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Além do Tempo: Transfigurações Conceituais da Resistência Alemã ao Nazismo

Beyond Time: Conceptual Transfigurations of German Resistance to Nazism* * Este texto é fruto de discussões promovidas na disciplina FLH5405-1 - “Resistência como Categoria Política e Memória Histórica”, ofertada no PPGHS da Universidade de São Paulo (USP) com o professor Marcos Napolitano, a quem agradeço a parceria e confiança.

RESUMO

No presente artigo são feitas reflexões sobre a resistência alemã contra o nacional-socialismo, suas possibilidades e ações. A base historiográfica e o debate conceitual estão centrados particularmente na historiografia alemã (em especial da Alemanha Ocidental e reunificada) sobre os processos e sobre as formas de resistência contra o regime hitlerista que podem ser observadas naquele período. Para além do caráter histórico das resistências, apresenta-se algumas das principais controvérsias e problemáticas específicas do tema que estão também, inerentemente, ligadas a uma certa memória do período que se constrói, particularmente, a partir de 1967.

PALAVRAS-CHAVE:
nazismo; resistência; resistência não-violenta; historiografia; memória

ABSTRACT

In this paper, reflections are made about the German resistance against national-socialism, its possibilities and acts. The historiographical basis and the conceptual debate are particularly focused on German historiography (especially on the West and reunified German) on the processes and on the forms of resistance against Hitler’s regime that can be observed in that period. In addition to the historical character of the resistances, some of the main controversies and specific issues of the theme are presented, which are also inherently linked with a certain memory of the period that has been under construction, particularly since 1967.

KEYWORDS:
nazism; resistance; nonviolent resistance; historiography; memory

Nada há nada mais indigno de uma nação civilizada do que se permitir ser governada por uma camarilha irresponsável que se rendeu aos instintos mais baixos.

(Primeiro Panfleto da Weiβe Rose, junho de 1942)

A resistência alemã ao nazismo, apesar da grande quantidade de textos publicados, certamente não está entre os temas mais trabalhados da historiografia do regime. Isso não é particularmente excepcional, visto que o nazismo já foi tido como o tema mais trabalhado da historiografia mundial e a variedade de temáticas que o perpassa continua a crescer (SOLCHANY, 2011SOLCHANY, Jean. Nazisme. In: DELACROIX, C. et al. Historiographies II - Concepts et Débats. Paris: Gallimard , 2011. p. 1103-1118.). Mas se torna um ponto de reflexão especialmente quando colocamos na balança os estudos sobre a resistência em outros países, particularmente na França e na Itália.** ** Sem qualquer possibilidade de esgotar em uma nota a referência a esses estudos, deixo apenas os já clássicos estudos de Paxton (1972) e de Rousso (2013), e também Suleiman (2019) e Rollemberg (2016). Nesse sentido, um olhar sobre essa história, sobre a produção historiográfica alemã, sua dimensão conceitual e sobre os próprios modos de resistir ao nazismo surgem como uma necessidade para se compreender, também, uma certa história da memória do regime.

É determinante que a historiografia da resistência alemã, especialmente aquela produzida e herdada da Alemanha Ocidental (RFA), tenha uma aproximação episódica com a temática, eventual, iluminando antes eventos e ações individuais e pontuais do que sentimentos e movimentos coletivos. Nesse sentido, talvez seja interessante iniciar esse artigo com uma breve descrição de um dos casos mais conhecidos de resistência ao regime nazista dentro da Alemanha, o caso da “Rosa Branca”, e em especial dos irmãos Scholl. Esse caso é escolhido não apenas por sua representação no pós-guerra, mas principalmente por sua representatividade no recorte transversal da história. Ele não apenas demonstra quão longe o regime hitlerista podia ir ao empreender a repressão, mas também mostra as políticas da memória da resistência de forma particular, além de conter, em seu aftermatch, exemplos ideal-típicos do processo de desnazificação e da função dos tribunais como expurgadores da história ou redentores da memória. Iniciamos com ele por ele suscitar as questões pertinentes à primeira metade desse artigo, na qual exploraremos a resistência alemã em seus aspectos filosóficos, políticos e historiográficos, além de discutirmos a definição de resistência a ser empregada na Alemanha da primeira metade da década de 1940. Na segunda metade, outras formas e casos serão discutidos e relatados. Nenhum deles, entretanto, eleva a reflexão como o caso da Rosa Branca.

