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Negócios e política no Atlântico em meados do XIX: a atuação dos cônsules de Portugal nos portos do Recife e do Rio de Janeiro* 100 *A pesquisa documental foi realizada em Lisboa quando estive como investigadora visitante do ICS/UL. Agradeço aos colegas em Lisboa pelo apoio e interlocução, e aos pareceristas da Revista História, pelas valiosas contribuições ao artigo.

Business and politics in the Atlantic in the mid-nineteenth: the role of the consuls of Portugal in the ports of Recife and Rio de Janeiro

Resumo

Entre 1826 e 1863, três homens de uma mesma família, os Moreira, foram cônsules de Portugal no Recife e no Rio de Janeiro, articulando negócios pelo Atlântico e prestando serviços de natureza variada. Neste trabalho, estudo as disputas nas quais se envolveram e os diferentes papéis que assumiram. Fica claro como cuidavam dos relacionamentos políticos; no Brasil, tiveram acesso direto ao regente e a ministros, além da família real. Ao mesmo tempo em que eram traficantes e azeitaram as engrenagens do tráfico ilegal, negociaram taxas com o governo brasileiro, buscando vantagens para os negociantes da praça do Porto e de Lisboa. À pedido do governo português, intermediaram, do Brasil, o fluxo de trabalhadores pobres entre a Ilha da Madeira, os Açores e os campos de frentes de expansão agrícola em Angola. Tiveram papel decisivo na promoção da imigração em massa para o Brasil de portugueses pobres; agenciaram variadas formas de exploração do trabalho nas novas/velhas rotas do Atlântico. As ações dos cônsules Moreira estiveram permeadas por conflitos; essas disputas envolveram a edição de folhetos, a organização de subscrições; até uma biografia foi editada para defender o nome de João Moreira. Sendo assim, para além da correspondência oficial, são variadas as fontes disponíveis para a análise do papel dos cônsules na articulação de negócios entre o Brasil, Portugal e Angola.

Palavras-chave:
representação consular; tráfico de escravos; negócios atlânticos; trabalhadores pobres

Abstract

Between 1826 and 1862, three men from the same family, the Moreira, were consuls of Portugal in Recife and Rio de Janeiro, articulating diverse businesses across the Atlantic and providing services of a varied nature. In this work, I study the disputes in which they were involved and the different roles they assumed. It is clear how they took care of political relationships; in Brazil, they had direct access to the regent and ministers, in addition to the royal family. While traffickers who lined up the gears of illegal trade, they negotiated fees with the Brazilian government, seeking advantages for the dealers in Porto and Lisbon. At the request of the Portuguese government, they intermediated from Brazil, the flow of poor workers between Madeira Island, the Azores and the fields of agricultural expansion fronts in Angola. They acted in promoting mass immigration of poor portugueses to Brazil. They had an influence in Angola. Consuls Moreira's actions were permeated by conflicts; this dispute involved the editing of leaflets, the organization of subscriptions; even a biography was edited to defend the name of João Moreira. Thus, in addition to the official correspondence, there are several sources available for analyzing the role of consuls in the articulation of business between Brazil, Portugal and Angola. Even though there were many accusations of the Moreira's illegal actions, they were kept in the Portuguese diplomatic representation for decades.

Keywords:
consular representation; slave trade; Atlantic businesses; poor workers

Quando o vice-almirante Noronha aceitou o governo de Angola, em 1838, tinha clareza do que ia enfrentar, podia mesmo prever que “a Curveta Urânia vai ser olhada como a boceta de Pandora, e eu como o gênio do mal....”1 1 AHU, SEMU, DGU, Angola, Caixa 587, Relatório oferecido ao Illmo Exmo Sr. Visconde de Sá da Bandeira, 6.08.1838. Ele chegou a Luanda em janeiro de 1839. Doravante AHU, Angola. . Chegava para acabar com o tráfico de escravos em Angola, dar cumprimento ao novo decreto e implementar uma nova política de colonização.2 2 O decreto de 10 de dezembro 1836 proibia o tráfico em Angola, desde o dia em que fosse publicado na capital de cada um dos domínios portugueses. O governador anterior (Bernardo Vidal) era conivente com o tráfico e demorou a publicar o decreto. Deu, por conta própria, o prazo de um ano para que entrasse em vigência (AHU, Caixa 587, Maço 9, Ofício de Bernardo Vidal 24/02/1838). Há vasta bibliografia sobre o fim do tráfico em Angola e as repercussões do decreto. Um clássico sobre o tema é o livro escrito e organizado por Valentim Alexandre e Jill Dias (ALEXANDRE; DIAS, 1998). Contudo, em menos de um ano, o experiente Noronha voltou para Lisboa constrangido e abalado.3 3 A leitura da correspondência dele com o ministério em Lisboa deixa clara a insatisfação e as inúmeras intercorrências que enfrentou nos meses finais (AHU, Angola, Caixa 588). Talvez sobredimensionasse suas capacidades, certamente contava com maior apoio de Lisboa. A pressão que enfrentou foi brutal, a ponto de a Câmara Municipal de Luanda, em julho de 1839, pedir parecer ao cirurgião local para que esse atestasse que o governador “não estava na posse de suas faculdades mentais, depois da doença que contraiu nos trópicos”4 4 AHU, Angola, Caixa 588, Representação da Câmara Municipal de Luanda, 05/07/1839. O médico escapou da tarefa, dizendo-se constrangido em ofício de 07/07/1839. . A rede contra ele chegava ao Rio de Janeiro: por lá, dizia-se que Noronha “faria a ferro ou a veneno o que não puder vencer o ouro”.5 5 Arquivo do Palácio das Necessidades, Ministério dos Negócios Estrangeiros (Doravante AMNE), Embaixada Portuguesa no Rio de Janeiro, Livro 50, Ofícios reservados, 24/07/1839, fl.4, Joaquim Cesar de Figanière e Morão, ministro residente.

Quem articulava, do Rio de Janeiro, a queda de Noronha era o “partido do tráfico”, no qual tinha um importante papel o cônsul geral português João Baptista Moreira. Pelo menos essa era a opinião de Figanière Morão, ministro residente da rainha de Portugal no Brasil.

Uma briga no Rio de Janeiro de repercussões atlânticas

João Baptista Moreira e seu irmão Joaquim haviam nascido no Porto, filhos de um comerciante com negócios com o Brasil. Ficaram órfãos crianças e contaram com a proteção do tio, importante e rico comerciante naquela cidade. Aos 20 anos, em 1818, João Baptista já se estabelecia na praça do Porto, seguindo os negócios com o Brasil. Logo mandou construir o seu próprio barco, a galera Borges Carneiro. Segundo o biógrafo, participou das associações que fomentaram a revolução de 1820, Amor da Razão, Eremia, Sociedade Patriótica do Porto.6 6 Dados presentes na biografia impressa em 1862 que enaltecia a atuação de Moreira no cargo e focava, sobretudo, no papel dele apoiando a causa liberal NORONHA (1862). Em 1824, veio ao Brasil e estabeleceu uma casa comercial no Rio de Janeiro. Seu irmão Joaquim irá depois para o Recife. Em 1826, João Moreira entrou para o serviço do consulado português na cidade do Rio de Janeiro. No consulado, iria promover seus negócios e de tantos outros, sempre defendendo o comércio dos escravizados, mesmo quando declarado ilegal - seja pelo jovem Império do Brasil ou mesmo por Portugal.

No ano de 1838, o tráfico seguia intenso, milhares de escravizados vindos de Angola desembarcavam em diferentes portos no Brasil. Seguia, mas não nas mesmas rotas, não da mesma maneira, uma vez que era ilegal tanto para o desembarque no Brasil como para o embarque na costa de Angola. Rearticulava-se e, para isso, o apoio político era fundamental, tendo em conta os interesses do nefando comércio.7 7 Tamis Parron analisou a nova política da escravidão (PARRON, 2011). Figanière foi bem direto ao dizer que os traficantes atuavam como um “partido”.

A briga entre o Consul Geral e o Ministro residente, ambos representantes da rainha portuguesa no Rio de Janeiro, foi contundente e ultrapassou os ofícios reservados. Envolveu algumas das principais autoridades do governo brasileiro. Por conta disso, fica claro, no jogo de forças, quem podia mais. Figanière Morão teve apoio do ministro dos Negócios Estrangeiros no Brasil, Candido Batista de Oliveira, e conseguiu mandar a polícia dar uma busca na casa de João Baptista Moreira atrás de papéis do consulado, procurando comprovar a ligação do cônsul com o tráfico. Moreira ficou indignado e agiu rápido, articulando, por sua vez, imediato apoio de ninguém menos do que do próprio regente Araújo Lima que, em nome do Imperador, ordenou ao Chefe de Polícia Eusébio de Queirós que “imediatamente se sobrestasse a semelhante busca”8 8 Moreira contou o episódio todo em ofício de 10/08/1839, quando afirmou que o “ministro brasileiro Candido Batista está de acordo com Figaniere”. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (doravante ANTT), Caixa 312, MF7336, Corresp. dos Consulados Portugueses no RJ. . Vê-se que João Baptista Moreira podia mais e não tardou muito para Figanière reconhecer isso e desistir do enfrentamento.

Araújo Lima era do movimento que ficaria conhecido como regresso conservador, e foi justamente um dos articuladores da política da escravidão, da qual fez parte também Eusébio de Queirós, homem da “trindade saquarema” (MATTOS, 1999MATTOS, Ilmar R. O Tempo Saquarema - a formação do Estado Imperial. 4. ed. Rio de Janeiro: Hucitec, 1999. , p. 157). Araújo Lima não era saquarema, era pernambucano e era profundamente ligado ao tráfico de escravos, ramo em que atuavam seu cunhado e familiares, e agiu para manter os negócios do tráfico, inclusive garantindo mão de obra escravizada para os engenhos da família em Serinhaém (CADENA, 2018CADENA, Paulo Henrique Fontes. O vice-rei: Pedro de Araujo Lima e a governança do Brasil no século XIX. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de Pernambuco, 2018., p. 192). Se a “repressão ao tráfico fora tímida nos anos anteriores, agora a omissão seria praticamente política de governo, afagando os grandes produtores rurais. Para os ingleses, o Regresso representava simplesmente os traficantes no poder” (CARVALHO, 2014CARVALHO, Marcus. O patacho Providência, um navio negreiro, política, justiça e redes depois da lei antitráfico de 1831. Vária História, Belo Horizonte, v. 30, n. 54, p. 777-806, 2014., p. 780). Integrante do “partido dos negreiros”, como seria referido por alguns jornais da época, Araújo Lima tirou Candido Baptista de Oliveira do governo e para seu lugar trouxe Lopes Gama, aliado pernambucano que passaria a integrar a Comissão Mista.

Araújo Lima apoiou abertamente João Baptista Moreira mesmo depois do governo brasileiro ter suspendido o exequatur do Consul.9 9 O exequatur é uma licença concedida ao encarregado consular para que possa exercer suas funções; ela representa a jurisdição consular, sua sede, e reconhece a qualidade de uma pessoa como cônsul, representante de um Estado estrangeiro. O episódio que funcionou como estopim para a suspensão de Moreira é um bocado intrincado. O navio português vindo do porto de Quilimane em Moçambique, o Ganges, foi aprisionado pela marinha inglesa nas proximidades de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, com 419 africanos a bordo. Atente-se para o volume de capital “aprisionado” pelos ingleses. Na noite de 21 de abril de 1839, uma barca a vapor, a Especuladora, voltava de Paquetá quando o capitão da barca, um português, parou ao lado do Ganges (a essa altura fundeado no porto do Rio de Janeiro) e gritou insultos ao capitão inglês, situação que teria assustado o oficial e por uma sucessão de equívocos acabou resultando no disparo de um soldado inglês que atingiu um passageiro brasileiro da barca de Paquetá, matando-o na hora.10 10 Vários jornais divulgaram o ocorrido, além de no Parlamento terem discutido o tema, com comunicados oficiais dos ingleses e do ministério. Ver por exemplo: Jornal do Commercio, 24/04/1839; a defesa do navio saiu na edição do dia seguinte, 25/04/1839; Diário do RJ, 25/04/1839 (com ofícios do Ouseley, Candido Baptista de Oliveira e artigo opinativo do redator do jornal); Anais do Parlamento Brasileiro, 1839, 2o vol., Typographia da Viuva Pinto & Filho, 1884, p. 125-126, da sessão de 09/07/1839.

Nos dias seguintes, houve um protesto popular, jogaram pedras no oficial britânico, correu a notícia que os populares eram sobretudo marinheiros portugueses e que muitos portugueses estavam furiosos com o apresamento do Ganges, inclusive o mestre da barca que fazia a rota de Paquetá11 11 Moreira publicou no dia 24/04/1839 em vários jornais da capital uma nota sobre o episódio, defendendo os portugueses. O governo brasileiro considerou indigna a publicação, Candido Baptista conseguiu a suspensão do exequator de Moreira, oficializada no dia 26/04/1839. Houve pressão para essa suspensão por parte dos diplomatas, sobretudo o inglês. Ver, por exemplo, a notícia no Aurora Fluminense do dia 27/04/1839, p. 3. . João Baptista Moreira esteve envolvido na defesa do navio e era acusado de ser o agenciador dos marinheiros, o articulador do tráfico, sócio interessado no Ganges... O mestre da barca Especuladora era português e isso jogava lenha na fogueira. João Baptista Moreira disse, em sua defesa, que era perseguido pelo cônsul inglês W. G. Ouseley que estaria buscando ocasião para incriminá-lo.

O cônsul agia defendendo os comerciantes portugueses, fornecendo documentos e material, agenciando advogados. Para o caso do Ganges, quem fez publicamente a defesa foi João Manuel Pereira da Silva,12 12 O arrazoado da defesa foi publicado no Jornal do Comércio do RJ, 25/04/1839, p. 2. O argumento foi dizer que o proprietário era português, mas não residia no Brasil, comprara o navio no Rio de Janeiro quando estava na cidade por breve período. Além disso, os escravos conformavam um “carregamento legal”, pois vinham de Moçambique, pagaram imposto em Quilimane e dirigiam-se para Angola, com escala no Rio de Janeiro. advogado, escritor, deputado conservador e “defensor dos negreiros”13 13 A definição é de Joaquim Guedes Alcoforado no relatório que escreveu em 1853 sobre o tráfico ilegal. Enquadra a atuação do “célebre advogado” que era “protegido por altas personagens”, como um dos componentes das renovadas estratégias dos traficantes. Ver a íntegra do documento publicado pelo historiador Thiago Pessoa, além da introdução ressaltando diversos aspectos da fonte (PESSOA, 2018, p. 199). . Todavia, o navio foi considerado “boa presa” e os escravos emancipados. Ou, mais precisamente, tornaram-se africanos livres e foram distribuídos para proprietários diversos.14 14 Beatriz Mamigonian mostrou em análise da amostra de 955 africanos emancipados entre 1834 e 1838, que 82% foram encaminhados para particulares. Essa proporção mudaria depois (MAMIGONIAN, 2017, p. 100). No dia 11 de setembro de 1839, lia-se no Diário do Rio de Janeiro que o jovem de nome Firmo, de nação Moange, “dos africanos livres distribuídos no navio Ganges”, tinha desaparecido da porta da casa do doutor Geraldo, no Catete. Tinha 14 anos, trazia uma “marca no peito direito e nariz bastante chato”, e estava vestido “de camisa de paninho azul e calça de ganga amarela”15 15 Diario do Rio de Janeiro, 11/09/1839, p. 4. . Também por um anúncio, sabemos de outro menino que veio no Ganges e que tinha fugido da casa do desembargador Francisco José Alves Carneiro. Esse trazia no corpo mais sequelas da terrível travessia, para além da marca (um D invertido) no braço direito: tinha 12 anos, era da nação Mucena, chamava-se Ludugero, era magro “e com bastantes sarnas que mal pode andar, olhos pequenos, ambas as orelhas furadas”16 16 Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 11/10/1839, p. 4. . Em 1842, foi a vez do menino Fabiano de 12 a 13 anos fugir; ou seja, tinha cerca de 9 anos quando foi posto no Ganges e teve um AP marcado com ferro em brasa em seu peito franzino - era da mesma nação Mucena, e nesses anos acumulara mais uma marca em seu corpo de menino: “falta de cabelos no alto da cabeça por carregar barril de água”17 17 Diario do Rio de Janeiro, 16/08/1842, p. 4. .

