “benemerencias aos aborigenes de Matto Grosso”. De acordo com Malan, os artigos eram “anonymos uns, assignados outros”, sendo as acusações refutadas no relatório de prestação de contas desses recursos. Prova disso seria que os salesianos continuavam a receber subvenções do governo estadual.27 27 A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Antônio Malan para Giuseppe Aversa, 18 abr. 1912. (tradução nossa).

Posteriormente, os jornais publicaram os telegramas de Rondon ao ministro do MAIC, nos quais tecia inúmeras críticas aos salesianos e aos seus métodos catequéticos, qualificando-os como “escravidão disfarçada”. Aversa, ao contextualizar os fatos a Merry Del Val, enfatizou que Rondon realizou uma inspeção nas missões salesianas de Mato Grosso, no ano de 1911, quando registrou nos cadernos de visitas apenas boas impressões e elogios, e que, para surpresa de todos, teria mudado de opinião ou teria sido ardiloso e falso. Nos telegramas, Rondon denunciava a má qualidade das moradias dos indígenas (faltavam móveis e utensílios domésticos), a inexistência de plantações nas colônias, a insuficiência no fornecimento e asseio das roupas, a falta de higiene e salubridade, a proliferação de doencas e que estas não seriam tratadas, os resultados pouco eficazes na civilização e profissionalização, os maus-tratos, a obrigatoriedade dos indígenas de participar das cerimônias religiosas, o assassinato de dois indígenas etc.28 28 A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912 e 24 nov. 1912. (tradução nossa).

Diante disso, a maioria dos jornais passou a defender a ilegalidade das subvenções públicas à Igreja Católica e às missões religiosas, por considerá-las inconstitucionais e antirrepublicanas. O apelo era para a pureza do regime republicano e pelo ideal de culto à moral; ainda, as verbas destinadas aos salesianos não se justificavam após a criação do SPI. O sentimento de “revolta” e “indignação” era agravado pelo fato de a catequese salesiana ser ineficaz e atuar apenas entre indígenas pacificados e mansos, enquanto o SPI atuava entre os ferozes. Outras denúncias eram sobre os desvios das verbas públicas federais e estaduais, as más condições de vida e maus-tratos dos indígenas e sobre dois padres que atuavam na missão Palmeiras, que teriam atirado em dois indígenas por estarem pescando.29 29 BNDigital, UMA MYSTIFICAÇÃO - Um documento eloquente - Destino dos dinheiros públicos, ilegalmente concedidos aos salesianos, sob o pretexto de catechese - como se exploram os indios - Padres fazem fogo, em vez de caridade. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 10245, 24 out. 1912, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_04/14306. Acesso em: 17 ago. 1916. Segundo Aversa, os salesianos, para se defenderem, prestaram queixa na polícia, sendo inocentados, sem que isso fosse divulgado pela imprensa em nível nacional.30 30 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).

Na sequência, inúmeras reportagens foram publicadas por diferentes jornais criticando Malan e os salesianos. As polêmicas repercutiram no meio político e na opinião pública, abalando as relações entre a Igreja e o Estado. Aversa procurou intervir no rumo dos acontecimentos organizando uma ofensiva para defender a catequese religiosa, as missões salesianas e a participação da Igreja Católica junto aos indígenas. A imprensa católica passou a defender, de forma sistemática, os salesianos, o padre Malan e a catequese laica e a combater o positivismo, a maçonaria e a laicidade do Estado. Os ataques também se dirigiam ao SPI e, sobretudo, a Rondon, questionando seu desempenho como diretor do SPI e as suas contradições. Deputados católicos proferiram discursos defendendo o padre Malan, e as imprensas católicas de Cuiabá e de Petrópolis contestavam os argumentos de Rondon, desqualificando-os como sendo apenas “insinuações e suspeitas”, sem comprovação. Lacerda de Almeida, presidente do Centro Catholico do Brazil, em reportagem publicada em inúmeros jornais, criticou Rondon pelo seu “ódio contra a religião católica” e pelo projeto de descristianizar o país, motivados pelo seu programa político maçom.31 31 A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912; A.A.V., Indici 1153A, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912.

Diante dessa ofensiva, vários jornais passaram a defender Rondon e a criticar os salesianos e o padre Malan. O periódico O Paiz, por exemplo, criticou a “imprensa extremamente partidária e certos defensores oficiosos” dos salesianos que procuravam desabonar a pessoa de Rondon, sua atuação como diretor do SPI e suas posições ideológicas. Diante disso, os articulistas defendiam a publicação de reportagens para revigorar a confiança pública em Rondon como diretor do SPI e como patriota.32 32 BNDigital, SERVIÇO de protecção aos indios. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 10257, 5 nov. 1912, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_04/14486. Acesso em: 17 ago. 2016. Rondon, por sua vez, voltou a se pronunciar acerca das declarações sobre as colônias salesianas num ofício, em que reafirmava suas convicções políticas, defendia o SPI e combatia as críticas à sua pessoa privada e pública.33 33 BNDigital, PELOS INDIOS. O coronel Rondon e a missão salesiana de Matto Grosso. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, ano. XII, n. 5027, 5 nov. 1912, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_02/11689. Acesso em: 11 mar. 2016.

Perante esse cenário, Aversa reuniu-se com o ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller, a fim de salvaguardar a presença da Igreja Católica junto às populações indígenas, as missões salesianas e o financiamento público da catequese religiosa. Aversa alegou que as missões católicas seriam mais eficientes que o SPI, que consumia muitos recursos e que tinha poucos resultados e era anticlerical. Ao revelar suas estratégias a Merry Del Val, Aversa afirmou que, nas relações com as autoridades brasileiras, agia com precaução, para não criar incidentes diplomáticos, e que as negociações iam “muito devagar, porque havia muitas pessoas e interesses envolvidos, que nem sempre eram os dos índios”. Apesar disso, considerou positivo o fato de o ministro ter concordado sobre a ineficácia do SPI e sobre a “necessidade de apoiar financeiramente as missões católicas”.34 34 Segreteria di Stato (SS), Sezione per i Rapporti con gli Stati (S.RR.SS.), Archivio Storico (AS), Congregazione degli Affari Ecclesiastici Straordinari (AA.EE.SS.), Brasile III, Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 5. Carta de Raffaele Merry Del Val para Giuseppe Aversa, 26 set. 1912; Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912. (tradução nossa).

Aversa acreditava que a “grande publicidade nos jornais da capital” se devia à ação orquestrada por Rondon, pelo MAIC e pelo “ministro maçom” que o dirigia, com o objetivo de promover a “descristianização do Brasil”.35 35 A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912; 2 set. 1912, 16 nov. 1912 e 24 nov. 1912. (tradução nossa). As acusações contra Malan e as colônias salesianas foram consideradas “infames e ignominiosas” e motivadas pelo fato de Rondon ser um “desequilibrado e fanático”, que caluniava por estar iludido quanto à superioridade da catequese laica.36 36 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17 Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 10 fev. 1913 (tradução nossa). Por essas razões, Rondon e Toledo seriam inimigos da Igreja Católica, por incitarem o ódio ao catolicismo e por desabonarem o padre Malan e as missões salesianas. Para o núncio, Rondon agia de forma contraditória ou com má fé, ao desabonar a catequese religiosa e ao difamar o trabalho dos salesianos que sempre elogiou:

O infalível Coronel Rondon, esquecendo os elogios do ano passado, publicou uma longa carta, amplamente divulgada nos jornais, dirigida ao Ministro da Agricultura - outro maçom -, em que critica a maneira indigna e dura de tratar [os indígenas], privando-os da sua liberdade, e forçando a participar das cerimônias religiosas e até o grande delito de assistir às missas, coisas que os indígenas não entendiam.37 37 A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912. (tradução nossa); A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912. (tradução nossa).

