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Limites da canção: a música brasileira segundo Mário de Andrade

Limits of the song: the Brazilian music according to Mário de Andrade

Resumo

O artigo aborda a reflexão sobre música brasileira realizada pelo polígrafo Mário de Andrade entre as décadas de 1920 e 1940. O musicólogo pregava o uso dos ritmos populares como base às composições modernas. No entanto, haveria que ter cuidado com o uso excessivo do documento folclórico, uma vez que o mesmo poderia redundar em produções aligeiradas, pastichos destinados ao comércio e ao entretenimento. A tarefa consistia em definir um padrão musical coletivo, que pudesse controlar o virtuosismo do artista moderno. As cantorias folclóricas garantiriam esse padrão. Em contrapartida, não se deveria abandonar os legados do desenvolvimento harmônico ocidental, senão que equacioná-los à rítmica popular. As fontes documentais aqui utilizadas são crônicas e ensaios que Mário de Andrade publicou entre fins dos anos 1920 e início da década de 1940, as quais encontram-se indicadas ao final do texto, nas referências bibliográficas.

Palavras-chave:
erudito; moderno; popular; música; Brasil.

Abstract

This article covers the reflections of the polygrapher Mário de Andrade on Brazilian music between the decades of 1920 and 1940. The musicologist advocated the use of the popular rhythms like a base to modern compositions. However, one should be careful about excessive use of the folk document, since it could lead to a meager production, a pastiche created only for trade and entertainment. The task consisted of defining a collective musical pattern that could refrain the virtuosity of the modern artist. The folk songs would guarantee that standard. On the other hand, one should not abandon the legacies of Western harmonious development, but rather bring them to level with popular rhythms. The documentary sources used here are chronicles and essays that Mário de Andrade published between the end of the 1920s and the beginning of the 1940s, indicated at the end of the text, in the references.

Keywords:
classical; modern; popular; music; Brazil.

Do ritmo sincopado

Mário de Andrade foi musicólogo de formação e um dos mais profícuos intelectuais de seu tempo. Em 1911, aos dezoito anos, ingressou no curso de piano do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo; em 1913, nesta mesma instituição, foi contratado como professor substituto no curso de História da Música; três anos depois, em 1916, ficou responsável pelo cargo de professor auxiliar de piano; formou-se, enfim, no ano de 1917. Em 1922, Mário assumiu a cátedra de dicção, estética e história da música no Conservatório, posição que ocupará até seu falecimento em 1945, à exceção do tempo que passou no Rio de Janeiro, entre 1938 e 1941. As reflexões sobre música e literatura ocuparam a maior parte de sua breve existência e de sua gigantesca obra. O polígrafo impregnou de concepções musicais sua prosa e poesia, suas crônicas e artigos sobre arte, bem como seus estudos sobre cultura nacional (JARDIM, 2015JARDIM, Eduardo. Mário de Andrade: eu sou trezentos - vida e obra. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2015.).

Em 1928, Andrade publicou Ensaio sobre a música brasileiraANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972., livro que vinha sendo elaborado desde 1926 e que apresenta 122 melodias tradicionais, transcritas em pentagrama e provindas de várias partes do Brasil (ANDRADE, 1972ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972.). Trata-se de obra alicerçada em extensa pesquisa acerca do populário. Algumas das peças contidas na obra foram coletadas pelo próprio Mário a partir de seus estudos bibliográficos, mas parte significativa delas foi-lhe enviada por colaboradores, como Luís da Câmara Cascudo, Luciano Gallet e Antônio Bento de Araújo Lima. O autor ainda contou com a colaboração de alunos do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde era catedrático, desde 1922, nas disciplinas de dicção, estética e história da música (LISBÔA, 2015LISBÔA, Sérgio Rodrigues. Da Bucólica ao Ensaio sobre música brasileira. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.). O objetivo do livro era servir aos compositores nacionais como espécie de guia, oferecendo-lhes referências a partir das quais pudessem apreender um modo brasileiro de compor. De acordo com o EnsaioANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972., a música erudita brasileira deveria absorver a pluralidade rítmica e a qualidade oratória dos cantos populares.

É muito comum diante de certos cantos do nordeste a perplexidade do coletor, tal a liberdade e a sutileza do laisser aller rítmico com que a gente de lá canta. Cantam com a sutileza rítmica de quem está falando, com a máxima despreocupação. É muito possível que nessa gente do nordeste cantando desse jeito, em contraste decidido com a rítmica isoladamente musical estabelecida pela música europeia desque criou os valores de tempo musical e o compasso, é muito possível que nesses nordestinos a gente vá encontrar uma reprodução contemporânea da maneira de cantar dos rapsodos gregos ou do canto cristão primitivo. Com efeito se dá neles uma união absoluta da música e da palavra falada, de formas a tornar impossível uma fixação rítmico-musical isolada. É a maneira de falar, natural e despreocupada, que determina às vezes em absoluto a sucessão dos sons da melodia (ANDRADE, 1972ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972., p. 140).

Os cantos populares significavam para Mário a libertação das regras do sistema tonal clássico. O tonalismo europeu relegara o ritmo ao papel secundário do compasso, enquanto acompanhamento da harmonia-melodia. Se o europeu fizera do estudo melódico-harmônico sua prioridade, disciplinando o ritmo na barra do compasso, a música brasileira teria se formado pelo caminho inverso, transformando o ritmo em matéria principal. O musicólogo entendia que, nos ritmos populares, estava a chave para enriquecer as práticas musicais eruditas, que se prendiam demasiadamente às escalas de Dó e às regras harmônicas.

Duas características centrais marcariam, então, nossas canções populares: 1) sua diversidade rítmica baseada na síncope, em sintonia com 2) a tendência recitativa ou oratória de seus cantos, que primaria pelos quartos-de-tom em detrimento do sistema tonal europeu de 12 tons/semitons. A síncope (ou síncopa) é uma técnica que consiste em prolongar a nota da pulsação fraca até a pulsação forte seguinte. Pela síncope, o ritmo não se limita à cadência regular do compasso, mas se diversifica (TEIXEIRA, 2007TEIXEIRA, Maurício de Carvalho. Torneios melódicos: poesia cantada em Mário de Andrade. Tese (Doutorado em Letras). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.). Mário falava em “rítmica provinda diretamente da prosódia”, ou “rítmica de canto quasi que exclusivamente fraseológica” (ANDRADE, 1972ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972., p. 30-31), para mostrar que a diversidade rítmica das cantorias seguia pari passu a liberdade oratória de cantar. Consequentemente, o ritmo das danças dramáticas não estaria limitado pelo compasso; ao contrário, na música tradicional brasileira, o ritmo erguer-se-ia a primeiro plano, abusando da síncope e extravasando as regras de composição ocidentais.

Ora esses processos de rítmica oratória, desprovida de valores de tempo musical contrastavam com a música portuguesa afeiçoada ao mensuralismo tradicional europeu. (...). Muitos dos cocos, desafios, martelos, toadas, embora se sujeitando à quadratura melódica, funcionam como verdadeiros recitativos. (...) O brasileiro se acomodando com os elementos estranhos e se ajeitando dentro das próprias tendências adquiriu um jeito fantasista de ritmar. Fez do ritmo uma coisa mais variada, mais livre e sobretudo um elemento de expressão racial (ANDRADE, 1972ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972., p. 31-32).

Não foi outro o propósito do EnsaioANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972. senão recomendar aos compositores modernos que se inspirassem no repertório popular para produzir música artística brasileira. Com essa proposta, Mário visava ao estabelecimento de uma tradição que mesclasse erudição e folclore. O diferencial desse último residiria no ritmo, ao passo que a formação clássica colaboraria com a dimensão melódico-harmônica1 1 Não se tratava, entretanto, de estabelecer uma dicotomia estanque entre, de um lado, o ritmo (que seria popular) e a harmonia/melodia (que seriam eruditas), mas de ressaltar a dimensão que predominava em cada expressão. Mário falava em uma colaboração dessas instâncias, em uma circularidade ou intercâmbio entre o popular e o erudito. Em outros termos, ritmo, melodia e harmonia seriam elementos constitutivos da arte musical, independentemente de sua extração erudita ou popular. Assim, o ritmo predominaria nas canções populares, enquanto a pesquisa harmônica e melódica seria mais recorrente entre as composições eruditas. Essa relação será trabalhada ao longo do presente artigo. . O musicólogo não pregava a adoção cega das músicas do povo. A música moderna deveria ser produzida com a rítmica folclórica sem precisar abandonar a escala temperada.

Si de fato agora que é período de formação devemos empregar com frequência e abuso o elemento direto fornecido pelo folclore, carece que a gente não esqueça que música artística não é fenômeno popular porém desenvolvimento deste. O compositor tem pra empregar não só o sincopado rico que o populário fornece como pode tirar ilações disso. E nesse caso a síncopa do povo se tornará uma fonte de riqueza (ANDRADE, 1972ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972., p. 37).

No início de dezembro de 1928, Mário de Andrade excursionou ao Nordeste, retornando no final de fevereiro do ano seguinte. O poeta aproveitou um período rico em festividades (incluindo Natal, Dia de Reis e Carnaval), em que se executava grande número dos chamados folguedos, brinquedos ou, como Mário preferia dizer, as “danças dramáticas”, que eram bailados, cantorias e cortejos coreográficos pontuados por entrechos dramáticos - pastoris, reisados, congadas, maracatus, cocos, marujadas, bumbas-meus-bois, cheganças, cirandas, moçambiques, cucumbis, catimbós, cabocolinhos, repentes, desafios, emboladas, parlendas, toadas, martelos, entre outros (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo; Leandro Raniero Fernandes colaborador. Brasília: Iphan, 2015.).

Após rápida passagem por Salvador, Mário demorou-se em Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Em Recife, encontrou Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira, Cícero Dias, Joaquim Inojosa, Hernani Braga e Gilberto Freyre. Em Natal, hospedou-se na casa do folclorista Luís da Câmara Cascudo e conheceu pessoalmente Antônio Bento de Araújo Lima. Em Maceió, ficou na casa do poeta Jorge de Lima e encontrou-se com José Lins do Rêgo. Na Paraíba, teve a companhia de José Américo de Almeida, Ademar Vidal e Silvino Olavo. Perambulou não apenas pelas capitais, mas também pelos sertões: visitou cidades interioranas como Caraúbas (RN), Caicó (RN), Guarabira (PB), Brejo do Cruz (PB), Catolé do Rocha (PB) e Escada (PE), entre outras, sempre à procura das danças dramáticas (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo; Leandro Raniero Fernandes colaborador. Brasília: Iphan, 2015.).2 2 As anotações de Mário de Andrade sobre suas viagens foram tecidas em forma de diário. O autor tinha a intenção de publicá-las em livro, com o título O turista aprendiz, mas o intelectual não chegou a ver seu livro publicado em vida. Somente em 1976 o livro veio a público, organizado por Telê Ancona Lopez. Utilizamos aqui a edição de 2015 (ANDRADE, 2015).

