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O ENSINAR EM MEDIOLANUM: imagens da morte na estela de Orensia Obsequente (Século I D.C.)

Teaching in Mediolanum: images of death in the stela of Orensia Obsequente (1st century AD) 1 1 Vale ressaltar que Luciane Munhoz de Omena e Ana Teresa Marques Gonçalves mencionam a estela de Orensia Obsequente na apresentação - Construindo os espaços da memória e da materialidade na Antiguidade - para a coletânea Memória e materialidade. Interpretações sobre Antiguidade. No entanto, cumprindo o objetivo preambular, as autoras apresentam as medidas da estela e, em seguida, relacionam-na à construção social de memória. Tema central da coletânea (2018, p. 11).

Resumo

As representações mortuárias no Mediterrâneo romano e sua natureza iconográfica são importantes para pensar a experiência social da morte e suas implicações culturais e antropológicas. Por meio da estela de Orensia Obsequente (Século I. d.C.), possivelmente uma preceptora doméstica, é possível realizar inferências sobre o ato de ensinar em Mediolanum em meio à tradição do pensamento pedagógico, bem como o status social das mulheres, considerado significativo para a emancipação feminina no período. A partir da reflexão é possível observar que a atuação das mulheres, seja na instância política, seja na atividade l aboral, permitiu que se transformassem em protagonistas no cenário social mediterrânico.

Palavras-chave:
Orensia Obsequente; pensamento pedagógico; emancipação feminina; Mediolanum

Abstract

Mortuary representations in the Roman Mediterranean and their iconographic nature are vital for reflecting on the social experience of death and its cultural and anthropological implications. Grounded on the stela of Orensia Obsequente (1st century AD), most likely a domestic preceptor, inferences may be made concerning the act of teaching in Mediolanum amidst the reigning tradition of pedagogical thinking, as well as concerning women’s social status, regarded as significant for female emancipation in the period. Such analysis reveals that women’s role, from both a political and labour-related perspective, enabled them to acquire social leadership in the Mediterranean context.

Keywords:
Orensia Obsequente; pedagogical thinking; women’s emancipation; Mediolanum

Há ainda outros dons inatos, como suporte de cada um: a voz, pulmões resistentes no trabalho, a saúde, a perseverança, a beleza de estilo, que, mesmo que atingidos medianamente, podem ser ampliados pela razão; contudo, às vezes estão ausentes de tal modo que corrompem inclusive os benefícios do engenho e da dedicação: como esses mesmos bens, sem um mestre experiente, sem um esforço pertinaz e sem muito e contínuo exercício de escrever, de ler e de falar, por si mesmos de nada adiantam (Quintiliano. Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015.. Pref. 2.7) (Trad. de Bruno Fregni Bassetto) (Grifo nosso).

As palavras de Marco Fábio Quintiliano (30 a 40 d.C. - 100 d.C.) soam familiares, se pensarmos a educação na contemporaneidade brasileira. Aqui, sem ressalvas, o ensino não possui uma valorização social. Os professores, sobretudo dos ensinos fundamental e médio, recebem remunerações módicas, tornando, deste modo, a carreira do magistério menos aprazível aos jovens. É senso comum familiares sugerirem aos seus entes queridos profissões como advocacia, engenharia, medicina, agronomia, psicologia, entre outras. Nisto, a aristocracia romana aliava-se à educação. Sabemos, pois, que a atuação do cidadão dependia de sua formação. Deveria cumprir o cursus honorum. Por esse motivo, o crescimento pedagógico da criança iniciava-se no seio familiar, junto ao gramático, que deveria ensiná-la, dos 12 aos 16 anos, os rudimentos da língua e da Literatura Latina. Na percepção de Quintiliano, os doctores assumiam um relevante papel social. Prosélita à experiência, o mestre prepararia o seu aprendiz aos porvindouros estudos filosóficos e retóricos. Para o rétor, se fosse possível, “nem começaria de modo diferente, se me fosse confiada a educação de um orador, a orientar seus estudos desde a infância” (Quintiliano. Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015.. Pref. 5) (Trad. de Bruno Fregni Bassetto).

A partir de tal constatação, façamos uma breve incursão às concepções educacionais em Roma para acessarmos o contexto instrucional à época que emoldura a estela de Orensia Obsequente. É importante ressaltar que antes do século I d.C. já assistimos a uma busca por uma identidade educacional em Roma, mesmo que isso significasse acolher a koiné cultural grega que incluía diversos saberes. Sob um amplo e complexo processo que abarcava a arquitetura, a literatura e a filosofia, a pedagogia avança com a noção de humanitas,2 2 Tendo como base as explicações de Áulio Gélio no que se refere à formação da pessoa humana individual, a palavra cultura corresponde ao que os gregos chamavam de paidéia e que os latinos, na época de Cícero e Varrão indicavam com a palavra humanitas. Como esclarece Abbagnano (1998, p.225), humanitas indicava “educação devida às boas artes peculiares do homem, que o distinguem de todos os outros animais. As boas artes eram a poesia, a eloquência, a filosofia, etc., às quais se atribuía valor essencial para aquilo que o homem é e deve ser, portanto, para a capacidade de formar o homem verdadeiro, o homem na sua forma genuína e perfeita”. Para Pereira Melo (2006), em termos semânticos houve uma evolução do conceito: em um primeiro momento significava clemência, sinônimo de misericórdia, mansidão e filantropia e só em uma segunda etapa o termo assumiu a concepção de condição humana em duplo sentido: como estilo e forma de vida superior e como perfeição da natureza humana. A partir dessa conotação, explica Melo, “a humanitas do homem civilizado ou humanizado pela cultura, o homo humanus, contrapunha-se à immanitas dos bárbaros”. Cícero deu sequência ao pensamento de Isócrates e reforçou a ideia da contraposição entre o homem culto (politor homo) e o homem inculto (homo simpliciter). Há, ainda, uma terceira etapa na evolução do conceito, humanitas significaria um meio de transformar o rudis (rude) em eruditus (culto, erudito) (Pereira Melo, 2006, p.11). elemento que exerce um papel fundamental na formação do cidadão ligado ao mos maiorum e ao papel de ciuis romanus. Como afirma Franco Cambi (1999CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Editora Unesp, 1999., p. 111), pode-se considerar que a partir de Cícero, há o nascimento de uma pedagogia no sentido próprio, mais racional e desvinculada do mos/éthos. É um saber menos local e contingente, mais universal, pensado a partir de modelos de pedagogia ligados ao saber filosófico, explica o autor. Tal estudo nos dá um panorama dessa pedagogia, por meio de seus principais representantes: Varrão (116-27 a.C.), Quintiliano (30 a 40 d.C. - 100 d.C.), Epicteto (50-138 d.C), Sêneca (4 a.C- 65 d.C) e Marco Aurélio (121-180), que Cambi considera como as vozes romanas mais significativas em pedagogia. Por meio deles é possível identificar pedagogias ligadas ao estoicismo, à paidéia retórica ou mesmo à concepção enciclopédica do saber:

Se Varrão interpreta o saber liberal como uma enciclopédia, ligando-se aos modelos helenísticos e alexandrinos, Quintiliano confiará à retórica o papel formativo, delineando seu desenvolvimento escolar de modo orgânico e capilar. Epicteto, Sêneca, primeiro, e Marco Aurélio, depois, virão delinear um modelo de pedagogia estóica que culmina em um processo de auto-educação ética. (Cambi, 1999CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Editora Unesp, 1999., p. 111).

O autor ainda completa o quadro ponderando que, embora fossem vozes que retomassem amplamente temas e aspectos da cultura greco-helenística, introduziam forte consciência prática em concepções formativas e individuais, o que, em sua opinião, torna as concepções educacionais romanas únicas e próximas, sob alguns aspectos, de problemas educacionais modernos.

É Marco Terêncio Varrão (116-27 a.C), por meio de seus Disciplinarum libri novem que relaciona as artes liberais ao processo de instrução que acolhia os saberes da gramática, retórica, música, astronomia, geometria e aritmética, além da medicina e da arquitetura, elementos que reforçam a necessidade de uma cultura erudita e mais enciclopédica. Já no século I d.C., o estoicismo vai contribuir para o saber pedagógico por meio do acento colocado na superioridade moral defendida por Epícteto (50-138 d.C.) em seu Manual e em Sêneca (4 a.C.-65 d.C.) por meio de diversas obras. Neles, de uma concepção que vai do particular ao universal do homem, há a necessidade de autocontrole e autodireção, até que se possa atingir a posição atávica de fruição com o destino, condição do bem-estar humano. Tal necessidade se faria por meio de um iter educativo, com exercícios e meditação. Esse sujeito coletivo, entretanto, deveria começar de si próprio, se (auto) reconhecer como parte de um mundo racional e se mover em uma fronteira ético-educativa (Cambi, 1999CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Editora Unesp, 1999., p. 111-112).

É em Marco Quintiliano (30 a 40 d.C. - 100 d.C.), por sua vez, que vamos encontrar uma retomada orgânica da educação retórica como eixo educativo importante para a formação humana. Quintiliano se interessou pelo ensino em seu sentido específico e sua obra Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015. é uma descrição e estudo da didática romana, obra que, para autores da pedagogia, fornecerá um “modelo didático que informará a escola de toda a Europa e sobreviverá à própria queda do Império, fornecendo um critério educativo e escolar a toda a Idade Média” (Cambi, 1999CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Editora Unesp, 1999., p. 112). Além de remeter a Cícero e seus princípios de formação moral, Quintiliano fixa etapas de uma instrução-formação e lida com o tema de maneira didática.

Sabemos, pois, que a formação educacional era imprescindível aos homens que se dedicavam à administração pública (Quintiliano. Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015.. Pref. 10). Ela que preparava os aprendizes para o estudo da linguagem ornada, denominada instituição da eloquência. Ademais, as mulheres da aula, embora não pudessem atuar nas magistraturas civis e militares, empenhavam-se nos estudos da linguagem. Em Quintiliano, por exemplo, temos a seguinte alusão:

Não falo apenas do pai: em verdade, ficamos sabendo que muito contribuiu para a eloquência dos Gracos, a mãe Cornélia, cuja linguagem corretíssima foi legada pelas cartas também aos pósteros, e afirma-se que Lélia, filha de Caio, fez reviver a elegância de estilo do pai ao discursar; e o discurso de Hortência, filha de Quinto, proferido perante os triúnviros, é lido não apenas em homenagem ao sexo feminino (Quintiliano. Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015.. Livro I. 6) (Trad. de Bruno Fregni Bassetto).