Em meio às tensões, Malan viajou para o Rio de Janeiro, para embarcar rumo à Europa. Aversa procurou intervir para que não se pronunciasse à imprensa, mas seu recado não foi entregue a tempo. Malan, desejando esclarecer os fatos e defender as missões salesianas, concedeu a entrevista para o jornal Correio da Manhã, que foi publicada no dia 12 de abril de 1913. As declarações repercutiram no governo, no Congresso Nacional e na sociedade brasileira, acirrando as tensões entre a Igreja Católica e o Estado. De acordo com Aversa, a entrevista desencadeou uma nova “guerra” contra Malan e as missões salesianas:

Na ausência do coronel Rondon, foi o senhor Manoel Miranda, que iniciou nos jornais uma série de ataques pessoais contra o padre Malan e outros salesianos, acusando-os de falsidade, de covardia, de guerra contra os bispos e citando alguns episódios que ocorreram entre os salesianos e o arcebispo de Cuiabá. Quando o padre Malan chegou a mim, já era tarde demais. Disse-lhe que não respondesse aos ataques de Miranda, sendo inútil qualquer controvérsia. Enquanto isso, solicitei ao Ministro das Relações Exteriores que interrompesse o escândalo.38 38 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913, p. 12.

A versão dos fatos apresentados por Malan foi contestada por Manoel Miranda, que afirmou estar “admirado” pelo religioso “faltar à verdade assim publicamente” e acreditar que ele não teria dito aquilo, sendo “um engano da reportagem”, a qual teria se apropriado de forma equivocada das falas do padre. Manoel Miranda o interpelou a assumir publicamente o que havia falado ou renegar as acusações e atribuí-las à má interpretação do repórter.39 39 BNDigital, A CATEQUESE no Brasil - uma entrevista do padre Malan! Uma carta. A Noite, Rio de Janeiro, ano III, n. 543, 12 abr. 1913, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/348970_01/2464. Acesso em: 17 ago. 1916. Afirmando desejar “restabelecer a verdade dos factos”, Miranda concedeu entrevistas à imprensa e anunciou que publicaria uma “série de artigos”, com que haveria “de fazer a destruição de todas as [...] falsidades e insídias” da entrevista concedida ao jornal Correio da Manhã, da obra Missões Salesianas e do seu “mystificador apostolado”. Ele afirmou: “a sua ausência [não me] impedirá de cumprir a minha promessa publica, uma vez que escrevo para sciencia do Governo e do publico”.40 40 BNDigital, AS FALSIDADES e insidias do padre Antônio Malan. A Noite, Rio de Janeiro, ano III, n. 564, 7 maio 1913, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/348970_01/2557. Acesso em: 17 ago. 1916. Para comprovar seus argumentos, trouxe ao conhecimento da sociedade um incidente de 1903, que envolveu o arcebispo de Cuiabá, D. Carlos Luiz D’Amour, os salesianos e o núncio apostólico Giulio Tonti, que levou à suspensão de todos os salesianos que atuavam na cidade de Cuiabá. O objetivo de Miranda era desqualificar Malan, difundindo a imagem de “falso apostolo”, que negava as virtudes e as hierarquias eclesiásticas.41 41 BNDigital, MIRANDA, Manoel. As falsidades e insidias do padre salesiano Antônio Malan. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 10472, 9 jun. 1913, p. 4. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_04/17269. Acesso em: 17 ago. 1916.

De acordo com Aversa, as reportagens de Manoel Miranda desencadearam novas ofensivas, passando das “calúnias” a “nova guerra”, a fim de favorecer o SPI, desautorizar os salesianos e excluir a participação da Igreja Católica entre os indígenas:

A guerra foi retomada, furiosa e terrível. Na ausência do coronel Rondon, foi o senhor Manoel Miranda que começou a publicar nos jornais uma série de ataques pessoais contra o padre Malan e outros Salesianos, acusando-os de mentira, de covardia, de guerra contra o bispo, e citou vários episódios ocorridos entre os Salesianos e o arcebispo de Cuiabá. Quando o padre Malan conversou comigo já era tarde demais. Eu o orientei a não responder mais aos ataques de Miranda, pois era inútil qualquer polêmica. A polêmica se arrastou na imprensa por vários dias.42 42 Idem. (tradução nossa).

Nesse contexto, Rondon voltou a se pronunciar na imprensa, para esclarecer o conteúdo do telegrama, datado de 17 de julho de 1911, sobre os postulados positivistas, para defender a catequese laica e para reafirmar suas ressalvas em relação aos métodos catequéticos dos padres.43 43 BNDigital, PELOS INDIOS. O coronel Rondon e a missão salesiana de Matto Grosso. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, ano. XII, n. 5027, 5 nov. 1912, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_02/11689. Acesso em: 11 mar. 2016.

Aversa, por sua vez, articulou novas estratégias diplomáticas a fim de intervir no rumo dos acontecimentos, chegando a organizar, no arquivo da nunciatura apostólica, uma pasta denominada P. Malan e Coronel Rondon - defesa, onde reuniu os documentos e suas estratégias para combater a ofensiva maçônica. Entre as reportagens que publicou estavam Colaboração - Rondon versus Rondon e sete artigos sobre o SPI, além de outras intituladas Catequese - proteção aos índios.44 44 A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Antônio Malan para Giuseppe Aversa, 10 nov. 1912. Aversa se reuniu com o ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller, e com políticos católicos a fim de organizar uma contraofensiva. Ele pretendia publicar nos jornais do Rio de Janeiro várias reportagens com “protestos enérgicos” contra Rondon, o SPI, as políticas indigenistas e que defendessem as missões salesianas, o padre Antônio Malan e a Igreja Católica. Para isso, solicitou que Malan redigisse um texto em que refutasse todas as acusações, para que fosse publicado na imprensa e enviado para Lauro Müller.45 45 A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912. A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912. Na ofensiva, o salesiano Pedro Massa reuniu-se com o deputado José Bonifácio de Andrade, de Minas Gerais (amigo do padre Malan), e com Afrânio Mello Franco, redator do projeto de lei, a fim de obter informações, expressar as opiniões da hierarquia eclesiástica e para buscar apoio e proteção. Massa pretendia publicar no Jornal do Commercio, na sessão “A pedido”, que seria lida pelos “políticos”, uma nota em defesa das colônias salesianas e da Igreja Católica.46 46 A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Pedro Massa para Giuseppe Aversa, 6 nov. 1913.

Aversa, na reunião com Lauro Müller, foi incisivo ao afirmar que as reportagens foram patrocinadas pelo “Ministério da Agricultura” e ao manifestar a sua indignação contra o que considerava “ingratidão” à obra civilizadora e missionária dos salesianos. Reivindicou que o ministro interviesse junto aos proprietários dos jornais, para que cessasse a campanha difamatória, e pediu apoio para publicar uma “resposta”, em que Malan iria restabelecer a verdade dos fatos:

Não escondi do senhor ministro das Relações Exteriores o desgosto que me causou tal publicidade do ministro maçom, que parecia querer dar resposta à encíclica do papa sobre a condição indígena e sua defesa dos missionários católicos. Eu falei ao senhor Müller sobre o grande bem que o trabalho altamente civilizador e cristão dos salesianos entre as tribos indígenas do Mato Grosso: obra - eu disse - universalmente reconhecida também fora do Brasil e caluniada basicamente por um brasileiro. O governo paga por um serviço que não presta e nunca irá prestar, porque a catequese secular sempre será estéril e infrutífera.

O ministro também lamentou a carta de Rondon e a sua divulgação na imprensa. Disse que conhecia pessoalmente o padre Malan e que estava convencido de que as acusações não tinham fundamento.

Aproveitei a ocasião para comunicar o senhor ministro das Relações Exteriores que eu tinha escrito para o padre para escrever uma defesa contra as acusações [...]. E acrescentei de forma firme e contundente textualmente assim: ‘A tal defesa, quando chegar, vou remeter uma cópia a Vossa Excelência e quero que tenha a mesma publicidade que a carta do senhor Rondon’.

O Sr. Lauro Müller respondeu-me que eu estava absolutamente certo e prometeu publicá-la na íntegra, da mesma forma que foi feito com a carta do coronel Rondon.47 47 A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 6. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 24 nov. 1912. (tradução nossa).