Em março de 1839, Moreira tinha conseguido barrar a “desnacionalização” do Bergantim português Brilhante, “capturado por ser encontrado com Africanos a bordo”, em maio de 1838, e considerado “boa presa”. Argumentava: “ainda que se concedesse à Comissão o poder de condenar qualquer embarcação com bandeira portuguesa que fosse encontrada com africanos a bordo nas costas do Império, nunca se lhe poderá atribuir a autoridade de desnacionalizar a mesma embarcação”18 18 ANTT, Caixa 312, MF 7336, Correspondência dos Consulados Portugueses no Rio de Janeiro, 15/03/1839. . Moreira encaminhou documentos para comprovar a origem do navio, e, por isso, vemos que o navio era de construção americana e chamava-se Valeria, tendo sido vendido para um súdito português no Rio de Janeiro, em 1836. A embarcação passou a denominar-se Brilhante e seguiu com passaporte para Angola fornecido por Moreira em julho de 1836. Foi aprisionado no Rio de Janeiro pelos ingleses com 250 africanos a bordo, embarcados no porto de Luanda. O caso do Brilhante apareceu na imprensa e Moreira teve papel preponderante, escrevendo justificativas e buscando os advogados. Em março de 1839, o navio seguiu com passaporte português para Montevidéu, com um novo proprietário, seguindo na rota do tráfico. Em 1853, o ex-traficante que virou informante dos governos inglês e brasileiro, Joaquim de Paula Guedes Alcoforado, descreveu em seu relatório a importância assumida por Montevidéu nas novas rotas do tráfico ilegal: os negreiros desembarcavam os escravos na costa do Rio de Janeiro e “iam em lastro a Montevideo, a fazerem ali seu carregamento de carne para poderem entrar aqui a salvo, como aconteceu em 1837 com o Brigue Brilhante entre outros muitos portugueses” (apud PESSOA, 1999, p. 200). Atestar a nacionalidade portuguesa do navio e fornecer passaporte era um dos papéis principais do cônsul no tráfico ilegal.

O capitão do Brilhante ao prestar depoimento mobilizou um argumento que foi muitas vezes acionado nos processos de aprisionamento do período, disse que transportava colonos, no caso os 250 embarcados em Luanda iriam para Moçambique como colonos livres e a parada no Rio de Janeiro tinha sido para abastecimento (RODRIGUES, 2005RODRIGUES, Jaime. De costa a costa, escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 181-182). A mesma estratégia seria utilizada para o caso do apresamento do Flor de Loanda. O capitão da escuna alegou que os 289 africanos encontrados a bordo eram colonos e o fato de parte estarem nos ferros era “em consequência de se querer deitar no mar por loucura” (RODRIGUES, 2005RODRIGUES, Jaime. De costa a costa, escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2005., p. 248). Também para esse caso, Moreira escreveu revoltado pela ilegalidade da ação da marinha inglesa, dos maus tratos “escandalosos” impingidos aos marinheiros portugueses, nada mencionando sobre o tráfico. Se a embarcação fosse de propriedade de portugueses residentes fora do Brasil, a Comissão mista brasileira e inglesa não poderia retê-la,19 19 Depois do apresamento do Orion em fins de 1835, os governos brasileiro e inglês acordaram que poderiam ser condenados navios negreiros de portugueses desde que fossem residentes no Brasil. A partir de então, passa a ser preferível “para os negreiros mandar sair seus navios como brasileiros, vendê-los ficticiamente em Angola a um associado local e fazê-los regressar com escravos sob bandeira portuguesa. Em África todas essas operações gozavam da mais completa cumplicidade das autoridades portuguesas” (ALEXANDRE, 1991, p. 298). Esses subterfúgios iam sendo rearticulados. A Inglaterra seguia pressionando para ter direito de busca nos navios de bandeira portuguesa na costa atlântica africana, para isso, aprovaram em Londres o Bill Palmerston em agosto de 1839, desencadeando reação raivosa dos envolvidos no tráfico e uma defesa da “honra nacional” na imprensa portuguesa. Noronha apoiou o Bill em Angola e era um dos motivos de ser odiado. A bandeira portuguesa ia perdendo valor, ficando mais arriscada. Com o tratado de 1842, a Inglaterra revogou esse Bill. por isso, a Escuna Flor de Loanda foi liberada. Flor de Loanda era uma embarcação que trazia escravizados há bastante tempo, como podemos ver pela notícia de desembarque de 914 vindos de Moçambique em janeiro de 1828.20 20 Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 30/01/1828, p. 4.

Em abril de 1839, João Baptista Moreira escreveu um ofício eloquente. Argumentou que era absurda a presunção de que as embarcações portuguesas eram os “exclusivos transportes de escravos”, acrescentando que ele não descuidava da fiscalização e da pesquisa no ato de “sahida dos navios que se dirigem a costa africana”. Foi incumbido de verificar 12 embarcações denunciadas por envolvimento com o tráfico, fez a vistoria no porto e o resultado foi que não tinham “nenhum indício de realizarem esse ramo de comércio”. Todas tiveram passaporte e bandeira certificada. Enviou uma lista das embarcações verificadas, entre elas estava justamente o Flor de Loanda, além de outras conhecidas no tráfico, como o Andorinha, Esperança, Relâmpago. Julgou as denúncias “improcedentes”21 21 ANTT, Correspondência dos consulados portugueses no Rio de Janeiro, Caixa 312, MF7336, Ofício de João Baptista Moreira de 06/04/1839. Nessa mesma data, o consulado enviava para Lisboa uma manifestação de apoio a Moreira assinada por uma centena de negociantes portugueses que atuavam na praça do Rio de Janeiro, junto com uma assinada por outra centena de negociantes brasileiros, explicitando suas redes de apoio. Esses abaixo-assinados estão transcritos em NORONHA (1862, p. 69-71). e mudou de assunto.

O ministro embaixador da rainha Joaquim Cesar de Figanière Morão vinha avisando Sá da Bandeira: “continua a atividade e escândalo das leis do país e nossas, o comércio de escravos procedentes em navios debaixo da bandeira Portuguesa”22 22 AMNE, Embaixada Portuguesa no Rio de Janeiro, Livro 50, fl.1, nº 1, ofício de 06/05/1839. Figanière chegou ao Brasil, vindo dos EUA no final de abril. Ficou pouco mais de um ano no cargo. , e afligia-se pois o governo de Portugal não se decidia a suspender Moreira, que seguia com o posto de cônsul geral, mas no serviço interno do consulado, já que não tinha o exequator do governo brasileiro. Em julho de 1839, como Ministro residente, Figanière tomou a frente e nomeou o vice-cônsul como encarregado do consulado geral23 23 ANTT, Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício nº 1, de João Baptista Moreira ao Ministro José Joaquim Gomes de Castro. .

Em cartas do mesmo embaixador, entende-se que Moreira seguia muito bem articulado no Rio de Janeiro, em Portugal, em Angola. Moreira, embora momentaneamente afastado, ignorava as ordens do embaixador; recusava-se terminantemente, por exemplo, a entregar os arquivos de trabalho, assim como as contas dos espólios dos falecidos portugueses. Figanière desabafou aflito ao ministério em Lisboa:

a cobiça de um ganho sórdido e illegal me infecta pela raiva que roe... indivíduos que se dizem portugueses que enxovalhao a bandeira de Sua Nação, recheado de Brasileiros que usao della para o trafico (...) as suas tentativas de seducção não tem tido o efeito que esperavao de me arredar da conscenciosa estrada de meus deveres. (...) pessoalmente me dirigem em Cartas anonimas ameaças, torpezas e indecências contra a minha família (...) As circunstancias que tem vedado a J. B. Moreira o exercício do Consulado (...) tem posto este partido furiozo, não cessão de attacar-me pela imprensa.24 24 AMNE, Embaixada Portuguesa no Rio de Janeiro, Livro 50, Ofícios reservados, fl. 4, carta de 24/07/1839. Nessa altura, o ministro era o Barão de Sabrosa.

Todavia, Moreira continuava atuando como se nada houvesse ocorrido. Comparecia às cerimônias oficiais, aos bailes. Foi ao Paço “com a farda da Guarda Nacional Portuguesa, visto que, em sua qualidade particular, não podia ir ao Paço sem ser introduzido pelo seu Ministro” (que era ele), ampliando a indignação. Revoltava-o que ele seguisse usufruindo dos espaços sociais do governo e da corte, mesmo suspenso - a questão é que a corte era portuguesa e a relação de Moreira com a família era antiga e próxima.

Angustiava-se também o embaixador por estar comprometendo seus fundos pessoais para apresentar-se propriamente vestido nas casas de outros diplomatas e nas cerimônias oficiais, pois o cônsul Moreira aparecia sempre com os mais refinados trajes, tinha “infindáveis recursos” e ele, ministro, que, na hierarquia do cargo, era superior, ofuscava-se; afinal, a atividade diplomática passava largamente pela dimensão ritualística e pelos circuitos de sociabilidade desses representantes nas cerimônias oficiais e nos bailes.

Figanière foi, cada vez mais, entendendo que não teria chance nessa batalha que estava longe se ser apenas simbólica. Afinal Moreira “sustentava jornais na cidade”, distribuía presentes e “avultadas sommas a quem pudesse sustentar o tráfico”25 25 AMNE, Embaixada Portuguesa, Livro 50, reservados, fl. 8, ofício de 28/09/1839. . Resignado, no final de setembro desistiu, pois “o combate é desigual, faltam-me protetores, amigos poderosos, imprensas compradas, as minhas únicas armas são a consciência e o comprometimento do meu dever”. Em julho de 1840 agradecia o ministério pela sua transferência para os EUA, onde assumiria como ministro da rainha em Washington. Uma década depois, no entanto, seus filhos seriam acusados de envolvimento com o tráfico negreiro. César Henrique de la Figanière era cônsul geral de Portugal em Nova York, e Guilherme de la Figanière, naturalizado americano e também conhecido como William, mantinham sociedade de uma empresa importadora de vinhos com um dos maiores traficantes em atuação em Nova York, Manoel Basílio da Cunha Reis. César de la Figanière forneceu passaportes e documentos para conhecidos traficantes e acabou demitido em 1857. O pai seguiu como ministro até falecer, em 1866. Para Marques, “os irmãos Figanière operavam nos espaços abertos pela simbiose entre comércio legítimo e o tráfico de escravos, mas sempre no limite da legalidade, como fizeram diversas outras casas comerciais que lucraram indiretamente com o contrabando negreiro” (MARQUES, 2016MARQUES, Leonardo. Um último triângulo notório: contrabandistas portugueses, senhores cubanos e portos norte-americanos na fase final do tráfico transatlântico de escravos, 1850-1867. Afro-Asia, n. 53, p. 45-83, 2016., p. 69).

João Moreira também não saiu imune da briga. Em seguida do episódio da entrada da polícia em sua residência na chácara no elegante bairro do Catete, Moreira resolveu voltar para Portugal. Antes, promoveu um leilão “de toda a sua elegante mobília, trem de mesa, lustre de cristal, aparadores de mogno, ricos espelhos, mesas e aparadores de jantar, carruagens, bestas, escravos, etc.”26 26 Jornal O Despertador, commercial e politico, 07/08/1839, p. 4. , vivia à grande no bairro mais aristocrático do Rio de Janeiro. Note-se que os escravos foram arrolados, no anúncio, junto da mobília, em seguida dos animais. Foi para Lisboa provavelmente articular a sucessão de Figanière, recompor suas redes para avaliar os passos a tomar. Saiu a notícia que ao desembarcar foi “sustentado por Sabrosa, foi bem recebido, não só pelo ministério, como por as pessoas mais influentes (...) continua a ser considerado Cônsul Geral, e é muito bem-quisto da rainha”27 27 Jornal do Commercio, RJ, 13/02/1840, Sessão Correspondência, Lisboa, p. 1, notícia era sobre a chegada de Moreira àquela cidade. . O Conselheiro Ildefonso Leopoldo Bayard, um antigo aliado de João Moreira, foi o novo embaixador nomeado e os jornais em Lisboa noticiaram o quanto estava investindo na feitura de trajes e nos preparativos para cruzar o Atlântico. No Senado, em Lisboa, o Barão de Ribeira de Sabrosa fez um eloquente discurso destacando a boa atuação de Moreira como Cônsul Geral no Brasil.28 28 Barão de Sabrosa vinha de ser ministro e tinha despachado que João Moreira permanecesse no exercício do consulado, cuidando dos serviços internos, dividindo os onerários com o vice-consul. Todavia, o novo ministro Rodrigo da Fonseca Magalhães, em meados de 1840, suspendeu essa ordem. Discurso no Senado, 21/01/1840. Jornal do Commercio, RJ, 22/03/1840. Todavia, Sabrosa não era mais ministro e, pelo visto, havia controvérsias sobre a confirmação de João Moreira no cargo.

Irmãos nos negócios e na representação diplomática

Moreira não ficou muito tempo em Portugal, em agosto de 1840, voltou ao Brasil. Ao voltar, estabeleceu residência na rua de São Pedro, uma das mais antigas do Rio de Janeiro, no centro, e o escritório seguia na rua do Ouvidor, n. 27, rua onde ficavam as principais casas de negócio e lojas do Rio de Janeiro. Estava um pouco mais discreto. A firma era em sociedade com o irmão Joaquim Baptista Moreira, arranjo bem comum no período. Nos jornais desse ano e dos seguintes, vê-se que João Baptista Moreira atuava agenciando fretes de embarcações suas ou nas quais tinha sociedade, como anunciava em 1842 a saída “para Lisboa do bergantim português Paquete de Loanda, quem no mesmo quiser carregar ou ir de passagem, pode dirigir-se a João Baptista Moreira, rua de São Pedro, 100”29 29 Diario do Rio de Janeiro, 18/07/1842. . Três meses depois, um anúncio do mesmo teor avisava da saída para Lisboa da escuna portuguesa na qual tinha sociedade, a Esperança30 30 Diario do Rio de Janeiro, 14/10/1842. (uma das acusadas de tráfico em 1839). Nesse meio tempo, também atuava no comércio interno, sobretudo com Pernambuco, recebia cargas de gêneros diversos, incluindo açúcar, e também na rota com Montevidéu, de onde comprava cargas de carne seca.