O material coletado faria parte de uma obra dividida em três tomos que se intitularia Na pancada do Ganzá. O livro, porém, nunca veio à tona. Mário deixou alguns documentos escritos e indicações sobre o projeto, mas não chegou a redigi-lo. Coube à amiga Oneyda Alvarenga, também musicóloga e poetisa, reunir as anotações de Mário e organizá-las em volumes póstumos.3 3 As obras organizadas por Oneyda Alvarenga são: Os cocos, Danças dramáticas do Brasil e As melodias do boi e outras peças. Consultar referências bibliográficas.

Mário notou um processo de variação nas danças dramáticas: repetição de estruturas rítmico-melódicas fixas sobre as quais se entoavam canções diversas. A cada repetição, mudavam-se alguns elementos da cantiga, às vezes acrescentando apenas arranjos sutis ou modificando algum detalhe da melodia (ANDRADE, 1983ANDRADE, Mário de. Música de feitiçaria no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL/Fundação Pró-Memória, 1983.). A conclusão de uma linha melódica não recaía sobre a tônica, mas sobre a sensível, dominante ou subdominante, o que provocava a sensação de suspensão e possibilitava o prolongamento melódico. “Embora não seja possível generalizar, nós temos uma tal e qual repugnância pela franqueza crua da tônica. É comum a frase parar nos outros graus da tríade tonal” (ANDRADE, 1972ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972., p. 48). Como a melodia não se estabilizava na tônica, e a expectativa do ouvinte continuava, o cantador era levado a emendar outro canto. Assim, as emboladas, cirandas, cocos, desafios etc. fugiam da estabilidade tonal ditada pelo paradigma clássico e abriam o horizonte para uma sequência de linhas melódicas cujo fim não se podia prever. Esse processo de variação e improviso era conhecido como “tirar o canto novo” ou “virar o coco”. Mário também o denominou “torneio melódico” (TEIXEIRA, 2007TEIXEIRA, Maurício de Carvalho. Torneios melódicos: poesia cantada em Mário de Andrade. Tese (Doutorado em Letras). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.).

Em música, se pode dizer que o povo brasileiro já inventou o moto contínuo... Explico bem; sobre um texto dado, se fixou um ritmo de ordem exclusivamente musical, que consiste na repetição geralmente de um ou mais motivos rítmicos. Esta repetição agrupada pelos acentos fixa a binaridade e a quadratura estrófica da melodia. Assim, quando o texto chega ao seu ponto final, o ritmo da melodia também chegou ao seu ponto final. Isso dá a sensação de repouso, que não apenas permite, mas provoca a terminação da cantoria. Mas sucedeu que a evolução harmônica da melodia, ao finalizarem texto e ritmo, não está na tríade tonal, mas numa das notas de passagem da escala, evocando pois um acorde dissonante. (...) e por isso a melodia, ao chegar o ponto final de texto e ritmo, está na sensível, no segundo grau, no quarto, em geral provocando justamente o acorde de sétima-de-dominante, que obriga a continuar pelo menos com mais um som. Mas pra que este som seja executado, foi preciso reiniciar o texto e reiniciar o ritmo, e reiniciados estes é imprescindível ir até o fim deles. Mas ao chegar no fim deles é a evolução tonal da melodia que obriga a recomeçar outra vez (ANDRADE, 1983ANDRADE, Mário de. Música de feitiçaria no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL/Fundação Pró-Memória, 1983., p. 41-42).

Mário também percebeu que os bailados possuíam um dom encantatório que provocava impactos psicofisiológicos nos ouvintes, despertando-lhes estados anímicos subconscientes. Esse poder adviria do ritmo sincopado, o qual desencadearia um transe irresistível e maravilhoso, arredio a qualquer esforço de racionalização. Feito força sobrenatural, os ritmos populares seriam capazes de enfeitiçar as pessoas, de modo a agrupá-las em êxtase coletivo. O escritor chamou essa potência encantatória de “dinamogenia”, a qual atuaria “poderosamente sobre o físico, entorpecendo, dionisiando, tanto conseguindo nos colocar em estados largados de corpo fraco e espírito cismarento, como nos violentos estados de fúria” (ANDRADE, 1983ANDRADE, Mário de. Música de feitiçaria no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL/Fundação Pró-Memória, 1983., p. 37). Logo, o ritmo teria uma vocação para coletivizar devido à sua origem subconsciente: seria uma força primitiva a desencadear emoções de alta intensidade, cujo corolário seria o encantamento, a empatia e a congregação de pessoas em torno de rituais e festejos comuns. A influência psicofisiológica do ritmo sobre os corpos resultaria na unificação desses corpos em uma comunidade: pelo ritmo, todos dançariam e viveriam juntos.

A força hipnótica da música é mesmo apreciadíssima do nosso povo (...). Nossa gente em numerosos gêneros e formas de sua música principalmente rural, cocos, sambas, modas, cururus, etc., busca a embriaguez sonora. A música é utilizada numerosas vezes pelo nosso povo, não apenas na feitiçaria mas nas suas cantigas profanas, especialmente coreográficas, como um legítimo estupefaciente (ANDRADE,1983ANDRADE, Mário de. Música de feitiçaria no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL/Fundação Pró-Memória, 1983., p. 41-43).

No Compêndio de história da música (livro publicado pela primeira vez em 1929 e rebatizado com o título de Pequena história da música em 1942), Mário de Andrade defendia que os povos primitivos teriam preterido a melodia em benefício do ritmo, posto que este seria mais apto para despertar as forças profundas do inconsciente, que o autor chamava de “dinamogenias”. Dado que nos povos primitivos a inteligência racional seria secundária em relação aos impulsos corporais, fisiológicos, psíquicos ou instintivos, teria prevalecido em suas culturas o desenvolvimento da dimensão sensória, representada pelo ritmo, em detrimento da esfera técnica/racional, representada pela melodia e harmonia.

Várias causas levam os chamados “primitivos” a essa música pouco melodiosa e predominantemente rítmica. Em primeiro lugar vem a própria circunstância do ritmo ser mais dinamogênico que a melodia em si. Agindo com grande poder sobre a parte física do ser, ele provoca mais que qualquer elemento estético, seja o som, seja a cor, seja o volume, uma ativação muito forte do ser biológico total, não só físico, mas na complexidade do seu psiquismo também (ANDRADE, 1980ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. São Paulo: Martins Fontes, 1980., p. 16).

A música primitiva seria fundamentalmente rítmica e monótona, atrelada à função religiosa e ritualística, voltada a efeitos encantatórios. Tratar-se-ia de música sem escalas ou regras fixas; apenas baseada na repetição de motivos rítmicos-melódicos curtos, fáceis de memorizar (entoados geralmente em uníssono, pelo coral). Entre os primitivos, a música seria feita para agir diretamente na alma, não como veículo de gozo estético, mas como expressão capaz de manter os laços comunitários e espantar as vibrações destrutivas. Somente na Antiguidade grega a música teria recebido uma organização técnica, uma estrutura em escalas, com regras fixadas e propósito estético. Nesse momento, o aspecto melódico teria se aprimorado, mas somente para responder a exigências sociais. Como entre os povos primitivos, a música na Grécia antiga continuaria a ser expressão coletiva, unida à poesia e à dança.

Na prática a música foi apreciadíssima e teve uma importância social formidável. De primeiro valeram especialmente os Rapsodos, cantadores ambulantes que acompanhando-se na lira de quatro cordas, louvavam a memória dos deuses, dos heróis, dos feitos nacionais. Pelo caráter conservador próprio dos rituais religiosos, muito cedo principiaram se fixando certas melodias-tipo, inalteráveis, a que se atribuía influência mágica, moral ou simplesmente eficiência ritual (ANDRADE, 1980ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. São Paulo: Martins Fontes, 1980., p. 30).

Por tocar o inconsciente e mobilizar forças profundamente arraigadas, o ritmo teria o poder de encantar as pessoas, conglomerando-as em formas coletivas de viver. O ritmo seria, assim, fator de socialização. “A música popular anônima se origina em grande parte da precisão de organizar num movimento coletivo as festas e trabalhos em comum. Daí as danças, as marchas, e os cantos de trabalho, que nem cantigas de ceifa, cantigas de fiandeiras, barcarolas, acalantos, etc.” (ANDRADE, 1980ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. São Paulo: Martins Fontes, 1980., p. 60). Em contrapartida, a melodia e a harmonia demandariam maior empenho da habilidade individual. Nesse sentido, após o apogeu da cultura helênica, a música cristã teria inaugurado o individualismo musical na medida em que investira no desenvolvimento da melodia e da harmonia, deixando o ritmo em segundo plano. Desde os primórdios do canto gregoriano (século III), passando pelo surgimento da polifonia e das regras de harmonização, a música viria tornando-se cada vez mais íntima e sentimental, isto é, mais melódica e menos rítmica, mais individual e menos coletiva.4 4 “Ora o ritmo é socializador. Com as suas dinamogenias muito fortes ele coletiviza facilmente os seres. A melodia, fisiologicamente falando menos ativa, deixa espaço maior pra que se desenvolvam com independência os afetos individuais do ser. Por isso, à fase rítmica da Antiguidade, levada ao apogeu pela perfeição incomparável da Rítmica grega, vai suceder a fase melódica, isto é: à preponderância do ritmo que a gente observa na música antiga, sucede a preponderância mais sutil e condescendente da melodia” (ANDRADE, 1980, p. 34). O século XVII teria assistido ao início do período no qual prevaleceria a harmonia, indicando o eclipse do ritmo, agora relegado ao papel de mero acompanhamento. O predomínio do caráter harmônico/melódico significaria a ascensão do gênio autoral, em detrimento dos referenciais coletivos, esses veiculados pelo ritmo. A fase harmônica da música continuaria vigente. Segundo Andrade (1980ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. São Paulo: Martins Fontes, 1980.), a harmonia erudita teria atingido tal preponderância, que a antiga riqueza rítmica só poderia ser encontrada nas tradições populares.

Mário não chegou a definir um conceito de música popular ou folclórica. Ele a compreendia no sentido de anônima e ágrafa - tradição transmitida oralmente. O autor tampouco considerava as tradições populares restritas às comunidades campesinas. Além do rural, o folclore englobaria as populações dos subúrbios das cidades. Podemos afirmar que, para Mário, a música popular fazia parte das tradições engendradas nos segmentos mais modestos da sociedade. O folclórico seria o contraponto das criações individuais oriundas de uma elite intelectual. A importância do folclore residiria em sua natureza comunitária.

O musicólogo enxergou no populário o caminho para a superação do individualismo artístico e para o estabelecimento de princípios a partir dos quais se pudesse produzir uma música moderna e brasileira. Prover a moderna harmonia dos ingredientes rítmico-folclóricos garantiria à música artística um caráter coletivo. Os compositores deveriam pesquisar os cantos e ritmos tradicionais para nacionalizarem suas composições. Do contrário, não fariam outra coisa senão arte individualista, sem valor social, ou meros plágios do que se produzia na Europa e nos EUA. Por outro lado, se o músico brasileiro calçasse sua produção apenas nos documentos folclóricos, sua música redundaria em exotismo pedante. Fazia-se necessário equilibrar formação clássica, talento individual e tradição popular. O intelectual não condenava o estudo do sistema temperado nem a liberdade criativa do autor. As tradições autóctones viriam doar exuberância rítmica à música nacional, ao passo que a formação clássica colaboraria com a dimensão melódico-harmônica.