As intervenções de Lauro Müller tiveram resultados temporários. Após viajar para os Estados Unidos, as críticas retornaram, quando Aversa apelou ao senador Antônio Francisco de Azeredo, para que a “indigna campanha cessasse”:

Pedi para o ministro das Relações Exteriores que interviesse. Por alguns dias os jornais pararam de publicar sobre o tema, mas eles começaram novamente quando Lauro Müller partiu para os Estados Unidos. Então apelei ao senador Azeredo e graças a Deus o ataque cessou. Os documentos publicados por Miranda eram sigilosos e não poderiam ter sido publicados sem a anuência do arcebispo de Cuiabá. Todos os documentos se referiam aos incidentes entre o bispo e os Salesianos, ocorridos no ano de 1903.48 48 Idem. (tradução nossa).

Segundo Aversa, os funcionários do SPI utilizavam “as artes mais baixas para acusar e até corromper alguns indígenas”, para que depusessem “contra os beneméritos religiosos. E eles conseguiram”. As consequências foram as “cartas venenosas que o Coronel Rondon e o ministro do MAIC, Pedro Manuel de Toledo, sem pensar duas vezes, publicaram na imprensa”. O núncio estava convicto de que as inúmeras reportagens publicadas, com críticas e denúncias aos salesianos e às missões religosas, teriam sido publicadas “a mando de Miranda”.49 49 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).

Aversa defendia que Rodolfo Nogueira da Rocha Miranda, os funcionários do SPI e o governo usavam “palavras vagas” para demonstrar os progressos conquistados pela catequese laica. Quando mencionavam a existência de “alguns progressos”, estariam se referindo àqueles dos salesianos e não aos do SPI, porém sem citá-los, a fim de omitir a sua ineficácia. Por essas razões, Aversa achava que o SPI não conseguiria competir com os salesianos em Mato Grosso e que sua atuação seria “muito difícil”, pois haveria comparações acerca dos resultados obtidos. Para exemplificar, citou a mensagem de Rondon ao governador Joaquim Augusto da Costa Marques e à Assembleia Legislativa, em que o coronel elogiava a atuação do SPI, instalado em 7 de setembro de 1911, e do diretor Umberto de Oliveira, que seria “um jovem inteligente e trabalhador”. Porém, as distâncias, as comunicações deficientes e a extensão territorial teriam impossibilitado a organização do serviço em Mato Grosso e a colheita dos “frutos” ficou para o “futuro”. Rondon justificava o fracasso pela falta de “informações detalhadas” sobre os seus serviços. O núncio conclui afirmando: “Em linguagem vulgar: zero vezes zero é zero. Quanto ao futuro: espere cavalo, deixe a grama crescer! É o que é dito pela autoridade mais competente e autorizada do Mato Grosso, o mesmo presidente do Estado”.50 50 Idem. (tradução nossa).

O governador de Mato Grosso, Costa Marques, foi mencionado por Aversa por tecer elogios ao avanço do progresso e do processo civilizatório, que foi atribuído à abnegação e aos méritos dos salesianos. Esses avanços poderiam ser comprovados pelo número de indígenas que viviam nas missões, pelas áreas cultivadas, pelas instituições de ensino, pelas turbinas geradoras de energia elétrica e pela inserção dos indígenas num sistema de produção agrícola e de comércio dos excedentes.51 51 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913 (Sub secreto S. Officii), 16 Aprile 1914, S.C.C. Cuyabà e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, p. 15-17. (tradução nossa). Apesar dos elogios do governador e de alguns deputados católicos, o núncio temia que a “guerra” contra as missões salesianas as extinguesse. De acordo com Aversa, as regras e leis eram “fabricadas nas forjas da maçonaria, que estava infiltrada no MAIC”, fornecendo “as armas nas mãos desses senhores”.52 52 Ibid., p. 17-18, 20-21. (tradução nossa).

A Santa Sé e a questão indígena no Brasil e na América Latina

Enquanto no Brasil acirravam-se as tensões em torno da tutela indígena, envolvendo a Igreja e o Estado, a catequese religiosa e laica e entre Malan e Rondon, ganharam repercussão internacional as denúncias de maus-tratos e escravização dos indígenas na região do rio Putumayo,53 53 Compreende a região do rio Putumayo, que tem cerca de 1.500 km e percorre o território da Colômbia (onde está localizada sua nascente), Equador, Peru e Brasil (onde é denominado rio Içá), desembocando no rio Amazonas. O território de Putumayo era disputado pelo Peru e pela Colômbia. área fronteiriça e litigiosa entre o Peru, Brasil, Equador e Colômbia. O jornalista Benjamín Sandaña Rocca percorreu a região onde atuava, desde dezembro de 1908, a empresa de extração de borracha Peruvian Amazon Rubber Company54 54 Em 1903, foi criada a empresa J.C. Arana e Hermanos, conhecida como Casa Arana, que tinha uma sucursal em Manaus, no Brasil, e escritórios nas cidades de Londres e Nova York. Em 1907, a empresa se converteu na Peruvian Amazon Rubber Company, com a participação de capitais britânicos e com sede em Londres, escritório em Iquitos e sucursal em Manaus. Arana permaneceu como gerente, sendo assessorado por quatro diretores ingleses. e recolheu depoimentos de pessoas que trabalharam nos seringais e de inúmeras vítimas de tortura, assassinato, escravidão, extermínio etc. As denúncias de Rocca foram noticiadas, em 1907, nos jornais no Peru e no Brasil.

Novas denúncias foram feitas também pelo engenheiro norte-americano Walter Ernest Hardemburg (1912HARDEMBURG, W.E. The Putumayo, the devil's paradise: travels in the Peruvian Amazon region and an account of the atrocities committed upon the indians therein. London: T. Fisher Unwin, 1912.), que tinha viajado à região de Putumayo em 1907, onde permaneceu por um ano e meio. Ele denunciou o assassinato de 40 mil indígenas, vítimas de escravidão, torturas e outros crimes. Em 1909, os crimes praticados pela companhia inglesa e peruana foram denunciados no jornal escocês The Herald e na revista londrina Truth, cuja manchete era “The Devil’s Paradise” (“O paraíso do diabo”). As acusações, ao exporem o colonialismo europeu na América, sobretudo o britânico, ganharam ampla repercussão na imprensa internacional, sendo consideradas escandalosas, vergonhosas e inadmissíveis. A participação de acionistas e diretores ingleses na empresa Peruvian Amazon Rubber Company fez com o governo britânico investigasse as denúncias, punisse os responsáveis e pressionasse os governos latino-americanos a estabelecerem políticas de proteção aos indígenas. A Câmara dos Comuns solicitou informações ao cônsul inglês em Iquitos, no Peru, e enviou o cônsul Roger David Casement, que atuava em Belém, a Putumayo para averiguar as denúncias e sugerir que providências deveriam ser tomadas. Tanto o cônsul britânico de Iquitos como Casement revelaram que a empresa empregava cerca de 35 mil barbadianos, que eram súditos da Coroa Britânica e que estavam envolvidos nos abusos e crimes. Essa denúncia aumentou as exigências para que os responsáveis fossem punidos e para que fossem extirpadas as atrocidades e os crimes cometidos em Putumayo. Por fim, responsabilizou os governos do Peru, da Colômbia, da Bolívia e do Brasil. Em 6 de novembro de 1912, a Câmara dos Comuns instalou uma comissão para apurar as responsabilidades dos diretores britânicos, o que resultou no encerramento das atividades da empresa.