Ele não tinha mais atuação no consulado no Rio de Janeiro, mas seu irmão e sócio, Joaquim Moreira, era cônsul no Recife. Estava no posto desde pelo menos 1831. Certamente entrara pela articulação do irmão, cônsul-geral de Portugal no Brasil desde agosto de 1827. Pernambuco foi o destino de milhares de escravizados durante o período do tráfico ilegal, foi o “terceiro local que mais recebeu gente no Brasil”, atrás dos portos do Rio de Janeiro e da Bahia (CARVALHO, 2014CARVALHO, Marcus. O patacho Providência, um navio negreiro, política, justiça e redes depois da lei antitráfico de 1831. Vária História, Belo Horizonte, v. 30, n. 54, p. 777-806, 2014., p. 780). Como notou Paulo Cadena, baseando-se nos números de Eltis e Domingues da Silva, aumentou o fluxo para Pernambuco com a subida de Araújo Lima, com o regresso conservador: foram 1.400 escravizados em 1835, 3.500 em 1836, e 6.650 em 1837 (CADENA, 2018CADENA, Paulo Henrique Fontes. O vice-rei: Pedro de Araujo Lima e a governança do Brasil no século XIX. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de Pernambuco, 2018., p. 192). Joaquim Moreira atuava tanto fornecendo passaportes às embarcações portuguesas, como “embandeirando” navios brasileiros e americanos, ou seja, dando nova nacionalidade ao navio através de uma venda arranjada.

Valentim Alexandre mostrou que foi João Moreira quem primeiro sugeriu o expediente ao governador de Moçambique, “lembrando que a abolição no Brasil dizia respeito só às embarcações brasileiras, podendo as portuguesas transportar escravos”, logo os ingleses denunciariam o expediente, em 1833, informaram as autoridades portuguesas da participação de Moreira como “fornecedor de passaportes a navios brasileiros engajados na importação de escravos” (ALEXANDRE, 1991ALEXANDRE, Valentim. Portugal e a abolição do tráfico de escravos (1834-1851). Análise Social, v. XXVI, n. 111, p. 293-333, 1991., p. 297). Luís Henrique Dias Tavares viu nos documentos ingleses que João Moreira recebia de 800$000 a 1:000$000 por navio liberado, em 1838, os juízes da Comissão Mista registraram 70 navios portugueses envolvidos no tráfico de escravos só naquele porto (TAVARES, 1988TAVARES, Luis Henrique Dias. O comércio proibido de escravos. São Paulo: Ática, 1988., p. 107). Talvez os ingleses tenham inflacionado o preço, era muito dinheiro, de toda forma, 1838 deve ter sido um ano particularmente lucrativo para o cônsul-geral (em 1839, foram 37 navios). Não encontramos dados sobre o preço para os navios no Recife.

Joaquim Moreira atuava de maneira similar ao irmão no Rio de Janeiro. Joaquim também foi incumbido pelo ministério em Portugal de vistoriar no porto os navios portugueses com destino ou procedência para a costa africana, averiguando indícios de envolvimento com o tráfico. Joaquim, assim como o irmão, não viu nada de estranho em famosos navios negreiros, como o Doze de Janeiro (da traficante D. Anna Joaquina dos Santos), o brigue Escuna Maria Rita (propriedade de Arsenio Pompilio de Carpo, outro famoso traficante português morador em Luanda), Real Principe Dom Pedro, a escuna Livramento e outros. Só que, diferentemente do irmão, por vezes, Joaquim Moreira expunha o tráfico, como podemos verificar no ofício de junho de 1839, quando prestava contas da vistoria na escuna Cospe Fogo, vinda por Ambriz, e do patacho Doze de Janeiro. Disse o cônsul que

não se acharam indícios de se terem empregado no contrabando de Escravos (...). Apesar porem destas provas eu tenho que declarar a VExcia que segundo me consta todas estas Embarcações se empregarão no contrabando e desembarcarão Escravos em differentes Portos da Costa ao Sul deste Porto. Este Consulado jamais pode evitar isto, sendo o contrabando consentido pelas Authoridades do Paiz e por grande parte da população que é por necessidade interessada neste infame comércio.31 31 ANTT, Correspondência dos consulados portugueses, Pernambuco. Caixa 309, MF3509, Ofício de Joaquim Moreira ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Sá da Bandeira, 06/06/1839.

Era uma outra estratégia, mobilizava a tópica discursiva da dificuldade de ir contra a corrente. Mas todos sabiam que, se ele não desse o passaporte, como fizera em novembro de 1838, ao anular o passaporte do navio Andorinha32 32 ANTT, Caixa 309, MF3509, Pernambuco, of. 22/06/1839. Como vemos na ótima pesquisa de Aline Albuquerque, o Andorinha desembarcou 650 escravos em 1840, contribuindo para que nos anos de 1840 e 1841 Pernambuco recebesse mais escravos do que a Bahia, e, nessa altura, tinha o pavilhão brasileiro (ALBUQUERQUE, 2016, p. 64). (foi um caso isolado, único na documentação), inviabilizaria a viagem, seria preciso buscar outra bandeira, arranjar uma venda. Em setembro de 1839, quando do apresamento do patacho Providência, Joaquim Moreira foi ainda mais longe, disse em correspondência reservada com o ministro Barão de Sabrosa que não tinha nenhuma dúvida de que o Providência era um navio negreiro, havia desembarcado “uns 130 escravos ao norte do Recife”, mas que ele como cônsul tinha outro papel; o ministro registrou a lápis na lateral do documento, concordando e instruindo a resposta: “defenda os súditos portugueses”33 33 ANTT, Caixa 309, MF3509, ofício de Joaquim Moreira, 16/09/1839. Documento também citado por Marcus Carvalho (2014, p. 802), quando discute a singularidade desse aprisionamento a partir da conjuntura política regional e nacional. . Afinal, era exatamente isso que vinha fazendo no Rio de Janeiro João Moreira, sempre endossado pelo ministério em Portugal.

Era estratégico controlar os dois portos de comércio direto com Angola, justamente quando os preços dos escravos disparariam no Brasil. Não eram apenas os cônsules portugueses no Brasil que estavam envolvidos. O cônsul português em Havana, José Miguel Fernandes atuava com os negreiros trocando o pavilhão espanhol pelo português. Enquanto 29 navios espanhóis e 14 portugueses em 1836 descarregaram escravos em Cuba, em 1838, foram 44 navios portugueses e apenas quatro espanhóis (MARQUES, 1999MARQUES, João Pedro. Os sons do silêncio: o Portugal de Oitocentos e a abolição do tráfico de escravos. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 1999., p. 216). José Ribeiro dos Santos, cônsul-geral de Portugal no reino da Dinamarca e nas cidades Hanseáticas, atuando principalmente em Hamburgo, era tido pelos ingleses como um dos maiores empresários no comércio da escravatura - era também negociante de vinho do Porto, tinha atuado em Pernambuco nos anos 1820 e foi para os Açores em 1828. Era proprietário de navios, sócio de uma das maiores firmas de Altona e Hamburgo, Santos & Monteiro, comerciando gêneros diversos (WISSEMBACH, 2011WISSEMBACH, Maria C. As feitorias de urzela e o tráfico de escravos: George Tams, José Ribeiro dos Santos e os negócios da África centro-ocidental na década de 1840. Afro-Asia, n. 43, p. 43-90, 2011. ).

Em agosto de 1842, João Moreira anunciava nos jornais que tinha voltado para a antiga e suntuosa casa no Catete, agora n. 115, e o escritório seguia na rua do Ouvidor, 27, “contiguo ao Consulado Geral de Portugal”.34 34 Diário de Rio de Janeiro, 15/08/1842. Mas não foi simples conseguir retomar o lugar no consulado. Chegou a lançar mão de suas redes pessoais, pedindo para o Conde de Linhares, em Lisboa, de quem cuidava de negócios no Brasil, para, usando de “sua influência e alta posição”, falar ao Ministro dos Negócios Estrangeiros por ele, alegando que o “castigo sofrido já tinha sido suficiente”.35 35 ANTT, Fundo Conde de Linhares. Carta de João Baptista Moreira ao 2o Conde de Linhares, D. Victorio. Maço 83, doc. 17. Escrita no RJ, no dia 27/03/1842. Um ano depois, estava no cargo, embora restrito ao serviço interno, pois precisaria ganhar o exequatur do governo brasileiro. Mas retomava a posse dos arquivos do consulado que até então estavam com o vice-cônsul.36 36 ANTT, Caixa 313, Ofício de 24/07/1843 do cônsul-geral João B. Moreira ao encarregado de Negócios na Corte José de Vasconcelos e Sousa. Dizia que recebeu a posse da repartição, “ficando de nenhum efeito a suspensão ordenada pelo Ministro Residente de S. M. em 24 de julho de 1839”. E isso era estratégico para cuidar dos espólios dos portugueses mortos no Rio de Janeiro, uma importante fonte de renda para o cônsul. Na dinâmica dos rendimentos, o salário era uma pequena parte, “o grosso do seu rendimento vinha da cobrança dos emolumentos, das taxas que esses agentes estavam autorizados a cobrar pela prestação de serviços aos negociantes, capitães ou mestres das embarcações”, e variavam entre “reconhecimento de firma dos contratos, apólices de seguro, protestos de avaria”, também faziam “traduções de papéis, realização de inventário e arrecadação dos bens”, havia uma tabela tarifária estipulada pelo governo português (GUIZELIN, 2016GUIZELIN, Gilberto da S. Depois dos navios negreiros: a criação do consulado brasileiro em Luanda e as relações do Império com a colônia portuguesa de Angola, 1822-1860. Tese (Doutorado em História) - Universidade Estadual Paulista, Franca, 2016., p. 67).

Nessa altura, João Moreira teria que rearticular seu modo de atuação devido à posição que ia ficando cada vez mais firme do Ministério em Lisboa em acabar com o tráfico de escravos sob a bandeira portuguesa e ao novo tratado de Portugal com a Inglaterra, de 184237 37 O tratado de 03/07/1842 abolia totalmente, sem exceções, o tráfico em todos os domínios portugueses, os navios apresados seriam julgados por comissões mistas, o tráfico ficava tipificado como crime de pirataria e, um dos pontos importantes, admitia que um navio pudesse ser condenado mesmo na ausência dos escravos e dos equipamentos (MARQUES, 1999, p. 249-250). . Nessa altura, a bandeira portuguesa já não era a mais procurada; para Alcoforado, foi a bandeira americana a que mais acobertou o tráfico de 1842 a 1848. Vários estudos têm mostrado a forte presença de capitais, agentes e navios americanos no tráfico ilegal de escravos, sobretudo nas décadas de 1840 e 1850; só em 1862 foi estabelecido acordo com os ingleses para que tivessem direito de busca nos navios americanos (TAVARES, 1988TAVARES, Luis Henrique Dias. O comércio proibido de escravos. São Paulo: Ática, 1988., p. 84-92). Uma marca desse período é a cada vez maior internacionalização dos empreendimentos, as companhias tinham sócios e agentes em diversos portos, os comerciantes portugueses seguiam no negócio, muitos estabeleceram firmas em Nova York, que, na década de 1850, virou importante porto do tráfico para Cuba e para o Brasil (MARQUES, 2010MARQUES, Leonardo. A participação norte-americana no tráfico transatlântico de escravos para os Estados Unidos, Cuba e Brasil. História: Questões e Debates, Curitiba, n. 52, p. 91-117, 2010., p. 108).

O caso do apresamento da barca portuguesa Bella Angela revela uma nova política do Ministério em Portugal. Em maio de 1844, João Baptista Moreira escreveu contando que a barca que ia para Luanda carregada de gêneros do país e tecidos ingleses tinha sido acusada de tráfico e foi detida pelos ingleses. Afirmava categórico: “posso assegurar a VExcia muito afoitamente que semelhante navio nunca se empregou nem pretendia empregar-se em semelhante commercio”. Contextualizou o evento afirmando que “havia muito tempo que nenhuma tomada se havia feito à sahida deste porto de embarcações carregadas de gêneros com destino à Costa da África”. Observava que os navios portugueses já vinham diminuindo de número depois do tratado de 1842, em 1843 ainda tinham saído cinco, mas agora, após essa captura, tinha certeza de que nenhum mais se animaria a correr o risco. Finalmente, nomeou o responsável pela denúncia, seria obra do “indivíduo por nome Alcoforado que está estipendiado pela Legação Britânica”38 38 ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 6, 10/05/1844. De fato, Joaquim de Paula Guedes Alcoforado era contratado pelo serviço secreto inglês, foi o principal informante dos ingleses e, depois da lei de 1850, seria também pago pelo governo brasileiro. L. Bethell publicou documento de Palmerston criticando Hudson por ter revelado o nome de Alcoforado ao governo brasileiro em 1851, entregando a identidade do informante (BETHEL, 1976, p. 332). Mas, pelo visto, o informante não era tão secreto, os negreiros sabiam e, em 1844, também o governo português ficou sabendo pelo relato de Moreira. Quem primeiro divulgou o documento, a partir da versão inglesa, foi Roquinaldo Ferreira (FERREIRA, 1995). .

A resposta do ministro seria, além de contundente, inusitada:

S.M. ordena que nem pelo consulado Geral, nem por quaisquer outros Agentes consulares de Portugal neste Imperio do Brasil se não preste o menor auxilio, nem se faça reclamação alguma em favor de qualquer navio implicado no Trafico de escravatura, nem beneficio de qualquer interessado no mesmo Navio. (...) de nenhuma forma pode consentir que os ditos Agentes consulares intervenhao por qualquer modo em favor dos reos indivíduos de semelhante crime. (...) tornando-se inteiramente incompatível a diligência que VM acaba de faser (...).39 39 ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 6, 10/05/1844.

Moreira já tinha acionado a Legação de Portugal, no Rio, pedindo para o ministro do Reino conversar pessoalmente com Mr. Hamilton sobre o caso - os representantes da rainha no Rio de Janeiro estavam alinhados e trabalhavam juntos (a imprensa de oposição dizia inclusive que eram sócios). Levou uma repreensão por já ter se movimentado oficialmente na defesa do navio e dos negociantes envolvidos no frete. Recebeu ordens diretas e enfáticas para não mais defender portugueses negociantes que estivessem sob suspeita de transportar africanos. O ministro, em Lisboa, não tinha dúvida de que se tratava de um navio negreiro e afirmou: “a Barca Bella Angela foi condemnada com toda a justiça”40 40 ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 33, 16/12/1844. .