Narrativa de formação

Em 1941, Mário de Andrade publicou o artigo “Evolução social da música brasileira”, na revista Guairá, de Curitiba. Escrito em 1939, o texto foi incluído no livro Aspectos da música brasileiraANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes , 1975. com o nome “Evolução social da música no Brasil” (ANDRADE, 1975ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes , 1975.). O título denuncia o conteúdo, que busca apreender o processo histórico de formação da música nacional. De início, o escritor argumenta que, por estar condicionada, na maioria das vezes, a um trabalho grupal, a música seria a mais coletiva das artes. Em consequência, seria a arte mais representativa do ponto de vista da expressão dos sentimentos e símbolos partilhados coletivamente. Enquanto a pintura, escultura e literatura estariam mais ligadas à esfera individual, a música responderia por certas necessidades e condições de sociabilidade.5 5 “É que a música sendo a mais coletiva de todas as artes, exigindo a coletividade pra se realizar, quer com a coletividade dos intérpretes, quer com a coletividade dos ouvintes, está muito mais, e imediatamente, sujeita às condições da coletividade. A técnica individual importa menos que a coletiva” (ANDRADE, 1975, p. 18).

Dentro desse teor coletivista, a música no Brasil teria recebido incialmente uma motivação religiosa. Ainda no primeiro século da Colônia, já se teria o esboço de uma música nacional estimulada pela ação dos jesuítas. Segundo Mário de Andrade, a religião seria a manifestação humana mais primitiva, um “elemento de fusão defensiva e protetora da coletividade” (ANDRADE, 1975ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes , 1975., p. 21). Ele considerava a música e o canto religiosos, promovidos pelos jesuítas, como rituais eficazes à conversão dos indígenas e à consolidação do domínio português. O catolicismo e a música teriam sido os principais meios de imposição da cultura europeia aos nativos do Novo Mundo. A música jesuítica apareceria, então, como a primeira florada de uma musicalidade nacional na medida em que teria servido de prática ritualística capaz de fortalecer os valores e comportamentos que o colono pretendia impor aos indígenas.

A música mística dos jesuítas veio então agir bem necessariamente e no mais lógico sentido social, como elemento de religião, de catequização do índio ou concomitantemente de geral arregimentação. Encantava magicamente e submetia as forças contrárias, isto é, os índios; confortava quase terapeuticamente os empestados do exílio americano, isto é, os colonos e a todos fundia, confundia e harmonizava num grupo que as necessidades, ou melhor, a total carência de técnica e riqueza, tornava uma verdadeira comunidade sem classes, composta de indivíduos socialmente aplainados entre si (ANDRADE, 1975ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes , 1975., p. 21).

A música jesuítica entrava na categoria de arte funcional, isto é, aquela que serve aos propósitos de consolidar e manter os laços sociais, seja através de funções ritualísticas ou comemorações, seja em razão de atos costumeiros. Vigorava então uma prática musical que Mário chamava de “interessada”, ou seja, inerente ao cotidiano, presente nas festas religiosas e profanas, um bem comum e necessário, intrínseco às formas como as pessoas se socializavam. Nesse caso, não caberia falar em erudito e popular, uma vez que a música seria estritamente comunitária - sem distinções, sem divisões -, voltada ao fim de cimentar bases coletivas.

No entanto, Mário entrevia uma mudança a partir de determinado momento, que teria consistido na elitização da musicalidade que então se formava. Essa mudança teria ocorrido no final do século XVII. Com a organização das vilas e a fixação do colono no território, as divisões sociais teriam se acentuado e as classes dominantes teriam adquirido contornos mais nítidos em contraposição à massa de escravos e despossuídos. O cultivo de uma música “desinteressada”, isto é, destinada unicamente ao deleite dos segmentos mais ricos, teria sido favorecido pelas novas condições de estabilidade e distinção. Assim, a música coletiva do início da colonização teria dado lugar a uma música estritamente erudita, desconectada de qualquer utilidade coletiva, apenas para usufruto das elites religiosas e civis.

As manifestações musicais teriam permanecido hegemonicamente elitistas até o último quartel do século XVIII. Somente a partir do final desta centúria, teria se iniciado o processo de configuração da música popular brasileira, a partir do amálgama de sons africanos, indígenas e europeus. Tratava-se, todavia, de uma miscigenação ainda bastante tímida e titubeante. Ao longo do século XIX, a música aqui praticada continuaria marcada pelo internacionalismo. Apesar de já se notar a presença de expressões populares como as modinhas e lundus, no Império prevaleceriam as tendências estrangeiras: polca, mazurca, valsa, ópera etc. Da mesma maneira, Mário argumentava que as danças dramáticas também viriam se formando a partir de fins do Setecentos. No alvorecer da República, a música produzida no Brasil encontrar-se-ia ainda majoritariamente erudita e imitativa, embora já houvesse material folclórico considerável.6 6 “Os compositores que caracterizam esse primeiro período da República são assim tipicamente internacionalistas. O grande Henrique Oswald, Leopoldo Miguez, Glauco Velasquez, Gomes de Araújo, Francisco Braga, Barroso Neto (estes dois em sua primeira maneira) e outros bons representantes dessa fase inicial republicana, é justo verificar que já apresentavam uma técnica suficientemente forte para que a nossa música alimentasse umas primeiras aspirações de caminhar por si” (ANDRADE, 1975, p. 30).

É só no fim do século XVIII, já nas vésperas da Independência, que um povo nacional vai se delineando musicalmente, e certas formas e constâncias brasileiras principiam se tradicionalizando na comunidade, com o lundu, a modinha, a sincopação. Logo em seguida, e com bem maior exigência popular então, se fixam as nossas grandes danças dramáticas, os reisados, as duas cheganças, os congos e congados, os cabocolinhos e caiapós, e o bumba meu boi, alguns destes provavelmente compendiados rapsodicamente e “arranjados” no texto e na música por poetinhos e musiquetes urbanos bem anônimos. O bumba meu boi, sobretudo, já era bem caracteristicamente e livremente nacional, pouco lembrando as suas origens remotas d’além-mar e celebrando o animal que se tornara o substituto histórico do bandeirante, e maior instrumento desbravador, socializador e unificador da nossa pátria, o boi. Nos últimos dias do Império finalmente e primeiros da República, com a modinha já então passada do piano dos salões para o violão das esquinas, com o maxixe, com o samba, com a formação e fixação dos conjuntos seresteiros dos choros e a evolução da toada e das danças rurais, a música popular cresce e se define com uma rapidez incrível, tornando-se violentamente a criação mais forte e a caracterização mais bela da nossa raça (ANDRADE, 1975ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes , 1975., p. 31).

De acordo com a explanação, no começo do século XX, teríamos uma música popular em pleno desenvolvimento, mas ainda não consolidada, e ramificada em duas linhas: uma rural, que incluía os congos, cabocolinhos, bumbas meu boi etc.; e outra de procedência urbana, como o maxixe, o samba, a modinha e o choro.

Ao lado da música popular, haveria também, nesse momento, os primeiros indícios de uma música erudita que se voltava para o populário. Artistas de formação clássica começavam, ainda que timidamente, a fazer a junção entre o popular e o erudito, dando sinais de certa autonomia em relação aos padrões europeus. No período republicano, Alexandre Levy e Alberto Nepomuceno teriam sido as “primeiras conformações eruditas do novo estado-de-consciência coletivo que se formava na evolução social da nossa música, o nacionalista” (ANDRADE, 1975ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes , 1975., p. 30).

No entender de Mário, a formação incipiente de tradições populares, anônimas e coletivas, e o processo ainda mais recente de diálogo do erudito e do popular seriam sintomas de uma nação jovem, sem tanta densidade histórica quanto às nações de além-mar. Concluía-se que o Brasil ainda não gozava de uma identidade sólida. Por não ter uma “personalidade” acabada, estaria vulnerável às influências estrangeiras e algo vacilante quanto ao que lhe fosse próprio. As vogas estrangeiras penetrariam com maior vigor nessa jovem nação posto que a mesma ainda não possuiria a maturidade necessária para se defender e se afirmar. Portanto, o momento era de formação de uma identidade, mas também de incerteza e grande expectativa.

Em contrapartida, viver-se-ia uma época de despertar, de conscientização da nacionalidade, que se refletia na aproximação do artista erudito às coisas do povo. Se Alexandre Levy e Alberto Nepomuceno teriam dado os primeiros passos nessa direção, apenas na década de 1920 a nacionalização da música erudita teria alcançado maior fôlego. Villa-Lobos à frente, estariam contribuindo para a fase nacionalista compositores como Luciano Gallet, Lourenço Fernandez, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Frutuoso Viana, Radamés Gnatalli, entre outros.

Com efeito, a época contemporânea seria a mais consciente, já que responsável pela consolidação da música nacional por via da conversa entre a musicologia clássica e as tradições populares. Mário entendia o modernismo como missão histórica que viria a coroar o processo de formação da nacionalidade. O presente seria o ponto de culminância de um movimento que levara séculos para germinar. Não era pouca a importância dada àqueles anos, que representavam um período de pesquisa, de trabalho austero e sacrifícios em prol do estabelecimento de uma arte e identidade nacionais. O modernismo teria o papel histórico de promover a renovação das artes e valorizar as tradições populares, de modo que se pudesse reconhecer a nação enquanto comunidade culturalmente autônoma.

Nós ainda estamos percorrendo um período voluntarioso, conscientemente pesquisador. Mais pesquisador que criador. O compositor brasileiro da atualidade é um sacrificado, e isso ainda aumenta o valor dramático empolgante do período que atravessamos. O compositor, diante da obra a construir, ainda não é um ser livre, ainda não é um ser “estético”, esquecido em consciência de seus deveres e obrigações. Ele tem uma tarefa a realizar, um destino prefixado a cumprir, e se serve obrigadamente e não já livre e espontaneamente de elementos que o levem ao cumprimento de seu desígnio pragmático (ANDRADE, 1975ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes , 1975., p. 33-34).

O “sacrifício” exigido aos compositores modernos significava abrir mão da vaidade pessoal e do virtuosismo, e dedicar-se à pesquisa do folclore para poder produzir uma música autenticamente nacional, evitando a cópia e a influência deletéria das correntes estrangeiras.

Ritmo, melodia e harmonia

Mário salientava o trabalho de músicos brasileiros contemporâneos que, em sua opinião, estavam efetivando a fusão do erudito com o popular, como Villa-Lobos, Luciano Gallet, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Lourenço Fernandez e Radamés Gnatali. Estes seriam “os mais legítimos compositores brasileiros”, os quais, “dentro da mais completa erudição técnica, (...) procuram diminuir as distâncias sociais, hoje tão graves e falsificadoras, entre a arte erudita e o povo” (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 364).