Isto nos leva a crer que a formação feminina se tornava capital.3 3 Apesar de não ter a patria potestas, desde os primórdios da organização social romana, há uma preocupação em assimilar os costumes ancestrais (mores maiorum) e isso será realizado pela matrona romana que exerce função fundamental na organização familiar e processos de instrução. Era a mãe responsável pela educação da criança até os sete anos em seus aspectos biológicos, intelectuais e morais. Se não estivesse em condições de exercer essa função, havia a busca por uma instrutora para realizar a educação doméstica. É preciso ressaltar, ainda, que o serviço da ama de leite já era vigente durante a República e que, no Império tornou-se comum a contratação de aias e pedagogos para auxiliar na educação familiar (Pereira Melo, 2006, p.7). Ao lado da instrução familiar presente nos primórdios da organização social romana, é possível identificar as primeiras escolas primárias particulares que aparecem por volta do século V a.C. Eram “lojas de instrução” que possuíam professores que poderiam ser antigos escravos, velhos soldados ou indivíduos que haviam perdido suas propriedades. As precárias instalações e o deficitário material didático eram complementados pelo recurso da vara, quando “o professor obrigava seus alunos a repetirem interminavelmente lições referentes ao texto das Doze Tábuas” (Pereira Melo, 2006PEREIRA MELO, José Joaquim. A Educação e o Estado Romano. Revista Linhas (UDESC), Florianópolis, v.07, n.02, 2006, p. 1-16. p. 07). A condição de “professor” era precária e não obtinha a devida valorização do Estado nas primeiras “lojas de instrução” republicanas.4 4 Ao refletir sobre a educação e o estado romano, Pereira Melo (2006, p. 10-18) considera que o ensino era privado e livre de qualquer modo e que estava sujeito à negligência das instituições. Por outro lado, a instrução privada sempre esteve sob a vigilância do Estado, mesmo quando a intervenção era indireta. Augusto (63 a.C.- 14 d.C.) chegou a nomear funcionários com esse objetivo e havia uma espécie de regente que possuía a função específica de vigiar o ensino para que estivesse de acordo com a ordem imperial. (Pereira Melo, 2006, p. 13-18). Mesmo com seu surgimento, a família ainda respondia significativamente como responsável pela função de educar e nelas as mulheres exerciam papel importante. Se nos mantivermos no século I d.C., mencionaremos ainda as consolatórias Ad Marciam (XVI, 9) e Ad Helviam (XVIII, 8), de Sêneca (04 a.C.- 65 d.C.). Nelas, o filósofo aconselha as mulheres a despojarem-se do sentimento de perda, voltando-se à educação de seus netos. Não teriam mais a companhia de seus respectivos filhos, todavia, exerceriam a posição de educadoras de seus descendentes. Preocupar-se-iam com a formação moral. Como aponta Omena (2018OMENA, Luciane Munhoz de. Os laços entre família e morte nas consolatórias de Sêneca. In: OMENA, Luciane Munhoz de. Memória e materialidade. Interpretações sobre Antiguidade. Jundiaí, SP: Paco , 2018, p. 151-166., p. 162), a orientação moral simbolizaria um dever social:

uma vez que a sociedade guiar-se-ia em prol das honras, das riquezas e das competições, as quais, segundo as críticas de Sêneca, representavam aparatos impossíveis de serem assimilados às práticas familiares. A manobra política tornar-se-ia sempre um obstáculo à condução moral familiar (Sêneca. Ad Marciam de Consolatione X, 1), pois, como entende o filósofo, a ambição amplia-se (Sêneca. De Brevitate Vitae XVII.5), prejudicando, deste modo, a tranquilidade do indivíduo.

Percebe-se que as virtudes compunham o script de homens e de mulheres da aristocracia. Assim, ao se preocuparem com a formação de cidadãos da elite, Quintiliano e Sêneca construíram ideais estéticos,5 5 Quanto ao conceito de estética, consultar: Liz Gloyn em The ethics of the family in Seneca. uma vez que indicaram modelos sociais a serem aplicados na prática. A formação dos membros familiares vinculava-se à atuação política. Não é sem motivo que a narrativa de Quintiliano (Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015.. Livro I. 6) enaltece a elegância dos discursos de Cornélia, Lélia e Hortência. Estas pertenciam à aristocracia da urbs de Roma. Ora, a presença de uma linguagem ornamentada tornava-se, portanto, imprescindível ao cenário público.6 6 Consultar as seguintes referências acerca da atuação de Lívia: PRYZWANSKY, 2008; Hidalgo de la Vega, 2012; Thakur, 2014; Omena & Funari, 2016, entre outros. Em se tratando das províncias, temos diversos testemunhos materiais acerca do desempenho feminino. Recentemente, Omena e Carvalho (2018OMENA, Luciane Munhoz de; CARVALHO, Margarida Maria de. Family, memory and death in the tomb inscriptions of Mediolanum (I-II AD), Heródoto, Unifesp, Guarulhos, v. 3, n. 1, Março, 2018. p. 355-373., p. 367) analisaram a estela de Segunda Bolana. Esta produziu uma homenagem a Marco Bolano Marcelo. Ao que tudo indica, o irmão tinha o cargo de quatrunviro com poderes de edil, uma vez que deveria garantir a administração das cidades nos setores da justiça, finanças, abastecimento de víveres, construções e manutenção da ordem pública, incluindo igualmente funções religiosas. Desse modo, a magistratura possibilitava uma extensa atuação nos campos político, econômico e social, agregando, de fato, lucros vultosos (Beard, 2016BEARD, Mary. SPQR. Uma história da Roma antiga. Trad. Pedro Carvalho e Guerra & Rita Carvalho e Guerra. Lisboa: Bertrand, 2016., p. 548). A morte torna-se um veículo de comunicação e legitimação, à medida que se percebe o investimento financeiro, com ênfase à estela. Havia uma premência em imortalizar a gens, já que, como supomos, isto garantiria a sua permanência nas estruturas de poder. Foi um período no qual autores atribuem um clima de emancipação feminina. Tal aspecto pode ser evidenciado se observarmos o status das mulheres em alguns comediógrafos, como em Plauto e em outros autores, como veremos a seguir.

Composta entre os séculos III e II a.C. a obra O MercadorPLAUTO. O Mercador. Tradução de Damares Barbosa Alves, Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007., de Plauto, nos dá uma ideia de como se organizavam as figuras femininas no período. A partir da comparação de diversas traduções do comediógrafo, Correia (2007CORREIA, Damares Barbosa. O Mercador de Plauto. Estudo e Tradução. Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.)7 7 A autora estuda O Mercador, de Plauto e considera, especialmente, as traduções realizadas por Césare Questa, Pierre Grimal, Gérman Viveros, Kenji Kimura e Bóris Dunsch, mas sua pesquisa e tradução tem como base o texto latino traduzido por A. Ernout e publicado pela Société d’Éditión de “Les Belles Lettres” (Correia, 2007, p.3-7) enfatiza alguns tipos femininos na obra O MercadorPLAUTO. O Mercador. Tradução de Damares Barbosa Alves, Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.. Para Correia, embora Plauto tivesse como modelos autores como Dífilo, Filemón e Menandro, as personagens sempre se relacionavam com o ambiente romano, por temas que se referiam ao cotidiano.

A primeira delas é Pasicompsa, a escrava-cortesã. Ela não é o modelo tradicional de cortesã que exige presentes, ou a escrava que será reconhecida livre, como em outras obras, mas uma bela meretriz, grande paixão do jovem Carino, causa de seu desentendimento com o pai, que também a desejava. A escrava-cortesã é, portanto, um objeto de desejo que deveria ser arrebatada ou comprada de um mercador de escravos e que despertava paixões. Mesmo provocando um escândalo no âmbito doméstico, essa escrava-cortesã tem tratamento diferenciado e, segundo a autora, é classificada de diversas formas, como “amica, meretriz, scortum, mulier” (Correia, 2007CORREIA, Damares Barbosa. O Mercador de Plauto. Estudo e Tradução. Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007., p. 28).

Outra personagem-tipo destacada por Correia na obra plautina é a de Doripa, a mater familias. Normalmente, as mulheres casadas eram representadas como mulheres geniosas e consideradas sem atrativos, são as uxores dotatae, mulheres “grotescas” com dote nas comédias de Plauto. O tema do dote é apenas mencionado em O MercadorPLAUTO. O Mercador. Tradução de Damares Barbosa Alves, Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007., mas Plauto o explora em outras obras, como em Aulularia, especialmente no prólogo. Em O MercadorPLAUTO. O Mercador. Tradução de Damares Barbosa Alves, Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007., Doripa é mãe de Eutico, amigo de Carino e esposa de Lisímaco que ajuda a esconder Pasicompsa em sua casa sem desejar, entretanto, desagrada a matrona. A artimanha não dá certo, Doripa encontra a escrava-cortesã e fica indignada, expressando-se de forma contundente e amaldiçoando a confiança perdida: “Eis aqui aquele ao qual entreguei dez talentos de dote para ver essas coisas, para suportar essas afrontas!” (Plauto, O MercadorPLAUTO. O Mercador. Tradução de Damares Barbosa Alves, Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007.. Ato III, v. 700-705) (Trad. de Damares Barbosa Correia). Diante da situação, Doripa recorre ao pai com o argumento que não deseja mais viver mal casada.

Sira, a escrava é a outra personagem-tipo explorada por Correia em sua intepretação e tradução de Plauto. Antes, porém, a autora apresenta a ideia da participação das escravas nas atividades privativas dos membros da família e reforça a informação que as escravas idosas eram consideradas sábias conselheiras. Sira, a escrava de 84 anos da casa de Doripa, é quem encontra primeiro a cortesã nos aposentos domésticos e toma suas dores. Sira é quem informa à Doripa da presença de Pasicompsa que se trata de uma meretrix. A escrava conversa com Doripa em tom de aconselhamento, advertindo que seu marido tinha uma amante. No Ato IV de O MercadorPLAUTO. O Mercador. Tradução de Damares Barbosa Alves, Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007., Plauto utiliza a personagem Sira para fazer uma crítica à condição feminina na sociedade romana, especialmente quanto às leis e costumes do casamento. É o que ocorre na Cena VI:

Si. Por Castor, as mulheres vivem sob uma lei dura e muito mais injusta que a dos homens. Pois, se o marido, às escondidas de sua esposa, mantém uma prostituta, se a esposa descobre isso, o homem fica impune; umas esposa, se sai fora do lar às escondidas do marido, torna-se para o marido motivo para terminar o casamento. Oxalá que a lei fosse a mesma para esposa e o marido, pois a esposa que é boa se contenta com um único marido; por que um homem não se contentaria com uma só esposa? (Plauto, O MercadorPLAUTO. O Mercador. Tradução de Damares Barbosa Alves, Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007., Ato IV, v. 820-825) (Tradução de Damares Barbosa Correia).

Como escrava, mulher e amiga que despertava paixões, ou a mulher casada que amaldiçoa seu dote, ou mesmo a escrava conselheira que possuía uma consciência crítica da situação das mulheres em Roma, Plauto nos dá a tônica do que significa a condição feminina no século I a. C. Para Oliveira (2015OLIVEIRA, Francisco de. A Emancipação Feminina. In. BRANDÃO, José Luís (coord.); DE OLIVEIRA, Francisco (coord.) - História de Roma Antiga volume I: das origens à morte de César. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p. 263-264.), em outros autores também será possível vislumbrar a emancipação feminina no período e sua evolução. O autor considera que tal emancipação envolvia “o acesso à riqueza, a facilitação do divórcio e o casamento sine manu, isto é, sem a submissão à tutela do marido”, dentre outras conquistas (Oliveira, 2015OLIVEIRA, Francisco de. A Emancipação Feminina. In. BRANDÃO, José Luís (coord.); DE OLIVEIRA, Francisco (coord.) - História de Roma Antiga volume I: das origens à morte de César. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p. 263-264., p. 263). Destaca, ainda, as questões sobre o feminino evidenciadas no satirista Lucílio (180 a.C.-102 a.C.) e suas referências explícitas ao adultério de mulheres casadas, o desinteresse pela procriação, a sensualidade exacerbada, dentre outros aspectos que, para o comediógrafo, demonstravam que as mulheres estavam prontas para “subjugar os próprios maridos” (Oliveira, 2015OLIVEIRA, Francisco de. A Emancipação Feminina. In. BRANDÃO, José Luís (coord.); DE OLIVEIRA, Francisco (coord.) - História de Roma Antiga volume I: das origens à morte de César. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p. 263-264., p. 263). O autor aponta traços de emancipação feminina em vários autores como Lúcio Afrânio, Titínio, Terêncio e o próprio Plauto, concluindo que a mulher da togata romana “apresenta traços de emancipação e independência, até mesmo de insubmissão e reivindicação de um estatuto mais igualitário” (Oliveira, 2015OLIVEIRA, Francisco de. A Emancipação Feminina. In. BRANDÃO, José Luís (coord.); DE OLIVEIRA, Francisco (coord.) - História de Roma Antiga volume I: das origens à morte de César. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2015, p. 263-264., p. 264). Tal status explica, em parte, o destaque dado a diversas figuras femininas.

Se nos deslocarmos a Pompeia, encontramos a sacerdotisa Eumachia. A mesma ordenou a construção de um porticus no fórum em honra à pietas e à concordia de Augusto. Comprova-se não somente a relação com a domus imperial, mas também evidências arqueológicas que atestam uma séria de atividades femininas nos espaços público e doméstico, como, por exemplo, apoiadoras de candidatos políticos. Como sustenta D’Ambra (2012D’AMBRA, Eve. Women on the Bay of Naples. In: JAMES, Sharon L.; DILLON, Sheila (ed.). A companion to women in the Ancient World. London: Blackwell Publishing Ltd., 2012, p. 400-413., p. 409), Eumachia, por exemplo, tornou-se uma evergeta, beneficiando a cidade de Pompeia e incorporando a si uma atividade considerada masculina. Utilizou a riqueza e influência de sua família, uma vez que pretendia projetar-se, bem como plantear a carreira pública de seu filho. Neste sentido, podemos verificar algumas imagens, que apontam a atuação de Eumachia:

Figura 1.
Porticus da Concordia Augusta de Eumachia. O edifício apresenta uma colunata retangular e um espaço aberto, que permitiria a circulação de pessoas.