Em ofício, Moreira lamentou os graves prejuízos que os negociantes portugueses sofreram, acusou a Inglaterra, pois seguiam lucrando com o tráfico, já que “fabricam toda a qualidade de fazenda e gêneros próprios do tráfico”, os americanos também lucravam “porque os seus navios são os que conduzem com segurança as mercadorias inglesas para se permutarem os Escravos”, e os brasileiros, “porque aprontam embarcações próprias para irem buscar os negros”. Todos lucravam, menos Portugal, e os “negros seguem sendo desembarcados no Brasil, são os únicos capazes de suportar o pesado trabalho da lavoura e os rigores do clima”41 41 ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 33, 16/12/1844. . Justificava sem meias palavras a escravidão, era necessária e promovia lucros para tantos. Na sequência, Moreira resmungou em alguns ofícios, enviou novas tabelas mostrando que os navios portugueses estavam sendo vendidos e Portugal perdia divisas, mas não adiantou.

Assim, a intermediação oficial de João Baptista Moreira passou a ser para outros ramos de negócios. Provavelmente os Moreira seguiam pessoalmente envolvidos com o tráfico, até porque tinham uma casa de negócios em sociedade que atuava no comércio ultramarino, fretavam navios, conheciam todos em Angola, tinham vice-cônsules aliados nos principais portos no Brasil, tinham aliados nos Estados Unidos, conheciam os negociantes em Montevidéu, assim como os negociantes de Lisboa e os estaleiros da cidade do Porto. Em 1845, era diretor da Cia de Seguros Regeneração, participava de quase todas as etapas da cadeia do comércio ultramarino e do tráfico.

João Moreira, ao mesmo tempo, agia com bastante autonomia, deixando claro como atuar apenas no serviço interno era possuir bastante poder. Em ofício dava notícia de duas nomeações para vice-cônsules que tinha feito, em dois portos estratégicos, a cidade de Campos, “que tem o principal comércio de assucar, aguardente e madeiras para esta Corte”, e para a cidade de Parati, “ambos são negociantes bem estabelecidos nestas terras (...) vão entrar imediatamente em exercício, porque já obtiverão o seu respectivo exequatur do Governo Imperial e espero que merecerão igualmente a aprovação do Governo de S. M.” O ministro, em Lisboa, estranhou e anotou ao lado, a lápis: “É comum pedir o exequatur extrangeiro antes da aprovação do Governo?”42 42 ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 3, 16/08/1843. . Percebe-se como Moreira seguia próximo do governo imperial brasileiro, conseguindo rapidamente as licenças para seus indicados, mas como o ministro em Lisboa estava um pouco reticente a esse tipo de atuação. Só não fica claro porque ele próprio não ganhara ainda o exequatur do governo brasileiro. Provavelmente, o governo preocupava-se em manter as aparências, sobretudo para os ingleses.

O tema da nomeação de representantes consulares em outros portos e cidades segue aparecendo na correspondência, percebemos que havia alguns lugares que eram especialmente cuidados, com indicação insistente. João Moreira tratava com atenção o cargo em Campos de Goytacazes, Ubatuba, Paranaguá, e também em Pelotas, talvez por serem importantes nas novas rotas do tráfico ilegal. José Bernardino de Sá tinha “fazendas praieiras em Ubatuba e São Sebastião” para o desembarque dos escravizados, e era em Campos que ficava um dos maiores “pontos de recepção ao tráfico ilegal no Império” (PESSOA; PEREIRA, 2019PEREIRA, Walter Luiz Carnerio; PESSOA, Thiago Campos. Silêncios atlânticos: sujeitos e lugares praieiros no tráfico ilegal de africanos para o sudeste brasileiro (c.1830-c.1860). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 32, n. 66, p. 79-100, 2019., p. 89). Havia uma rede interna ampla de agentes consulares sintonizada e mobilizada aos irmãos Moreira e muitos estavam conectados ao tráfico.

É preciso também ressaltar que a navegação negreira, a comercial e a oficial estavam bastante misturadas. Antes, oficialmente misturadas, depois, ao longo da década de 1840, esse imbricamento mudaria um pouco de figura, foi preciso reinventar os subterfúgios. Os irmãos Moreira controlavam a legitimação do comércio português em dois dos principais portos do Brasil, e isso assumiu contornos específicos durante as décadas do tráfico ilegal. Como o cônsul-geral podia nomear vice-cônsules e indicava cônsules, essa rede se estendia a outros portos do Brasil. Era ampla a gama de papéis que um navio precisava para sair do porto legalizado, manifesto de carga, passaporte do navio, carta de saúde, guias de pagamento de impostos, passaporte dos passageiros, entre outros.

“Trocamos braços por dinheiro”: relações comerciais e políticas

A intrincada conexão dos negócios do tráfico com os oficiais fica clara ao lermos a documentação do navio de guerra português brigue Villa Flor. O navio tinha sido enviado ao porto do Recife pelo governo português diante do agravamento das tensões depois das mortes de portugueses pelas ruas da cidade, em junho de 1848. Já estava ali a curveta portuguesa Iris, além de seis navios de guerra brasileiros. Em novembro, começaram os combates da Praieira43 43 Sobre a Praieira a bibliografia é vasta, ver o balanço historiográfico e a instigante análise de Carvalho e Câmara (2011). , e o comandante ia dando notícias da situação, ele estava preocupado com “a canalha”, pois, além de gritos pela República, “prometem a liberdade a todos os captivos”, assim, opinou ao ministro em Lisboa que, enquanto o governo não suspendesse as garantias constitucionais, o “povo anárquico não será controlado”44 44 Arquivo da Marinha, Lisboa. Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor. Ofício do 1º Ten. Comandante Pedro V. da Costa Loureiro Pinho, ao Major General da Armada Barão de Lazarim, a Bordo do Brigue Villa Flor, surto dentro do Recife, 21/12/1848. . Considerou as manifestações perigosas, mas não pelo antilusitanismo45 45 Sobre o antilusitanismo na Praieira, ver o excelente artigo de Carvalho (2003). ; reconhecia, talvez a contragosto, o pacto político em que viviam, deixando claro como, para ele, a constituição protegia o povo. Acalmou com a chegada do Brigadeiro Joaquim José Coelho para comandar as tropas: “valente, é portuguez”. Em janeiro de 1849, com a revolta crescendo, mandou um oficial em lancha armada oferecer ajuda ao presidente, que agradeceu e disse que caso necessitasse não hesitaria em pedir.46 46 Arquivo da Marinha, Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor, Ofício do comandante, 06/02/1849.

Pedro Loureiro Pinho, o comandante, tinha 105 homens no navio de guerra, sendo 102 prontos para entrar em combate. Precisava alimentar a guarnição e tratava disso com o cônsul. Todavia, quem forneceu recursos para a solução das despesas, ganhando letras do governo português em troca, foi o comendador Ângelo Francisco Carneiro, português e um dos maiores traficantes que atuavam em Pernambuco.47 47 Sobre a trajetória do traficante ver a minuciosa pesquisa de Aline Albuquerque (2016). O navio de guerra português, em missão oficial, era sustentado por um traficante, movimentando uma duradoura dinâmica de parcerias que iria se reconfigurando (CARVALHO, 2002CARVALHO, Marcus. Liberdade, rotinas e rupturas do escravismo, Recife, 1822-1850. Recife: Editora da UFPE, 2002.). Esse traficante, por sua vez, também negociava na praça outras mercadorias, e fechava transações com o governo português, como na época da colonização de Moçâmedes quando vendeu três engenhos desmontados ao governo, negócio sugerido e intermediado por Joaquim Moreira.48 48 Sobre o tema, ver o artigo de Oliveira (2020).

Os cônsules Moreira eram importantes para o governo português e para os comerciantes portugueses, tanto os da praça do Porto como os de Lisboa, além dos grandes comerciantes residentes no Brasil, e não apenas pelo tráfico.

Joaquim Moreira, em fevereiro de 1839, relatava que o balanço do comércio anual tinha caído, falou da importância do vinho de Lisboa e do Porto, “convém animar esse importante ramo de nosso comércio”. João Moreira mandava também relatórios sobre a quantidade de navios que chegavam e saíam, ponderando sobre o papel da navegação portuguesa - em 1835 tinham saído para a África 77 embarcações, sendo 73 portuguesas, produzindo 1:039:588$100; já em 1838, foram 92 embarcações para a África pelo porto do Rio de Janeiro, sendo 84 portuguesas, rendendo 1:637:729$900. Ou seja, no tráfico ilegal, o fluxo oficial do Rio de Janeiro para a África nesses anos ficou amplamente dominado pelos portugueses. Avaliava o crescimento da participação portuguesa na rota com a Costa da África, e sobre a aguardente, a exportação portuguesa tinha sido de 3.078 pipas, sendo 72 para o Porto e Lisboa e 3.006 para a África49 49 ANTT, ofício de João Baptista Moreira, 24/07/1839. .

Em 1843, alertava para o fato de os vinhos portugueses estarem perdendo espaço para vinhos de outras regiões, sobretudo Catalunha e Sicília (no primeiro semestre do ano, chegaram 8.928 pipas de vinho estrangeiro, e apenas 3.998 eram portuguesas).50 50 ANTT, Consulado Geral no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício nº 2 de J. B Moreira, ao Ministro José Joaquim Gomes de Castro, 16/08/1843. Fazia recomendações para melhorar a qualidade do vinho português. Especialmente em 1843 e 1844, João Moreira produziu detalhados relatórios sobre o comércio de vinhos, avaliando os fluxos de cada tipo, com tabelas, buscando um rigor científico. Mandava dados sobre o “gosto dos brasileiros”. O esforço rendeu frutos, pois o ministério agradeceu efusivamente e enviou o trabalho para a Associação Comercial e para a imprensa. Em outro ofício, dedicou-se ao sal, já que 2/3 do sal consumido no Brasil vinha de Portugal e de seus domínios, e o direito de alfândega tinha subido de 120 reis por alqueire para 240 reis.51 51 ANTT, Consulado Geral no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício nº 7 de J. B. Moreira, 20/09/1843. No primeiro semestre de 1843, a importação do sal foi o que mais rendeu entre os produtos trazidos em embarcações portuguesas (240 contos contra 160 contos para os vinhos). Em seguida, avisava que esperava modificações no Senado brasileiro da nova Lei do Orçamento aprovada pela Câmara dos Deputados, que previa o aumento da taxa para direito de ancoragem dos navios estrangeiros52 52 ANTT, Consulado Geral no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício nº 4 de J. B. Moreira, 22/08/1843. . Visava incrementar o comércio português depois de os navios portugueses terem perdido espaço no tráfico. Em julho de 1846, foi noticiado que João Moreira recebeu um novo exequatur do Imperador53 53 Diário do RJ, 25/07/1846. Antes do exequator, mandava seus ofícios nos papéis oficiais, timbrados, e assinava como cônsul-geral. A diferença é que, para a atuação com autoridades brasileiras, ou outras autoridades consulares, quem tinha o poder legal era o Ministro residente ou o Chanceler. . Na prática, pouca diferença ocorreu em sua atuação.

Além dos saberes de negociantes de commodities que os Moreira detinham, o acesso de João Moreira no Rio de Janeiro ao regente, depois aos ministros, conselheiros, facilitava a negociação por melhores taxas para o comércio português, mesmo que muitas vezes essa negociação não fosse fácil, como podemos também verificar na correspondência. Em 1844, ficou mobilizado com as novas taxas da reforma alfandegária Alves Branco, esmiuçando em diversos ofícios as mudanças que entrariam em vigor54 54 Como por exemplo no ofício de 28.08.1844, ANTT, Caixa 313, 1842-1846. , embora cético sobre as possibilidades de reverter o quadro. Nesse ano, comemorou por ter conseguido reverter outra medida do governo brasileiro, um regulamento de 1842 que tirava a prerrogativa dos cônsules de controlar o registro dos súditos portugueses na chegada aos portos do Brasil, sublinhando que isso tinha sido finalmente possível “em consequência das boas relações que entretenho com o actual Ministro da Justiça e com o Chefe de Polícia”.55 55 ANTT, Consulado Geral no Rio de Janeiro, Caixa 313, of. nº 31, 20/11/1844. Lisboa mandou responder: “sua excelência estimou saber desta justa decisão posto que tardia fosse”.

Um conjunto de ofícios confidenciais esclarece como havia interesse do governo português nas relações sociais dos irmãos Moreira. Especificamente, no capital dessas relações, pois pediram uma lista “nominal (dos portugueses) cujas propriedades e capital em numerário se presume exceder a cincoenta contos de reis em moda deste paiz”, João Moreira respondeu que levaria tempo pois “são muitos estabelecimentos comerciais de portugueses, é grande a cidade”56 56 ANTT, Caixa 314, Confidencial nº 1, 02/10/1849. Não localizamos a resposta de João Moreira. . Também Joaquim Moreira recebeu o mesmo pedido confidencial e respondeu em maio de 1850. O primeiro nome da lista era Angelo Francisco Carneiro, depois João Antonio Guimarães, ambos “residentes atualmente em Lisboa, mas tem aqui sua fortuna”57 57 ANTT, Caixa 310, MF3515, Pernambuco. Ofício de Joaquim Moreira, 02/05/1850. A lista para Recife tinha 18 nomes além daqueles inclusos na categoria “brasileiros adoptivos”, conforme instrução de Lisboa. .

Fica claro como ser representante consular do governo português era ser, sobretudo, agente do comércio. O debate sobre a legitimidade de um cônsul ser negociante foi pautado na Assembleia Geral no Rio de Janeiro, em 1839. O tema foi trazido pelos deputados Montezuma e Nunes Machado, pois o governo brasileiro tinha demitido o cônsul de Gênova (que tinha sido nomeado por Montezuma quando ministro do governo Feijó), e posto no lugar um estrangeiro e negociante. Montezuma desenvolveu ampla argumentação contra os dois atributos, ser estrangeiro e ser negociante, e para isso citou o “systema consular de 1834” e ainda a obra de Chity, “o excelente diccionário de M. Cullock”, o “tratado consular do Comendador Santos”58 58 O debate podia ser lido no jornal Diário do Comércio do dia 28/08/1839. , como se o tema fosse matéria consolidada na literatura de referência. No entanto, muitos cônsules eram negociantes, na prática era totalmente naturalizado.

Eles preocupavam-se em demonstrar eficiência. Tanto João Moreira como Joaquim sempre respondiam aos ofícios de Sá da Bandeira com a solução já encaminhada, atendiam às demandas recebendo efusivos agradecimentos e elogios do ministro. Sá da Bandeira pedia um especialista na montagem de maquinário para um engenho, Moreira conseguia e embarcava para Angola no mês seguinte, pedia um mestre de açúcar, um “aguardenteiro”, Joaquim Moreira enviava, ou um especialista na salga de carnes. Enviou também sementes de baunilha e outras plantas diversas do Jardim Botânico de Olinda, inclusive mudas de árvores de fruta-pão59 59 O pedido foi assinado em Lisboa no dia 29/01/1839, menos de três meses depois, no ofício de 27/04/1839, Joaquim Moreira avisava que já tinha enviado tanto os artesãos como as plantas, e lemos a resposta de Sá da Bandeira a lápis, na margem do documento: “aprovar e louvar o zelo, tanto por ter conseguido ajuntar estes homens como pela prontidão das plantas e sementes”. Ofícios no ANTT, MNE, Pernambuco, Caixa 309, MF3509. .