A Santa Sé também investigou as denúncias ao enviar Giovanni Genocchi, como delegado apostólico, à Argentina, ao Chile, ao Panamá, a Barbados, ao Brasil e ao Peru, onde iria visitar a região de Putumayo. O objetivo era conhecer as condições dos indígenas e propor à Santa Sé reformas e intervenções. O visitador apostólico, ao percorrer o território brasileiro, informou à Santa Sé e à Aversa que os crimes praticados contra os indígenas no Brasil eram tão cruéis quanto os de Putumayo.55 55 SS, S.RR.SS., AS, AA.EE.SS., Brasile III, Anno 1913-1916, Pos. 718-726, Fascicolo 144. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 1º dez. 1913. (tradução nossa). O bispo do Amazonas também teria denunciado, em 11 de abril de 1909, a situação de exploração e de miséria “dos pobres índios, vítimas de gananciosos comerciantes e especuladores, que atuavam com a anuência das autoridades civis”.56 56 A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 5. Carta de Raffaele Merry Del Val para Giuseppe Aversa, 9 out. 1912. (tradução nossa). Sobre o Território do Acre, Genocchi defendeu a criação de novas circunscrições eclesiásticas devido à grande extensão territorial da diocese do Amazonas, às distâncias geográficas, às dificuldades nas comunicações, à presença do SPI e à escassez de padres.

Esta região contém o maior número de índios brasileiros e sua condição está em algumas partes muito vergonhosa, como Vossa Excelência já tinha conhecimento. Por exemplo: o Acre, região vasta, fronteiriça com a Bolívia e o Peru, faz parte da Diocese do Amazonas. O bispo reconhece que é impossível administrá-la. No ano passado eu levei ao conhecimento de Vossa Excelência uma carta em que ele se propunha criar missões ou prefeituras apostólicas, não sendo apropriado criar uma diocese, porque habitam a região pessoas que extraíam o caucho e muitos índios pobres. Não há sacerdotes, com exceção de alguns indignos que comercializam os sacramentos. O ‘Serviço de Proteção aos Índios’, apoiado pelo governo e especialmente pela maçonaria, contribuía para isso. Quase em todos os lugares onde se instalam, com recursos do governo, destroem as obras missionárias, difundem a incredulidade e o desprezo à religião.57 57 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giovanni Genocchi para Girolamo Maria Gotti, 25 jan. 1913. (tradução nossa).

Segundo Genocchi, o Acre merecia atenção especial devido à extração da borracha e por estar privado de missionários, pois era atendido por um único padre “muito indigno”, que se “dedicava a ganhar dinheiro e outras coisas piores”.58 58 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giovanni Genocchi para Pio X, 2 fev. 1913. (tradução mossa). Por essas razões, apresentava os mesmos problemas que Putumayo:

[...] o Território do Acre [está], completamente desprovido de padres e com muitas pessoas envolvidas na extração da borracha, sendo tão perigoso como Putumayo. Eu tenho documentos que irei mostrar ao núncio apostólico. Acredito que ele concordará com a urgência de começar a intervir por essa região.59 59 Idem.

Diante da confirmação das denúncias, o papa Pio X reagiu, com a publicação, em 7 de junho de 1912, da encíclica Lacrimabili Statu Indorum, dirigida ao episcopado latino-americano, na qual denunciava as condições em que se encontravam os indígenas na América do Sul, condenava as violações dos seus direitos e defendia a preservação da sua dignidade (PIO X, 1912PIO X, -. Lacrimabili Statu Indorum (1912). Disponível em: Disponível em: https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_07061912_lacrimabili-statu.html . Acesso em: 19 nov. 2015.
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). O papa afirmou que estava horrorizado “e sentiu na alma uma profunda comiseração por essa raça infeliz”, considerando as práticas criminosas, bárbaras, cruéis, desumanas, pagãs e atrozes, entre elas a escravidão, tida como a pior das “indignidades”, que ainda não estava suprimida. Segundo Pio X, “se algo foi feito em benefício dos índios, ainda há muito mais por fazer. Quando refletirmos sobre os crimes e atrocidades que ainda se permitem contra eles, sentimos um horror profundo e nos compadecemos desde o mais íntimo por gente tão infeliz” (PIO X, 1912PIO X, -. Lacrimabili Statu Indorum (1912). Disponível em: Disponível em: https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_07061912_lacrimabili-statu.html . Acesso em: 19 nov. 2015.
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).

A encíclica retomava as condenações da escravização de indígenas, reiterando os termos dos posicionamentos dos papas Paulo III, de 1537, e Urbano VIII, de 1639, e da encíclica Immensa Pastorum, de Bento XIV, de 20 de dezembro de 1741, que ordenavam a proteção dos indígenas e estipulavam que os infratores fossem punidos com anátemas, penas canônicas e censuras. Seria condenado com a excomunhão aquele que escravizasse, prendesse, vendesse, comprasse, trocasse, emprestasse, desse de presente, separasse de sua mulher e filhos, cerceasse a liberdade, transferisse para outros lugares, detivesse no cativeiro e matasse e aquele que, por qualquer pretexto, auxiliasse os agentes dessas iniquidades. Pio X defendia que os indígenas deveriam ser protegidos, civilizados, integrados à sociedade e cristianizados e exortava que os bispos, padres, autoridades, católicos e os governos latino-americanos reprimissem essas práticas, protegessem os indígenas e os cristianizassem (PIO X, 1912PIO X, -. Lacrimabili Statu Indorum (1912). Disponível em: Disponível em: https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_07061912_lacrimabili-statu.html . Acesso em: 19 nov. 2015.
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).

O papa reconhecia os esforços das autoridades latino-americanas, porém os considerava insuficientes por não chegarem às regiões mais remotas, onde a fiscalização e as punições não eram efetivas, seja pela inércia ou corrupção. Como solução, propôs uma atuação conjunta e complementar entre a Igreja Católica e o Estado, cabendo aos governos investir recursos financeiros nas missões religiosas, nas instituições católicas e no incremento à instalação de ordens e congregações religiosas europeias. Era exigido também que os governos e as autoridades reforçassem a vigilância e o controle sobre os territórios onde havia indígenas, que criassem uma legislação para protegê-los e que punissem os que cometiam crimes, assim como os funcionários públicos que se omitiam.60 60 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 6, Delegación Apostolica. Carta de Angelo G. Scapardini para Merry Del Val, 10 nov. 1912. Em suma, o papel do Estado era apoiar a presença da Igreja Católica, financiar as atividades missionárias e garantir sua primazia, combatendo a presença das religiões protestantes. O episcopado latino-americano foi admoestado a atuar com zelo, a não se omitir e a incrementar as instituições católicas nessas regiões, tais como fundar missões católicas e obras assistenciais, criar dioceses e prelazias, mobilizar os católicos para doarem recursos e promover campanhas para disseminar a concepção de que “todos os homens são irmãos, sem diversidade de nação e cor”. Por fim, o papa afirmava que não iria “tolerar mais essa situação nos países católicos” (PIO X, 1912PIO X, -. Lacrimabili Statu Indorum (1912). Disponível em: Disponível em: https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_07061912_lacrimabili-statu.html . Acesso em: 19 nov. 2015.
https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/...
). Os representantes pontifícios que atuavam na América foram orientados a pressionar os governos para que estabelecessem políticas de proteção às populações indígenas e fomentassem, inclusive financeiramente, a presença da Igreja Católica em detrimento das missões protestantes que estavam sendo organizadas pelo Parlamento britânico.61 61 A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 2 set. 1912. O episcopado, por sua vez, foi admoestado por Pio X para que estabelecesse alianças com o Estado e criasse novas circunscrições eclesiásticas nas regiões onde tinham maior concentração de populações indígenas (PIO X, 1912PIO X, -. Lacrimabili Statu Indorum (1912). Disponível em: Disponível em: https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_07061912_lacrimabili-statu.html . Acesso em: 19 nov. 2015.
https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/...
).