Como significação nacional (e não “nacionalista”), certas Bachianas de Villa-Lobos, a recente admirável Sonata de Francisco Mignone, tantos Ponteios de Guarnieri, são da maior importância, a meu ver. Livres, arte erudita, criações esplêndidas, isentas de qualquer “populismo” condescendente, essas obras perseveram, no entanto, como concepção e realização, junto das formas populares da vida nacional. Examine-se a Sonata de Mignone: nem sequer a dança ele consegue mais à... distração popular. Ela é popular, como Scarlatti é popular. Alegre, viva, sadia, livremente inspirada nas forças musicais nativas, o povo brasileiro se reconhecerá nela, mas apenas naquilo em que ele é uma promessa de grandeza humana, naquilo em que ele é melhor. E diante das realidades atuais do mundo, eu acredito que deveríamos retornar a uma concepção mais ética da arte. Como nos tempos da Grande Grécia (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 365).

Ressalta nessa fala duas acepções de popular: uma que aponta para um sentido de futilidade; outra que se refere a tradições verdadeiras, formadas em razão de necessidades sociais. Estas últimas não se voltavam ao consumo ou ao lazer, daí sua autenticidade. Ao contrário, haveria as produções musicais que não se vinculavam às tradições nativas, mas que se dirigiam ao mercado: não passavam de modismos efêmeros, banais, sem valor.

Temos aqui a crítica andradina às músicas que tocavam nas rádios e à indústria fonográfica, que se encontrava em franco crescimento na capital paulista durante os anos 1930 (MORAES, 2000MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em sinfonia: história, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.). O “populismo condescendente” referenciava as músicas mecânicas que estavam na moda naquele momento e que não tinham outra meta senão servir de lazer e distração. O popular autêntico estaria nas tradições formadas em ambientes rurais e suburbanos; compreendia aquelas manifestações anônimas como fandangos, maracatus, cocos, reisados, catimbós, congadas etc. Grande parte das músicas consumidas pelo público, seja na rádio ou em discos, não passaria de pasticho, modismos desprovidos do selo da genuína música popular.

O escritor modernista distinguia entre o popular autêntico e o que ele chamou de popularesco, ou seja, as canções produzidas unicamente para satisfazer as demandas dos consumidores. A crítica ao popularesco foi frequente em sua atividade jornalística. O tema foi abordado em “Música popular”, artigo publicado em O Estado de São Paulo, no dia 15 de janeiro de 1939. Neste texto, o autor observa que os compositores de sambas, marchinhas e frevos haviam perdido qualquer ligação com os ritmos verdadeiramente folclóricos, deixando-se influenciar por interesses comerciais. O artigo critica as músicas apresentadas nos concursos carnavalescos.

Mas o que aparece nestes concursos, não é o samba do morro, não é coisa nativa nem muito menos instintiva. Trata-se exatamente de uma submúsica, carne para alimento de rádios e discos, elemento de namoro e interesse comercial, com que fábricas, empresas e cantores se sustentam, atucanando a sensualidade fácil de um público em via de transe. Se é certo que, vez por outra, mesmo nesta submúsica, ocasionalmente ou por conservação de maior pureza inesperada, aparecem coisas lindas ou tecnicamente notáveis, 90% desta produção é chata, plagiária, falsa como as canções americanas de cinema, os tangos argentinos ou fadinhos portugueses de importação (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 280-281).

O excerto diagnostica o duplo perigo de banalização da música: de um lado, corria-se o risco de abusar do dado folclórico, de modo a descaracterizá-lo; de outro, os artistas estavam sujeitos a render-se às correntes estrangeiras, desvirtuando assim a “verdadeira” música nacional. Em qualquer dos casos, tratar-se-ia de “submúsica”, isto é, produção fútil e falsa, destinada ao consumo. O cuidado do artista consistiria em evitar essas duas tentações: “copiar” elementos das músicas comerciais vindas do exterior; ou exagerar no ritmo, temas e melodias folclóricos. Fazia-se necessário, portanto, um equilíbrio entre o uso de padrões populares, as transposições estrangeiras e as invenções individuais. Do contrário, teríamos uma produção falseada, pois vinculada à indústria cultural. O exotismo, nessa chave de leitura, diria respeito a essas duas formas de adulterar a canção (seja pela via do pasticho estrangeiro, seja pela desmedida popularesca).

Mas estou convencido que é preciso de fato abandonar o excesso de folclore e a sua utilização documental. (...). Não há dúvida que o folclore, útil um tempo como bandeira de combate, útil toda a vida como elemento de estudo e experiência, tem de ser superado como base de criação. O seu excesso fatigante de caráter, os elementos excessivamente cancioneiros de que nasce, a prisão à quadratura rítmica e aos movimentos coreográficos em pouco tempo o tornam um empecilho da criação. Também é preciso não confundir nacional com folclore. (...) É preciso abandonar o folclorismo, porém, por outro lado é preciso não cair num qualquer internacionalismo turístico sem significação funcional (ANDRADE,1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 352-353).

A música que equilibrasse pesquisa do populário e assinatura pessoal, esta seria a autêntica música moderna. Urgia aos compositores estudarem o folclore, valorizá-lo, absorvê-lo e preservá-lo. No entanto, era preciso barrar o exotismo, isto é, a adoção acrítica tanto de elementos populares quanto de estrangeiros, tendo em vista apenas os ditames do rádio, da fonografia e do entretenimento. A música artística deveria abster-se de qualquer objetivo mercadológico e voltar-se inteiramente à função social de integrar o coletivo.

Porém, como equilibrar o folclórico, o estrangeiro e o autoral sem cair no exotismo? Qual o critério para se fazer música autenticamente moderna, e distingui-la da “carne para alimento de rádios e discos”? A resposta talvez residisse no bom agenciamento entre ritmo, melodia e harmonia.

Em setembro de 1930, Mário publicou, no periódico carioca Illustração MusicalANDRADE, Mário de. Originalidade do maxixe. Illustração Musical, Rio de Janeiro, setembro de 1930., o artigo “Originalidade do maxixe”, em que ele questiona o caráter nacional desse estilo que era bastante apreciado naquele contexto. O autor contesta a “originalidade brasileira” do maxixe.

Como toda produção folclórica urbana do mundo, ele [o maxixe] tem doenças hereditárias temíveis. A principal de todas é a banalidade. Uma ausência de originalidade melódica, digo mais, de caracterização melódica, fundamental. Todas as criações urbanas, ou fixações urbanas, são em geral assim, e a prova mais definitiva foi a introdução nos foxtrotes e outros cortes rítmicos em que o jazz se manifesta, de linhas de Bach, de Rimsky e até brasileiras. (...).

Com o Maxixe se dá o mesmo. Entraram nele os sons rebatidos específicos dos sapateados de cateretês e outras danças rurais congêneres: entraram nele impavidamente deformadas as linhas de feitiçaria, as emboladas nordestinas e o diabo, até dança-de-roda infantil! Jazz, Maxixe, Tango são como a própria cidade: devoram tudo e tudo nulificam numa comunidade rasa que só não é infamante porque, meu Deus! É humana, geral, inconsciente (ANDRADE, 1930ANDRADE, Mário de. Originalidade do maxixe. Illustração Musical, Rio de Janeiro, setembro de 1930., p. 45).

Mário não alivia na crítica. As “doenças hereditárias temíveis” que ele detecta no maxixe ligar-se-iam à proveniência urbana deste estilo, que estaria à mercê dos caprichos da indústria e da massa de consumidores. Segue-se que a banalidade do maxixe estaria patente em sua pobreza e/ou estandardização melódica, e não na rítmica. Esta, ao contrário, ostentaria grande virtuosidade. O que Mário estava afirmando é que, não obstante a proeza de seus ritmos, o maxixe seria banal por não inovar na parte harmônico-melódica. Os sons rebatidos, que remeteriam às danças rurais e folclóricas, estariam presentes no maxixe, mas não seriam o suficiente para fazer dele um estilo essencialmente brasileiro. Ora, não seria justamente a rítmica diversificada que garantiria a singularidade da música nacional?

A despeito do saracoteio, o maxixe poderia se igualar ao jazz, ao tango e a qualquer outro modismo urbano, muito embora trouxesse em sua base o ritmo das danças folclóricas. Depois de tanto elogiar a rítmica brasileira, torna-se no mínimo esquisito a avaliação que Mário faz do maxixe, uma vez que tal estilo estaria fundado na exploração das possibilidades rítmicas disponibilizadas pelo populário. Contudo, apesar de conter caracteres de brasilidade, na maior parte das vezes o maxixe resultaria em exotismo popularesco, definido pelo excesso de referências populares em canções comerciais. Para impedir tal exotismo, fazia-se necessário investir no conhecimento técnico e erudito, isto é, na melodia e na harmonia, conforme a gramática da escala temperada.

Ironicamente, temos aqui o exemplo de um estilo que não seria “originalmente brasileiro” por centrar-se sobremaneira no ramerrão popular, representado pelo ritmo, e deixar em segundo plano as exigências eruditas e o dom de inventar, relativos à dimensão harmônico-melódica. Com isso, Mário pretendia esclarecer sua posição de repúdio ao que ele chamava de “folclorismo”, e incentivar a criação artística individual. Na verdade, o autor pregava, vale repetir, um equilíbrio entre essas esferas (individual e coletivo, ou harmonia/melodia e ritmo). O defeito de muitas peças de maxixe estaria na melodia, carente de maior esmero e diversificação; ou também na rítmica, quando esta se mostrasse exageradamente popular (popularesca).

Nas composições modernas, o ritmo deixado de tal forma órfão de melodia e harmonia bem elaboradas equivaleria a qualquer canção comercial, fosse estrangeira ou produzida no Brasil. Quando o assunto era maxixe, nem os consagrados Ernest Nazareth, Donga, Eduardo Souto e Sinhô escapavam da verve crítica de Mário de Andrade. Para a consolidação de uma música moderna e brasileira, enfim, ao lado da pesquisa folclórica, era imprescindível cuidar do aspecto melódico e harmônico.

Mas não é só na devoração melódica do que já é nosso que o Maxixe é discutivelmente original. O estudo sincero da obra de Ernesto Nazareth, homem que admiro, me levou a certas perversidades muito desilusórias. Nazareth incontestavelmente é o criador da forma pianística mais perfeita do Maxixe. Do Maxixe carioca, que é o único legitimo. Ora, basta pegar certos Maxixes dele e mudar o ritmo, ternarizá-lo ou dar-lhe movimentos de habanera ou de polca, pra ver o que fica. É raro o que sustenta caráter reconhecivelmente nacional. As melodias se tornam chochas, europeias, internacionais, musicaria de importação, pra dança e nada mais.