A pedido do governo português, intermediaram, do Brasil, o fluxo de trabalhadores pobres entre a Ilha da Madeira, os Açores e os campos de frentes de expansão agrícola em Angola. Para o transporte de cerca de 140 colonos, em 1839, tanto João Moreira como Joaquim publicaram anúncios na imprensa, organizaram listas dos interessados, providenciaram passaportes, fretaram um navio, estabeleceram um preço por passageiro e cobraram da Junta da Fazenda em Angola - que reclamou bastante do que consideraram um altíssimo preço do arranjo.

Nesse processo, houve circulação no Atlântico por brasileiros ou por moradores no Brasil que foram para Angola, seja levando conhecimentos técnicos, práticas agrícolas, ou como mão de obra. Para o estabelecimento de um engenho de fabricar açúcar e aguardente em Luanda, mandaram um “mestre de fazer assucar, de 18 annos de prática, em Pernambuco”60 60 Annaes Marítimos e coloniaes, N.4, Lisboa, Imprensa Nacional, fev. 1841, p. 157. Nesse processo, os cônsules eram agenciadores de mão de obra tanto braçal quanto especializada. . O governador Noronha não simpatizava com João Moreira, e já sabemos a razão. Mas também Noronha pediu por colonos do Rio de Janeiro e foi rapidamente atendido; só que não gostou do que recebeu, classificou como “vadios” do Rio de Janeiro os homens enviados pelo cônsul. Para remediar, pediu mulheres dos Açores para casar com eles. Agenciaram, em 1849, o povoamento de Moçâmedes, enviando luso-brasileiros moradores do Brasil para a colônia agrícola militar.

A imigração era um novo ramo que foi se consolidando ao longo da década de 1840, para, em 1851 e 1852, passar a ser o principal assunto da correspondência consular, sendo o maior fluxo para o Brasil e o maior volume para os portos do Recife e do Rio de Janeiro. Moreira preparava tabelas e levantamentos estatísticos, caprichava nos ofícios, justificando e enaltecendo o comércio envolvendo os trabalhadores brancos e pobres portugueses das ilhas e do continente, que mobilizou muitas embarcações de negociantes portugueses.

O fluxo foi se ampliando para o Brasil. Segundo relatórios de Moreira, desembarcaram 4.605 no Rio de Janeiro, em 1847, e quase o dobro, 8.329, em 1853. A maioria vinha em navios portugueses, embarcações que foram sendo especialmente preparadas para esse negócio. Se, nos jornais, publicavam acusações, não passavam de “calúnias”, pois ele pessoalmente vistoriava os navios e conversava com os comandantes, “tudo ia regularizado”. Passaria a repetir, ofício após ofício, como um mantra, a satisfação dos colonos ao chegarem, as boas condições de viagem, como, sem muito esforço, encontrariam fortuna no Brasil para poder, como “é o costume”, voltar para suas pátrias com economias. Porém, jornais acusaram-nos de traficantes de “escravos brancos”61 61 Um dos jornais que publicava indignadas matérias era O Grito Nacional, jornal liberal mais radical. Sobre a imigração de portugueses para Pernambuco ver o ótimo trabalho de Bruno D. Câmara (2012). Sobre o início desse processo, bem como os projetos em disputa e as dificuldades de regulamentação, ver Galvanese (2019). . Luiz Felipe de Alencastro mostrou a sobreposição dos negócios do tráfico de escravos e do engajamento de portugueses pobres para as fazendas brasileiras, chamando atenção para a “reciclagem do grande comércio negreiro luso-brasileiro”, expertise, demanda e oferta que fez com que os portugueses representassem 79,7% dos imigrantes chegados no Rio de Janeiro entre 1851 e 1854 (ALENCASTRO, 1988ALENCASTRO, Luiz Felipe. Proletários e escravos, imigrantes portugueses e cativos africanos no Rio de Janeiro, 1850-1872, Revista Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 21, p. 30-54, 1988., p. 38). Porém, considerou que a presença do cônsul tanto no Recife como no Rio de Janeiro, principais portos de chegada dos portugueses, ajudasse a evitar fraudes, quando, na verdade, os cônsules faziam parte das redes de negócio do tráfico e da imigração, pouco fazendo pelos trabalhadores compatriotas, como se verá.

Moreira estabeleceu uma tipologia para os imigrantes: os açorianos eram os que mais dificuldades encontravam, “porque pela maior parte vem sujeitos ao pagamento de suas passagens aqui” e teriam menos preparo, eram mais “rudes, viviam na miséria”, a maioria ainda era preciso “vestir e educar, por não conhecerem nenhuma qualidade de serviço”, seriam criados de servir, ou os que iam para o campo “pela maior parte para feitores de escravos”62 62 AMNE, Consulado de Portugal no Rio de Janeiro, Caixa 539, 1852-1855, Of. 6, João Moreira ao Visconde de Athoguia, 09/02/1854. A bibliografia sobre a imigração portuguesa para o Brasil no XIX é vasta e vem se renovando, foram importantes para esse trabalho Scott (2000), Serrão (1980) e Pereira (1981). , ou, ainda, atuariam em um ramo específico dos serviços urbanos:

Uma grande parte da gente das Ilhas se emprega exclusivamente em tomar água nos chafarizes da cidade, em carroças e pipas puxadas por bestas muares, fornecendo assim quasi toda a população que empregavao nisto escravos, fasendo por este meio de vida, muitos interesses para os proprietários das carroças, quasi todos ilhéus, mas também ganhando bons salários os que os servem63 63 ANTT, Rio de Janeiro, Caixa 314, MF 7337, 31/01/1849. .

Os da Madeira vinham em pouca quantidade, “quase todos em famílias, por encomendas de patrícios que já tem bons estabelecimentos agrícolas no interior desta Provincia”, os do Porto, Vianna ou em geral da Provincia do Minho, “são os que sempre avultão mais, e que melhor conceito gosão no paiz por sua honradez, sobriedade, e amor do trabalho”. Muitos de toda a “qualidade de officios mecânicos, quasi todos achao prompto emprego”.64 64 ANTT, Rio de Janeiro, Caixa 314, MF 7337, 31/01/1849.

Moreira argumentaria sempre em defesa da imigração, o debate em Portugal ia ficando polêmico, a regulamentação era lenta e os debates acalorados. Em 1842, a Associação Comercial do Porto enviou representação ao Parlamento em Lisboa contra a proposta de lei apresentada para regulamentar a saída dos navios, que afinal não vingou. Para Fernando de Souza, não havia interesse da sociedade portuguesa oitocentista em barrar a imigração, e isso estaria expresso seja na pressão feita pela Praça do Porto, assim como no fato de milhares de portugueses seguirem viajando (SOUZA, 2013SOUZA, Fernando de. Os portugueses. De colonos a imigrantes. In: FERLINI, Vera; SOUZA, Fernando et al. (org.). De colonos a imigrantes - I(E)migração portuguesa para o Brasil. São Paulo: Alameda , 2013. p. 21-36.). Embora muitos discursassem contra a “escravatura branca”, outros tantos diziam ser inconstitucional interferir na liberdade de escolha dos indivíduos que buscavam escapar à pobreza (MAIA, 2013MAIA, Fernanda P. S. A emigração para o Brasil no discurso parlamentar oitocentista. In: SOUSA, Fernando et al. (org.). De colonos a imigrantes - I(E)migração portuguesa para o Brasil. São Paulo: Alameda , 2013. p. 51-68.). Moreira era hábil na argumentação, recordava ao ministério que, em 1850, portugueses levaram em ouro para Portugal 450 contos, além de 2 mil contos e 500 mil réis em dinheiro. Aqueles que residiam na cidade do Rio de Janeiro, enviaram 800 contos aos parentes, assim, era significativo o total “que entrou em circulação em Portugal e que ahi fica empregado em capitais, indústria, commercio e propriedade territorial. He também certo que trocamos braços por dinheiro anualmente, convindo que o Governo de S. Magestade o saiba para resolver em sua sabedoria o que nos for mais útil”65 65 ANTT, Rio de Janeiro, Caixa 314, MF 7337, Reservado nº 1, 19/08/1850. Grifo meu. .

Nesse agenciamento de mão de obra, os cônsules Moreira também contribuíram, ao que tudo indica, para a marinha brasileira, fornecendo portugueses pobres como recrutas. Havia uma troca de favores e/ou de negociações que não ficou totalmente clara. Em 1839, houve uma acusação formal sobre o tema que chegou ao ministério em Lisboa e, por isso, Figanière foi consultado em ofício confidencial. Respondeu que “sim já vinha recebendo muitas queixas, hoje mesmo mandei soltar 18 pessoas recrutadas na Bahia”, ele sugeria conivência do agente consular na Bahia, que atuava em uma rede com os irmãos no Rio e no Recife, arrematando: “pelo que toca ao Rio de Janeiro, quando este Consulado era regido por João Baptista Moreira, direi sem hesitação que nenhum escrúpulo deve haver da parte do Governo de S. M em acreditalas”. Figanière afirmou que já vinha investigando, e ouviu pela “própria boca do actual Ministro da Marinha como taobem do Inspetor do Arsenal que o dito Moreira era mui tractavel”. Não dá para saber ao certo o que quis dizer com o termo, talvez corruptível? Apurou, nessa investigação, que Moreira agia soltando uns poucos, ou porque muito se esforçavam para isso, ou porque eram marinheiros de navios de seus amigos, deixando dezenas presos para recrutas, como confirmaram amigos e parentes das vítimas66 66 AMNE, Embaixada Portuguesa no Rio de Janeiro, Livro 50, fl. 11v, nº 9, Ofício de 01/10/1839. .

Acusações sobre o recrutamento ilegal de portugueses pobres para a marinha brasileira seguiram ao longo dos anos 1840 e 1850, na imprensa e nos ofícios consulares67 67 Houve também engajamento de portugueses para a Marinha brasileira feito legalmente, “essa imigração he sustentada e protegida pelo Governo Imperial”, disse Moreira, acrescentando que na chegada de três navios dos Açores com 416 passageiros, a maioria devendo o valor das passagens, 27 foram para o Arsenal da Marinha, 29 foram para o Corpo de Imperiais Marinheiros. Afirmou que os engajados para marinheiros eram quase todos rapazes de 15 anos e tinham contrato de quatro anos. Os demais jovens desembarcados desses navios foram engajados para trabalhar nas estradas da Província do Rio de Janeiro. Vê-se a associação de interesses do governo brasileiro e dos negócios de transporte de mão de obra pelo Atlântico. Foi o primeiro e único relato de Moreira tematizando a exploração dos trabalhadores. Expunha os comandantes Ilhéus tirando o foco do maior fluxo que era o da rota do Porto, além de colocar o governo brasileiro como partícipe. ANTT, Consulado de Portugal no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício de 25/10/1844. . A dificuldade dos pobres de terem documentos de identificação era maior, muitos portugueses chegavam sem passaporte, sobretudo os açorianos, outros tinham papéis que não eram reconhecidos, muitos eram analfabetos. O rigor com os imigrantes sem papéis foi aumentando, a recomendação para não deixar desembarcar os que não estivessem munidos de passaporte era reiterada, depois decidiu-se que só poderiam desembarcar os que tivessem contrato de trabalho assinado, eram medidas do governo68 68 A Lei de 20/07/1855 renovava a proibição de saída sem passaporte e estabelecia uma série de medidas, como a declaração obrigatória do contrato de trabalho, além de impor como necessária a vistoria do cônsul nos navios antes do desembarque (o que não significava muita coisa, no caso dos Moreira); em 1858, foi publicado um regulamento para transportes dos emigrantes (VOLPI SCOTT, 2000). para responder às acusações do tráfico de escravos brancos.

A documentação também mostra que Moreira estabelecia boas relações com as autoridades locais e cultivava algumas mais preciosas, ou estratégicas, oferecendo condecorações portuguesas (segundo ele especialmente apreciadas, já que as brasileiras eram negociadas às claras, tinham preço conhecido na praça) em troca desse apoio. Em 1855, Joaquim Jozé M. Maia, oficial maior da Secretaria de Polícia no Rio de Janeiro, “tem sempre mostrado a melhor vontade em facilitar os negócios dos súbditos portugueses”, ganhou o hábito de N. S. da Conceição de Vila Viçoza, assim como o Dr. João d’Oliveira Fausto, “subdelegado da populosa freguesia de S. Jozé”, e o de Santa Rita, cujo distrito “compreende os navios fundeados no porto, é sempre este digno empregado que decide a maior parte das minhas reclamações”69 69 AMNE, Rio de Janeiro, Caixa 539, reservado, 26/02/1855. Um ano depois, em 1856, o ministério em Lisboa enviou circular proibindo os cônsules de propor pessoas para serem agraciadas com as ordens portuguesas. Caixa 540, Of. 2, 12/01/1856. . Autoridades brasileiras compartilhavam do universo simbólico da ex-metrópole. Conhecer os fiscais e funcionários do Porto era importante; era um espaço da cidade quase cotidianamente visitado pelos irmãos.

Ao ler os relatos de um comandante de navio ancorado no porto do Recife, flagramos o cônsul Joaquim Moreira em dias bastante aflitivos. E ficamos sabendo, por esse mesmo narrador, da despedida que foi feita para ele. Às cinco horas da manhã do dia 2 de fevereiro de 1849, o comandante do navio brigue Villa Flor, no Recife, começou a receber portugueses assustados com as batalhas da Praieira. Ao meio-dia, já eram mais de 350 procurando refúgio no navio, a maioria saiu correndo de casa só com a roupa do corpo, o cônsul Joaquim Moreira apareceu em “chinelos e pouco vestido, ficarão a bordo até o dia 3”, o brigue Douro, outro navio de guerra português que viera para o porto do Recife, recebeu 400 portugueses. O comandante aproveitou para elogiar o cônsul, “que no momento do perigo mostrou toda inergia e valor”. Porém, duas semanas depois,

morreu de ataque de intranhas o nosso cônsul, que muito sentimento me causou, perdeu a Nação um servidor honrado e homem de simpathias, às 9 horas da manhã pozerão-se as Bandeiras a meio pau (...) todos os Navios Portuguezes e os Consulados Inglez e Americano o Brigue de Guerra Inglez e mais Consulados, bem como os Navios de Guerra Brasileiros fizerao esta sirimonia.70 70 Arquivo da Marinha, Lisboa. Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor. Ofício do 1º Ten. Com. Pedro V. da Costa Loureiro Pinho, ao Major General da Armada, 20/02/1849.

Em seguida foram oficiais acompanhar o corpo em cortejo desde a rua Aurora, onde Joaquim Moreira morava, até a Igreja do Corpo Santo, onde foi enterrado, “salvando os dois Brigues com 9 tiros ao momento de ser sepultado”71 71 Arquivo da Marinha, Lisboa. Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor, Ofício de 20/02/2849. . Teve todas as honras oficiais na despedida, inclusive dos comandantes e autoridades estrangeiras presentes no Recife.