As repercuções na imprensa brasileira acerca das denúncias e crimes de Putumayo foram repassadas pelo núncio Giuseppe Aversa ao secretário de Estado, Raffaele Merry Del Val. Ele informou que o Jornal do Comércio teria sido o primeiro jornal a romper o silêncio ao publicar uma pequena nota sobre o tema.62 62 Idem. A imprensa brasileira considerou que as denúncias eram “exageradas” e que estavam relacionadas apenas à Colômbia, à Bolívia e ao Peru.63 63 BNDigital, AO DELEGADO do seu Ministério no Acre dirigio o sr. ministro da agricultura o seguinte aviso: Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 84, n. 188, 7 jul. 1910, p. 4. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_10/1412. Acesso em: 11 mar. 2016. Aversa informou também que os jornais ingleses e alemães, assim como o The New York Times, tinham publicado reportagens elogiosas às políticas indigenistas do Brasil e enobrecido seus métodos humanitários de proteção e de civilização. O jornal A notícia, por exemplo, publicou que o delegado Joseph F. Woodroffe, da Anti-Slavery and Aborigines Protection (Sociedade de Proteção dos Aborígenes), fazia “grandes elogios ao espírito humanitário” dos brasileiros, devido ao emprego de “meios enérgicos e esforços inteligentes para protegê-los e civilizá-los”.64 64 BNDigital, UMA VOZ que surge em defesa do Brasil. Relatorio da ‘anti-slavery and aborígines protection’ e as declarações de Woodroffe. A Noticia, Rio de Janeiro, ano XX, n. 280, 25-26 nov. 1913, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/830380/20806. Acesso em: 11 mar. 2016.

Para Aversa, as denúncias incluíam o Brasil, porém a existência do SPI e da legislação indigenista fazia com que a imprensa brasileira e internacional excluísse o país do caso e passasse a elogiá-lo, sendo um exemplo para os demais. Segundo o núncio, as reportagens teriam seriam pagas “a preço de ouro” ou se justificavam pela omissão ou por desconhecerem a realidade brasileira, pois os indígenas eram vítimas de constantes violações, extermínio e maus-tratos, inclusive com a anuência do SPI, do MAIC, da polícia e das autoridades.65 65 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. Para comprovar, citou a carta da organização internacional Anti-Slavery and Aborigines Protection, dirigida ao Foreign and Commonwealth Office (Departamento do governo britânico responsável em proteger os interesses britânicos em todo o mundo), que denunciava a permanência dos maus-tratos aos indígenas na América do Sul e solicitava que o governo inglês interviesse prontamente.66 66 SS, S.RR.SS., AS, AA.EE.SS., Brasile III, Anno 1913-1916, Pos. 718-726, Fascicolo 144. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 1º dez. 1913. No Território Federal do Acre, as “attrocidades commetidas pelos seringueiros excediam muitos as do famoso caso de Putumayo”. O núncio também denunciou que os “funccionarios dos governos do Peru, Brasil e Bolívia” tinham conhecimento do paradeiro dos criminosos e que poderiam “effetuar facilmente a prisão de dous desses criminosos que viajam frequentemente, com a maior liberdade entre o Acre e Manáos”.67 67 BNDigital, TELEGRAMMAS. Inglaterra. Londres, 24 (retardado). Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 87, n. 327, 24 nov. 1913, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_10/20557. Acesso em: 13 jun. 2016.

Aversa, antes de publicar a encíclica Lacrimabili Statu Indorum, tomou a precaução de informar o ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller, sobre seu conteúdo e enviou-lhe uma cópia do documento. Posteriormente, encaminhou a encíclica aos bispos, para que realizassem uma ofensiva conjunta para defender a presença da Igreja Católica entre os indígenas. De acordo com o núncio, a encíclica não despertou interesse da imprensa brasileira, mas repercutiu positivamente no governo, permitindo a realização de alianças e a aproximação entre os dois poderes.68 68 A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912; A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912. Nas reuniões com Lauro Müller, Aversa procurava assegurar a presença da Igreja Católica junto aos indígenas, bem como o financiamento público à catequese religiosa. Solicitou também que o governo brasileiro pressionasse os demais países, sobretudo o Peru, para protegerem as populações indígenas e para acabarem com a “bárbara e selvagem exploração de carne humana”.69 69 SS, S.RR.SS., AS, AA.EE.SS., Brasile III, Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 2 set. 1912. Outros temas das reuniões foram as críticas e denúncias envolvendo os salesianos e o padre Malan, que, segundo Aversa, também se dirigiam ao papa Pio X e à encíclica Lacrimabili Statu Indorum, por defenderem os indígenas e por cobrarem providências das autoridades e da sociedade latino-americana.70 70 A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912.

Diante das pressões internacionais, as elites e o governo procuraram assegurar a imagem de um país civilizado, que respeitava as populações indígenas e que mantinha boas relações com a Santa Sé e com a hierarquia eclesiástica brasileira. A Igreja Católica procurou assegurar sua presença junto às populações indígenas e aproximar-se ainda mais do Estado.

As ofensivas da Santa Sé

Aversa se questionava sobre “O que fazer diante desse cenário?” De acordo com o núncio, a maçonaria estaria indicando e controlando o governo e o SPI. Porém, acreditava que a gestão de Venceslau Brás (1914-1918) seria mais favorável à Igreja Católica, sendo necessário sensibilizar os políticos e os governantes por meio da mobilização do episcopado e dos católicos, a fim de influenciar as decisões políticas e cristianizar a legislação, o Estado e as instituições.71 71 BNDigital, TELEGRAMMAS. Inglaterra. Londres, 15. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 88, n. 79, 21 mar. 1914, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_10/22746. Acesso em: 13 jun. 2016. Tratava-se de firmar a importância da Igreja frente ao Estado e à sociedade civil por meio da cristianização social, apoiando-se nas alianças com o Estado e com as elites.

Para que fosse indicado um ministro católico para o MAIC, Aversa buscou apoio do episcopado de Minas Gerais, estado que concentrava a maioria da bancada católica, e de importantes autoridades, para que influenciassem na decisão do presidente, Venceslau Brás. Ele acreditava que um ministro católico iria forçar Rondon a pedir demissão e, após, desarticularia o SPI, salvaguardando as missões católicas. Aversa lamentava a falta de coesão e de reações enérgicas do episcopado, sobretudo do cardeal Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, para organizar uma ofensiva e para mobilizar os fiéis, a fim de combater os inimigos da Igreja Católica, defender as missões católicas e influir nas escolhas dos ministros.72 72 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa). Para o núncio, a

[...] coisa é muito delicada, e eu não escondo. A Maçonaria, que até agora tem trabalhado tão duro para se infiltrar no Ministério da Agricultura, não poderá atuar com muita facilidade. [...] Se o cardeal e outros membros do episcopado se envolveram na causa, acredito que eles não conseguirão atingir seus objetivos. No dia em que o ministro da Agricultura será um indivíduo favorável às missões católicas, o Coronel Rondon terá de pedir a sua exoneração e o Serviço de Proteção ao Índio, como está organizado, irá para os ares.73 73 Idem. (tradução nossa).

Aversa sugeriu a Merry Del Val que o “remédio” mais “radical para derrubar todo o edifício do SPI” e para salvaguardar as missões salesianas, que considerava “as mais importantes e ativas do Brasil”, seria erigir uma prelazia nullius ou vicariato apostólico em Registro do Araguaia, administrada pelos salesianos. Sugeriu também que “fosse nomeado o padre Antônio Malan como bispo - para dar maior prestígio e autoridade - e não como mero administrador apostólico”. Elevá-lo à elite da hierarquia eclesiástica brasileira iria paralisar as críticas à sua pessoa, reabilitando a sua imagem e autoridade. Para o núncio, ele teria a “aprovação e aplausos de todos”, por seu prestígio e influência.74 74 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa); Carta de Giuseppe Aversa para Gaetano de Lai, 14 out. 1913 e 22 mar. 1914. Dessa forma, acreditava que a Santa Sé, ao criar a prelazia, iria paralisar a ofensiva da maçonaria, do SPI e do governo federal contra as missões católicas, os salesianos e o padre Malan, ao elevar as disputas entre a Igreja Católica e o Estado sobre a tutela e gestão dos indígenas para as relações diplomáticas entre o Vaticano e o Brasil. O objetivo era redefinir as relações entre os dois poderes e paralisar a ofensiva secularizadora.

Os salesianos foram previamente consultados, mostraram-se favoráveis ao projeto e aceitaram administrá-lo pelas seguintes razões:

A criação é urgente por duas razões principais: 1º no Parlamento está tramitando um projeto de lei sobre os índios e sobre a catequese laica, que dificulta a presença dos missionários entre os indígenas, concedendo certas facilidades e vantagens às missões oficialmente reconhecidas (Projeto de Lei nº 3.481); 2º logo será inaugurado o novo município do Registro do Araguaia, cujos limites são os mesmos que os estabelecidos para o novo Vicariato (Lei nº 636, de 8 de julho de 1913).75 75 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Brasile 1, dal 678/1910 al 503/1921. Cuyabá e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, 16 abr. 1914, p. 21-22. (tradução nossa).