Porém a culpa não é de Nazareth, mas uma circunstância urbana do Maxixe. Os méritos do compositor continuam os mesmos. Porque com a infinita maioria dos Maxixes, sejam mesmo do dum Sinhô, coitado!, dum Souto, dum Donga, se dá o mesmo. Melodicamente esses autores são banalíssimos. E influenciadíssimos. A gente encontra de tudo neles: processos de jazz e arabescos de França (ANDRADE, 1930ANDRADE, Mário de. Originalidade do maxixe. Illustração Musical, Rio de Janeiro, setembro de 1930., p. 45).

O maxixe estaria marcadamente sujeito à desfiguração, podendo se tornar misto de pastiche estrangeiro e música popular equivocada. Nesse caso, seria mercadoria para consumo rápido, equivalendo a qualquer “polca”, jazz, “arabescos de França” ou “habanera” - bastaria mudar o ritmo, já que a melodia padeceria sempre da mesma ligeireza ou falta de singularidade. Nota-se, assim, que Mário procurava traçar uma linha divisória entre o banal e o autêntico, no que tange à música nacional. Essa linha se sustentaria sobre a ponderação entre a pesquisa folclórica, os conhecimentos musicológicos e a inventividade de cada compositor.

Em 1927, Mário produziu estudo sobre a série das “Doze canções brasileiras”, compostas por Luciano Gallet. O artigo homônimo7 7 Na verdade, trata-se de uma série de três artigos publicados no jornal Diário Nacional, com títulos de “Canções Brasileiras I” (22/12/1927), “Canções Brasileiras II” (25/12/1927) e “Canções Brasileiras III” (27/12/1927). A mesma série foi unificada, com poucas modificações, e incluída na coletânea Música, doce música, cuja primeira edição data de 1933 (ANDRADE, 1963). reflete sobre a relação entre harmonização erudita e rítmica popular, e inicia dizendo que “no Brasil o estudo da música de folclore é de uma ausência vergonhosa” (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 171). Gallet seria a prestimosa exceção a essa regra por ter conseguido equilibrar documento folclórico, erudição e inventividade artística. Como exemplo, Mário citou as canções “Morena, morena”, “Toca zumba”, “Eu vi amor pequenino”, “Puxa o melão”, “Tutu marambá”, “Foi numa noite calmosa”, “Casinha pequenina”, “Suspira coração triste”, “Bambalelê”, “Taieras”, “Luar do sertão”, “Eu vi amor pequenino”, “Arrazoar”, entre outras (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 171-176). Nestas, o músico, teria reinterpretado a rítmica popular dentro de novas harmonizações e melodias, trazendo o documento folclórico para o âmbito da inventividade artística, sem, todavia, descaracterizá-lo. Segundo Mário, “é pela harmonização, pela rítmica e pela polifonia que, buscando interpretar e revelar a cantiga registrada, [Gallet] faz obra de verdadeira invenção, conseguindo mesmo originalidade bem pessoal” (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 171-172). Procedendo dessa forma, Gallet teria respeitado o limite entre o autoral e o coletivo, evitando o “diletantismo com que mesmo compositores profissionais harmonizam de vez em quando as modas da gente” (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 171-172). Mário ainda se referia ao húngaro Béla Bartók e ao espanhol Manuel de Falla como harmonizadores exitosos das tradições populares de seus países.

Uma harmonização refinada de canção popular é perfeitamente certa e transporta essa canção pra uma ordem diferente, que é culturalmente artística. (...). Carece lembrar que refinamento não exclui simplicidade. Béla Bartók harmoniza refinadissimamente e no entanto dentro duma simplicidade perfeitamente equilibrada com a própria essência das canções que transporta prá ordem artística. As harmonizações dele são moderníssimas e, no entanto, perfeitas, a meu ver. Manuel de Falla também procede com a mesma perfeição. (...) Ora, eu não vejo razão nenhuma para os compositores não fazerem o mesmo com as músicas populares da gente, de forma a enriquecê-las harmonicamente, único ponto fraco que sob o ponto de vista artístico elas apresentam (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 173-174).

A mensagem que o musicólogo pretendia transmitir consistia em estabelecer a clara distinção entre a contribuição específica do popular e o contributo da confecção artística. Ambos teriam sua parte na formação da música nacional, desde que fossem claramente distinguidos e diligentemente combinados. As canções folclóricas já estariam completas em si mesmas. Não seria recomendável reproduzi-las ipso facto apenas para atender demandas do mercado. Mário propunha o encontro do sistema tonal com o ritmo fora do compasso, entendendo que o equilíbrio entre esses dois polos deveria ser mantido, sob pena de se decair no falso, no pedante ou no exótico.

Ao lado de Gallet, Mário elencava outros músicos e obras que, em sua perspectiva, representariam a autêntica (leia-se moderna) música artística nacional, sempre levando em conta o critério de que se fazia necessário usar adequadamente o elemento folclórico (leia-se rítmico) dentro de uma fatura harmônica e melódica apurada. Em sua opinião, nas “Bachianas Brasileiras”, série de nove peças escritas em 1922, Heitor Villa-Lobos teria alcançado excelência ao equilibrar rítmica popular, técnicas eruditas e tratamento autoral. A farta ocorrência de síncopes, tal como Bach procedera em suas tocatas e fugas, asseguraria às “Bachianas Brasileiras” lugar de destaque no modernismo brasileiro. De acordo com o poeta: “Poucas vezes o grande compositor terá ido mais longe na maneira de tratar eruditamente os temas do nosso populário” (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963., p. 276).

O elogio dirigia-se também ao trabalho de Francisco Mignone. A “Fantasia Brasileira n. 3”, peça para piano e orquestra, escrita em 1934, era considerada por Mário de Andrade como modelo de brasilidade, devido às suas “frases, linhas, temas de samba e feitiçaria, violentos e ardentes, umas queixas de toada caipira e mesmo leves grupos de terças” (ANDRADE, 1934aANDRADE, Mário de. Cultura artística. Diário de São Paulo, São Paulo, 11 de maio de 1934(a).). O autor de Macunaíma concluía que “Francisco Mignone conseguiu aí não apenas um poder sugestivo extraordinário, como uma das páginas mais bem-sucedidas da música sinfônica nacional” (ANDRADE, 1934aANDRADE, Mário de. Cultura artística. Diário de São Paulo, São Paulo, 11 de maio de 1934(a).). Sobre o balé com coro e orquestra, “Maracatu de Chico Rei”, escrito por Mignone em 1933, Mário asseverava que “o compositor se dedicara essencialmente à conformação em música erudita dos elementos afro-brasileiros da nossa música racial” (ANDRADE, 1934bANDRADE, Mário de. Maracatu de Chico Rei. Diário de São Paulo, São Paulo, 14 de novembro de 1934(b).). A mesma avaliação valeria para Lourenço Fernandes, Camargo Guarnieri, Marcelo Tupinambá, Radamés Gnatalli, Frutuoso Viana, entre outros.

Não obstante o destaque dado a esses compositores, Mário observava que algumas de suas obras apresentavam, em certas passagens, uma harmonização excessiva que comprometia a integridade do aspecto folclórico e resvalava na imitação do modelo clássico Europeu. O autor notava também que mesmo os músicos por ele apreciados acabavam, vez ou outra, cometendo o erro já comentado acima, qual seja, de centrar-se no desenvolvimento rítmico e deixar a melodia demasiadamente monótona.

É o que a gente pode observar no “Sapo Jururu” tratado por Villa-Lobos nas Cirandas n. 4, “O Cravo brigou com a Rosa” e mais fortemente ainda da “Puxa o Melão” de Luciano Gallet (Melodias Populares), na qual a repetição canônica da própria melodia principal, apesar do brasileirismo incontrastável desta, assume o aspecto de mera retórica europeia. Também no primeiro tempo do “Trio Brasileiro” de Lourenço Fernandes a exposição do tema em fá menor segue descaracterizadamente na dialogação imitativa de violino e violoncelo (...) (ANDRADE, 1928ANDRADE, Mário de. Polifonia. Movimento Brasileiro, Rio de Janeiro, novembro de 1928., p. 9-10).

Podemos concluir que a música artística nacional se encontrava ainda oscilante, precisando ajustar a harmonização com as referências rítmica oriundas do populário. A posição do crítico era de rigor absoluto quando se tratava de equilibrar o dado popular, a criação individual e o domínio técnico. Mas esse equilíbrio seria possível? Como acertar a medida? Como saber até que ponto investir na invenção individual sem descaracterizar o documento popular?

Crítica ao virtuosismo

Embora Mário defendesse o intercâmbio criterioso do erudito e do popular, ele discriminava ambos os domínios. Era preciso cuidado com a erudição em demasia, caso contrário as composições tenderiam a diluir-se em caprichos individuais fúteis. O autêntico em arte não residiria no gênio particular do artista, mas em sua capacidade de transmitir os sons característicos de uma coletividade. O artista que não fosse ao encontro do popular estaria fadado a produzir uma arte individualista e/ou virtuosística. A crítica ao virtuosismo foi uma constante em Mário de Andrade. O crítico combateu veementemente o que ele entendia ser um individualismo supérfluo, mero capricho ou vaidade individual, sem valor à coletividade. O dado folclórico viria dar base ou padrão à assinatura do autor, controlando o exibicionismo técnico. Tal posicionamento fica patente quando o musicólogo comparava Ernesto Nazareth a Marcelo Tupinambá, argumentando que, embora o primeiro fosse tecnicamente mais hábil que o segundo, a música de Tupinambá possuiria maior significação nacional por se alinhar harmoniosamente aos elementos do cancioneiro caboclo.

Nazareth é o maxixe sofrendo influências eruditas muito fortes. É o maxixe antifolcloricamente urbano. E, urbanizado à Europa necessariamente. (....) Nesse sentido, Marcelo Tupinambá se avança a Nazareth, embora lhe seja muito inferior como valor pessoal. Mas a melódica de Tupinambá é já cabocla, rural, e demonstra uma fusão mais harmoniosa dos elementos fundamentais da nossa raça (ANDRADE, 1938ANDRADE, Mário de. Folhas D’Album. Revista Acadêmica, n. 40, Rio de Janeiro, outubro de 1938., s/p).

De 1943 a 1945, Mário assinou a coluna “Mundo musical”, no jornal Folha da Manhã. A maioria das crônicas abordou temas musicais a partir das questões recorrentes no pensamento marioandradino, como a crítica ao virtuosismo, a diferenciação entre popular e popularesco e a combinação entre forma coletiva e contributo individual (COLI, 1998COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998.). O escritor indicava Mozart como o precursor do individualismo na história da música, frisando que gênio não era sinônimo de arte, posto que esta, antes de satisfazer as vaidades e caprichos do compositor, deveria servir a uma coletividade. Na coluna de primeiro de julho de 1943, denominada “O pontapé de Mozart”, o poeta dizia que “a arte tem de servir, é necessária à vida como o pão. E ser gênio é... pros outros. E a consequência monstruosa do pontapé de Mozart foi esta, ninguém faz arte mais pra servir, mas pra ser gênio e ser sublime” (ANDRADE apud COLI, 1998COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998., p. 58). O artigo “A carta de Alba”, de oito de julho do mesmo ano, não poupava críticas aos conservatórios, por terem incentivado o virtuosismo e a vaidade. “Os conservatórios não criam música, criam gênios, não visam a vida cotidiana, visam o palco, a multidão, o êxtase” (ANDRADE apud COLI, 1998COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998., p.63).