Para falar da Rosa Branca e de sua forma de ação, é necessário resgatar o ambiente universitário na era nazista, sua composição e atuação política. Não há como não lembrar aqui, mesmo sem qualquer paralelo histórico, do estudo de Rodrigo Patto Sá Motta (2014MOTTA, Rodrigo Patto Sá. As universidades e o Regime Militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. 448 p.) sobre as universidades brasileiras durante o Regime Militar. Nele, o historiador discute a universidade brasileira durante a Ditadura Militar e vislumbra uma lei da acomodação, antes da aceitação completa ou da resistência de seus quadros ao regime autoritário. É um assunto pertinente e um tanto quanto desconfortável para muitos professores e funcionários ainda hoje na ativa, um desconforto que vem desde o primeiro manuscrito a colocar o dedo nessa ferida. Já no processo de abertura, no ano de 1979, uma iniciativa uspiana expôs, de forma crua, essa realidade. O Livro Negro da USP*** *** Agradeço ao avaliador 1 deste texto pela indicação da inspiração portuguesa dessa iniciativa uspiana. De fato, uma Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista foi estabelecida em Portugal em 1977, dois anos antes do surgimento do livro da USP. , uma iniciativa coletiva dos professores, remontou os processos institucionais através dos quais funcionários foram demitidos, aposentados ou simplesmente perseguidos pelo regime (ADUSP, 1979ADUSP. O livro negro da USP: o controle ideológico na universidade. São Paulo: Brasiliense, 1979. 76 p.).

Esse processo de acomodação é apenas parcialmente, de fato, minoritariamente verificado na Alemanha no início da década de 1930. Na verdade, dois processos precisam ser destacados na análise dessa nazificação da universidade. O primeiro é a tomada do espaço público das universidades pela confrontação ideológica permanente verificada durante a República de Weimar. Nesse processo, nenhum agrupamento foi mais eficiente do que a Associação Nacional dos Estudantes Nazistas (Nationalsozialistische Deutsche Studentenbund - NSDStB). Já a partir de 1928 era visível sua presença dominante nas principais universidades do país, promovendo uma agenda repressiva e de violência contra qualquer visão de mundo que não se adequasse àquela promovida pelo NSDAP (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães) (TITZE, 1989TITZE, Hartmut. Hochschulen. In: LANGEWIESCHE, Dieter; TENORTH, Heinz-Elmar (ed.). Handbuch der deutschen Bildungsgeschichte. Band V - Die Weimarer Republik und die nationalsozialistische Diktatur. München: C. H. Beck, 1989. p. 209-240.). Essa violência se estendia aos professores, perseguidos e humilhados pelos militantes. Entretanto, enquanto a onda marrom crescia, a grande influência do conservadorismo, das ideologias völkisch e do revanchismo de guerra dava as caras na micro-sociedade elitista das universidades alemãs. Uma das poucas exceções foi a Escola Superior Alemã de Política (Deutsche Hochschule für Politik), de Berlim, instituição que viria a se tornar, no pós-guerra, o Instituto Otto-Suhr de Ciência Política. Em meio ao ambiente cada vez mais alinhado com o discurso conservador e extremista da Academia alemã, o compromisso da instituição com a Democracia se destacou (MIELKE, 2008MIELKE, Siegfried (org.). Einzigartig - Dozenten, Studierende und Repräsentanten der Deutschen Hochschule für Politik (1920-1933) im Widerstand gegen den Nationalsozialismus. Berlin: Lukas, 2008.).