O secretário de Estado, Merry Del Val, elogiou o zelo de Aversa para “salvar a honra dos missionários” e aceitou a proposta, definindo que seria uma prelazia, e encaminhou o pedido à Sagrada Congregação Consistorial.76 76 A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Brasile 1, dal 678/1910 al 503/1921. Carta de Gaetano De Lai para Alessandro Bavona, 13 ago. 1910. A questão foi tratada como sendo da responsabilidade da Secretaria de Estado, pois envolvia temas estratégicos sobre as relações entre Estados.77 77 Desde as reformas advindas da implantação pela constituição apostólica Sapienti Consilio, do papa Pio X, de 29 de junho de 1908, que foram implantadas a partir de 1910, a criação de novas circunscrições eclesiásticas deveria ser tratada diretamente com a Sagrada Congregação Consistorial, delegando à Secretaria de Estado e aos governos dos países as questões diplomáticos (PIO X, 1904). A prelazia foi criada pela bula Acta Apostolicae Sedis, de 12 de maio de 1914, com o fim de promover o trabalho realizado pelos salesianos de levar o catolicismo e a civilização aos indígenas que habitavam as remotas regiões de Mato Grosso. O papa Pio X nomeou Antônio Malan em 18 de maio, sendo a notícia considerada pelo núncio como “consoladora”.78 78 A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 283, Fascicolo 10. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 4 jun. 1913.

As estratégias de Aversa foram produtivas, pois a última reportagem que criticava o padre Malan foi publicada na edição de 7 de julho de 1913 do jornal A Noite. O religioso seria tematizado novamente apenas em 1914, após a sua nomeação como bispo de Registro do Araguaia, quando foi noticiada sua presença nas comemorações do dia 7 de setembro no colégio salesiano de Niterói. Ele figurava entre as ilustres autoridades, sendo apresentado como bispo e “superior da cathechese entre o gentio mattogrossense”.79 79 BNDigital, SETE DE SETEMBRO - Os festejos de hoje e de amanhã, A Noite, Rio de Janeiro, ano IV, n. 969, 6 set. 1914, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/348970_01/4923. Acesso em: 17 ago. 2016. Em 1914, foram liberadas pelos ministérios da Fazenda e da Agricultura verbas públicas aos salesianos, para serem empregadas na catequese indígena.80 80 BNDigital, Correio da Manhã. Rio de Janeiro, ano. XIV, n. 5691, 24 set. 1914, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/089842_02/20651. Acesso em: 11 mar. 2016.

Na região amazônica, houve a preocupação de pressionar as congregações e ordens religiosas a assumirem a administração das prefeituras apostólicas de Tefé, do Alto Rio Negro e do Alto Solimões, criadas em 1910 por Pio X, e a incrementarem o número de religiosos.81 81 Sobre a presença da Igreja Católica na região amazônica consultar: MARIN, 2021; MARIN; FONSECA 2021. Outras intervenções da Santa Sé foram as sucessivas divisões da diocese do Amazonas e da arquidiocese do Pará, que eram as mais extensas do Brasil. Em 1911, foi criada a prelazia da Santíssima Conceição do Araguaia e seu território foi desmembrado da arquidiocese do Pará. As justificativas foram a grande extensão territorial, o desamparo religioso da população, o avanço do protestantismo, a necessidade de evangelizar e proteger as populações indígenas e tornar mais eficaz a governabilidade sobre o território e suas populações. Posteriormente, em 1919, foi dividida a diocese do Amazonas, sendo criada a prelazia do Alto Acre e Alto Purus, e sua administração foi entregue aos padres da Ordem dos Servos de Maria. As motivações foram a grande extensão territorial da diocese, que impossibilitava a eficaz administração, o desamparo religioso, a expansão do protestantismo, o crescimento demográfico e urbano e a disputa pela gestão sobre as populações indígenas com o SPI.82 82 A.A.V., Indici 1153A, A.N.B., Busta 165 (b), Fascicolo 837, doc. 11, fl. 63, Carta de d. João Irineu Joffily para Ângelo Scapardini, 6 jan. 1919.

A criação de várias circunscrições eclesiásticas na região amazônica foi vista como um “passo notável para se obter um futuro melhor”.83 83 A.A.V., Indici 1289, C.C., Brasile III, dal 678/1910 dal 503/1921. Delle condizione religiose in generale, 20 di aprile 1911, n. 678/1910. (tradução nossa). A preocupação da Santa Sé era interiorizar a presença da Igreja Católica por meio da criação de novas prefeituras apostólicas e prelazias e do incremento de religiosos europeus, a fim de superar o abandono religioso da população, sobretudo entre os indígenas.84 84 SS, S.RR.SS., AS, AA.EE.SS., Brasile III, anno 1910, Rubrica 283, Fascicolo 8. Carta de Alessandro Bavona para Girolamo Maria Gotti, 3 fev. 1909.

Considerações finais

Com a República, a política indigenista passou para a responsabilidade do Estado, que desenvolveria uma assistência leiga, afastando a participação das instituições religiosas. A legislação indigenista e a criação do SPI pretendiam concretizar os ideais republicanos e secularizar a sociedade; para concretizar esses ideais, previam o fim do monopólio da Igreja Católica sobre as populações indígenas, que seriam protegidas pelas forças militares. As críticas do SPI, de Rondon, do MAIC e da imprensa à catequese religiosa e às subvenções públicas à Igreja Católica são reveladoras das disputas pela tutela e pela gestão das populações indígenas.

Diante da crescente secularização e dos projetos de excluir a participação da Igreja Católica junto aos indígenas, a Santa Sé e a hierarquia eclesiástica brasileira passaram a combater o avanço do laicismo, da secularização, das concepções positivistas e das religiões concorrentes. Outra estratégia, para combater a crescente autoafirmação da sociedade civil e do Estado diante da religião, foi a valorização da noção tridentina, segundo a qual a Igreja aparecia como sociedade perfeita ao lado do Estado, dois poderes autossuficientes para concretizarem seus fins e objetivos, porém com uma ascendência, pelo menos indireta, da Igreja sobre o Estado. Diante dos enfrentamentos, o Estado manteve “certo equilíbrio das tensões” entre os dois poderes, configurando-se uma “laicidade pragmática”, política ambígua que conciliou o regalismo, pressupostos institucionais juridicamente modernos e a concepção de “sociedade perfeita” da Igreja Católica (AQUINO, 2012AQUINO, M. de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção do bispado de Botucatu no Sertão Paulista (1890-1923). 2012. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Assis, 2012., p. 30, 78). Como decorrência, a Igreja Católica foi vitoriosa nas alianças e nas negociações com o Estado laico, não se consagrando a separação plena e independente frente à Igreja.

As articulações da Santa Sé, juntamente com a hierarquia eclesiástica brasileira, objetivavam intervir nos rumos políticos para assegurar a defesa dos interesses institucionais. As denúncias e as repercussões de Putumayo fortaleceram as reinvindicações da Santa Sé para que os Estados colaborassem na defesa e propagação da religião católica, favorecendo sua presença junto aos indígenas e apoiando-a financeiramente, ou seja, oferecendo condições para que a Igreja Católica se expandisse. Outra ofensiva da Santa Sé foi incrementar a presença institucional e a interiorização de padres nas regiões onde havia grande concentração de populações indígenas, nas quais foram criadas missões, paróquias, prelazias, prefeituras apostólicas e dioceses.