Mário elevou a tal ponto o tom de sua crítica ao virtuosismo, que chegou a afirmar que o músico deveria portar-se como um proletário, fazendo música para a educação e fruição da sociedade. A razão era simples: se a sociedade paga o músico, nada mais justo que este retribua compondo canções para as massas. Artesãos ou proletários da música, os compositores contemporâneos estariam sustentando, no olhar de Mário, uma conduta ética. Para Mário, o músico não deveria compor por “inspiração” ou quando bem lhe aprouvesse - o que seria egoísmo -, mas sim de acordo com as demandas sociais. Compor seria mais um ato missionário a serviço do povo do que de inspiração, conforme a vontade do gênio.8 8 “Nos tempos de dantes, o músico compunha diariamente, tivesse ou não tivesse essa inspiração, que hoje serve de disfarce pra covardias e egoísmos. E como agia proletariamente e possuía o seu artesanato, sempre lhe saíam da arte obras admiravelmente bem feitas, até perfeitíssimas, que funcionavam em vida. É bem de imaginar que Bach não devia estar por aí suando da inspiração, protestante como era, quando se dispôs a compor uma Missa em Si Bemol! (...) Destino verdadeiro e perfeito de obra-de-arte que agiu politicamente um tempo e depois desapareceu” (ANDRADE apud COLI, 1998, p. 115). Portanto, a arte teria um propósito ético e político. No caso em pauta, o propósito consistia em consolidar uma música nacional pelo agenciamento adequado entre o documento folclórico e os códigos eruditos.

Em um de seus últimos escritos, intitulado “Introdução a Shostakovich”, Mário de Andrade defendeu que o compositor russo Shostakovich vinha produzindo música “útil à vida política do homem”, “consciente e exigente do seu poder funcional, e predeterminada a uma funcionalidade política da coletividade” (ANDRADE apud COLI, 1998COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998., p. 397). O músico seria o exemplo perfeito de artista erudito dedicado ao artesanato popular. Tratar-se-ia de um artista que soubera equacionar talento individual e obra coletiva. O artigo reforça a crítica ao virtuosismo.9 9 Mário de Andrade escreveu “Introdução a Shostakovich” em janeiro de 1945, poucos dias antes de falecer. O texto foi publicado originalmente no livro Shostakovich, de autoria de Victor Illich Seroff, editado pela Empresa Gráfica O Cruzeiro, Rio de Janeiro, naquele mesmo ano. Usamos a versão publicada por Jorge Coli (1998).

Ora, se utilizando de gêneros e formas tradicionais burguesas, o alegro de sonata, a sinfonia, o gênero instrumental de câmara, Shostakovich recorreu a expressões que, si um tempo foram exclusivas duma classe, a música mecânica já impusera às massas do tempo nosso, e já estão se tradicionalizando nelas. Ainda mais, o reemprego por Shostakovich das expressões estéticas da sonata, da sinfonia, do quarteto, ou da imitação, e do desenvolvimento temático, é de-fato uma revolta consciente, de intenção coletivizadora, contra a música “modernista” da sociedade burguesa contemporânea. Representa o que há de mais antimoderno e de mais negativo dos princípios espirituais, políticos, estético-formais e de gêneros, de um Debussy, de Schoenberg, de Stravinski. Nesse sentido, a volta de Shostakovich a princípios construtivos tradicionais dos séculos XVIII e XIX, é um repúdio ao esteticismo individualista deliquescente da música burguesa contemporânea. E ao mesmo tempo um aproveitamento muito hábil de soluções que a música mecânica está tradicionalizando, “folclorizando” no povo (ANDRADE apud COLI, 1998COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998., p. 399).

O Shostakovich “antimoderno”, entretanto, aquele cujo trabalho incorporava a tradição, combinava-se com o autor moderno, que imprimia sua assinatura às próprias composições, que se voltava também à pesquisa de novas experiências sonoras, novas texturas e modos de compor, dentro das possibilidades estéticas que a modernidade disponibilizava. Assim, nas mãos do músico russo, o documento folclórico encontrava “o cromatismo em sua amplitude máxima, a modulação constante dentro da frase, o polifonismo e os conjuntos acordais de grande complexidade interpretativa” (ANDRADE apud COLI, 1998COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998., p. 400).

Apesar do balanço positivo acerca da obra de Shostakovich, Mário de Andrade percebia que muitas de suas composições redundavam em banalidade. Isto porque, ao dar um tratamento erudito a temas folclóricos, Shostakovich teria mantido as constâncias melódicas do cancioneiro popular, para, desse modo, fazer uma música mais compreensível às massas. Ocorre que, para Mário, o compositor russo teria sido demasiadamente conivente com o aspecto melódico, a ponto de deixar muitas peças repetitivas e carentes de maior criatividade. Ou seja, Shostakovich teria, não raras vezes, pecado pela falta de originalidade no quesito melodia. Tal análise assemelhava-se ao que Mário tinha dito do maxixe, no caso da música brasileira.

A prevalência melódica, a utilização de arabescos cancioneiros de caráter popularesco, a necessidade de tornar a obra francamente compreensível ao público proletário, bem com ainda a facilidade melodista da imaginação criadora, provocam em Shostakovich a escorregadela na banalidade. E não são raríssimas as vezes em que ele cai na tal. Mesmo na coleção tão bonita dos “Vinte e Quatro Prelúdios”, nem sempre o cromatismo consegue disfarçar os insultos da banalidade melódica (ANDRADE apud COLI, 1998COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998., p. 401).

Note-se que, para o intelectual paulista, o risco de se incorrer na banalização melódica, quando da transposição do populário às composições eruditas, era frequente. Ou seria a própria fronteira entre o popular e o popularesco, o moderno e o exótico, que se mostrava indiscernível? Posto em outros termos: definir uma música autêntica em contraste com outra que não o fosse, porquanto banal, não dependeria, em último caso, de um julgamento retumbantemente subjetivo e arbitrário? Ao que parece, Mário escorregava ao procurar os critérios pelos quais pudesse distinguir o joio do trigo. Mesmo os compositores mais exitosos na conjugação do folclórico com artístico continuariam, em sua perspectiva, a produzir um volume considerável de música comercial e supérflua.

Indústria e música nacional

Durante as décadas de 1920 e 1930, além de Mário de Andrade, havia outros intelectuais que defendiam o estudo do folclore para o estabelecimento de uma música nacional, como Arnaldo Estrela, Renato Almeida, Nicanor Miranda, Flausino Rodrigues Valle, Luiz Heitor Correa de Azevedo, Andrade Muricy, Luciano Gallet e Sá Pereira. “Todos criticavam a utilização simplista e ingênua das fontes folclóricas pelos compositores, pois julgavam que tal procedimento levaria à elaboração de meros pastichos desses temas populares” (CONTIER, 1988CONTIER, Arnaldo Daraya. Brasil Novo: música, nação e modernidade: os anos 20 e 30. Tese (Livre Docência). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988., p. 161).

Nesse período, músicos prestigiados começaram a compor com base em peças folclóricas, muitas das quais pesquisadas e divulgadas por Mário de Andrade. Além de Villa-Lobos, o caso mais famoso, podemos citar Lorenzo Fernandez, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Dinorah de Carvalho, Clorinda Rosato, Brasílio Itiberê, Waldemar de Almeida, Artur Pereira, Eduardo Souto, entre outros. Contudo, a temática popular tornou-se muito atrativa para um público cada vez maior e mais ávido por novidades. Assim, o uso de temas folclóricos banalizou-se, seja pela penetração massiva em programas de auditório transmitidos pelo rádio, ou pela comercialização em grande escala através dos discos (CONTIER, 1988CONTIER, Arnaldo Daraya. Brasil Novo: música, nação e modernidade: os anos 20 e 30. Tese (Livre Docência). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988.).

Nos maiores centros urbanos, como São Paulo e Rio de Janeiro, ao longo dos anos 1930, comercializavam-se vários gêneros musicais, como sambas, marchinhas carnavalescas, choros, serestas, boleros, tangos, valsinhas, óperas, operetas, rumbas, maxixes, canções sertanejas, foxtrotes, sinfonias, jazz etc. Nas rádios e lojas de discos, abundavam músicas norte-americanas, argentinas, mexicanas, francesas, portuguesas, espanholas, alemãs e italianas. Essa diversidade não era divulgada apenas pelo rádio e pelos discos, mas podia ser apreciada também nos espaços de lazer, como circos, casas especializadas em apresentações musicais, cafés, bares, clubes, cinemas e teatros (MORAES, 2000MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em sinfonia: história, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.).

Visando projeção profissional, muitos compositores passavam a compor sambas-boleros, sambas-baladas, modas sertanejas e toda sorte de “carne para alimento de rádios e discos”. Mesmo os compositores mais ciosos em adotar elementos do populário, como Pixinguinha e Radamés Gnattali, procuravam fazê-lo dentro de uma sonoridade que estivesse de acordo com os padrões sensíveis do público. Em outros termos, os arranjos das músicas que se veiculavam nas grandes cidades brasileiras seguiam, via de regra, os parâmetros do jazz-band norte-americano, regido por suntuosas orquestrações, o que poderia diluir as referências folclóricas - quando estas existissem -, e contrariava a abordagem proposta por Mário de Andrade (TEIXEIRA, 2001TEIXEIRA, Maurício de Carvalho. Música em conserva: arranjadores e modernistas na criação de uma sonoridade brasileira. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.).

Na cidade de São Paulo, em particular, a conjuntura favorável possibilitou o surgimento de centenas de músicos sem formação específica, profissionais estes que só estavam interessados em assegurar um posto no mercado de trabalho: produziam de acordo com as expectativas do público e as demandas das gravadoras, sem maiores preocupações em seguir uma cartilha modernista e/ou nacionalista. Dançavam e tocavam conforme a música. Nessa época, a proliferação de músicos profissionais estava diretamente relacionada ao desenvolvimento da radiodifusão, da fonografia e dos espaços de entretenimento.

A consolidação e ampliação dos espaços de entretenimento e dos meios de comunicação de massa em São Paulo, na virada da década de 1920 para a de 30, reforçaram a colocação do músico popular na rota quase irreversível da profissionalização artística. As atividades musicais remuneradas multiplicavam-se pelos inúmeros locais de entretenimento popular, pagando valores (salários, cachês, etc.) diferenciados, estabelecidos de modo informal, de acordo com a posição e prestígio do artista e do ambiente pois não havia qualquer regra trabalhista nessa área. Geralmente, as emissoras definiam suas próprias regras e padrões. Uma rádio em ascensão, por exemplo, pagava a um bom cantor melhor do que um salão de baile importante (MORAES, 2000MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em sinfonia: história, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000., p. 96).