Figura 2.
Ornamentos do porticus em mármore esculpido com motivos vegetais, imitando outro monumento de Augusto, a Ara Pacis,8 8 O altar de Augusto - Ara Pacis - intensifica os elementos institucionais da religiosidade romana. Construído no período de 13 a 9 a.C., celebrava, em termos simbólicos, a pietas e a concordia de Augusto, pois, como propõem Silva e Gomes (2018, p. 140), o Princeps tornava-se mantenedor das relações com o sagrado; por isso, os motivos florais, os animais, a presença de Enéias, a procissão familiar, entre outros elementos, idealizavam o imperium romanus como um ambiente de paz, riqueza e prosperidade. Para maiores detalhes, consultar: BILLOWS, 1993; Alberto, 2004; Eder, 2005; Zanker, 2005; Mateos, 2007; Fowler, 2008; Montero, 2012, Mota, 2018, entre outras referências. com os seus pergaminhos de videira.

Figura 3.
Na parte interna do edifício, contamos com fragmentos de pintura em vermelho e tons pastéis e uma cópia da estátua de Eumachia, a patrona do porticus. De acordo com as análises de D’Ambra (2012D’AMBRA, Eve. Women on the Bay of Naples. In: JAMES, Sharon L.; DILLON, Sheila (ed.). A companion to women in the Ancient World. London: Blackwell Publishing Ltd., 2012, p. 400-413., p. 405), a estátua assemelha-se às representações da deusa Vênus, uma vez que a proeminência do culto em Pompeia permite supor que o monumento de Eumachia serviu ao seu culto, apoiando e organizando as atividades. Tanto a inscrição quanto estátua sugerem a influência de mulheres aristocráticas nas instituições religiosas e cívicas. Assim, a autora conclui que os elementos da estátua ressaltam a sua função de sacerdotisa e de mulher de meia idade, com linhas gravadas ao redor da boca ou um queixo flácido, traços que acentuavam a gravidade ou altos padrões morais e que são vistos em outros retratos contemporâneos à sacerdotisa.

A partir desses elementos, torna-se notória a relação entre conhecimento, política e oratória. Algumas das mulheres, aqui reportadas, provavelmente tiveram formação, gerenciaram o espaço doméstico e atuaram nas instâncias públicas, promovendo seus familiares. Em nosso campo de pesquisa (as imagens sobre a morte, o morto e o morrer no Mediterrâneo romano), a oratória tornava-se presente na oração realizada no fórum em honra do falecido, adlocutio, com uma laudatio funebris9 10 Vale ressaltar que o serviço de triclinium era executado por meninos - pueri - com suas faces maquiadas, cabelos longos, habilmente entrelaçados e túnicas elegantes; desempenhavam a atividade de servir água e vinho aos convivas. Em Pompeia, a Casa do Triclínio contém um afresco com uma cena de banquete em que se destaca a presença dos pueri auxiliando os comensais. Como aponta Keegan (2013, p. 74-75), estes pueri aparecem também em registros textuais como sendo mestres da arte e do requinte utilizados à serviço de famílias aristocráticas (e.g. Cícero, Ulpiano, Philo, Petrônio, Sêneca, entre outros). Nos registros textuais aparecem designados pelos seguintes termos: capillati (cabelos longos), comati (cabeleira longa), criniti (muitos cabelos), crispuli (bem frisado) e calamistrati (afetados, efeminados). Sêneca (Ep. Morales 47, 06,07), por exemplo, em tom de crítica, mencionava o escravo que servia o vinho; o mesmo deveria ser jovem e próximo ao senhor, uma vez que se prestava às funções sexuais. Evidências textuais e materiais confirmam que a especialidade destes jovens escravos, segundo propomos, gerava um maior contato e possíveis vantagens com a proximidade de seus senhores. Trimalchio de Petrônio recordava aos seus comensais: “Nos meus tempos de escravo de cabelos compridos - na verdade, desde pequeno eu levei uma vida de luxúrias -, morreu o favorito do patrão, o nosso próprio patrão. Por Hércules. Uma pérola, jeitosinho, perfeito em tudo” (Trad. de Cláudio Aquati) (Petrônio. Satyricon. 06. 63). Aqui, o mesmo se reconhecia como um puer, escravo destinado às condutas sexuais. Consultar ainda alguns referenciais sobre a escravidão e a cultura material: Mouritsen, 2013; Lenski, 2013; Bradley & Cartledge, 2011; Keegan, 2013, Wiedemann, 2017, entre outros. . Tratava-se de um discurso familiar masculino que, em tom apologético, ressoaria a ancestralidade do falecido e os sucessos na comunidade política, com ênfase dada às virtudes cívicas e seus méritos. Na percepção de Políbio (208 - 125 a.C.), o orador fúnebre convertia-se em um protagonista social. O seu eloquente encômio sensibilizaria o público presente no cortejo, pois, segundo suas palavras,

de fato, quem não se sentiria estimulado pela visão das imagens de homens famosos por suas qualidades excepcionais, todos reunidos como se estivessem vivos e respirando? Poderia haver um espetáculo cívico mais belo que esse? (Políbio. HistóriaPOLIBIO. História. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: UNB, 1996.. VI, 53.54) (Tradução de Mário da Gama Kury).

Assim, as imagens do morto e de seus ancestrais produziriam a perenização de quem prestou bons serviços à pátria; ao mesmo tempo, o próprio orador teria suas reminiscências. Graças a sua eloquência, as gerações futuras possuiriam um legado a ser emulado (Políbio. HistóriaPOLIBIO. História. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: UNB, 1996.. 06. 54). Nesse sentido, a conduta do orador e o seu conhecimento posicionavam-no entre os feitos do falecido e a própria comunidade. Sua imagem converter-se-ia em fonte de potestas, posto que garantiria a divulgação dos mores maiorum representados nas imagens da constância, prudência, clemência, concórdia, piedade e outras. Em consequência, o papel do conhecimento consistia em formar cidadãos e propiciava, segundo pensamos, a mobilidade social de escravos e libertos. Podemos, portanto, considerar também as amas de leite, pois, consoante Quintiliano, mesmo a linguagem empregada ao se dirigir a elas deveria ser correta. Para o autor:

o menino as ouvirá logo no início, tentará reproduzir as palavras delas por imitação (Quintiliano. Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015.. I. 5) (Trad. de Bruno Fregni Bassetto).

Portanto, não o acostume à linguagem, que não deve ser sabida, mesmo enquanto for criança (Quintiliano. Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015.. I. 5) (Trad. de Bruno Fregni Bassetto).

Supomos a preocupação com a formação dos escravos. Inclusive, as amas de leite deveriam possuir uma linguagem polida. É relevante ressaltar que no ambiente doméstico, os escravos exerciam vários trabalhos, como servos pessoais, tutores, cozinheiros, artesãos, arquitetos, médicos, cabeleireiros, músicos, filósofos, bibliotecários, pedagogos, entre outros. Como propõe Omena (2009OMENA, Luciane Munhoz de. Pequenos poderes na Roma imperial. Os setores subalternos sob a ótica de Sêneca. Vitória, ES: Flor & Cultura, 2009., p. 124), os ofícios tornavam possíveis à divisão hierárquica, pois, apoiando-se na filosofia estoica senequiana, existiriam atividades desprezíveis, como, por exemplo, a coleta de excrementos, indigna aos cidadãos. Dada à diversidade de ofícios, o senhor poderia preparar os escravos, oferecendo instrutores especializados. Um exemplo disto é o Paedagogium, escola para a formação de escravos e libertos imperiais, localizada na encosta sudoeste do Monte Palatino, na suposta biblioteca Apollonis, situada ao sul do Palácio Flaviano, na área oeste do hemiciclo da domus Caesaris. Neste local, temos um espaço constituído com dez salas, em distintos tamanhos, dispostas ao lado de uma grande câmara semicircular, que se abre para um porticus, e de um pátio retangular pavimentado (Fig. VI. Plano do Paedagogium) (Keegan, 2013KEEGAN, Peter. Reading the ‘Pages’ of the Domus Caesaris: Pueri Delicati, Slave Education, and the Graffiti of the Palatine Paedagogium. In: GEORGE, Michele. Roman slavery and Roman material culture. Toronto: University of Toronto Press , 2013, p. 69-98., p. 71). Além da relevância arqueológica, se pensarmos o complexo arquitetural e os grafites ali presentes, há igualmente, como demonstra a pesquisa de Keegan (2013KEEGAN, Peter. Reading the ‘Pages’ of the Domus Caesaris: Pueri Delicati, Slave Education, and the Graffiti of the Palatine Paedagogium. In: GEORGE, Michele. Roman slavery and Roman material culture. Toronto: University of Toronto Press , 2013, p. 69-98.,p. 93-94), uma variedade nas relações sociais expressas em subcategorias entre libertos e escravos, um senso de pertencimento à comunidade, informações sobre educação, alfabetização, crenças religiosas, deveres domésticos, associações étnicas, dentre outras. Posto isto, interessa-nos ressaltar que a escola treinava escravos e libertos para se dedicarem às atividades domésticas, como serviço de triclinium, supervisão, controle de hóspedes, proteção da casa imperial, entre outras mais.10 10 Vale ressaltar que o serviço de triclinium era executado por meninos - pueri - com suas faces maquiadas, cabelos longos, habilmente entrelaçados e túnicas elegantes; desempenhavam a atividade de servir água e vinho aos convivas. Em Pompeia, a Casa do Triclínio contém um afresco com uma cena de banquete em que se destaca a presença dos pueri auxiliando os comensais. Como aponta Keegan (2013, p. 74-75), estes pueri aparecem também em registros textuais como sendo mestres da arte e do requinte utilizados à serviço de famílias aristocráticas (e.g. Cícero, Ulpiano, Philo, Petrônio, Sêneca, entre outros). Nos registros textuais aparecem designados pelos seguintes termos: capillati (cabelos longos), comati (cabeleira longa), criniti (muitos cabelos), crispuli (bem frisado) e calamistrati (afetados, efeminados). Sêneca (Ep. Morales 47, 06,07), por exemplo, em tom de crítica, mencionava o escravo que servia o vinho; o mesmo deveria ser jovem e próximo ao senhor, uma vez que se prestava às funções sexuais. Evidências textuais e materiais confirmam que a especialidade destes jovens escravos, segundo propomos, gerava um maior contato e possíveis vantagens com a proximidade de seus senhores. Trimalchio de Petrônio recordava aos seus comensais: “Nos meus tempos de escravo de cabelos compridos - na verdade, desde pequeno eu levei uma vida de luxúrias -, morreu o favorito do patrão, o nosso próprio patrão. Por Hércules. Uma pérola, jeitosinho, perfeito em tudo” (Trad. de Cláudio Aquati) (Petrônio. Satyricon. 06. 63). Aqui, o mesmo se reconhecia como um puer, escravo destinado às condutas sexuais. Consultar ainda alguns referenciais sobre a escravidão e a cultura material: Mouritsen, 2013; Lenski, 2013; Bradley & Cartledge, 2011; Keegan, 2013, Wiedemann, 2017, entre outros. Abaixo, podemos observar o prédio, a reprodução de um dos grafites e o plano do Paedagogium:

Figura 4.
Prédio Paedagogium.

Figura 5.
Reprodução do Grafite - localiza-se em frente ao prédio - Fig. I. Grafite em gesso com um crucifixo blasfemo, encontrado em 1857. Hoje, situa-se no Museu do Palatino, primeiro andar, sala VIII. Datado como pertencente ao período severiano.

Figura 6.
Plano do Paedagogium no Palatino.