Deve-se destacar a atuação dinâmica e ativa de Giuseppe Aversa, pois, como representante pontifício, construiu estratégias de forma organizada e sistemática junto ao governo, políticos e episcopado, a fim de intervir no rumo dos acontecimentos e garantir privilégios e benesses à Igreja Católica. Como diplomata, era o elo entre as igrejas locais e a Santa Sé, devendo cumprir as determinações da Secretaria de Estado e reportar todos os assuntos referentes à Igreja Católica, que chegavam com eficiência a Roma. Suas impressões, avaliações, propostas e informações, ao refletirem sobre a realidade brasileira e latino-americana, influenciaram as políticas externas do Vaticano e as intervenções sobre a Igreja Católica no Brasil.

Referências

  • AQUINO, M. de. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: a construção do bispado de Botucatu no Sertão Paulista (1890-1923). 2012. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Assis, 2012.
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  • CASEMENT, R. et al British Bluebook Correspondence respecting the treatment of British Colonial subjects and native indians employed in the collection of rubber in the Putumayo District. (Presented to both houses of parliament by command of his Majesty, July, 1912). Londres: Published by His Majesty’s Stationary Office, 1912.
  • FREIRE, C.A.R. Rondon: a construção do Brasil e a causa indígena. Brasília: Abravideo, 2009.
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  • MARIN, J.R. A criação de novas circunscrições eclesiásticas na Amazônia entre 1817 e 1913. In: MARIN, J.R. (org.). Circunscrições eclesiásticas católicas no Brasil: articulações entre Igreja, Estado e sociedade. Campo Grande, Ed. da UFMS, 2021. p.283-333. Disponível em: https://repositorio.ufms.br/handle/123456789/3660
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  • MARIN, J.R.; FONSECA, A.D. A Santa Sé e as divisões eclesiásticas da região amazônica (1860-1930). Revista Rever, v.21, n.1, p.13-32, 2021.
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  • PASTORAL COLLECTIVA do episcopado brasileiro ao clero e aos fiéis das duas Províncias Ecclesiástica do Brasil. São Paulo: Escola Typographica Salesiana, 1900.
  • PIO X, -. Lacrimabili Statu Indorum (1912). Disponível em: Disponível em: https://w2.vatican.va/content/pius-x/it/encyclicals/documents/hf_p-x_enc_07061912_lacrimabili-statu.html Acesso em: 19 nov. 2015.
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  • ROSA, L.R. de O. A Santa Sé e o Estado brasileiro: estratégias de inserção política da Igreja Católica no Brasil. Jundiaí: Paco Editorial, 2015.
  • VIEIRA, D.R. O processo de reforma e reorganização da Igreja no Brasil (1844-1926) Aparecida: Santuário, 2007.