Já no dia 5 de abril, chegou para a posição de vice-cônsul português, em Pernambuco, o filho do falecido cônsul, nomeado pelo tio. O filho, que tinha o mesmo nome do pai, Joaquim Baptista Moreira, era - na descrição do comandante do navio brigue Villa Flor - um “rapaz de 23 annos, bacharel em Leys, que se espera formar este anno (...) a meu ver he muito mosso e sem pratica alguma, sem influencia, representação e seriedade”72 72 Arquivo da Marinha, Lisboa. Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor. Ofício do 1º Ten. Com. Pedro V. da Costa Loureiro Pinho, ao Major General da Armada, 05/04/1849. . A articulação política de João Moreira em Portugal fica clara no episódio da chegada do sobrinho ao consulado em Pernambuco. A nomeação não foi questionada em Lisboa, e em alguns meses foi confirmado no cargo.

Houve muitas acusações contra o tio e o sobrinho nos primeiros anos da década de 1850. Em 1854, Joaquim Baptista Moreira, o sobrinho, foi acusado de tráfico de brancos, de receber dinheiro e intermediar o embarque e o contrato de trabalho de centenas de açorianos em condições desumanas para o Recife. Na mesma época, dezenas de portugueses do Recife acusaram-no de fraudar heranças, enviando representação a Lisboa.

No Rio de Janeiro, chegou a ser editado um jornal quase unicamente para falar mal de João Moreira, era O Portuguez, publicado de 1861 a 1865.73 73 O Portuguez, “jornal progressista e pugnador do direito dos portugueses, não entra em questões políticas nem em vidas privadas”. Eram essas as divisas do periódico, que surgiu em abril de 1861, e era publicado duas vezes por semana. Publicava também capítulos sobre a história de Portugal e folhetins. O proprietário e redator, até 1864, era Manoel Gomes Pereira Martins Rios, profissional liberal, incumbia-se de “apelações cíveis, crimes e comerciais”, como se lê em anúncios; era apoiado por José Antonio Gonçalves Barbosa, dono de uma casa de pasto na rua da Misericórdia, que escrevia também na grande imprensa contra Moreira. Em 1861, Barbosa foi preso por estar implicado em uma falência ocorrida em 1858, ato que o jornal O Portuguez atribuiu à represália do cônsul, pois a polícia entrou na casa de Barbosa e recolheu inúmeros documentos que serviriam de prova para o pedido de uma sindicância contra o cônsul. Agradeço a Wagner Melo de Carvalho pela descoberta dos redatores. No primeiro número, esclarecem que o jornal pretendia ser a voz de todos os portugueses sem fortuna que há tanto tempo vinham sendo enganados pelo cônsul. As principais acusações eram de roubo de herança (os que morriam sem testamento, quando o cônsul fazia a arrecadação pouco ou nada sobraria para os herdeiros), os colonos enganados e os escravizados, as altas taxas cobradas pelo consulado - precisavam pagar, por exemplo, para ter a carta de nacionalidade. A repercussão nos jornais portugueses do que se publicava no Brasil contra Moreira era grande, a ponto de, em Portugal, “todo jornal se tem visto obrigado a tratar do assumpto”, como afirmou o correspondente do Diário do Rio de Janeiro, no Porto.74 74 Diário do Rio de Janeiro, RJ, 21/07/1861, p. 2. Uma representação pedindo a demissão do cônsul assinada por 11 mil portugueses chegou ao parlamento, assim como o ministro da Fazenda apresentou na Câmara um projeto abolindo o emolumento ao cônsul pela carta de nacionalidade. O jornalista resumiu o sentimento dominante contra o cônsul: “a indignação chegou a tal ponto, que se o sr. Moreira se atrevesse a desembarcar hoje em qualquer porto de Portugal, não lhe havia de ser muito agradável a recepção”75 75 Diário do Rio de Janeiro, RJ, 21/07/1861, p. 2 .

Em 1861, a situação foi especialmente tensa para João Moreira. Até no espetáculo promovido pela Sociedade Portuguesa Amante da Monarquia e Beneficente, no Teatro S. Pedro, na noite de 16 de setembro, para o festejo do natalício de D. Pedro V, houve uma “assuada” contra o Barão de Moreira quando ele saiu de seu camarote para visitar o dos ministros de Estado. A querela começou, ao que parece, porque Moreira “estando com as insígnias de cônsul e condecorações” fez “ovações e deitou ramos a uma cômica muito conhecida pelo publico”76 76 Jornal do Commercio, RJ, 01/10/1861, p. 1. Foi a atriz Antonia Marquelou que recitou um poema que emocionou o cônsul e motivou as flores. Várias versões sobre o fato foram publicadas. .

Os Moreira sofreram diversas e graves denúncias em sua longa trajetória de serviços no Brasil. A atuação dos cônsules Moreira esteve permeada por conflitos. Em cada uma das crises, utilizavam das mesmas estratégias: alguém escrevia um artigo no jornal em sua defesa, editavam um folheto, organizavam subscrições, mandavam para Lisboa uma longa representação de apoio de portugueses locais e/ou de alguma autoridade brasileira, algumas vezes acionavam o Chefe de Polícia, ou o judiciário. A Associação Comercial do Porto publicou mais de uma vez, na imprensa, declarações de apoio a Moreira. Saíam publicadas subscrições que organizavam, em apoio a diversas causas, órfãos, hospitais; João Moreira era também atuante na Sociedade Portuguesa de Beneficência.

A estratégia de escrever panfletos, conseguir representações, configurava a guerra de informação e contrainformação: de negreiro a benemérito cidadão, cioso dos interesses da pátria. Até uma biografia foi encomendada para saudar a trajetória de João Moreira, publicada no auge da crise, em 1862. Todavia, não foi suficiente. Em fevereiro de 1863, foi afastado do cargo, mas a exoneração só veio em fins de agosto, depois de muita especulação na imprensa pelos motivos da demora da decisão do duque de Loulé. No breve decreto, o ministro ressaltou “os valiosos serviços prestados pelo mesmo em prol do throno legítimo e das liberdades pátrias”77 77 Correio Mercantil, RJ, 19/10/1863. O decreto era datado de 25/08/1863. . É preciso, para terminar, voltar para a década de 1820 e entender alguns matizes dessa trajetória.

Bailes e luta popular

Em 1824, depois da derrota dos liberais, João Batista Moreira mudou-se para o Brasil. Desembarcou em janeiro com sua família, e, pouco depois, anunciava o interesse de “alugar um armazém que tenha capacidade para receber mais de 50 pipas de vinho, ou em volume de fazendas secas, que seja na rua Direita, ou entre a rua dos Pescadores até a do Ouvidor, para procurá-lo na rua de traz do Carmo, n. 5”78 78 Diário do Rio de Janeiro, RJ, 27/01/1824. . Uma semana depois, anunciava a viagem da galera Firmeza para Gibraltar. Também pouco depois mudou de casa, estabeleceu residência na rua Direita, 93, “de fronte do Banco casa do Excelentissimo Veador Amaro Velho da Silva”. Moreira foi morar exatamente em frente a um dos maiores, senão o maior, traficante da cidade naqueles anos. Seguiam anúncios de navios fretados por ele para Macau, Bahia, Pernambuco, Luanda. Em 1830, apareceu o único anúncio que explicitamente referia ao trato com mão de obra escravizada (um deslize?), o navio “Alviçareiro Mor carregou 529 escravos, sendo 62 mortos, a João Baptista Moreira”. Era um lote muito grande, não era um pequeno traficante.79 79 Segundo Manolo Florentino, Moreira era um ativo negreiro já nos anos 1820 (FLORENTINO, 1997, p. 254).

Em 1826, os jornais do Rio de Janeiro noticiaram a rica iluminação que ele fizera em frente de sua casa para homenagear D. Pedro I, que segundo o cronista ficou muito feliz com o que viu.80 80 Diário Fluminense, n. 77, 07/04/1826. Uma descrição minuciosa da “mui elegante iluminação, em cujo centro se via o Retrato de S.M. o Imperador...” foi publicada. Foi nesse mesmo ano que assumiu o cargo de vice-cônsul de Portugal no Brasil, passando a cônsul no ano seguinte. Em 1827 mandou construir a galera Aristides e ofereceu-a ao Arsenal do Império do Brasil, para uso na Guerra da Cisplatina. Em 1829, recebeu e ajudou inúmeros refugiados liberais no Rio de Janeiro.81 81 No Recife, quem recebeu os “imigrados que alli passavao, servindo a justa cauza de Sua Magestade” foi Arsênio Pompilio de Carpo que tinha cumprido degredo em Angola e viajado para Pernambuco. Foi importante traficante em Angola. A informação era trazida para embasar pedido dele por Hábito da Ordem de Cristo AHU, Caixa 587, Of. 23/02/1838 (foi deferido em janeiro de 1840, como se lê na margem do documento). Comprou, com sócios, a escuna Liberal e colocou-a à disposição do “legítimo governo nos Açores”. Mas o mais marcante feito foi ter mandado, em setembro de 1831, para os Açores, mais de 300 refugiados em dois navios equipados para a guerra.82 82 Grande parte das informações do parágrafo vieram da biografia impressa em 1862 (NORONHA, 1862). A proximidade com D. Pedro I e o engajamento na causa dos liberais em Portugal fez com que enfrentasse desconfiança no Brasil e perdesse, em fins de 1833, a licença do governo brasileiro, pois foi acusado de conspirar pela restauração. Voltou para Portugal em 1834 e, em agosto de 1835, foi novamente nomeado cônsul-geral no Rio de Janeiro, com manifestações de regozijo das Associações Comerciais do Porto e de Lisboa.83 83 Jornal do Commercio, RJ, ed. 29, 17/10/1835, p. 2.

Vale ressaltar que a vasta chácara de João Moreira no Catete funcionava com o trabalho escravo. Em 1844, ficamos sabendo, por uma diminuta notícia, que “um preto seu escravo suicidou-se enforcando-se em uma árvore da chácara do Catete”.84 84 Diario do Rio de Janeiro, RJ, 25/05/1844. Provavelmente era africano chegado no tráfico ilegal, os suicídios eram mais comuns entre os recém-chegados. Faz-nos imaginar quantos quintais, quantas árvores de casas elegantes no Rio de Janeiro imperial não guardavam a memória do desespero. A casa era uma referência na cidade, não pelo enforcamento, isso não causou repercussão. A casa de Moreira era referência pelos bailes suntuosos e concorridos que promovia. Em maio de 1847, Francisco Otaviano escreveu: “o baile do Moreira esteve esplêndido. Cantou Madame Cansanção...”, a mulher do Cansanção de Sinimbu (PINHO, 1942PINHO, Wanderley. Salões e damas do Segundo Reinado. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1942., p. 101). Eram comentadas na imprensa as caprichadas iluminações na fachada e os festejos oficiais oferecidos por Moreira ligados ao calendário português. Marcou época, por exemplo, o suntuoso baile e a rica iluminação que enfeitou o palacete do Comendador por ocasião do juramento da Constituição portuguesa de 1838.

Em 1847, foi vendida “a grande chácara com casas nobres na rua do Catete, em que mora o comendador João Baptista Moreira”. Em 1848 estava morando na Glória, na rua da Pedreira, ainda na região do Catete, também em bairro elegante e concorrido. Nessa “bella residencia”, também houve bailes suntuosos, saraus “explendidos” que contavam com a presença da fina flor da sociedade da corte. Para o cronista, ali estavam as mais elegantes mulheres, a música mais alegre, o anfitrião mais vivaz, e havia ainda o “encanto dos jardins”85 85 O Album Semanal: chronologico, litterario crítico e de modas (RJ), Domingo, 18/07/1852, o baile tinha sido na terça feira dia 6 de julho. . Em janeiro de 1852, por ocasião de seu aniversário, os convidados do “explendido baile”, divertiram-se “no meio de mil escolhidos prazeres”.86 86 O Album Semanal: chronologico, litterario, critico e de modas (RJ), Domingo, 11/01/1852. Wanderley Pinho comentou que “eram famosas as festas do comendador Moreira” (PINHO, 1942PINHO, Wanderley. Salões e damas do Segundo Reinado. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1942., p. 101). Sua casa abrigou um dos importantes salões da sociedade da corte carioca no XIX.

Não temos tantos dados sobre o irmão Joaquim Moreira. Também no Recife Joaquim investia nos eventos sociais. No baile que organizou, no dia 28 de agosto de 1847, para comemorar o fim da “guerra fratricida” em Portugal (originada com a revolta popular da Maria da Fonte), nos salões do Hotel Francisco, estiveram cerca de 600 convidados, com as “principais autoridades da província, os chefes das repartições, o corpo consular, o do commercio”. Para encerrar o evento, às “04h00 da manhã tocaram os hinos brasileiro e português”87 87 Diário de Pernambuco, Recife, ed. nº 194, p. 2, 30/08/1847. O baile nos salões do Hotel Francisco foi organizado por Joaquim Moreira, o traficante Angelo Carneiro e Miguel José Alves (aliado de Carneiro). . Estavam completamente integrados na sociedade local, que era em larga medida luso-brasileira ainda, as fronteiras fragilmente traçadas. Nos bailes, dançavam as mesmas músicas, tinham o mesmo repertório de salão.

Uma das acusações que Figanière fez na briga citada no início do artigo é reveladora dessa fluidez ainda presente. Figanière afirmou que Moreira era brasileiro, que tinha se naturalizado, chegou a se inscrever como negociante brasileiro no Livro da Câmara Municipal no Rio de Janeiro. Como podia ser cônsul-geral de Portugal? Achei, como leitora, que essa acusação fosse resultar em questionamentos, inquietações, alguma troca de ofícios. Pelo tom acusatório e escandalizado de Figanière, esse podia ser um ponto sensível, mas, na realidade, não foi, nenhuma repercussão causou no ministério em Lisboa. Afinal, Moreira defendia sim os interesses dos negociantes e dos administradores portugueses. Além do mais, contribuíra pela causa liberal, por D. Pedro I e por sua filha. Valentim Alexandre destaca esse fator, pois Moreira foi “um dos pontos de apoio dos liberais no Brasil, o que lhe valia o patrocínio de personalidades de vulto em Portugal” (ALEXANDRE, 1991ALEXANDRE, Valentim. Portugal e a abolição do tráfico de escravos (1834-1851). Análise Social, v. XXVI, n. 111, p. 293-333, 1991., p. 300). Contribuía ainda com subscrições nas tragédias da pátria, enchentes, incêndios, navios naufragados, fome nas ilhas, construção de hospitais. Era português, vestia a farda da Guarda Nacional Portuguesa, dançava com a princesa da casa de Bragança, dava notícias da família para a rainha.

Saiu do consulado em 1863 e seguiu trabalhando com seu capital social, virou “empresário do Club Fluminense”, promovia bailes e eventos, em abril de 1864 “franqueou os salões de seu estabelecimento” para o concerto vocal e instrumental preparado pelo flautista T. C. Reichert. Com os salões “primorosamente decorados”, graças “à generosidade do Sr. Barão de Moreira”, estiveram “Sua Majestade o Imperador”, mais “homens de muitas nações, espectadores inteligentes e polidos”88 88 Semana Ilustrada, n. 168, fev. 1864. A descrição do concerto veio na ed. 174, abril 1864. . A Semana Illustrada homenageou-o com uma ilustração na capa do periódico, de cartola na mão, elegante (Figura 1).