Do ponto de vista do escravo, a aquisição de um ofício ou uma aptidão viabilizava-o, quando livre, a sustentar-se e adquirir privilégios sociais. Como propõe Bodel (2017BODEL, John. Death and Social Death in Ancient Rome. In: BODEL, John; SCHEIDEL, Walter. On Human Bondage. After Slavery and Social Death. Malden, MA: John Wiley & Sons Inc., 2017, p. 81-108., 89), temos diversos indicadores - testemunhos literários e materiais -, os quais sugerem que os escravos romanos consideravam a escravidão como situação transitória. Não representava uma condição permanente e sim parte de um processo, pois, como infere Bodel (2017BODEL, John. Death and Social Death in Ancient Rome. In: BODEL, John; SCHEIDEL, Walter. On Human Bondage. After Slavery and Social Death. Malden, MA: John Wiley & Sons Inc., 2017, p. 81-108., p. 90), os romanos reconheciam a escravidão como um produto das circunstâncias e não da natureza. Os libertos tenderão, no final da República e início do Principado a se destacarem no comércio e na burocracia imperial.

Os escravos domésticos se beneficiavam de um estatuto especial que os tornava muito próximos da família exercendo funções de secretários e educadores dos filhos enquanto paedagogi acompanhantes ou nutrices, amas para crianças. Considera-se que esse era um traço educativo muito peculiar na educação em Roma, serem as crianças da elite romana acompanhadas por escravos ou terem escravos como preceptores. Sabe-se que os escravos poderiam se tornar libertos e clientes do patronus. Em alguns casos poderiam, inclusive receber formação na escola privada para os escravos (Paedagogium) do dominus.

Fora dos registros literários (e.g.SatyriconPETRÔNIO. Satíricon. Trad. de Cláudio Aquati. São Paulo: Cosac Naify, 2008. de Petrônio), evidências epigráficas e iconográficas apontam para uma ausência de constrangimento em ex-escravos perpetuarem o seu passado servil. Podemos citar, por exemplo, um altar funerário, descoberto em 1949, localizado em Mediolanum, Via Montenapoleone. Confeccionado em mármore com 125 cm de comprimento, 60 cm de largura e 55 cm de espessura, indicando, com isso, o uso do módulo baseado no pé romano; temos, assim, as seguintes medidas: 4,1 pés de comprimento, 1,9 pés de largura e 0,16 pés de espessura. Trata-se de uma homenagem a uma mãe. Citemos in extenso:

Figura 7.
Altar funerário datado aproximadamente do II d.C.

D(is) M(anibus) Didiae M(arci) l(ibertae) Salviae Q(uintus) Didius Q(uinti) f(ilius) Tertullinus eques r(omanus) equo p(ublico) matri optimae (Museo Archeologico di Milano, N. INV. A. 096783. Transcrição de Degrassi, 1951, p. 48-49).

Para os deuses Manes de Didia Sálvia, liberta de Marco. Quinto Didio Tertuliano, filho de Quinto, cavaleiro romano investido de cavalo às expensas públicas, (dedica) à ótima mãe (Trad. de Luciane Munhoz de Omena).

Neste ambiente celebrativo, o altar teria sido fixado, provavelmente no interior do edifício.11 11 Em suas laterais, sobressaem-se pateras, objetos alusivos à oferta e às libações em rituais fúnebres, os quais englobariam as festividades dos Parentalia (realizada em fevereiro), Rosalia (entre maio e junho), Feralia (21 de fevereiro) e Lemuria (entre os dias 09 e 13 de maio). Para maiores detalhes, consultar: Scheid, 2009; Rüpke, 2010; Dolansky, 2011; Omena & Funari, 2018, entre outros. Ressaltamos ainda que Quinto Didio Tertuliano poderia pertencer à ordem equestre, com a concessão simbólica designada “cavalo público”, mantida à custa pública. Sabemos, pois, que se tratava de um título honorífico, porém assegurava o acesso aos cargos de curator e praefectus, ocupados, preferencialmente, por cavaleiros romanos. Neste caso, Tertuliano possuía origem servil. A mãe era liberta. O que demonstra a mobilidade social, uma vez que não representava um testemunho atípico. Libertos teriam acesso a algumas magistraturas e, muitos deles, possuíam recursos financeiros, construíam edifícios e monumentos tumulares. Honravam seus patronos,12 12 É importante ressaltar que o termo patronus aparece nas narrativas textuais, à época imperial, associado às situações legais, como, por exemplo, advogados, patronos de comunidades e ex-senhores. Para Campbell (2015, p. 112-113), a elite evitava utilizar os termos dependentes e clientes, por cortesia; todavia, os clientes, ao erguerem monumentos ou inscrições em honra ao patrono, com o objetivo de ampliar o prestígio e reputação de seus protetores, faziam uso da palavra. Em termos legais, a relação patrono e liberto não era voluntária. Sabemos, pois, que a liberdade do escravo não finalizava suas relações com seus senhores, o vínculo se manteria a partir da criação de obrigações de deferência e serviço (obsequium et officium) reforçados pela lei. Ainda para a autora, o número de inscrições prova a relação entre libertos e patronos. Seguindo esta ótica, Omena e Funari (2015, p. 303) publicaram a tradução de um epitáfio de Mediolanum em que se acentuam dimensões mais particulares e emocionais de Lúcio Trébio Divo. O mesmo perde duas esposas e quatro libertos. O epitáfio torna público o seu lamento, enquanto espera o momento de seu decesso. Porém, interessa-nos ressaltar que a inscrição revela a manumissão no momento da morte. Há um jogo de linguagem no texto - “todos eles num único dia libertados e sepultados de novo” -, indicando, deste modo, que a morte os conduziu à libertas social. Passam a ser relembrados na condição de cidadãos, enquanto, Trébio imortaliza sua dignitas. Após o seu falecimento, poderia receber homenagens de escravos e clientes, pois, ao que indica, não possuía descendentes. Para maiores detalhes, consultar: consultar: Carroll, 2001 e 2011; Remessal, 2016; Hope, 2017; Omena & Funari, 2018; Omena, 2018, entre outros. homenageando-os nos aniversários de morte e nas celebrações aos mortos. Tornavam suas ações públicas, projetavam-se na comunidade, pois, como sustenta Carroll (2011CARROLL, Maureen. Memoria and damnatio memoriae. Preserving and erasing identities in Roman funerary commemoration. In: CARROLL, Maureen; REMPEL, Jane. Living through the dead burial and commemoration in the Classical world. Oakville, USA: The David Brown Book Company, 2011, p. 65-90., p. 65-66), a aparência física dos monumentos funerários e suas inscrições propiciavam às pessoas a negociação de suas posições nas relações com a comunidade. Aliás, este fato não silenciava a origem servil. Era recorrente a assiduidade do patrono. Representava um dever. Todavia, o que nos interessa, mais propriamente, é o dispositivo retórico. Ao homenagear Didia Sálvia, o filho imortalizou a magistratura militar. Transformou-a em um elemento de distinção. Desse modo, ao moldar o status social, alterou a recordação: passou a celebrar a sua posição no interior da família, suas relações com a comunidade e, conforme pensamos, reintegrou a própria família no corpo social. Diante destas considerações, alinhamo-nos a Hodder (2012HODDER, Ian. The presente past. An introduction to Antropology for Archaeologists. England: Pen & Sword Books Limited, 2012., p. 139-140) e Theuws (2009THEUWS, Frans. Grave goods, ethnicity, and the rhetoric of burial rites in Late Antique Northern Gaul. In: Derks, TON; ROYMANS, Nico. Ethnic Constructs in Antiquity. The Role of Power and Tradition. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2009, p. 283-319., p. 295), já que os rituais não se tornavam espelhos imediatos da vida. Tratava-se de uma arquitetura complexa. Se pensarmos o edifício e seus aparatos - restos humanos,13 13 Quanto aos estudos acerca do cadáver, consultar: Hope, 2000; Williams, 2004; Grahan, 2011; Borgia, 2018, entre outros. epitáfios, mortalha, esculturas, mosaicos e afrescos -, perceberemos que representavam distintos aspectos dos rituais funerários (JONG, 2017JONG, Lidewijde de. The Archaeology of death in Roman Syria. Burial, commemoration and Empire. Cambridge: Cambridge University Press , 2017., p. 102-103). Interessa-nos estelas e altares. Neles, constavam-se como as pessoas gostariam de ser lembradas e quais elementos a comunidade salientava. Normalmente, referiam-se aos mortos e a seus familiares, como, por exemplo, nas estelas de Segunda Bolana e Quinto Didio Tertuliano.

Da morte aos o fícios na sociedade mediterrânica: orensia obsequente

Nessa atmosfera celebrativa, detectavam-se ainda cores vibrantes contendo repertórios míticos, cenas de caças, banquetes fúnebres, pássaros, flores, seres itifálicos, com caráter apotropaico e atividades profissionais.14 14 Consultar: Hope, 2003; Dolansky, 2011; Ling, 2015; Feraudi-Gruénais, 2015; Omena & Funari, 2017; Omena & Gomes, 2018, entre outros mais. Todos elementos, aqui mencionados, ornamentavam os espaços internos e externos dos edifícios funerários. Estelas e altares, esculpidos e pintados, posicionavam os ofícios em um espaço coletivo mais amplo, tornava-os, assim, visíveis, memoráveis e reintegrados aos novos papéis e espaços sociais. Ora, falamos em celebração, em comemoração à memória de trabalhadores... Se pensarmos sobre este fato na contemporaneidade, teremos à disposição uma quantidade infindável de testemunhos textuais, materiais e audiovisuais. Em nosso campo de estudo, não contamos com o mesmo privilégio. Então, se nos apoiarmos aos registros filosóficos, as atividades laborais representavam, quase majoritariamente, vícios que se contrapunham à prática da uirtus. Em Sêneca, os ofícios de mercador e tecelagem, por exemplo, associavam-se, conforme nosso entendimento, ao lucro, à promiscuidade e à riqueza, à medida que desencadeavam o excesso pelo luxo, pelo vinho, pela comida, pela vestimenta, pelo cuidado com a beleza, pelo gosto por animais exóticos. Todos os elementos, aqui reportados, despertavam nos homens a ambição pelo lucro. Em Ad Helviam, Sêneca argumenta:

Querem que se apanhe para além do Fasis aquilo que fornece suas requintadas cozinhas, nem se envergonham de pedir aves aos partos, dos quais ainda não nos vingamos. De todas as partes transportam todos os alimentos conhecidos de suas gulas enfastiadas; e trazem dos confins do oceano aquilo que seus estômagos, desgastados pelos prazeres, com dificuldade podem aceitar. Vomitam para comer, comem para vomitar, e não se dignam a digerir as iguarias que buscam por toda a terra (Sêneca. Ad Helviam de Consolatione. X, 03) (Trad. de Luciane Munhoz de Omena).

Nesse cenário, ora apresentado, o comércio alicerçava-se sob a ótica moral, com um verniz que, segundo supomos, dirigia-se à preocupação política e financeira de trocas comerciais com povos hostis e belicosos. Na alegação, os mercadores obtinham produtos gastronômicos exóticos, pagando a estrangeiros e inimigos partos em espécie, com aurei e com denarii. Como aponta Giacchero (1980GIACCHERO, Marta. Economia e società nell’opera di Sêneca. Intituizioni e giudizi nel contesto storico dell’età Giulio-Claudia. In: Miscellanea di Studi classici in onnore di Eugenio Manni (vol. 3). Roma: Giorgio Brestschneider, 1980, p. 1087/1136., p. 1105),15 15 Consultar ainda: Wilcox & Macbride, 1986; Curtis & Stewart, 2007. as relações com os romanos eram completamente positivas para os partos, não somente no resultado econômico, mas também favoreciam o conhecimento dos ordenamentos militares, das estratégias táticas e da estrutura política do império inimigo. Como intermediários do comércio indiano e chinês para o Mediterrâneo ou como exportadores dos produtos locais, os partos conseguiram a partir da relação com o Ocidente uma capacidade reforçada de resistência e de ofensiva para com a Res Publica romana. Neste ponto, o mercador representava sujeição, submissão aos Partos. Embora o exemplum propicie uma singularidade - trocas comerciais com os Partos -, aponta para uma máxima: grupos aristocráticos, ainda que envolvidos em atividades comerciais, sobretudo estas que abrangiam grandes distâncias, produziram narrativas reforçando, de modo geral, a improbidade dos ofícios. Ora, isto não desqualifica o testemunho, desvela o discurso oficial.