De forma geral, entretanto, o processo de ocupação ideológica nazista foi bem-sucedido, encontrando pouca resistência, mesmo entre aqueles que tinham alguma reserva à ideologia. Mas mesmo esses eram suscetíveis a cooptação do regime. O enredo do filme Um Homem Bom (Good)**** **** Trata-se de Good. Dir. Vicente Amorim. Miromar, Reino Unido e Alemanha. 2008. 96 min. , no qual um acadêmico é gradativamente enredado no aparato ideológico nazista através das benesses que são concedidas a ele e seu trabalho pelo regime, é um retrato bastante semelhante à situação vivida por centenas de professores e pesquisadores nos primeiros anos do período regido pelo NSDAP. É nesse período que essa segunda haste da pinça de dominação se fundamenta. Por meio de políticas institucionais de seleção política, o cerco se fecha definitivamente a qualquer divergência no campo universitário. Com a determinação de demitir qualquer docente ou pesquisador que tivesse se engajado em atividades “antinacionais”, o regime conseguiu enxugar ideologicamente os campi. Além da expulsão dos judeus, estima-se que cerca de 420 posições tenham sido cassadas pelos nazistas nos dois primeiros anos do regime (GRÜTTNER, 1995GRÜTTNER, Michael. Studenten im Dritten Reich. Paderborn: Schöningh, 1995. 556 p.). Uma nova geração de jovens professores ganha assim uma oportunidade ao substituir aqueles afastados, professores esses que já passavam pela triagem ideológica (GRÜTTNER, 2005GRÜTTNER, Michael. German Universities under the Swastika. In: CONNELLY, John; GRÜTTNER, Michael (org.). Universities under Dictatorship. University Park: Pennsylvania Unipress, 2005. p. 75-112.). Ou seja, com o movimento estudantil de base por um lado e a instrumentalização institucional da seleção dos docentes de outro, o regime visava garantir, se não um completo alinhamento ideológico (Gleichschaltung), ao menos a passividade necessária para empreender o aparelhamento.

Essa composição ideológica da universidade é uma constante nos primeiros anos do regime, em especial até 1940, quando mesmo com a guerra, a ideologia e os ânimos nacionais viviam seu momento de maior euforia. Entretanto, com a virada na guerra e a crise que se aproximava, o criticismo em relação ao regime começa a crescer***** ***** Sublinha-se o verbo, crescer, pois, como os estudos da História do Cotidiano na Alemanha, liderados por Alf Lüdke (1995), e o projeto liderado por Martin Broszat sobre a opinião pública na Bavária no período nazista demonstram, a pretensa uniformidade e satisfação total que a propaganda nazista alastrava, estava longe de ser verificada na prática. Ver também o livro de Ian Kershaw (1983), parte integrante do projeto de Broszat. , ainda em cores tênues. Em 1942, quase dez anos após a ascensão dos nazistas, uma geração completamente diferente de estudantes ocupava os bancos universitários, e aquela organização estudantil de massas que tomou as universidades de assalto nos últimos anos da República de Weimar já havia perdido a dinâmica característica, não se configurando mais como um movimento. Dessa forma, alguns poucos espaços que começaram a surgir permitiam a composição de grupos de discussão e, em alguns casos, de oposição ativa ao regime. É nessa configuração que a Rosa Branca surgiu na Universidade de Munique.

A composição completa do grupo da Rosa Branca é desconhecida, uma vez que ele não tinha uma organização centralizada nem mantinha atividades regulares ou registros detalhados. Mesmo o nome do grupo, de acordo com o depoimento de Hans Scholl, foi escolhido de forma aleatória. Mas o núcleo do grupo era composto por cinco estudantes, todos na casa dos 20 anos, e contava também com um professor da universidade, Kurt Huber. Dentre os estudantes, a centralidade dos irmãos Scholl (Hans e Sophie) não era perceptível, sendo muito mais uma construção posterior no imaginário alemão do que uma questão de liderança - foram eles os primeiros a serem presos e executados.