Mas ser português ou ser brasileiro para essa geração, a depender dos circuitos em que estivessem inseridos, podia ser quase a mesma coisa... sobretudo no campo dos negócios, quando as bandeiras e nacionalidades podiam ajudar ou atrapalhar, a depender das circunstâncias, as identidades e pertencimentos eram manejados para facilitar os fluxos mercantis, assim como para buscar favorecimentos na luta política. Quando acusou Figanière, através do jornal, o argumento foi que ele era miguelista, ou seja, havia uma luta política legitimando a posição de Moreira.

Mesmo que fossem muitas as acusações da atuação ilegal dos Moreira, foram mantidos na representação diplomática portuguesa por décadas. Além da razão política, acumularam expertise importante na defesa dos interesses do comércio português pelo Atlântico no período. Talvez, também, por saberem sobre o envolvimento dos grandes no nefando comércio. Como caiu em 1863? Foi apenas depois de ampla mobilização, sobretudo popular, que João Moreira perdeu o cargo e uma grande fonte de renda e de negócios. Morreu dois anos depois, aos 68 anos, em dezembro de 1865.

Figura 1.
Na capa do periódico semanal, Henrique Fleiuss representou João Moreira em trajes elegantes sendo levado pelo moleque para o dr. Semana, oferecendo os salões do clube para o concerto.

No Brasil, a campanha dirigida pelo jornal O Portuguez não deu trégua, foi cotidiana e teve ampla repercussão. Recebiam correspondências do interior da Província do Rio de Janeiro, com depoimentos assinados de colonos contra o cônsul.

Ao ler os debates na Assembleia portuguesa, quando discutiam como encaminhar uma representação de 2.400 habitantes da cidade do Porto que pedia a demissão de Moreira, além de outros documentos enviados,89 89 Correio Mercantil, RJ, 05/06/1862, primeira página, “Portugal, camara dos Deputados, sessão de 3 de maio de 1862” - o debate foi transcrito nessa e em outras edições. a impressão que tive é que os deputados se sentiam pressionados, de mãos atadas. Um artigo anônimo publicado no jornal para defendê-lo parece expressar o que sentia a maioria dos deputados e ministros: “a opinião pública tem suas erupções, como o Etna e o Vesúvio, umas vezes maravilhosas, outras exterminadoras! (...) entregaram uma victima à voracidade da raia-miuda”.90 90 Correio Mercantil, RJ, 24/05/1862.

Nesse ano de 1862, no Minho, houve uma grande revolta popular em diversas povoações, tendo começado nos conselhos de Guimarães e da Povoa de Lanhoso. Gritando contra os “vexames tributários do governo”, invadiram as repartições de fazenda, “queimando todos os papéis relativos às contribuições predial e industrial”. Em Barcellos, 600 homens armados de “foices, espingardas e chuços, soltaram gritos de viva el rei D. Luiz, abaixo as contribuições”. Destruíram os pesos e medidas em cidades do Minho, chamados pelo povo de sapinhos, e entre os gritos de abaixo os sapinhos entoavam também: abaixo o barão de Moreira! Muitos manifestantes eram, provavelmente, pais, tios e avós de jovens que estavam no Brasil, já que a maioria vinha dessa região. Para o correspondente do Jornal do Comércio, no Porto, estava “resolvida a questão do consulado português no Rio de Janeiro; mas foi preciso para isso que no Minho aparecesse uma revolução popular91 91 Jornal do Commercio, RJ, 04/06/1862, em coluna “Correspondência do Jornal do Commercio”, na primeira página (assinada no Porto, no dia 11/05/1862). Grifo meu. .

Moreira caiu, pois simbolizava a exploração que milhares de trabalhadores portugueses pobres sofreram. Eram brancos e tiveram maior força de articulação política, utilizaram-se da imprensa, das representações coletivas, manejando práticas políticas e vocabulário impregnados pelas lutas do tempo. As demandas populares foram potencializadas pela Revolução de 1820 e pelo debate político que seguiu depois, ideias e expectativas que apareciam nos inúmeros jornais, folhetos, nos teatros, nas praças, tabernas e cruzaram o Atlântico em rotas diversas. Não caiu pelo envolvimento com o tráfico de escravizados, esse foi celebrado por uns, tolerado por outros.

Referências

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  • 100
    *A pesquisa documental foi realizada em Lisboa quando estive como investigadora visitante do ICS/UL. Agradeço aos colegas em Lisboa pelo apoio e interlocução, e aos pareceristas da Revista História, pelas valiosas contribuições ao artigo.