Diferente versão apresentam-nos as necrópoles. Nelas, libertos ansiavam divulgar seus feitos. Desejavam a fama e a reputação. Logo, pululavam imagens sobre suas atividades laborais, como, por exemplo, a criação de objetos de ferro por meio da forja, no caso dos ferreiros, e o nascimento de crianças, realizado por parteiras. A partir delas, são recorrentes testemunhos materiais em sítios arqueológicos e em museus, os quais reproduzem, citando caso análogo, etapas de fabricação do pão. Referimo-nos à tumba do padeiro, localizada em Roma, Via Ostiense. Em nossa percepção, pretendia-se posicionar o ofício de padeiro em um espaço social, tornando-o visível, célebre e didático, caso consideremos as etapas de produção do pão.

Em se tratando dos mortos de Mediolanum é importante ressaltar que suas necrópoles, datadas dos séculos I a.C. ao III d.C., possuem fragmentos de monumentos funerários reempregados na muralha tardo-republicana e em artefatos, como sarcófagos e inscrições, dispostos na coleção do Museo Archeologico di Milano.16 16 Consultar os catálogos do referido museu: Caporusso, 2011; Caporusso et al, 2007. Tais registros permitem-nos compreender os dispositivos retóricos da morte, em especial a comemoração em estelas e altares de libertos e escravos que se dedicavam aos seguintes ofícios: professores, médicos, advogados, vendedores de vinho e artesãos. No que se refere ao comércio, atestam a presença de atividades ligadas à produção e a comercialização de roupas, linho, peles, que, segundo Caporusso (2011, p. 89), possibilitou a transformação de Mediolanum em um dos principais centros de produção, no lugar imediato à Aquileia.17 17 Dada a relevância de ofícios, alguns destes estavam organizados em associações - collegia -, a exemplo do collegium fabrorum (associações de ferreiros, carpinteiros e trabalhadores especializados) e do collegium dentrophororum (associações de comerciantes e transportadores de lenha, adoradores do culto à Magna Mater). Em outras partes do império, detectam-se colégios de escribas, religiosos e também de libertos e escravos de famílias aristocráticas. Normalmente, os collegia cumpriam uma função social, reuniam-se com regularidade, organizavam celebrações de festivais e incumbiam-se de enterrar seus membros. Como aponta Carroll (2006, p. 47-48), na cidade de Roma, existem inscrições que se referem a trinta e duas urnas para a cremação de seus membros em uma tumba comunal. Tratava-se do Collegium Fabrum Tignuariorum, sociedade de artesãos madeireiros. Na mesma cidade, mencionou ainda o Collegium Ostiariorum Cesaris Nostri - Sociedade dos Porteiros do Palácio Imperial - conhecido por meio da inscrição de um de seus membros, Publius Aelius Pyramus, liberto de Adriano. Este confiou a construção de seu túmulo ao collegium, deixando instruções gravadas na pedra. Em suas solicitações, a reutilização de túmulo - por membros do collegium - poderia ocorrer somente com o fim de sua linhagem familiar. Embora não tenhamos informações substanciais, supõe-se a existência de hierarquias, posições de comando, nestas associações. Leva-se em consideração a presença de indivíduos de baixa renda, sendo, portanto, atraente, a estas pessoas, a vinculação a indivíduos com status superior, já que não poderiam esperar ajuda do poder público. Consultar: Omena & Funari, 2018. Nestas atividades vinculadas à produção têxtil, em uma estela funerária, medindo 239 cm de comprimento, 70 cm de largura e 30 cm de espessura,18 18 A conversão em pés romanos: 7,8 x 2,2 x 0,8. Consultar o site: https://conversor-de-medidas.com/comprimento/172-cm-para-p%C3%A9. Data do acesso: 02\02\2019. No que se refere à datação, sugere-se o primeiro século, já que os penteados seguem padrões datados do período tiberiano (14 a 37 d.C.) e neroniano (54 a 68 d.C.) (Caporusso, 2011, p. 94-95). datada da primeira metade do século I d.C., Caio Vétio dedica-a a si e à família. Abaixo, observam-se a estela e epitáfio:

Figura 8.
Estela de Caio Vétio. Localizada no Museo Archeologico di Milano.

C(aius) Vettius Novelli f(ilius) sibi et Verginiae Lutae matri et privat[a]e l(ibertae) adiutor(i) l(iberto) Methe L(ibertae) T(estamento) f(ieri) i(ussit) (Transcrição de Pollini, 1990, p. 64-67).

Caio Vétio, filho de Novélio, para si e para Virgínia Luta, sua mãe, e às libertas, em especial às assistentes e ao liberto Meta. Ordenou que se fizesse por testamento (Trad. de Luciane Munhoz de Omena).

Na estela, detecta-se um formato retangular,19 19 De acordo com a tipologia elaborada por Caporusso (2011, p. 60-61), temos estelas em nichos simples, seguindo os padrões quadrangular e arqueadas; ademais, veem-se estelas em modelo de edícula, em formato quadrangular, arqueadas e outros tipos. Estas aparecem também em edifícios funerários, como, por exemplo, Isola Sacra; trata-se de uma alusão à casa eterna (Cf. Omena, 2018). Em termos temporais, datam à época de Augusto, Tibério, Cláudio e Nero. construído em calcário vicentino, que se divide em quatro planos: no primeiro, posicionado no frontão, atribui-se o retrato a Caio Vétio, esculpido em nicho profundo, com divisória, acompanhando ornamentos em formatos de pingentes; na sequência, lado esquerdo, encontra-se o retrato de Virgínia Luta, seguido dos demais: o liberto chamado Meta e às libertas ajudantes. No relevo, ambos seguem o padrão esculpido em nicho profundo, enquanto, no terceiro plano, vê-se a inscrição modelada em letra capitalis, seguindo o topos honorífico; por fim, no quarto plano, insculpem-se dois homens: o primeiro, posicionado ao lado direito, aponta para o outro, o qual exibe aos passantes o que parece ser um tecido. O conjunto compõe-se igualmente de elementos decorativos como a cornucópia, ramos com frutos e espigas, aludindo à riqueza e à felicidade no post mortem. Sobre isto, faz-se importante destacar que a presença de flores, de vinho, de alimentos, de incensos, de lamentos, em um cenário tumular colorido e festivo, propiciava a observância anual dos rituais, proclamava-se o status social dos mortos e de seus respectivos familiares. Representava um espaço de reminiscências, peregrinação e reverência.

É, portanto, nesse ambiente, que os retratos ganham destaque. Cabe-nos ressaltar que o termo retrato significa representação do falecido, pois, tal como sugere Jong (2017JONG, Lidewijde de. The Archaeology of death in Roman Syria. Burial, commemoration and Empire. Cambridge: Cambridge University Press , 2017., p. 108), não podemos considerá-lo uma imagem verística.20 20 Destaque-se em alguns estudos de arte funerária a diferenciação entre retrato, busto e esculturas em relevo ou mesmo bustos em meio corpo e hermas. Entretanto, em todos eles é possível destacar a ideia do retratismo como suporte da memória, elementos que buscavam, dentre outras coisas, garantir a tão polêmica semelhança com o morto (Berresford, 2004). Para Didi-Huberman (1998DIDI-HUBERMAN, Georges. O Rosto e a Terra. Onde começa o retrato, onde se ausenta o rosto. Porto Arte. Revista de Artes Visuais. Porto Alegre: vol.9, n.16, 1998, p.61-82.), o retrato não está dissociado do “nó antropológico” que o envolve, não se tratando apenas de buscar as semelhanças com o retratado, mas considerá-lo em toda a sua teia. Como afirma:

A questão do retrato começa talvez, no dia em que, diante de nosso olhar aterrado, um rosto amado, um rosto próximo cai contra o solo para não levantar mais.(...). O retrato é uma mágica resposta do lugar à questão do rosto ausente. (...) ele se manifesta como um nó antropológico. A definição corrente do retrato como representação semelhante de uma pessoa existente - essa definição não vale de nada, na medida em que as práticas concretas geralmente designadas sob o termo de “retratos” tecem cada uma incríveis tranças contraditórias de representações e de presenças, de semelhanças e dessemelhanças, de seres e de existências. (Didi-Huberman, 1998DIDI-HUBERMAN, Georges. O Rosto e a Terra. Onde começa o retrato, onde se ausenta o rosto. Porto Arte. Revista de Artes Visuais. Porto Alegre: vol.9, n.16, 1998, p.61-82., p. 62).

Dessa forma, ao compreendê-los como representação, veremos que oferecem, assim como o epitáfio, informações sobre o morto em diálogo com uma intensa teia de relações. Neles, aprendemos sobre os seus nomes, sexos, idades, profissões, status sociais e suas posições no monumento, enquanto fundadores ou herdeiros. Entendemos que os indivíduos poderiam aparecer em suas individualidades ou figurar em um grupo maior: família e ofício, por exemplo. Aliás, se pensarmos o espaço, os retratos ocupavam um lugar de destaque na paisagem funerária. Os vivos retornariam às sepulturas, reconheceriam seus mortos, podendo, dessa forma, assumir um caráter mais particular; por conseguinte, as lembranças incorporariam dimensões mais afetivas, expressas na presença da dor e do luto de seus familiares (Hope, 2011HUSKINSON, Janet. Bad deaths, better memories. In: HOPE, Valerie M.; HUSKINSON, Janet. Memory and mourning. Studies on roman death. Oxford: OXBOW BOOKS , 2011, p. 113-125., p. 179; Jong, 2017JONG, Lidewijde de. The Archaeology of death in Roman Syria. Burial, commemoration and Empire. Cambridge: Cambridge University Press , 2017., p. 130).21 21 Ademais, epitáfios e retratos poderiam indicar o direito de sepultamento. Tentava-se coibir uma prática recorrente: intimidar a presença de grupos ou visitantes indesejados. Seguindo as diretrizes do direito sepulcral, o sepultamento representava imutabilidade. Não se permitia retirar os restos mortais, ali sepultados. Então, se um enterro indevido ocorresse, mesmo o proprietário da terra não poderia removê-lo. Deveria recorrer ao pontífice ou Princeps (Apiano. Digesta. 11.7.7.8.0). Assim, criaram-se mecanismos de advertência: retratos e epitáfios alertavam acerca da sacralidade mortuária. Consultar: Remesal, 2016; Jong, 2017; Omena & Funari, 2018, entre outros.

Temos o que se denomina comunidades emocionais ou comunidades sociais (Rosenwein, 2011ROSENWEIN, Barbara H. História das emoções. Problemas e métodos. Trad. de Ricardo Santiago. São Paulo, SP: Letra e Voz, 2011., p. 20-21), as quais incorporam famílias, collegia, instituições civis e militares, corte imperial, entre outras. A partir delas, compreendem-se os sistemas de sentimentos, as emoções que se valorizavam, desvalorizavam ou ignoravam, a natureza dos laços afetivos entre as pessoas e expressões emocionais reconhecidas, legitimadas e pranteadas (Rosenwein, 2011ROSENWEIN, Barbara H. História das emoções. Problemas e métodos. Trad. de Ricardo Santiago. São Paulo, SP: Letra e Voz, 2011., p. 21). Nisto, situa-se o epitáfio de Caio Vétio. Nele, destaca-se o ofício. A julgarmos pela estela, a família possuía rendimentos avultados, dedicava-se às atividades têxteis e ao comércio, recorrentes na Gália Cisalpina. O indício do labor verifica-se na cena entre os dois homens. Destaca-se a exposição do tecido, provavelmente em área pública. Aqui, o sentimento de orgulho ostenta-se em estela elaborada. Como já afirmamos, inclusive em outros artigos (Omena, 2018OMENA, Luciane Munhoz de. Os laços entre família e morte nas consolatórias de Sêneca. In: OMENA, Luciane Munhoz de. Memória e materialidade. Interpretações sobre Antiguidade. Jundiaí, SP: Paco , 2018, p. 151-166., entre outros), a necrópole representa um espaço social. Nela, os seus moradores reconhecer-se-iam como membros de uma comunidade. Transformar-se-iam em símbolos de distinção, uma vez que, nesse jogo complexo, imputava-se uma visão social e criavam-se sentido e consenso à unidade do grupo. Assim, nasce um elo entre outros trabalhadores, pelo fato de se reconhecerem em um mesmo cenário. A este respeito, tomamos como empréstimo a hipótese de Jong (2017JONG, Lidewijde de. The Archaeology of death in Roman Syria. Burial, commemoration and Empire. Cambridge: Cambridge University Press , 2017., p. 182-186) sobre conectividade. Conforme a teórica, havia uma conexão estabelecida entre as cidades do império, resultante do comércio e da migração, situação que proporcionava o emprego de símbolos culturais semelhantes. As cidades compartilhavam características, tornando-as parte de uma cultura global; entretanto, cada uma mantinha suas próprias particularidades. Desse modo, se percorrermos as diversas necrópoles, poderemos identificar em sua paisagem padrões convergentes, como o modelo edicular. Este é encontrado nos edifícios de Isola Sacra e Pompeia e convergem em altares e estelas de Mediolanum, entre outras regiões. Não é incomum, diríamos, que os habitantes de Mediolanum incorporassem aos edifícios funerários adornos emulativos, transformando, deste modo, em símbolos de reminiscências as práticas laborais. Nisto, compõem-se os laços de afetividade. Vejamos bem. Na estela, a família Vétio - filho, mãe e libertos - associa-se diretamente à produção têxtil e ao seu comércio. Mesmo havendo o destaque a Caio Vétio, fundador do edifício, o conjunto de recordações, segundo supomos, centraliza-se no grupo maior, no qual estão os integrantes familiares e representantes do ofício têxtil.