O processo de metropolização de São Paulo, embalado pelo crescimento infrene, pela imigração e industrialização, gerou uma multidão de consumidores. Em 1930, a capital passava de 1 milhão de habitantes. Em 1940, possuía em torno de 1,5 milhão. A radiofonia acompanhou a expansão da cidade e se popularizou. “Além de o aparelho ingressar na maioria das residências como mobiliário de destaque, pois gradativamente se torna mais barato, o rádio atinge certa intimidade com o ambiente familiar” (MORAES, 2000MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em sinfonia: história, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000., p. 68). No começo dos anos 1930, a programação radiofônica era diversificada, destacando-se os programas de auditório, os esportivos, humorísticos e o noticiário. Predominavam os musicais, que se concentravam em canções populares executadas ao vivo - por conjuntos, orquestras ou solos - ou por meios mecânicos. Havia também significativa divulgação de música estrangeira, em geral reservada para horários específicos10 10 As principais rádios de São Paulo entre fins dos anos 1920 e meados da década seguinte eram: Sociedade Rádio Educadora Paulista (1923); Rádio Record (1928); Rádio Cruzeiro do Sul (1931); Radio Kosmos, depois Rádio América (1934); Rádio Difusora (1934); Rádio Tupi (1937); Rádio Excelsior (1934); Rádio São Paulo (1934); Rádio Cultura (1934) (MORAES, 2000). (MORAES, 2000MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em sinfonia: história, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.).

A partir de 1927, grandes empresas fonográficas estrangeiras começaram a investir maciçamente no mercado brasileiro. Ao longo dos anos 1930, destacaram-se a RCA-Victor, Columbia, Odeon, Brunswick e Parlophon. Nesse período, a produção de discos vinculou-se à tecnologia elétrica, o que otimizou a qualidade do som e conferiu maior produtividade para o setor. Além da produção, as gravadoras passaram a se incumbir também da publicidade e distribuição dos discos. Elas veiculavam folhetos expondo seus catálogos ou divulgavam seus produtos em jornais e revistas. Cinemas, rádios e teatros recebiam financiamento das gravadoras para funcionarem como sistemas de divulgação do material gravado (GONÇALVES, 2013GONÇALVES, Camila Koshiba. Música em 78 rotações: “discos a todos os preços” na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Alameda, 2013.).

Em São Paulo, aumentou o número de estúdios e o repertório diversificou-se. Como as gravadoras eram estrangeiras, seu negócio conectava o mercado local a uma rede internacional de produção e comércio, o que resultava em mais novidades nas vitrines, intensificava as vendas e, consequentemente, possibilitava o financiamento de um número cada vez maior de artistas nacionais (GONZÁLEZ, 2018GONZÁLEZ, Juliana Pérez. A indústria fonográfica e a música caipira gravada: uma experiência paulista (1878-1930). Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). O aumento da fonografia correspondeu à multiplicação de compositores e instrumentistas, de estações de rádio, cinemas, teatros, cafés, casas de shows e também de estilos. Estrategicamente, a atividade das gravadoras, aliada à atuação de outros vetores econômicos, fomentava o mercado e contribuía para a formação do público ouvinte. A fonografia, portanto, era uma das principais referências do cotidiano e ocupava um lugar significativo na economia da cidade (MORAES, 2000MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em sinfonia: história, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.).

Não podemos nos esquecer que, à época, São Paulo era um centro repleto de imigrantes e migrantes. Havia comunidades de italianos, de espanhóis, de portugueses etc.; havia também os migrantes que vinham do interior do Estado e ocorriam as primeiras levas de nordestinos que chegavam à capital para aproveitar as oportunidades oferecidas pela industrialização (TOLEDO, 2015TOLEDO, Roberto Pompeu de. A capital da vertigem: uma história de São Paulo de 1900 a 1954. São Paulo: Objetiva, 2015.). Os migrantes, geralmente, apreciavam canções com temática rural, as chamadas músicas caipiras (GONZÁLEZ, 2018GONZÁLEZ, Juliana Pérez. A indústria fonográfica e a música caipira gravada: uma experiência paulista (1878-1930). Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.), enquanto as comunidades estrangeiras consumiam músicas que evocavam seus países de origem. Era preciso, pois, agradar a todo tipo de público.

Mário não era radicalmente avesso à indústria fonográfica. Ele mesmo acumulou uma coleção de discos.11 11 A discoteca particular de Mário de Andrade conta um total de 544 discos, os quais integram o arquivo do poeta sediado no Instituto de Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo (TONI, 2004). Entre estes, há gravações folclóricas argentinas, cubanas, lusitanas, norte-americanas, haitianas, espanholas, gregas, alemãs e paraguaias; há música de concerto, como Wagner, Verdi, Mozart, Camargo Guarnieri, entre outros; quanto ao Brasil, além de registros de danças folclóricas (cateretê, cururu, candomblé etc.) há também exemplares de artistas renomados, como Carmen Miranda, Ernesto Nazareth, Catulo Cearense e Francisco Alves. Como assinala Flávia Toni, “Mário de Andrade escutava de tudo - das milongas ao Jazz, de Francisco Mignone a Arnold Schoenberg” (TONI, 2004TONI, Flávia Camargo (org.). A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004., p. 13).

Apesar de o poeta ver com ressalvas a produção em série e a consequente banalização de temas populares, diante de um cenário multifacetado - marcado pelo boom da produção e do consumo -, tornava-se praticamente inviável defender e definir uma maneira autêntica, moderna e brasileira de compor. Com efeito, o exótico e o popularesco conformavam um enorme obstáculo à campanha andradina em favor da música nacional.

O banquete

Mário questionava o status elitista da arte, colocando-a em um patamar mais próximo do comum. As distâncias entre a elite letrada e as massas populares deveriam ser suprimidas. E os artistas modernos teriam um papel fundamental nessa aproximação. O modernismo e o nacionalismo andradinos são faces da mesma moeda: podem ser sintetizados no desejo de intercâmbio entre cultura letrada e folclore, do qual resultaria a identidade nacional propriamente dita.

Em suas crônicas na Folha da Manhã, Mário publicou uma narrativa fictícia denominada “O banquete”. O conto narra o diálogo de cinco personagens que se reúnem durante um jantar para debater música popular (ANDRADE, 1989ANDRADE, Mário de. O banquete. São Paulo: Duas Cidades , 1989.). O autor usa a ficção para explorar pontos sobre os quais vinha refletindo há um bom tempo, como o problema do uso adequado do documento folclórico e a mercantilização da música pelos novos meios de comunicação. A questão central do “banquete” consiste em vocalizar as inquietações sobre como fazer uma música popular autêntica, isto é, livre do exotismo, do virtuosismo e da banalidade.

Os personagens dividem-se em dois grupos: os dominantes e os dominados. Entre os primeiros, temos o que Mário chamava de “os donos da vida”, ou seja, a elite letrada e endinheirada, os mecenas que pouco entendem de arte, mas que têm a prerrogativa de financiar os artistas. Entre os dominados, temos os representantes das classes populares, que dependem dos primeiros para sobreviver. A extração social dos personagens espelha a confrontação entre a perspectiva erudita e a popular.

No grupo de elite está Sarah Light, milionária, judia, nascida em Nova Iorque, símbolo do capitalismo cosmopolita, da ausência de raízes, o judeu errante sem pátria. Também participam desse grupo Felix de Cima e Siomara Ponga. O primeiro é político, de origem italiana, fascista, ignorante, desonesto, estúpido, demagogo. Como Sarah, não se interessa pela arte. Felix é subprefeito de Mentira, cidadezinha da Alta Paulista. Siomara é cantora de origem espanhola, erudita, acadêmica, virtuose, talentosa, mas sua técnica impecável só pretende exaltar a própria vaidade. A sofisticada cantora simboliza o virtuosismo, contrário à arte coletiva.

A classe popular é representada por dois personagens. Janjão, o sincero criador, compositor brasileiro, espontâneo, popular e nacional. Ele se opõe aos dominantes, mas vive um dilema, pois necessita e busca a proteção de Felix de Cima e o mecenato da milionária. Por fim, temos Pastor Fido: jovem, jornalista, vendedor de apólices da Companhia de Seguros A Infelicidade; simboliza o porvir, o amor, a esperança, a renovação.

A narrativa é uma crítica mordaz a uma elite farisaica, insensível à música nacional verdadeira. Essa elite está vinculada ao pasticho, às modas estrangeiras, e representa também um mundo velho e aristocrático que clama por renovação. A mudança, então, viria de baixo, do segmento popular, exprimido aqui nas vozes de Janjão e Pastor Fido. O principal ponto de tensionamento do conto é o desconforto do compositor, haja vista que o mesmo depende, para sobreviver, do mecenato dessa elite fútil. Destarte, Janjão se vê entre a cruz e a espada: precisa de independência para criar, mas deve se enquadrar no gosto duvidoso daqueles que podem financiá-lo. O que fazer, então? Continuar fora do mercado, mas produzindo música autêntica, ou resignar-se às leis do capitalismo, mesmo que para tanto seja necessário abrir mão dos próprios ideais? Essa tensão sintetiza o que Mário sentia a respeito da música nacional. O drama do personagem traduzia o dilema do escritor. Se a condição para compor música genuína seria resistir ao assédio do mercado, como o músico moderno faria para se sustentar profissionalmente? Como vislumbrar uma solução razoável para esse imbróglio?

“O banquete” se tensiona entre uma atitude de sacrifício e uma escolha conformista - praticar arte nacional ou entregar-se à indústria. O cenário é pessimista e não oferece resposta satisfatória. Diante desse jogo desigual de forças, a corda parece romper no lado mais frágil. Janjão reconhece que ninguém até o momento estaria dedicando-se seriamente à tarefa de unir o popular ao erudito. Pastor Fido observa que a obra de Janjão estaria mais para o exótico/popularesco do que para o popular legítimo, ao que o artista responde: “os artistas (...) que imaginam estar fazendo arte pro povo, não passam duns teóricos curtos, incapazes de ultrapassar a própria teoria. O destino do artista erudito não é fazer arte pro povo, mas pra melhorar a vida” (ANDRADE, 1989ANDRADE, Mário de. O banquete. São Paulo: Duas Cidades , 1989., p. 61).

O diálogo desenrola-se eivado de sugestões e pensamentos estéticos caros a Mário de Andrade. É quase um manifesto. Não cabe aqui entrar nos meandros de “O banquete”, o que renderia trabalho à parte. Mas vale nos centrarmos na figura de Janjão, que vem lançar luz sobre a problemática que aqui nos interessa. Ele incorpora o perigo momentâneo de ruína de um projeto nacionalista, pautado no combate à música comercial e na busca de um padrão cultural genuíno. Janjão reconhece que está se aristocratizando, isto é, perdendo a mão quanto ao ofício de fazer arte coletiva, passando a se dedicar apenas ao mercado e aos ganhos individuais. Tal percepção não vem desacompanhada, entretanto, de certa melancolia e arrependimento. O drama é que Janjão deseja fazer arte popular, mas se vê limitado, e seduzido, pelo mecenato. Na voz do narrador, Janjão é “consciente da servidão social das artes, mas incapaz de se libertar do seu individualismo” (ANDRADE, 1989ANDRADE, Mário de. O banquete. São Paulo: Duas Cidades , 1989., p. 65). Trata-se de um homem dividido, enfim, assim como a própria cultura nacional encontrar-se-ia dilacerada por vogas internacionais, virtuosismos e canções popularescas.