Notas

  • 1
    A.A.V. (Archivio Apostolico Vaticano), Indici 1153, Fondo della Nunziatura Apostolica in Brasile (A.N.B.), Busta 72, Fascicolo 350. Carta de Antonio da Enchio para Francesco Spolverini, 8 out. 1891.
  • 2
    Em 1890, reconheceu o regime republicano; em 2 de julho de 1894, o papa Leão XIII publicou a encíclica Litteras a vobis, onde exortava o episcopado e os católicos a aceitarem o regime republicano e a não se engajarem na restauração da Monarquia. Em 1901, elevou sua representação diplomática no Rio de Janeiro à categoria de nunciatura. Em 1905, foi criado o primeiro cardinalato brasileiro e também da América Latina (D. Joaquim Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti). Houve também a multiplicação das circunscrições eclesiásticas católicas, a fim de se ampliar a presença e a participação da Santa Sé na sociedade, bem como pleitear o reconhecimento dos seus princípios.
  • 3
    A.A.V., Indici 1289, Congregazione Consitoriale, Positiones (C.C., P.), Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).
  • 4
    Idem. (tradução nossa).
  • 5
    Idem. (tradução nossa).
  • 6
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913 (Sub secreto S. Officii), 16 Aprile 1914, Sacra Congregazione Concistoriale (S.C.C.). Cuyabà e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, p. 6-12. (tradução nossa).
  • 7
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).
  • 8
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913 (Sub secreto S. Officii), 16 Aprile 1914, S.C.C. Cuyabà e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, p. 18. (tradução nossa, grifo meu).
  • 9
    Idem. (tradução nossa).
  • 10
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).
  • 11
    Idem. (tradução nossa).
  • 12
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913 (Sub secreto S. Officii), 16 Aprile 1914, S.C.C. Cuyabà e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, p. 5. (tradução nossa).
  • 13
    Ibid., p. 7 (tradução nossa).
  • 14
    Ibid., p. 4. (tradução nossa).
  • 15
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).
  • 16
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17 Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 13 jun. 1913; Diário Official - Estados Unidos do Brasil, ano LI, n, 230, p. 12677-12688, 26 set. 1912. (tradução nossa).
  • 17
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 12 abr. 1913.
  • 18
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17 Fascicolo 1. Carta de Raffaele Merry Del Val para Giuseppe Aversa, 13 jun. 1913. (tradução nossa).
  • 19
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Raffaele Merry Del Val para Giuseppe Aversa, 19 nov. 1913 e 24 out. 1913. (tradução nossa).
  • 20
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Brasile 1, dal 678/1910 al 503/1921. Cuyabá e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, 16 abr. 1914, p. 10; A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 24 out. 1913.
  • 21
    Idem.
  • 22
    A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912; A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912. (tradução nossa).
  • 23
    Idem. (tradução nossa).
  • 24
    Idem. (tradução nossa).
  • 25
    A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912. (tradução nossa).
  • 26
    BNDigital (Biblioteca Nacional Digital - Hemeroteca Digital), O EVANGELHO nas selvas: a missão salesiana de Matto Grosso - uma obra benemerita. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, ano X, n. 3226, 17 maio 1910, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_02/1255. Acesso em: 11 mar. 2016.
  • 27
    A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Antônio Malan para Giuseppe Aversa, 18 abr. 1912. (tradução nossa).
  • 28
    A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912 e 24 nov. 1912. (tradução nossa).
  • 29
    BNDigital, UMA MYSTIFICAÇÃO - Um documento eloquente - Destino dos dinheiros públicos, ilegalmente concedidos aos salesianos, sob o pretexto de catechese - como se exploram os indios - Padres fazem fogo, em vez de caridade. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 10245, 24 out. 1912, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_04/14306. Acesso em: 17 ago. 1916.
  • 30
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).
  • 31
    A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912; A.A.V., Indici 1153A, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912.
  • 32
    BNDigital, SERVIÇO de protecção aos indios. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 10257, 5 nov. 1912, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_04/14486. Acesso em: 17 ago. 2016.
  • 33
    BNDigital, PELOS INDIOS. O coronel Rondon e a missão salesiana de Matto Grosso. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, ano. XII, n. 5027, 5 nov. 1912, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_02/11689. Acesso em: 11 mar. 2016.
  • 34
    Segreteria di Stato (SS), Sezione per i Rapporti con gli Stati (S.RR.SS.), Archivio Storico (AS), Congregazione degli Affari Ecclesiastici Straordinari (AA.EE.SS.), Brasile III, Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 5. Carta de Raffaele Merry Del Val para Giuseppe Aversa, 26 set. 1912; Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912. (tradução nossa).
  • 35
    A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912; 2 set. 1912, 16 nov. 1912 e 24 nov. 1912. (tradução nossa).
  • 36
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17 Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 10 fev. 1913 (tradução nossa).
  • 37
    A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912. (tradução nossa); A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912. (tradução nossa).
  • 38
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913, p. 12.
  • 39
    BNDigital, A CATEQUESE no Brasil - uma entrevista do padre Malan! Uma carta. A Noite, Rio de Janeiro, ano III, n. 543, 12 abr. 1913, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/348970_01/2464. Acesso em: 17 ago. 1916.
  • 40
    BNDigital, AS FALSIDADES e insidias do padre Antônio Malan. A Noite, Rio de Janeiro, ano III, n. 564, 7 maio 1913, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/348970_01/2557. Acesso em: 17 ago. 1916.
  • 41
    BNDigital, MIRANDA, Manoel. As falsidades e insidias do padre salesiano Antônio Malan. O Paiz, Rio de Janeiro, ano XXVIII, n. 10472, 9 jun. 1913, p. 4. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/178691_04/17269. Acesso em: 17 ago. 1916.
  • 42
    Idem. (tradução nossa).
  • 43
    BNDigital, PELOS INDIOS. O coronel Rondon e a missão salesiana de Matto Grosso. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, ano. XII, n. 5027, 5 nov. 1912, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_02/11689. Acesso em: 11 mar. 2016.
  • 44
    A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Antônio Malan para Giuseppe Aversa, 10 nov. 1912.
  • 45
    A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912. A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912.
  • 46
    A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Pedro Massa para Giuseppe Aversa, 6 nov. 1913.
  • 47
    A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 6. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 24 nov. 1912. (tradução nossa).
  • 48
    Idem. (tradução nossa).
  • 49
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).
  • 50
    Idem. (tradução nossa).
  • 51
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913 (Sub secreto S. Officii), 16 Aprile 1914, S.C.C. Cuyabà e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, p. 15-17. (tradução nossa).
  • 52
    Ibid., p. 17-18, 20-21. (tradução nossa).
  • 53
    Compreende a região do rio Putumayo, que tem cerca de 1.500 km e percorre o território da Colômbia (onde está localizada sua nascente), Equador, Peru e Brasil (onde é denominado rio Içá), desembocando no rio Amazonas. O território de Putumayo era disputado pelo Peru e pela Colômbia.
  • 54
    Em 1903, foi criada a empresa J.C. Arana e Hermanos, conhecida como Casa Arana, que tinha uma sucursal em Manaus, no Brasil, e escritórios nas cidades de Londres e Nova York. Em 1907, a empresa se converteu na Peruvian Amazon Rubber Company, com a participação de capitais britânicos e com sede em Londres, escritório em Iquitos e sucursal em Manaus. Arana permaneceu como gerente, sendo assessorado por quatro diretores ingleses.
  • 55
    SS, S.RR.SS., AS, AA.EE.SS., Brasile III, Anno 1913-1916, Pos. 718-726, Fascicolo 144. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 1º dez. 1913. (tradução nossa).
  • 56
    A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 5. Carta de Raffaele Merry Del Val para Giuseppe Aversa, 9 out. 1912. (tradução nossa).
  • 57
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giovanni Genocchi para Girolamo Maria Gotti, 25 jan. 1913. (tradução nossa).
  • 58
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giovanni Genocchi para Pio X, 2 fev. 1913. (tradução mossa).
  • 59
    Idem.
  • 60
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 6, Delegación Apostolica. Carta de Angelo G. Scapardini para Merry Del Val, 10 nov. 1912.
  • 61
    A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 2 set. 1912.
  • 62
    Idem.
  • 63
    BNDigital, AO DELEGADO do seu Ministério no Acre dirigio o sr. ministro da agricultura o seguinte aviso: Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 84, n. 188, 7 jul. 1910, p. 4. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_10/1412. Acesso em: 11 mar. 2016.
  • 64
    BNDigital, UMA VOZ que surge em defesa do Brasil. Relatorio da ‘anti-slavery and aborígines protection’ e as declarações de Woodroffe. A Noticia, Rio de Janeiro, ano XX, n. 280, 25-26 nov. 1913, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/830380/20806. Acesso em: 11 mar. 2016.
  • 65
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913.
  • 66
    SS, S.RR.SS., AS, AA.EE.SS., Brasile III, Anno 1913-1916, Pos. 718-726, Fascicolo 144. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 1º dez. 1913.
  • 67
    BNDigital, TELEGRAMMAS. Inglaterra. Londres, 24 (retardado). Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 87, n. 327, 24 nov. 1913, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_10/20557. Acesso em: 13 jun. 2016.
  • 68
    A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17 Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912 e 2 set. 1912; A.A.V., Indici 1153, A.N.B., Busta 148, Fascicolo 744. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 16 nov. 1912.
  • 69
    SS, S.RR.SS., AS, AA.EE.SS., Brasile III, Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 2 set. 1912.
  • 70
    A.A.V., S.S., Anno 1913, Rubrica 17, Fascicolo 5. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 18 ago. 1912.
  • 71
    BNDigital, TELEGRAMMAS. Inglaterra. Londres, 15. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 88, n. 79, 21 mar. 1914, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_10/22746. Acesso em: 13 jun. 2016.
  • 72
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Cuiabá (Cuiaben) in Brasile 1, dal 1909 a 1921. Erezione della missione salesiana del Matto Grosso in Prelatura nullius. Prot. N. 1772/1913. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa).
  • 73
    Idem. (tradução nossa).
  • 74
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 17, Fascicolo 1. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 31 ago. 1913. (tradução nossa); Carta de Giuseppe Aversa para Gaetano de Lai, 14 out. 1913 e 22 mar. 1914.
  • 75
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Brasile 1, dal 678/1910 al 503/1921. Cuyabá e Corumbá - Erezione di Prelatura Nullius, 16 abr. 1914, p. 21-22. (tradução nossa).
  • 76
    A.A.V., Indici 1289, C.C., P., Brasile 1, dal 678/1910 al 503/1921. Carta de Gaetano De Lai para Alessandro Bavona, 13 ago. 1910.
  • 77
    Desde as reformas advindas da implantação pela constituição apostólica Sapienti Consilio, do papa Pio X, de 29 de junho de 1908, que foram implantadas a partir de 1910, a criação de novas circunscrições eclesiásticas deveria ser tratada diretamente com a Sagrada Congregação Consistorial, delegando à Secretaria de Estado e aos governos dos países as questões diplomáticos (PIO X, 1904PIO X, -. Sapienti Consilio (1904). Disponível em: Disponível em: http://w2.vatican.va/content/pius-x/la/apost_constitutions/documents/hf_p-x_apc_19080629_sapienti-consilio-index.html . Acesso em 7 maio 2018.
    http://w2.vatican.va/content/pius-x/la/a...
    ).
  • 78
    A.A.V., S.S., Anno 1914, Rubrica 283, Fascicolo 10. Carta de Giuseppe Aversa para Raffaele Merry Del Val, 4 jun. 1913.
  • 79
    BNDigital, SETE DE SETEMBRO - Os festejos de hoje e de amanhã, A Noite, Rio de Janeiro, ano IV, n. 969, 6 set. 1914, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/348970_01/4923. Acesso em: 17 ago. 2016.
  • 80
    BNDigital, Correio da Manhã. Rio de Janeiro, ano. XIV, n. 5691, 24 set. 1914, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/089842_02/20651. Acesso em: 11 mar. 2016.
  • 81
    Sobre a presença da Igreja Católica na região amazônica consultar: MARIN, 2021MARIN, J.R.; FONSECA, A.D. A Santa Sé e as divisões eclesiásticas da região amazônica (1860-1930). Revista Rever, v.21, n.1, p.13-32, 2021.; MARIN; FONSECA 2021MARIN, J.R. A criação de novas circunscrições eclesiásticas na Amazônia entre 1817 e 1913. In: MARIN, J.R. (org.). Circunscrições eclesiásticas católicas no Brasil: articulações entre Igreja, Estado e sociedade. Campo Grande, Ed. da UFMS, 2021. p.283-333. Disponível em: https://repositorio.ufms.br/handle/123456789/3660.
    https://repositorio.ufms.br/handle/12345...
    .
  • 82
    A.A.V., Indici 1153A, A.N.B., Busta 165 (b), Fascicolo 837, doc. 11, fl. 63, Carta de d. João Irineu Joffily para Ângelo Scapardini, 6 jan. 1919.
  • 83
    A.A.V., Indici 1289, C.C., Brasile III, dal 678/1910 dal 503/1921. Delle condizione religiose in generale, 20 di aprile 1911, n. 678/1910. (tradução nossa).
  • 84
    SS, S.RR.SS., AS, AA.EE.SS., Brasile III, anno 1910, Rubrica 283, Fascicolo 8. Carta de Alessandro Bavona para Girolamo Maria Gotti, 3 fev. 1909.
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com o financiamento da CAPES (Proc. no. BEX 2372/15-0).
  • Organizadoras:

    Juciene Ricarte Apolinário e Maria Adelina Amorim

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2020
  • Aceito
    25 Jun 2021
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