Essa situação adéqua-se à Orensia Obsequente, personagem, no mínimo, singular. Tivemos acesso à estela no Museo Archeologico di Milano e a mesma possui um formato retangular, construída com mármore de Paro, medindo 79 cm de comprimento, 62 cm de largura e 32 cm de espessura.22 22 A conversão em pés romanos: 2,59 x 2,0 x 1,0. Consultar o site: https://conversor-de-medidas.com/comprimento/172-cm-para-p%C3%A9. Data do acesso: 05\02\2019. A estela encontra-se fragmentada, inscrições e medidas não convergem com a peça completa. Datada na primeira metade do século I d.C., apresenta aos transeuntes uma cena esculpida com a presença de busto masculino, vestido com a toga, indicando, deste modo, o status de cidadão. O cabelo assemelha-se aos penteados masculinos usuais à época augustana, uma vez que aparecem arrumados para frente e os fios, em ondas curtas, sobressaem-se na testa (cf. THOMPSON, 2007THOMPSON, Nancy L. Roman art. A resource for educators. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2007., p. 150). Ao que tudo indica, o homem devia ser o patrono de Orensia Obsequente; em sequência, a nossa protagonista, localizada no centro, entre o patrono e uma mulher vestida com a palla e com os cabelos puxados para trás, formando, provavelmente, um coque em sua nuca, - a qual não temos informações, segura, em suas mãos, um recipiente de cálamo,23 23 Cálamo é um instrumento para a escrita, feito de um pedaço de junco, talhado obliquamente ou afinado na extremidade, utilizado para escrever em tábuas de argila, papiros e pergaminhos. instrumento de escrita. Assim, a cena não nos permite sugerir a posição hierárquica entre as mulheres. Ambas estão vestidas com a palla e não temos maiores informações sobre a relação social entre as duas. Provavelmente, compunham o mesmo grupo familiar. No entanto, a posição central de Orensia, acolhida entre o homem e a mulher, leva-nos a pressupor a sua proeminência na estela. Por exemplo, a presença dos instrumentos do ofício como o objeto de punição, exalta, segundo propomos, a ocupação educativa de Orensia. Desse modo, abaixo do relevo, vê-se uma cena fragmentada com um preceptor punindo com severidade um aluno indisciplinado. O mesmo lança uma espécie de chicote contra o discente. Como se nota na imagem a seguir:

Figura 9.
Estela de Orensia Obsequente.

Orensia C(ai) l(iberta)Obsecuens sibi [et...] (Transcrição de POLLINI, 1990, p. 38. Museo Archeologico di Milano. CIL 6061).

Orensia Obsequente, liberta de Caio, para si (e para) (Fez) (Trad. de Luciane Munhoz de Omena).

Aqui, o mármore revela a conquista social, a mobilidade alcançada. Orensia devia ser uma preceptora doméstica que, após a manumissão, continuou exercendo o seu ofício. O interessante, sobretudo, é a questão feminina. Normalmente, os homens atuavam na formação de alunos; inclusive, se verificarmos a palavra preceptor, veremos que se trata de um substantivo masculino da terceira declinação. Deste modo, parece-nos inusitado a atuação de Orensia Obsequente. Se voltarmos a Quintiliano, os preceptores domésticos associavam-se à presença de um liberto fiel, conforme pode ser observado no excerto abaixo:

Mas, ao contrário, se sua índole é boa, se a apatia dos pais não for cega e entorpecida, pode-se escolher um preceptor qualquer, virtuoso quanto possível, cuja função seja a preocupação específica com as pessoas prudentes, e a disciplina for a mais rigorosa possível, e nada menos que colocar ao lado de seu filho um amigo, um homem sério ou um liberto fiel, cuja companhia contínua torne melhores também eles mesmos, dos quais se tinha algum receio (Quintiliano. Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015.. Livro I. 5) (Trad. de Bruno Fregni Basseto) (Grifo nosso).

Percebe-se, portanto, a presença masculina. Para o orador não importaria o estatuto jurídico: amigo, um ingenuitas ou um liberto fiel - fidelem libertum -, ambos deveriam investir-se de uirtus, educando com disciplina rigorosa. Segundo sua visão, “estragamos a infância com caprichos (Quintiliano. Institutio OratoriaQUINTILIANO. Instituição Oratória (Tomo I). Tradução, apresentação e notas de Bruno Fregni Bassetto. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2015.. Livro I. 5). Ora, se compararmos o exposto acima à estela de Orensia, parece-nos que a atuação rigorosa seja de um professor ou de um pedagogo,24 24 O pedagogo geralmente era um escravo que acompanhava a criança, inclusive na escola, e, em alguns contextos, simbolizava a figura do guia, do condutor, do mentor. representa uma conduta a ser seguida. É interessante ressaltar que o nome da nossa protagonista - Obsequente - significava ainda brando, submisso, obediente, entre outros. Nesse jogo linguístico, a obediência transforma-se em uma conduta virtuosa. É nessa sutileza entre imagem e linguagem que a liberta Orensia Obsequente declara, segundo supomos, com orgulho a sua atividade laboral. Ademais, a estela funerária é, em si, uma preciosidade, não apenas por seu luxo, já que utilizou o mármore, material de alto custo, mas também pelas informações, aqui contidas, serem incomuns. Tratava-se da perenização de uma preceptora.

Considerações finais

Ao levar em consideração a relevância das imagens mortuárias no Mediterrâneo romano, analisamos a experiência social da morte, já que engloba a forma como os mortos na sociedade passam a ser lembrados ou condenados ao apagamento. Nesta ocasião, nossa atenção centrou-se, sobretudo, nas atividades laborais representadas em estelas e altares funerários de Mediolanum, por compreendermos que a produção social de memória incorporava a celebração e perpetuação de trabalhadores como uma prática social. A partir desses elementos, podemos observar que a atuação feminina, seja na instância política, seja na atividade laboral, permitiu que se transformasse em protagonista no cenário social mediterrânico. Seus nomes como Eumachia, Segunda Bolana, Cornélia, Hortência e a nossa protagonista Orensia Obsequente tornaram-se, de fato, visíveis e memoráveis em ambientes considerados masculinos e até mesmo sagrado, se nos referirmos às necrópoles. Nestas, encontramos imagines agentes (Assmann, 2011ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação. Formas e transformações de memória cultural. Campinas: Ed. Unicamp, 2011., p. 239) que, “por sua força impressiva, são inesquecíveis” (Ibidem); logo, emolduram-se em imagens mnemônicas. Assim, o espaço funério permitiu às mulheres a reafirmação de seus interesses familiares, em favor do poder, projetando, deste modo, a gens, como se destaca em Segunda Bolana. Alcança-se prestígio social e a eternização da gens torna-se, segundo supomos, exteriorizada na estela. Pôde observar-se, assim, a estela de Orensia Obsequente transfigurar-se em monumento de memória, em imagines agentes, pois colocam em cena a divulgação e a valorização do ensinar em Mediolanum, posicionando, dessa forma, o ofício de professor e a própria atuação de Orensia em um espaço coletivo mais amplo, o que os torna memoráveis e reintegrados aos novos papéis e esferas sociais.

Agradecimentos

Somos gratas a Pedro Paulo Funari, Gilvan Ventura da Silva, Érica Cristhyane Morais da Silva, Ana Teresa Marques Gonçalves, Margarida Maria de Carvalho e Thiago Eustáquio Araújo Mota pela possibilidade de troca de ideias. As reflexões desenvolvidas no decorrer do texto são de responsabilidade apenas das autoras.

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  • PEREIRA MELO, José Joaquim. A Educação e o Estado Romano. Revista Linhas (UDESC), Florianópolis, v.07, n.02, 2006, p. 1-16.
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  • SCHEID, J. Rito e religione dei Romani Bergamo: Sestante Edizioni, 2009.
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  • THOMPSON, Nancy L. Roman art. A resource for educators. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2007.
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  • ZANKER, P. Augusto y el poder de las imágenes Madrid: Alianza Editorial, 2005.

Corpus Epigráfico

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  • Inscriptiones Galliae Cisalpinae Latinae In: Mommsen, Theodor. Berolini: G. Reimerum, 1872.
  • POLLINI, U. T. Stele Funerarie romane con ritratti dai municipia di Mediolanum e Comum Milano, 38, p. 89-90, 1990.
  • SARTORI, Antônio. Guida alla sezione epigrafica delle raccolte archeologiche di Milano Milano, 1994.

Catálogo de Imagens

  • COPARUSSO, Donatella. Antiche pietre di Mediolanum Civico Museo Archeologico. Milano: Comune di Milano, 2011.
  • COPARUSSO, Donatella et al Immagini di Mediolanum Archeologia e storia di Milano dal V secolo a.C. al V secolo d.C. Milano: Comune di Milano , 2007.

Recurso Online

  • https://conversor-de-medidas.com/comprimento/172-cm-para-p%C3%A9. Data do acesso: 02\02\2019.