NOTAS

  • 1
    AHU, SEMU, DGU, Angola, Caixa 587, Relatório oferecido ao Illmo Exmo Sr. Visconde de Sá da Bandeira, 6.08.1838. Ele chegou a Luanda em janeiro de 1839. Doravante AHU, Angola.
  • 2
    O decreto de 10 de dezembro 1836 proibia o tráfico em Angola, desde o dia em que fosse publicado na capital de cada um dos domínios portugueses. O governador anterior (Bernardo Vidal) era conivente com o tráfico e demorou a publicar o decreto. Deu, por conta própria, o prazo de um ano para que entrasse em vigência (AHU, Caixa 587, Maço 9, Ofício de Bernardo Vidal 24/02/1838). Há vasta bibliografia sobre o fim do tráfico em Angola e as repercussões do decreto. Um clássico sobre o tema é o livro escrito e organizado por Valentim Alexandre e Jill Dias (ALEXANDRE; DIAS, 1998ALEXANDRE, Valentim; DIAS, Jill. Nova História da Expansão Portuguesa - O Império africano, 1825-1890. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. ).
  • 3
    A leitura da correspondência dele com o ministério em Lisboa deixa clara a insatisfação e as inúmeras intercorrências que enfrentou nos meses finais (AHU, Angola, Caixa 588).
  • 4
    AHU, Angola, Caixa 588, Representação da Câmara Municipal de Luanda, 05/07/1839. O médico escapou da tarefa, dizendo-se constrangido em ofício de 07/07/1839.
  • 5
    Arquivo do Palácio das Necessidades, Ministério dos Negócios Estrangeiros (Doravante AMNE), Embaixada Portuguesa no Rio de Janeiro, Livro 50, Ofícios reservados, 24/07/1839, fl.4, Joaquim Cesar de Figanière e Morão, ministro residente.
  • 6
    Dados presentes na biografia impressa em 1862 que enaltecia a atuação de Moreira no cargo e focava, sobretudo, no papel dele apoiando a causa liberal NORONHA (1862NORONHA, José Feliciano de Castello Barreto. João Baptista Moreira, Barão de Moreira: esboço biográfico. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1862.).
  • 7
    Tamis Parron analisou a nova política da escravidão (PARRON, 2011PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil - 1826-1865. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.).
  • 8
    Moreira contou o episódio todo em ofício de 10/08/1839, quando afirmou que o “ministro brasileiro Candido Batista está de acordo com Figaniere”. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (doravante ANTT), Caixa 312, MF7336, Corresp. dos Consulados Portugueses no RJ.
  • 9
    O exequatur é uma licença concedida ao encarregado consular para que possa exercer suas funções; ela representa a jurisdição consular, sua sede, e reconhece a qualidade de uma pessoa como cônsul, representante de um Estado estrangeiro.
  • 10
    Vários jornais divulgaram o ocorrido, além de no Parlamento terem discutido o tema, com comunicados oficiais dos ingleses e do ministério. Ver por exemplo: Jornal do Commercio, 24/04/1839; a defesa do navio saiu na edição do dia seguinte, 25/04/1839; Diário do RJ, 25/04/1839 (com ofícios do Ouseley, Candido Baptista de Oliveira e artigo opinativo do redator do jornal); Anais do Parlamento Brasileiro, 1839, 2o vol., Typographia da Viuva Pinto & Filho, 1884, p. 125-126, da sessão de 09/07/1839.
  • 11
    Moreira publicou no dia 24/04/1839 em vários jornais da capital uma nota sobre o episódio, defendendo os portugueses. O governo brasileiro considerou indigna a publicação, Candido Baptista conseguiu a suspensão do exequator de Moreira, oficializada no dia 26/04/1839. Houve pressão para essa suspensão por parte dos diplomatas, sobretudo o inglês. Ver, por exemplo, a notícia no Aurora Fluminense do dia 27/04/1839, p. 3.
  • 12
    O arrazoado da defesa foi publicado no Jornal do Comércio do RJ, 25/04/1839, p. 2. O argumento foi dizer que o proprietário era português, mas não residia no Brasil, comprara o navio no Rio de Janeiro quando estava na cidade por breve período. Além disso, os escravos conformavam um “carregamento legal”, pois vinham de Moçambique, pagaram imposto em Quilimane e dirigiam-se para Angola, com escala no Rio de Janeiro.
  • 13
    A definição é de Joaquim Guedes Alcoforado no relatório que escreveu em 1853 sobre o tráfico ilegal. Enquadra a atuação do “célebre advogado” que era “protegido por altas personagens”, como um dos componentes das renovadas estratégias dos traficantes. Ver a íntegra do documento publicado pelo historiador Thiago Pessoa, além da introdução ressaltando diversos aspectos da fonte (PESSOA, 2018PESSOA, Thiago. A Delação Alcoforado e o comércio ilegal de africanos no Vale do Café: notas de pesquisa. In: XAVIER, Regina C.; OSÓRIO, Helen (org.). Do tráfico ao pós-abolição: trabalho compulsório e livre e a luta por direitos sociais no Brasil. São Leopoldo: Oikos, 2018. p. xx-xx., p. 199).
  • 14
    Beatriz Mamigonian mostrou em análise da amostra de 955 africanos emancipados entre 1834 e 1838, que 82% foram encaminhados para particulares. Essa proporção mudaria depois (MAMIGONIAN, 2017MAMIGONIAN, Beatriz. Africanos livres - a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2017. , p. 100).
  • 15
    Diario do Rio de Janeiro, 11/09/1839, p. 4.
  • 16
    Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 11/10/1839, p. 4.
  • 17
    Diario do Rio de Janeiro, 16/08/1842, p. 4.
  • 18
    ANTT, Caixa 312, MF 7336, Correspondência dos Consulados Portugueses no Rio de Janeiro, 15/03/1839.
  • 19
    Depois do apresamento do Orion em fins de 1835, os governos brasileiro e inglês acordaram que poderiam ser condenados navios negreiros de portugueses desde que fossem residentes no Brasil. A partir de então, passa a ser preferível “para os negreiros mandar sair seus navios como brasileiros, vendê-los ficticiamente em Angola a um associado local e fazê-los regressar com escravos sob bandeira portuguesa. Em África todas essas operações gozavam da mais completa cumplicidade das autoridades portuguesas” (ALEXANDRE, 1991ALEXANDRE, Valentim. Portugal e a abolição do tráfico de escravos (1834-1851). Análise Social, v. XXVI, n. 111, p. 293-333, 1991., p. 298). Esses subterfúgios iam sendo rearticulados. A Inglaterra seguia pressionando para ter direito de busca nos navios de bandeira portuguesa na costa atlântica africana, para isso, aprovaram em Londres o Bill Palmerston em agosto de 1839, desencadeando reação raivosa dos envolvidos no tráfico e uma defesa da “honra nacional” na imprensa portuguesa. Noronha apoiou o Bill em Angola e era um dos motivos de ser odiado. A bandeira portuguesa ia perdendo valor, ficando mais arriscada. Com o tratado de 1842, a Inglaterra revogou esse Bill.
  • 20
    Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 30/01/1828, p. 4.
  • 21
    ANTT, Correspondência dos consulados portugueses no Rio de Janeiro, Caixa 312, MF7336, Ofício de João Baptista Moreira de 06/04/1839. Nessa mesma data, o consulado enviava para Lisboa uma manifestação de apoio a Moreira assinada por uma centena de negociantes portugueses que atuavam na praça do Rio de Janeiro, junto com uma assinada por outra centena de negociantes brasileiros, explicitando suas redes de apoio. Esses abaixo-assinados estão transcritos em NORONHA (1862NORONHA, José Feliciano de Castello Barreto. João Baptista Moreira, Barão de Moreira: esboço biográfico. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1862., p. 69-71).
  • 22
    AMNE, Embaixada Portuguesa no Rio de Janeiro, Livro 50, fl.1, nº 1, ofício de 06/05/1839. Figanière chegou ao Brasil, vindo dos EUA no final de abril. Ficou pouco mais de um ano no cargo.
  • 23
    ANTT, Consulado Geral de Portugal no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício nº 1, de João Baptista Moreira ao Ministro José Joaquim Gomes de Castro.
  • 24
    AMNE, Embaixada Portuguesa no Rio de Janeiro, Livro 50, Ofícios reservados, fl. 4, carta de 24/07/1839. Nessa altura, o ministro era o Barão de Sabrosa.
  • 25
    AMNE, Embaixada Portuguesa, Livro 50, reservados, fl. 8, ofício de 28/09/1839.
  • 26
    Jornal O Despertador, commercial e politico, 07/08/1839, p. 4.
  • 27
    Jornal do Commercio, RJ, 13/02/1840, Sessão Correspondência, Lisboa, p. 1, notícia era sobre a chegada de Moreira àquela cidade.
  • 28
    Barão de Sabrosa vinha de ser ministro e tinha despachado que João Moreira permanecesse no exercício do consulado, cuidando dos serviços internos, dividindo os onerários com o vice-consul. Todavia, o novo ministro Rodrigo da Fonseca Magalhães, em meados de 1840, suspendeu essa ordem. Discurso no Senado, 21/01/1840. Jornal do Commercio, RJ, 22/03/1840.
  • 29
    Diario do Rio de Janeiro, 18/07/1842.
  • 30
    Diario do Rio de Janeiro, 14/10/1842.
  • 31
    ANTT, Correspondência dos consulados portugueses, Pernambuco. Caixa 309, MF3509, Ofício de Joaquim Moreira ao Ministro dos Negócios Estrangeiros Sá da Bandeira, 06/06/1839.
  • 32
    ANTT, Caixa 309, MF3509, Pernambuco, of. 22/06/1839. Como vemos na ótima pesquisa de Aline Albuquerque, o Andorinha desembarcou 650 escravos em 1840, contribuindo para que nos anos de 1840 e 1841 Pernambuco recebesse mais escravos do que a Bahia, e, nessa altura, tinha o pavilhão brasileiro (ALBUQUERQUE, 2016ALBUQUERQUE, Aline E. De Biase. De “Angelo dos retalhos” a visconde de Loures, a trajetória de um traficante de escravos, 1818-1858. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Pernambuco, 2016., p. 64).
  • 33
    ANTT, Caixa 309, MF3509, ofício de Joaquim Moreira, 16/09/1839. Documento também citado por Marcus Carvalho (2014CARVALHO, Marcus. O patacho Providência, um navio negreiro, política, justiça e redes depois da lei antitráfico de 1831. Vária História, Belo Horizonte, v. 30, n. 54, p. 777-806, 2014., p. 802), quando discute a singularidade desse aprisionamento a partir da conjuntura política regional e nacional.
  • 34
    Diário de Rio de Janeiro, 15/08/1842.
  • 35
    ANTT, Fundo Conde de Linhares. Carta de João Baptista Moreira ao 2o Conde de Linhares, D. Victorio. Maço 83, doc. 17. Escrita no RJ, no dia 27/03/1842.
  • 36
    ANTT, Caixa 313, Ofício de 24/07/1843 do cônsul-geral João B. Moreira ao encarregado de Negócios na Corte José de Vasconcelos e Sousa. Dizia que recebeu a posse da repartição, “ficando de nenhum efeito a suspensão ordenada pelo Ministro Residente de S. M. em 24 de julho de 1839”.
  • 37
    O tratado de 03/07/1842 abolia totalmente, sem exceções, o tráfico em todos os domínios portugueses, os navios apresados seriam julgados por comissões mistas, o tráfico ficava tipificado como crime de pirataria e, um dos pontos importantes, admitia que um navio pudesse ser condenado mesmo na ausência dos escravos e dos equipamentos (MARQUES, 1999MARQUES, João Pedro. Os sons do silêncio: o Portugal de Oitocentos e a abolição do tráfico de escravos. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 1999., p. 249-250).
  • 38
    ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 6, 10/05/1844. De fato, Joaquim de Paula Guedes Alcoforado era contratado pelo serviço secreto inglês, foi o principal informante dos ingleses e, depois da lei de 1850, seria também pago pelo governo brasileiro. L. Bethell publicou documento de Palmerston criticando Hudson por ter revelado o nome de Alcoforado ao governo brasileiro em 1851, entregando a identidade do informante (BETHEL, 1976BETHEL, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do tráfico de escravos, 1807-1869. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1976., p. 332). Mas, pelo visto, o informante não era tão secreto, os negreiros sabiam e, em 1844, também o governo português ficou sabendo pelo relato de Moreira. Quem primeiro divulgou o documento, a partir da versão inglesa, foi Roquinaldo Ferreira (FERREIRA, 1995FERREIRA, Roquinaldo A. O relatório Alcoforado. Estudos Afroasiáticos, n. 28, p. 219-229, 1995. ).
  • 39
    ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 6, 10/05/1844.
  • 40
    ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 33, 16/12/1844.
  • 41
    ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 33, 16/12/1844.
  • 42
    ANTT, Consulado Geral no RJ, Caixa 313, Of. nº 3, 16/08/1843.
  • 43
    Sobre a Praieira a bibliografia é vasta, ver o balanço historiográfico e a instigante análise de Carvalho e Câmara (2011CARVALHO, Marcus; CÂMARA, Bruno. A rebelião Praieira. In: DANTAS, Monica D. Revoltas, motins, revoluções - homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX. São Paulo: Alameda, 2011. p. 355-390.).
  • 44
    Arquivo da Marinha, Lisboa. Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor. Ofício do 1º Ten. Comandante Pedro V. da Costa Loureiro Pinho, ao Major General da Armada Barão de Lazarim, a Bordo do Brigue Villa Flor, surto dentro do Recife, 21/12/1848.
  • 45
    Sobre o antilusitanismo na Praieira, ver o excelente artigo de Carvalho (2003CARVALHO, Marcus. Os nomes da Revolução: lideranças populares na Insurreição Praieira, Recife, 1848-1849. Revista Brasileira de História, v. 23, n. 45, p. 209-238, 2003.).
  • 46
    Arquivo da Marinha, Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor, Ofício do comandante, 06/02/1849.
  • 47
    Sobre a trajetória do traficante ver a minuciosa pesquisa de Aline Albuquerque (2016ALBUQUERQUE, Aline E. De Biase. De “Angelo dos retalhos” a visconde de Loures, a trajetória de um traficante de escravos, 1818-1858. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Pernambuco, 2016.).
  • 48
    Sobre o tema, ver o artigo de Oliveira (2020OLIVEIRA, Maria Luiza F. Dimensões do governo colonial em Moçâmedes e suas conexões com o Brasil: trabalho, negócios e conflitos, 1840-1860. Revista Mundos do Trabalho, v. 12, p. 1-27, 2020.).
  • 49
    ANTT, ofício de João Baptista Moreira, 24/07/1839.
  • 50
    ANTT, Consulado Geral no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício nº 2 de J. B Moreira, ao Ministro José Joaquim Gomes de Castro, 16/08/1843.
  • 51
    ANTT, Consulado Geral no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício nº 7 de J. B. Moreira, 20/09/1843.
  • 52
    ANTT, Consulado Geral no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício nº 4 de J. B. Moreira, 22/08/1843.
  • 53
    Diário do RJ, 25/07/1846. Antes do exequator, mandava seus ofícios nos papéis oficiais, timbrados, e assinava como cônsul-geral. A diferença é que, para a atuação com autoridades brasileiras, ou outras autoridades consulares, quem tinha o poder legal era o Ministro residente ou o Chanceler.
  • 54
    Como por exemplo no ofício de 28.08.1844, ANTT, Caixa 313, 1842-1846.
  • 55
    ANTT, Consulado Geral no Rio de Janeiro, Caixa 313, of. nº 31, 20/11/1844. Lisboa mandou responder: “sua excelência estimou saber desta justa decisão posto que tardia fosse”.
  • 56
    ANTT, Caixa 314, Confidencial nº 1, 02/10/1849. Não localizamos a resposta de João Moreira.
  • 57
    ANTT, Caixa 310, MF3515, Pernambuco. Ofício de Joaquim Moreira, 02/05/1850. A lista para Recife tinha 18 nomes além daqueles inclusos na categoria “brasileiros adoptivos”, conforme instrução de Lisboa.
  • 58
    O debate podia ser lido no jornal Diário do Comércio do dia 28/08/1839.
  • 59
    O pedido foi assinado em Lisboa no dia 29/01/1839, menos de três meses depois, no ofício de 27/04/1839, Joaquim Moreira avisava que já tinha enviado tanto os artesãos como as plantas, e lemos a resposta de Sá da Bandeira a lápis, na margem do documento: “aprovar e louvar o zelo, tanto por ter conseguido ajuntar estes homens como pela prontidão das plantas e sementes”. Ofícios no ANTT, MNE, Pernambuco, Caixa 309, MF3509.
  • 60
    Annaes Marítimos e coloniaes, N.4, Lisboa, Imprensa Nacional, fev. 1841, p. 157. Nesse processo, os cônsules eram agenciadores de mão de obra tanto braçal quanto especializada.
  • 61
    Um dos jornais que publicava indignadas matérias era O Grito Nacional, jornal liberal mais radical. Sobre a imigração de portugueses para Pernambuco ver o ótimo trabalho de Bruno D. Câmara (2012CÂMARA, Bruno D. O retalho do comércio: a política partidária, a comunidade portuguesa e a nacionalização do comercio a retalho, Pernambuco, 1830-1870. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de Pernambuco, 2012. ). Sobre o início desse processo, bem como os projetos em disputa e as dificuldades de regulamentação, ver Galvanese (2019GALVANESE, Marina S. Criação e fracasso de um projeto Sá da Bandeira e a tentativa de regulamentar a emigração portuguesa para o Brasil (1835-1843). Varia História, Belo Horizonte, v. 35, n. 69, p. 825-856, 2019.).
  • 62
    AMNE, Consulado de Portugal no Rio de Janeiro, Caixa 539, 1852-1855, Of. 6, João Moreira ao Visconde de Athoguia, 09/02/1854. A bibliografia sobre a imigração portuguesa para o Brasil no XIX é vasta e vem se renovando, foram importantes para esse trabalho Scott (2000VOLPI SCOTT, Ana Sílvia. Uma história de despedidas: a emigração portuguesa para o Brasil (1822-1914). Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, n. 27, p. 29-56, 2000.), Serrão (1980SERRÃO, Joel. A emigração portuguesa para o Brasil na segunda metade do século XIX. In: SERRÃO, Joel (org.) Temas oitocentistas. Lisboa: Livros Horizonte, 1980. v. 1. p. 161-186.) e Pereira (1981PEREIRA, Miriam Halpern. A política portuguesa de emigração (1850 a 1930). Lisboa: A Regra do Jogo, 1981.).
  • 63
    ANTT, Rio de Janeiro, Caixa 314, MF 7337, 31/01/1849.
  • 64
    ANTT, Rio de Janeiro, Caixa 314, MF 7337, 31/01/1849.
  • 65
    ANTT, Rio de Janeiro, Caixa 314, MF 7337, Reservado nº 1, 19/08/1850. Grifo meu.
  • 66
    AMNE, Embaixada Portuguesa no Rio de Janeiro, Livro 50, fl. 11v, nº 9, Ofício de 01/10/1839.
  • 67
    Houve também engajamento de portugueses para a Marinha brasileira feito legalmente, “essa imigração he sustentada e protegida pelo Governo Imperial”, disse Moreira, acrescentando que na chegada de três navios dos Açores com 416 passageiros, a maioria devendo o valor das passagens, 27 foram para o Arsenal da Marinha, 29 foram para o Corpo de Imperiais Marinheiros. Afirmou que os engajados para marinheiros eram quase todos rapazes de 15 anos e tinham contrato de quatro anos. Os demais jovens desembarcados desses navios foram engajados para trabalhar nas estradas da Província do Rio de Janeiro. Vê-se a associação de interesses do governo brasileiro e dos negócios de transporte de mão de obra pelo Atlântico. Foi o primeiro e único relato de Moreira tematizando a exploração dos trabalhadores. Expunha os comandantes Ilhéus tirando o foco do maior fluxo que era o da rota do Porto, além de colocar o governo brasileiro como partícipe. ANTT, Consulado de Portugal no Rio de Janeiro, Caixa 313, Ofício de 25/10/1844.
  • 68
    A Lei de 20/07/1855 renovava a proibição de saída sem passaporte e estabelecia uma série de medidas, como a declaração obrigatória do contrato de trabalho, além de impor como necessária a vistoria do cônsul nos navios antes do desembarque (o que não significava muita coisa, no caso dos Moreira); em 1858, foi publicado um regulamento para transportes dos emigrantes (VOLPI SCOTT, 2000VOLPI SCOTT, Ana Sílvia. Uma história de despedidas: a emigração portuguesa para o Brasil (1822-1914). Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, n. 27, p. 29-56, 2000.).
  • 69
    AMNE, Rio de Janeiro, Caixa 539, reservado, 26/02/1855. Um ano depois, em 1856, o ministério em Lisboa enviou circular proibindo os cônsules de propor pessoas para serem agraciadas com as ordens portuguesas. Caixa 540, Of. 2, 12/01/1856.
  • 70
    Arquivo da Marinha, Lisboa. Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor. Ofício do 1º Ten. Com. Pedro V. da Costa Loureiro Pinho, ao Major General da Armada, 20/02/1849.
  • 71
    Arquivo da Marinha, Lisboa. Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor, Ofício de 20/02/2849.
  • 72
    Arquivo da Marinha, Lisboa. Caixa 469, Brigue de Guerra Villa Flor. Ofício do 1º Ten. Com. Pedro V. da Costa Loureiro Pinho, ao Major General da Armada, 05/04/1849.
  • 73
    O Portuguez, “jornal progressista e pugnador do direito dos portugueses, não entra em questões políticas nem em vidas privadas”. Eram essas as divisas do periódico, que surgiu em abril de 1861, e era publicado duas vezes por semana. Publicava também capítulos sobre a história de Portugal e folhetins. O proprietário e redator, até 1864, era Manoel Gomes Pereira Martins Rios, profissional liberal, incumbia-se de “apelações cíveis, crimes e comerciais”, como se lê em anúncios; era apoiado por José Antonio Gonçalves Barbosa, dono de uma casa de pasto na rua da Misericórdia, que escrevia também na grande imprensa contra Moreira. Em 1861, Barbosa foi preso por estar implicado em uma falência ocorrida em 1858, ato que o jornal O Portuguez atribuiu à represália do cônsul, pois a polícia entrou na casa de Barbosa e recolheu inúmeros documentos que serviriam de prova para o pedido de uma sindicância contra o cônsul. Agradeço a Wagner Melo de Carvalho pela descoberta dos redatores.
  • 74
    Diário do Rio de Janeiro, RJ, 21/07/1861, p. 2.
  • 75
    Diário do Rio de Janeiro, RJ, 21/07/1861, p. 2
  • 76
    Jornal do Commercio, RJ, 01/10/1861, p. 1. Foi a atriz Antonia Marquelou que recitou um poema que emocionou o cônsul e motivou as flores. Várias versões sobre o fato foram publicadas.
  • 77
    Correio Mercantil, RJ, 19/10/1863. O decreto era datado de 25/08/1863.
  • 78
    Diário do Rio de Janeiro, RJ, 27/01/1824.
  • 79
    Segundo Manolo Florentino, Moreira era um ativo negreiro já nos anos 1820 (FLORENTINO, 1997FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico atlântico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX). São Paulo: Cia das Letras, 1997., p. 254).
  • 80
    Diário Fluminense, n. 77, 07/04/1826. Uma descrição minuciosa da “mui elegante iluminação, em cujo centro se via o Retrato de S.M. o Imperador...” foi publicada.
  • 81
    No Recife, quem recebeu os “imigrados que alli passavao, servindo a justa cauza de Sua Magestade” foi Arsênio Pompilio de Carpo que tinha cumprido degredo em Angola e viajado para Pernambuco. Foi importante traficante em Angola. A informação era trazida para embasar pedido dele por Hábito da Ordem de Cristo AHU, Caixa 587, Of. 23/02/1838 (foi deferido em janeiro de 1840, como se lê na margem do documento).
  • 82
    Grande parte das informações do parágrafo vieram da biografia impressa em 1862 (NORONHA, 1862NORONHA, José Feliciano de Castello Barreto. João Baptista Moreira, Barão de Moreira: esboço biográfico. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1862.).
  • 83
    Jornal do Commercio, RJ, ed. 29, 17/10/1835, p. 2.
  • 84
    Diario do Rio de Janeiro, RJ, 25/05/1844.
  • 85
    O Album Semanal: chronologico, litterario crítico e de modas (RJ), Domingo, 18/07/1852, o baile tinha sido na terça feira dia 6 de julho.
  • 86
    O Album Semanal: chronologico, litterario, critico e de modas (RJ), Domingo, 11/01/1852.
  • 87
    Diário de Pernambuco, Recife, ed. nº 194, p. 2, 30/08/1847. O baile nos salões do Hotel Francisco foi organizado por Joaquim Moreira, o traficante Angelo Carneiro e Miguel José Alves (aliado de Carneiro).
  • 88
    Semana Ilustrada, n. 168, fev. 1864. A descrição do concerto veio na ed. 174, abril 1864.
  • 89
    Correio Mercantil, RJ, 05/06/1862, primeira página, “Portugal, camara dos Deputados, sessão de 3 de maio de 1862” - o debate foi transcrito nessa e em outras edições.
  • 90
    Correio Mercantil, RJ, 24/05/1862.
  • 91
    Jornal do Commercio, RJ, 04/06/1862, em coluna “Correspondência do Jornal do Commercio”, na primeira página (assinada no Porto, no dia 11/05/1862). Grifo meu.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Dez 2020
  • Aceito
    04 Abr 2021
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