Porém, com esperança, Janjão sinaliza resistência. Segundo ele, urge “sacrificar as nossas liberdades, as nossas veleidades e pretensõezinhas pessoais; e colocar como cânone absoluto da nossa estética, o princípio de utilidade”, pois, se a arte não o fizer, “será vã, será diletante, será pedante e idealista” (ANDRADE, 1989ANDRADE, Mário de. O banquete. São Paulo: Duas Cidades , 1989., p. 130). Feito alter ego do autor, Janjão quer “uma música brasileira que sendo psicológica como caracterização racial, fosse o menos possível exótica” (ANDRADE, 1989ANDRADE, Mário de. O banquete. São Paulo: Duas Cidades , 1989., p. 133). Para tanto, o talento individual deveria aliar-se à gramática coletiva fornecida pelo folclore. Quanto a esse ideal, a voz de Janjão ecoa Mário de Andrade.

A música brasileira ainda não pode perder de vista o folclore. Se perder, se estrangeirizará completamente. Como sucede com os sistematizadores do atonalismo integral, e os que baseiam a sua criação na chamada “invenção livre”. (...). O compositor brasileiro que perder o folclore nacional de vista e de estudo, será o que vocês quiserem, mas fatalmente se desnacionalizará e deixará de funcionar. Desse ponto-de-vista, todos os artistas que importam no Brasil de hoje, são de fato os que ainda têm como princípio pragmático de sua criação, fazer música de pesquisa brasileira (ANDRADE, 1989ANDRADE, Mário de. O banquete. São Paulo: Duas Cidades , 1989., p. 150-151).

No Ensaio, Mário foi categórico ao afirmar que “O dilema em que se sentem os compositores brasileiros vem duma falta de cultura, duma fatalidade de educação e duma ignorância estética. A falha de cultura consiste na desproporção de interesse que temos pela coisa estrangeira e pela coisa nacional” (ANDRADE, 1972ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora; Brasília: INL, 1972., p. 42). Mas, talvez, ele não se apercebera de seu próprio dilema, que consistia em tentar distinguir o falso do verdadeiro em um momento em que os músicos começavam a se profissionalizar e seu sustento dependia cada vez mais do consumo das massas. Mário desejava ver o erudito e o popular entrelaçados, mas, ao menor vislumbre de um enlace possível, logo apareciam os senões, as exceções que superam a regra, geralmente associadas à repetitividade ou estandardização melódica, sempre vista como fruto da influência deletéria do entretenimento, do rádio e do fonógrafo. A conclusão era que, nas grandes cidades do Brasil, vivia-se uma anarquia musical, uma babilônia sem identidade fixa - fosse por conta das modas estrangeiras, fosse pelo mau uso ou desconhecimento das tradições folclóricas. Afinal, como definir o popular? E, uma vez definido, como utilizá-lo sem cair na banalização? As respostas continuam suspensas.

Referências

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  • ANDRADE, Mário de. Cultura artística. Diário de São Paulo, São Paulo, 11 de maio de 1934(a).
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  • ANDRADE, Mário de. Folhas D’Album. Revista Acadêmica, n. 40, Rio de Janeiro, outubro de 1938.
  • ANDRADE, Mário de. Música, doce música São Paulo: Martins Fontes, 1963.
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  • ANDRADE, Mário de. Pequena história da música São Paulo: Martins Fontes, 1980.
  • ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas do Brasil Edição por Oneyda Alvarenga. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL/Fundação Nacional Pró-Memória, 1982.
  • ANDRADE, Mário de. Música de feitiçaria no Brasil Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL/Fundação Pró-Memória, 1983.
  • ANDRADE, Mário de. Os cocos. Preparação, introdução e notas de Oneyda Alvarenga. São Paulo: Livraria Duas Cidades; Brasília: Fundação Nacional Pró-Memória, 1984.
  • ANDRADE, Mário de. As melodias do boi e outras peças. Preparação, introdução e notas de Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades; Brasília: INL, 1987.
  • ANDRADE, Mário de. O banquete São Paulo: Duas Cidades , 1989.
  • ANDRADE, Mário de. Polifonia. Movimento Brasileiro, Rio de Janeiro, novembro de 1928.
  • ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo; Leandro Raniero Fernandes colaborador. Brasília: Iphan, 2015.
  • COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998.
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  • TONI, Flávia Camargo (org.). A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.

NOTAS

  • 1
    Não se tratava, entretanto, de estabelecer uma dicotomia estanque entre, de um lado, o ritmo (que seria popular) e a harmonia/melodia (que seriam eruditas), mas de ressaltar a dimensão que predominava em cada expressão. Mário falava em uma colaboração dessas instâncias, em uma circularidade ou intercâmbio entre o popular e o erudito. Em outros termos, ritmo, melodia e harmonia seriam elementos constitutivos da arte musical, independentemente de sua extração erudita ou popular. Assim, o ritmo predominaria nas canções populares, enquanto a pesquisa harmônica e melódica seria mais recorrente entre as composições eruditas. Essa relação será trabalhada ao longo do presente artigo.
  • 2
    As anotações de Mário de Andrade sobre suas viagens foram tecidas em forma de diário. O autor tinha a intenção de publicá-las em livro, com o título O turista aprendizANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo; Leandro Raniero Fernandes colaborador. Brasília: Iphan, 2015., mas o intelectual não chegou a ver seu livro publicado em vida. Somente em 1976 o livro veio a público, organizado por Telê Ancona Lopez. Utilizamos aqui a edição de 2015 (ANDRADE, 2015ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. Edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos por Telê Ancona Lopez, Tatiana Longo Figueiredo; Leandro Raniero Fernandes colaborador. Brasília: Iphan, 2015.).
  • 3
    As obras organizadas por Oneyda Alvarenga são: Os cocosANDRADE, Mário de. Os cocos. Preparação, introdução e notas de Oneyda Alvarenga. São Paulo: Livraria Duas Cidades; Brasília: Fundação Nacional Pró-Memória, 1984., Danças dramáticas do BrasilANDRADE, Mário de. Danças dramáticas do Brasil. Edição por Oneyda Alvarenga. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: INL/Fundação Nacional Pró-Memória, 1982. e As melodias do boi e outras peçasANDRADE, Mário de. As melodias do boi e outras peças. Preparação, introdução e notas de Oneyda Alvarenga. São Paulo: Duas Cidades; Brasília: INL, 1987.. Consultar referências bibliográficas.
  • 4
    “Ora o ritmo é socializador. Com as suas dinamogenias muito fortes ele coletiviza facilmente os seres. A melodia, fisiologicamente falando menos ativa, deixa espaço maior pra que se desenvolvam com independência os afetos individuais do ser. Por isso, à fase rítmica da Antiguidade, levada ao apogeu pela perfeição incomparável da Rítmica grega, vai suceder a fase melódica, isto é: à preponderância do ritmo que a gente observa na música antiga, sucede a preponderância mais sutil e condescendente da melodia” (ANDRADE, 1980ANDRADE, Mário de. Pequena história da música. São Paulo: Martins Fontes, 1980., p. 34).
  • 5
    “É que a música sendo a mais coletiva de todas as artes, exigindo a coletividade pra se realizar, quer com a coletividade dos intérpretes, quer com a coletividade dos ouvintes, está muito mais, e imediatamente, sujeita às condições da coletividade. A técnica individual importa menos que a coletiva” (ANDRADE, 1975ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes , 1975., p. 18).
  • 6
    “Os compositores que caracterizam esse primeiro período da República são assim tipicamente internacionalistas. O grande Henrique Oswald, Leopoldo Miguez, Glauco Velasquez, Gomes de Araújo, Francisco Braga, Barroso Neto (estes dois em sua primeira maneira) e outros bons representantes dessa fase inicial republicana, é justo verificar que já apresentavam uma técnica suficientemente forte para que a nossa música alimentasse umas primeiras aspirações de caminhar por si” (ANDRADE, 1975ANDRADE, Mário de. Aspectos da música brasileira. São Paulo: Martins Fontes , 1975., p. 30).
  • 7
    Na verdade, trata-se de uma série de três artigos publicados no jornal Diário Nacional, com títulos de “Canções Brasileiras I” (22/12/1927), “Canções Brasileiras II” (25/12/1927) e “Canções Brasileiras III” (27/12/1927). A mesma série foi unificada, com poucas modificações, e incluída na coletânea Música, doce música, cuja primeira edição data de 1933 (ANDRADE, 1963ANDRADE, Mário de. Música, doce música. São Paulo: Martins Fontes, 1963.).
  • 8
    “Nos tempos de dantes, o músico compunha diariamente, tivesse ou não tivesse essa inspiração, que hoje serve de disfarce pra covardias e egoísmos. E como agia proletariamente e possuía o seu artesanato, sempre lhe saíam da arte obras admiravelmente bem feitas, até perfeitíssimas, que funcionavam em vida. É bem de imaginar que Bach não devia estar por aí suando da inspiração, protestante como era, quando se dispôs a compor uma Missa em Si Bemol! (...) Destino verdadeiro e perfeito de obra-de-arte que agiu politicamente um tempo e depois desapareceu” (ANDRADE apud COLI, 1998COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998., p. 115).
  • 9
    Mário de Andrade escreveu “Introdução a Shostakovich” em janeiro de 1945, poucos dias antes de falecer. O texto foi publicado originalmente no livro Shostakovich, de autoria de Victor Illich Seroff, editado pela Empresa Gráfica O Cruzeiro, Rio de Janeiro, naquele mesmo ano. Usamos a versão publicada por Jorge Coli (1998COLI, Jorge. Música Final: Mário de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas: Editora da Unicamp, 1998.).
  • 10
    As principais rádios de São Paulo entre fins dos anos 1920 e meados da década seguinte eram: Sociedade Rádio Educadora Paulista (1923); Rádio Record (1928); Rádio Cruzeiro do Sul (1931); Radio Kosmos, depois Rádio América (1934); Rádio Difusora (1934); Rádio Tupi (1937); Rádio Excelsior (1934); Rádio São Paulo (1934); Rádio Cultura (1934) (MORAES, 2000MORAES, José Geraldo Vinci de. Metrópole em sinfonia: história, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.).
  • 11
    A discoteca particular de Mário de Andrade conta um total de 544 discos, os quais integram o arquivo do poeta sediado no Instituto de Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo (TONI, 2004TONI, Flávia Camargo (org.). A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.).
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com o apoio financeiro da FAPESP, Processo n. 2016/26061-4.

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2019
  • Aceito
    22 Jun 2020
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