Notas

  • 1
    Vale ressaltar que Luciane Munhoz de Omena e Ana Teresa Marques Gonçalves mencionam a estela de Orensia Obsequente na apresentação - Construindo os espaços da memória e da materialidade na Antiguidade - para a coletânea Memória e materialidade. Interpretações sobre Antiguidade. No entanto, cumprindo o objetivo preambular, as autoras apresentam as medidas da estela e, em seguida, relacionam-na à construção social de memória. Tema central da coletânea (2018GONÇALVES, Ana Teresa; OMENA, Luciane Munhoz de. Construindo os espaços da memória e da materialidade na Antiguidade. In: GONÇALVES, Ana Teresa; OMENA, Luciane Munhoz de. Memória e materialidade. Interpretações sobre Antiguidade. Jundiaí, SP: Paco, 2018, p. 09-12., p. 11).
  • 2
    Tendo como base as explicações de Áulio Gélio no que se refere à formação da pessoa humana individual, a palavra cultura corresponde ao que os gregos chamavam de paidéia e que os latinos, na época de Cícero e Varrão indicavam com a palavra humanitas. Como esclarece Abbagnano (1998, p.225), humanitas indicava “educação devida às boas artes peculiares do homem, que o distinguem de todos os outros animais. As boas artes eram a poesia, a eloquência, a filosofia, etc., às quais se atribuía valor essencial para aquilo que o homem é e deve ser, portanto, para a capacidade de formar o homem verdadeiro, o homem na sua forma genuína e perfeita”. Para Pereira Melo (2006PEREIRA MELO, José Joaquim. A Educação e o Estado Romano. Revista Linhas (UDESC), Florianópolis, v.07, n.02, 2006, p. 1-16.), em termos semânticos houve uma evolução do conceito: em um primeiro momento significava clemência, sinônimo de misericórdia, mansidão e filantropia e só em uma segunda etapa o termo assumiu a concepção de condição humana em duplo sentido: como estilo e forma de vida superior e como perfeição da natureza humana. A partir dessa conotação, explica Melo, “a humanitas do homem civilizado ou humanizado pela cultura, o homo humanus, contrapunha-se à immanitas dos bárbaros”. Cícero deu sequência ao pensamento de Isócrates e reforçou a ideia da contraposição entre o homem culto (politor homo) e o homem inculto (homo simpliciter). Há, ainda, uma terceira etapa na evolução do conceito, humanitas significaria um meio de transformar o rudis (rude) em eruditus (culto, erudito) (Pereira Melo, 2006PEREIRA MELO, José Joaquim. A Educação e o Estado Romano. Revista Linhas (UDESC), Florianópolis, v.07, n.02, 2006, p. 1-16., p.11).
  • 3
    Apesar de não ter a patria potestas, desde os primórdios da organização social romana, há uma preocupação em assimilar os costumes ancestrais (mores maiorum) e isso será realizado pela matrona romana que exerce função fundamental na organização familiar e processos de instrução. Era a mãe responsável pela educação da criança até os sete anos em seus aspectos biológicos, intelectuais e morais. Se não estivesse em condições de exercer essa função, havia a busca por uma instrutora para realizar a educação doméstica. É preciso ressaltar, ainda, que o serviço da ama de leite já era vigente durante a República e que, no Império tornou-se comum a contratação de aias e pedagogos para auxiliar na educação familiar (Pereira Melo, 2006PEREIRA MELO, José Joaquim. A Educação e o Estado Romano. Revista Linhas (UDESC), Florianópolis, v.07, n.02, 2006, p. 1-16., p.7).
  • 4
    Ao refletir sobre a educação e o estado romano, Pereira Melo (2006PEREIRA MELO, José Joaquim. A Educação e o Estado Romano. Revista Linhas (UDESC), Florianópolis, v.07, n.02, 2006, p. 1-16., p. 10-18) considera que o ensino era privado e livre de qualquer modo e que estava sujeito à negligência das instituições. Por outro lado, a instrução privada sempre esteve sob a vigilância do Estado, mesmo quando a intervenção era indireta. Augusto (63 a.C.- 14 d.C.) chegou a nomear funcionários com esse objetivo e havia uma espécie de regente que possuía a função específica de vigiar o ensino para que estivesse de acordo com a ordem imperial. (Pereira Melo, 2006PEREIRA MELO, José Joaquim. A Educação e o Estado Romano. Revista Linhas (UDESC), Florianópolis, v.07, n.02, 2006, p. 1-16., p. 13-18).
  • 5
    Quanto ao conceito de estética, consultar: Liz GloynGLOYN, Liz. The ethics of the family in Seneca. Cambridge: Cambridge University Press , 2017. em The ethics of the family in Seneca.
  • 6
    Consultar as seguintes referências acerca da atuação de Lívia: PRYZWANSKY, 2008PRYZWANSKY, Molly M. Feminine imperial ideals in the Caesares of Suetonius. Duke: Department of Classical Studies, 2008.; Hidalgo de la Vega, 2012HIDALDO DE LA VEGA, M. J. Las emperatrices romanas. Sueños de púrpura y poder oculto. Salamanca. Universidad Salamanca, 2012.; Thakur, 2014THAKUR, Sanjaya. Femina princeps: Livia in Ovid’s Poetry. EuGeStA, Colorado College, n°4, p. 175\213, 2014.; Omena & Funari, 2016OMENA, Luciane Munhoz de; FUNARI, Pedro P. A. Tecendo o fio entre memória e morte à luz do tumulus de Otávio Augusto. In: OMENA, Luciane Munhoz de; FUNARI, Pedro P. A. Práticas funerárias no Mediterrâneo romano. Jundiaí, SP: Paco , 2016, p. 65-104., entre outros.
  • 7
    A autora estuda O MercadorPLAUTO. O Mercador. Tradução de Damares Barbosa Alves, Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007., de Plauto e considera, especialmente, as traduções realizadas por Césare Questa, Pierre Grimal, Gérman Viveros, Kenji Kimura e Bóris Dunsch, mas sua pesquisa e tradução tem como base o texto latino traduzido por A. Ernout e publicado pela Société d’Éditión de “Les Belles Lettres” (Correia, 2007CORREIA, Damares Barbosa. O Mercador de Plauto. Estudo e Tradução. Dissertação - Programa de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2007., p.3-7)
  • 8
    O altar de Augusto - Ara Pacis - intensifica os elementos institucionais da religiosidade romana. Construído no período de 13 a 9 a.C., celebrava, em termos simbólicos, a pietas e a concordia de Augusto, pois, como propõem Silva e Gomes (2018SILVA, Suiany Bueno; GOMES, Erick Messias Costa Otto. Concordia e ritualidade: uma leitura da Ara Pacis de Augusto (séc. I a.C.). In: In: GONÇALVES, Ana Teresa Marques; OMENA, Luciane Munhoz de. Memória e materialidade. Interpretações sobre Antiguidade. Jundiaí, SP: Paco, 2018, p. 129-150., p. 140), o Princeps tornava-se mantenedor das relações com o sagrado; por isso, os motivos florais, os animais, a presença de Enéias, a procissão familiar, entre outros elementos, idealizavam o imperium romanus como um ambiente de paz, riqueza e prosperidade. Para maiores detalhes, consultar: BILLOWS, 1993BILLOWS, Richard. The religious procession of the Ara Pacis Augustae: Augustus' supplicatio in 13 B.C. Journal of Roman Archaeology. Volume 6. 1993, p. 80-92.; Alberto, 2004ALBERTO, P. F. O simbólico na construção da imagem e do programa ideológico de Augusto. Ágora. Estudos Clássicos em Debate, n. 6, p. 27-50, 2004.; Eder, 2005EDER, W. Augustus and the Power of Tradition. In: GALINSKY, K. (Ed.) The Cambridge Companion to the Age of Augustus. Cambridge: Cambridge University Press , 2005, p. 13-32.; Zanker, 2005ZANKER, P. Augusto y el poder de las imágenes. Madrid: Alianza Editorial, 2005.; Mateos, 2007MATEOS, Pedro. El templo de culto imperial de Augusta Emerita. Simulacra Romae - Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2007, p. 129-147.; Fowler, 2008FOWLER, W. The Religious Experience of the Roman People. Echo Library, 2008. (1° ed. 1911).; Montero, 2012MONTERO, Santiago. L’imperatore e le consultazioni divinatorie: uerba e silentia. In: SCHETTINO, M. T.; PYTTIA, S. (Dir.). Les sons du pouvoir dans les mondes anciennes. La Rochelle, Presses Universitaires du France Comte, 2012, p. 297-308., Mota, 2018MOTA, Thiago Eustáquio Araújo. As temporalidades do mito de Enéias no Lácio: entre vestígios arqueológicos e apropriações poético-literárias. In: GONÇALVES, Ana Teresa Marques; OMENA, Luciane Munhoz de. Memória e materialidade. Interpretações sobre Antiguidade. Jundiai, SP: Paco, 2018, p. 73-104., entre outras referências.
  • 10
    Vale ressaltar que o serviço de triclinium era executado por meninos - pueri - com suas faces maquiadas, cabelos longos, habilmente entrelaçados e túnicas elegantes; desempenhavam a atividade de servir água e vinho aos convivas. Em Pompeia, a Casa do Triclínio contém um afresco com uma cena de banquete em que se destaca a presença dos pueri auxiliando os comensais. Como aponta Keegan (2013KEEGAN, Peter. Reading the ‘Pages’ of the Domus Caesaris: Pueri Delicati, Slave Education, and the Graffiti of the Palatine Paedagogium. In: GEORGE, Michele. Roman slavery and Roman material culture. Toronto: University of Toronto Press , 2013, p. 69-98., p. 74-75), estes pueri aparecem também em registros textuais como sendo mestres da arte e do requinte utilizados à serviço de famílias aristocráticas (e.g. Cícero, Ulpiano, Philo, Petrônio, Sêneca, entre outros). Nos registros textuais aparecem designados pelos seguintes termos: capillati (cabelos longos), comati (cabeleira longa), criniti (muitos cabelos), crispuli (bem frisado) e calamistrati (afetados, efeminados). Sêneca (Ep. Morales 47, 06,07), por exemplo, em tom de crítica, mencionava o escravo que servia o vinho; o mesmo deveria ser jovem e próximo ao senhor, uma vez que se prestava às funções sexuais. Evidências textuais e materiais confirmam que a especialidade destes jovens escravos, segundo propomos, gerava um maior contato e possíveis vantagens com a proximidade de seus senhores. Trimalchio de Petrônio recordava aos seus comensais: “Nos meus tempos de escravo de cabelos compridos - na verdade, desde pequeno eu levei uma vida de luxúrias -, morreu o favorito do patrão, o nosso próprio patrão. Por Hércules. Uma pérola, jeitosinho, perfeito em tudo” (Trad. de Cláudio Aquati) (Petrônio. SatyriconPETRÔNIO. Satyricon. Translation by Michel H. London: LOEB, 1925.. 06. 63). Aqui, o mesmo se reconhecia como um puer, escravo destinado às condutas sexuais. Consultar ainda alguns referenciais sobre a escravidão e a cultura material: Mouritsen, 2013MOURITSEN, Henrik. Slavery and Manumission in the Roman Elite: A Study of the Columbaria of the Volusii and the Statilii. In: GEORGE, Michele. Roman slavery and Roman material culture. Toronto: University of Toronto Press , 2013, p. 43-68.; Lenski, 2013LENSKI, Noel. Working models: functional Art and Roman conceptions of slavery. In: GEORGE, Michele. Roman slavery and Roman material culture. Toronto: University of Toronto Press , 2013, p. 129-156.; Bradley & Cartledge, 2011BRADLEY, Keith; CARTLEDGE, Paul. The Cambridge world History of slavery. The Ancient Mediterranean World. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.; Keegan, 2013KEEGAN, Peter. Reading the ‘Pages’ of the Domus Caesaris: Pueri Delicati, Slave Education, and the Graffiti of the Palatine Paedagogium. In: GEORGE, Michele. Roman slavery and Roman material culture. Toronto: University of Toronto Press , 2013, p. 69-98., Wiedemann, 2017WIEDEMANN, Tomas. Greek and Roman Slavery. London and New York: Routledge , 2017., entre outros.
  • 11
    Em suas laterais, sobressaem-se pateras, objetos alusivos à oferta e às libações em rituais fúnebres, os quais englobariam as festividades dos Parentalia (realizada em fevereiro), Rosalia (entre maio e junho), Feralia (21 de fevereiro) e Lemuria (entre os dias 09 e 13 de maio). Para maiores detalhes, consultar: Scheid, 2009SCHEID, J. Rito e religione dei Romani. Bergamo: Sestante Edizioni, 2009.; Rüpke, 2010RÜPKE, J. Religious pluralism. In: BARCHIESI, A. SCHEIDEL, W. The Oxford handbook of Roman studies. Oxford: Oxford University Press , 2010.; Dolansky, 2011DOLANSKY, Fanny. Honouring the family dead on the Parentalia: ceremony, spectacle, and memory. Phoenix, Vol. 65, No. ½ (2011): 125-157.; Omena & Funari, 2018OMENA, Luciane Munhoz de; FUNARI, Pedro P. A. O fio da memória: o condutor dos mortos nos Parentalia. In: BORGES, Uiran dos Santos; GOMES, Raquel de Morais Soutelo (orgs.). Escrito para a eternidade: a epigrafia e os estudos da Antiguidade. Curitiba, PR: Appris, 2018, p. 137-160., entre outros.
  • 12
    É importante ressaltar que o termo patronus aparece nas narrativas textuais, à época imperial, associado às situações legais, como, por exemplo, advogados, patronos de comunidades e ex-senhores. Para Campbell (2015CAMPBELL, Virginia L. The tombs of Pompeii. Organization, Space, and Society. New York: Routledge, 2015., p. 112-113), a elite evitava utilizar os termos dependentes e clientes, por cortesia; todavia, os clientes, ao erguerem monumentos ou inscrições em honra ao patrono, com o objetivo de ampliar o prestígio e reputação de seus protetores, faziam uso da palavra. Em termos legais, a relação patrono e liberto não era voluntária. Sabemos, pois, que a liberdade do escravo não finalizava suas relações com seus senhores, o vínculo se manteria a partir da criação de obrigações de deferência e serviço (obsequium et officium) reforçados pela lei. Ainda para a autora, o número de inscrições prova a relação entre libertos e patronos. Seguindo esta ótica, Omena e Funari (2015, p. 303) publicaram a tradução de um epitáfio de Mediolanum em que se acentuam dimensões mais particulares e emocionais de Lúcio Trébio Divo. O mesmo perde duas esposas e quatro libertos. O epitáfio torna público o seu lamento, enquanto espera o momento de seu decesso. Porém, interessa-nos ressaltar que a inscrição revela a manumissão no momento da morte. Há um jogo de linguagem no texto - “todos eles num único dia libertados e sepultados de novo” -, indicando, deste modo, que a morte os conduziu à libertas social. Passam a ser relembrados na condição de cidadãos, enquanto, Trébio imortaliza sua dignitas. Após o seu falecimento, poderia receber homenagens de escravos e clientes, pois, ao que indica, não possuía descendentes. Para maiores detalhes, consultar: consultar: Carroll, 2001CARROLL, Maureen. The mourning was very good’. Liberation and Liberality in Roman Funerary Commemoration. In: HOPE, Valerie M.; HUSKINSON, Janet. Memory and mourning. Studies on roman death. Oxford: OXBOW BOOKS, 2001, p. 126-149. e 2011CARROLL, Maureen. Memoria and damnatio memoriae. Preserving and erasing identities in Roman funerary commemoration. In: CARROLL, Maureen; REMPEL, Jane. Living through the dead burial and commemoration in the Classical world. Oakville, USA: The David Brown Book Company, 2011, p. 65-90.; Remessal, 2016REMESAL, José Rodriguez. Aspectos legais do mundo funerario romano. In: OMENA, Luciane Munhoz de; FUNARI, Pedro Paulo A. Práticas funerárias no Mediterrâneo romano. Jundiai, SP: Paco , 2016, p. 25-46.; Hope, 2017HOPE, Valerie M. Living without the dead: finding Solace in Ancient Rome. In: TAPPENDEN, Frederick S.; HUGHES, Carly Daniel. Coming back to life. The permeability of past and present, mortality and immortality, death and life in the Ancient Mediterranean. Montreal: McGill University Library and Archives, 2017, p. 39-70.; Omena & Funari, 2018OMENA, Luciane Munhoz de; FUNARI, Pedro P. A. O fio da memória: o condutor dos mortos nos Parentalia. In: BORGES, Uiran dos Santos; GOMES, Raquel de Morais Soutelo (orgs.). Escrito para a eternidade: a epigrafia e os estudos da Antiguidade. Curitiba, PR: Appris, 2018, p. 137-160.; Omena, 2018, entre outros.
  • 13
    Quanto aos estudos acerca do cadáver, consultar: Hope, 2000HOPE, Valerie M. Contempt and respect: the treatment of the corpse in ancient Rome. In: HOPE, V. M.; MARSALL, E. (eds). Death and Disease in the Ancient City. London: Routledge, 2000, p. 104-127.; Williams, 2004Williams, H. Death warmed up. The agency of bodies and bones in early Anglo-Saxoncremation rites. Journal of Material Culture, London, Thousand Oaks, CA and New Delhi, 9(3), p. 263-291, 2004.; Grahan, 2011GRAHAN, Emma-Jayne. Memory and materiality: re-embodying the roman funeral. In: HOPE, V. M.; HUSKINSON, Janet. Memory and mourning. Studies on roman death. Oxford: OXBOW BOOKS , 2011, p. 21-39.; Borgia, 2018BORGIA, Emanuela. Uma tabella defixionis dalla necropoli dell’Isola Sacra. In: GERVAZONI, M. C. et al. Ricerche su Ostia e il suo territorio. Rome: E’école Française de Rome, 2018, p. 01-25., entre outros.
  • 14
    Consultar: Hope, 2003HOPE, Valerie M. Remembering Rome. Memory, funerary monuments and the Roman soldier. In: WILLIANS, Howard. Archaeologies of remembrance. New York: Ka\PP, 2003, p. 113-140.; Dolansky, 2011DOLANSKY, Fanny. Honouring the family dead on the Parentalia: ceremony, spectacle, and memory. Phoenix, Vol. 65, No. ½ (2011): 125-157.; Ling, 2015LING, Roger. Mosaics. In: BORG, BARBARA. A Companion to Roman Art. Oxford: John Wiley & Sons, Ltd , 2015, p. 268-285.; Feraudi-Gruénais, 2015FERAUDI-GRUÉNAIS, Francisca. The decoration of Roman tombs. BORG, BARBARA. A Companion to Roman Art. Oxford: John Wiley & Sons, Ltd, 2015, p. 432-451.; Omena & Funari, 2017; Omena & Gomes, 2018, entre outros mais.
  • 15
    Consultar ainda: Wilcox & Macbride, 1986WILCOX, Peter; MACBRIDE, Angus. Rome's enemies: Parthians and Sassanid Persians. Oxford: Osprey Publisshing LTD, 1986.; Curtis & Stewart, 2007CURTIS, Vesta Sarkhosh; STEWART, Sarah. Friend and Foe: The Orient in Rome. In: CURTIS, Vesta Sarkhosh; STEWART, Sarah. The Idea of Iran, volume II: The Age of the Parthians. London: The British Museum, 2007, p. 50-86..
  • 16
    Consultar os catálogos do referido museu: Caporusso, 2011; Caporusso et al, 2007.
  • 17
    Dada a relevância de ofícios, alguns destes estavam organizados em associações - collegia -, a exemplo do collegium fabrorum (associações de ferreiros, carpinteiros e trabalhadores especializados) e do collegium dentrophororum (associações de comerciantes e transportadores de lenha, adoradores do culto à Magna Mater). Em outras partes do império, detectam-se colégios de escribas, religiosos e também de libertos e escravos de famílias aristocráticas. Normalmente, os collegia cumpriam uma função social, reuniam-se com regularidade, organizavam celebrações de festivais e incumbiam-se de enterrar seus membros. Como aponta Carroll (2006CARROLL, Maureen. Spirits of the dead. Roman funerary commemoration in Western. Oxford: Oxford University Press, 2006., p. 47-48), na cidade de Roma, existem inscrições que se referem a trinta e duas urnas para a cremação de seus membros em uma tumba comunal. Tratava-se do Collegium Fabrum Tignuariorum, sociedade de artesãos madeireiros. Na mesma cidade, mencionou ainda o Collegium Ostiariorum Cesaris Nostri - Sociedade dos Porteiros do Palácio Imperial - conhecido por meio da inscrição de um de seus membros, Publius Aelius Pyramus, liberto de Adriano. Este confiou a construção de seu túmulo ao collegium, deixando instruções gravadas na pedra. Em suas solicitações, a reutilização de túmulo - por membros do collegium - poderia ocorrer somente com o fim de sua linhagem familiar. Embora não tenhamos informações substanciais, supõe-se a existência de hierarquias, posições de comando, nestas associações. Leva-se em consideração a presença de indivíduos de baixa renda, sendo, portanto, atraente, a estas pessoas, a vinculação a indivíduos com status superior, já que não poderiam esperar ajuda do poder público. Consultar: Omena & Funari, 2018.
  • 18
    A conversão em pés romanos: 7,8 x 2,2 x 0,8. Consultar o site: https://conversor-de-medidas.com/comprimento/172-cm-para-p%C3%A9. Data do acesso: 02\02\2019. No que se refere à datação, sugere-se o primeiro século, já que os penteados seguem padrões datados do período tiberiano (14 a 37 d.C.) e neroniano (54 a 68 d.C.) (Caporusso, 2011, p. 94-95).
  • 19
    De acordo com a tipologia elaborada por Caporusso (2011, p. 60-61), temos estelas em nichos simples, seguindo os padrões quadrangular e arqueadas; ademais, veem-se estelas em modelo de edícula, em formato quadrangular, arqueadas e outros tipos. Estas aparecem também em edifícios funerários, como, por exemplo, Isola Sacra; trata-se de uma alusão à casa eterna (Cf. Omena, 2018). Em termos temporais, datam à época de Augusto, Tibério, Cláudio e Nero.
  • 20
    Destaque-se em alguns estudos de arte funerária a diferenciação entre retrato, busto e esculturas em relevo ou mesmo bustos em meio corpo e hermas. Entretanto, em todos eles é possível destacar a ideia do retratismo como suporte da memória, elementos que buscavam, dentre outras coisas, garantir a tão polêmica semelhança com o morto (Berresford, 2004BERRESFORD, Sandra. Italian Memorial Sculpture 1820-1940. London: Frances Lincoln Limited, 2004.).
  • 21
    Ademais, epitáfios e retratos poderiam indicar o direito de sepultamento. Tentava-se coibir uma prática recorrente: intimidar a presença de grupos ou visitantes indesejados. Seguindo as diretrizes do direito sepulcral, o sepultamento representava imutabilidade. Não se permitia retirar os restos mortais, ali sepultados. Então, se um enterro indevido ocorresse, mesmo o proprietário da terra não poderia removê-lo. Deveria recorrer ao pontífice ou Princeps (Apiano. DigestaCuerpo del Derecho Civil Romano. A doble texto, traducido al castellano del latino, por D. Ildefonso L. García Del Corral. Primera Parte, INSTITUTA - DIGESTA. TOMO I. Barcelona: Jaime Molina Editor, 1889.. 11.7.7.8.0). Assim, criaram-se mecanismos de advertência: retratos e epitáfios alertavam acerca da sacralidade mortuária. Consultar: Remesal, 2016REMESAL, José Rodriguez. Aspectos legais do mundo funerario romano. In: OMENA, Luciane Munhoz de; FUNARI, Pedro Paulo A. Práticas funerárias no Mediterrâneo romano. Jundiai, SP: Paco , 2016, p. 25-46.; Jong, 2017; Omena & Funari, 2018, entre outros.
  • 22
    A conversão em pés romanos: 2,59 x 2,0 x 1,0. Consultar o site: https://conversor-de-medidas.com/comprimento/172-cm-para-p%C3%A9. Data do acesso: 05\02\2019.
  • 23
    Cálamo é um instrumento para a escrita, feito de um pedaço de junco, talhado obliquamente ou afinado na extremidade, utilizado para escrever em tábuas de argila, papiros e pergaminhos.
  • 24
    O pedagogo geralmente era um escravo que acompanhava a criança, inclusive na escola, e, em alguns contextos, simbolizava a figura do guia, do condutor, do mentor.