A ação da Weiβe Rose pode ser dividida em duas fases. Em ambas, a ação era voltada para o esclarecimento da elite de Munique sobre a situação do país, e era empreendida em forma de panfletos políticos. No total foram seis panfletos. Na primeira fase, entre junho e julho de 1942, os textos eram escritos, como caracterizou Wolfgang Benz,

Em uma linguagem patética, com muitas citações da literatura clássica e com apelos moralistas cristãos, (e) clamavam por uma resistência passiva contra a guerra criminosa do regime de Hitler. (...) Seu idealismo e compromisso incondicional para com a humanidade faziam a resistência dos estudantes de Munique algo convincente. (BENZ, 2014BENZ, Wolfgang. Der Deutsche Widerstand gegen Hitler. Frankfurt am Main: C. H. Beck, 2014. 127 p., p. 48-49).

Na segunda fase das ações da Rosa Branca, que ocorreu entre novembro de 1942 e fevereiro de 1943, a linguagem dos dois panfletos impressos mudou completamente. Isso evidencia a maior participação de Kurt Huber em sua composição, o que garantiu um discurso mais direto e com um conteúdo mais programático. O clamor pela resistência passiva era agora substituído pela resistência armada, uma mudança que acompanhava a derrota iminente que se evidenciara após a batalha de Stalingrado. No sexto e último panfleto, podia-se ler:

Para nós, existe apenas um slogan: lute contra o partido! Saia da organização partidária, que é usada para manter nossas bocas seladas e nos manter em uma servidão política! Saia das salas de aula dos cabos e sargentos da SS e dos lambedores de botas do partido! Nós queremos um aprendizado genuíno e uma real liberdade de opinião. Nenhuma ameaça pode nos aterrorizar, nem mesmo o fechamento das instituições de ensino superior. Essa é a luta de cada um de nós por nosso futuro, nossa liberdade e nossa honra sob um regime consciente de sua responsabilidade moral. [...] A morte de Stalingrado nos implora para que tomemos alguma atitude. “Vamos, vamos, meu povo, deixemos que a fumaça e o fogo sejam o nosso sinal!” Nosso povo está pronto para se rebelar contra a escravidão nacional-socialista da Europa em uma nova descoberta fervorosa da liberdade e da honra. (WEISSE ROSE, 1943WEISSE ROSE. Kommilitoninnen! Kommilitonen! VI. Flugblatt der Weisse Rose. 1943. Disponível em: https://www.weisse-rose-stiftung.de/widerstandsgruppe-weisse-rose/flugblaetter/vi-flugblatt-der-weissen-rose/ . Acesso em: 1 ago. 2020.
https://www.weisse-rose-stiftung.de/wide...
).

A temática da situação do ensino e da universidade deixa clara a consciência da dominação ideológica e da esterilidade política e reflexiva do campo acadêmico e intelectual. Hannah Arendt denunciou essa mesma inoperância dos intelectuais subordinados ao partido em termos muito semelhantes àqueles que ela empregou para descrever Eichmann, o burocrata irreflexivo. Em suas palavras:

Essa nova classe de intelectuais que, enquanto literários e burocratas, acadêmicos e cientistas, não menos do que críticos e entertainers... provaram mais de uma vez em tempos recentes que são mais suscetíveis ao que quer que seja chamado de “opinião pública” e menos capazes de julgarem por si mesmos do que quase qualquer outro grupo social. (ARENDT, 2001ARENDT, Hannah. European Humanism and the Jewish Catastrophe: Hannah Arendt’s Answers to Questions Discussed in a Maariv Round Table, in: Zeitschrift für politisches Denken, v. 4, n. 1, p. 11-14, abr. 2001. , p. 13).