Notas

  • 9
    Cf. OMENA & FUNARI, 2017OMENA, Luciane Munhoz de; FUNARI, Pedro P. A. O ridículo de um funeral: a simbologia da morte na sátira Apocolocyntosis de Sêneca. In: OMENA, Luciane Munhoz de; FUNARI, Pedro P. A. As experiências sociais da morte: diálogos interdisciplinares. Jundiaí, SP: Paco , 2017, p. 53-80., p. 55. Ver também: CARROLL, 2006CARROLL, Maureen. Spirits of the dead. Roman funerary commemoration in Western. Oxford: Oxford University Press, 2006.; FAVRO & JOHANSON, 2010FAVRO, D.; JOHANSON, C. Death in motion. Funeral processions in the Roman Forum, Journal of the Society of Architectural Historians, 69, 1, p. 12-37, 2010., etc. Quanto à base documental, temos: Ovídio, Consolatione ad LiviamOVID. Consolatione ad Liviam. Trad. Tomás González Rolán e Pilar Saquero. Madrid: Ediciones Clasicas, 1993.; Sêneca, ApocolocyntosisSENEQUE, L. A. Apocolocyntosis. Translation by W. H. D. Rouse. London: The Loeb Classical Library, 1925., Tácito, Annalium, entre outros).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2019
  • Aceito
    16 Dez 2019
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