As ações empreendidas pela Rosa Branca, a publicação e distribuição de panfletos, se direcionavam a dois objetivos: um geral, de convocar a população a resistir, e um específico, de denunciar a situação da universidade alemã e do suposto campo de pensamento e reflexão. Mas ainda que defendessem o combate aberto contra o Terceiro Reich, ainda que defendessem a universidade e a liberdade de expressão, as mensagens do grupo não eram exatamente libertárias ou progressistas. De fato, elas eram bastante carregadas de um conservadorismo de base religiosa e nacionalista. Isso transpareceu de forma ainda mais clara no julgamento de Kurt Huber, cujo discurso de defesa estava pleno de vocabulário völkisch. Isso coloca a Rosa Branca em uma condição bastante específica no espectro geral da resistência alemã, sendo ela essencialmente uma ação estudantil, conservadora e elitista.

O grupo encontrou seu fim no pátio interno da universidade, quando o zelador da instituição, Jakob Schmid, flagrou os irmãos Scholl carregando uma quantidade do sexto panfleto para distribuição. Os irmãos foram imediatamente detidos por Schmid, que os entregou à Gestapo. Em apenas quatro dias, em um processo relâmpago, os dois irmãos foram julgados, sentenciados à morte e executados. A execução, em especial, ganhou contornos simbólicos: o guilhotinamento, separando corpo e mente dos acusados, demonstrava que o regime não toleraria desvios da Gleischaltung, da ação e do pensamento conformes à ideologia do Estado.

Mas a história da Rosa Branca ainda ganhou um epílogo ao final da guerra. Com a derrota alemã e a instituição do processo de desnazificação pelos aliados, os julgamentos de criminosos de guerra e de crimes contra o povo alemão tiveram início. Jakob Schmid foi um dos vários acusados e julgados nesse processo, tendo recebido uma condenação de cinco anos de trabalhos forçados, em 1946. Seu julgamento ganhou ampla cobertura dos meios de comunicação, contribuindo assim para os esforços de desnazificação e também para a criação de certa mística sobre os irmãos Scholl.

Sobre a criação desse mito, a última linha do último panfleto dá pistas da fundamentação dessa imagem. “Nosso povo está pronto para se rebelar contra a escravidão nacional-socialista da Europa em uma nova descoberta fervorosa da liberdade e da honra.” Uma nova descoberta fervorosa da liberdade e da honra. Essa é a chave para o engrandecimento dos atores individuais nesse contexto dado pela Rosa Branca. Se os irmãos Scholl, os primeiros a serem inculpados e criminalizados por esse discurso, decidem agir politicamente contra um sistema totalitário, buscando a transformação de seu espaço, é porque estavam dispostos a morrer por essa transformação. No caminho, não se pode negar, buscam também a honra, aquela “glória imperecível” (VERNAT, 2009VERNANT, Jean-Pierre. Entre mito & política. São Paulo: Edusp, 2009. 520 p., p. 407) a que os gregos chamavam timē. Suas mortes, nas mãos dos inimigos e levadas a cabo de forma tão simbólica, acabaram sendo, aos olhos da memória, a “boa morte” da batalha, da luta contra a tirania. Não se pode negar, pelos discursos de seus panfletos, que os membros da Rosa Branca estavam conscientes da possibilidade desse destino, e o enfrentaram assim mesmo.

Mas a grande questão que se abre ao pensarmos tais atos, ou ações eminentemente políticas como essas, reside na compreensão da natureza do regime nazista. A discussão sobre a estrutura repressiva do Estado hitlerista, o cerne da ideia de Totalitarismo, mas principalmente o lugar do terror nesse ambiente e o que motivava alguém a confrontar essa estrutura e atmosfera e demonstrar coragem civil, impor-se na arena pública contra uma ordem que buscava calar, a todo custo, quaisquer vozes discordantes.

A questão da natureza do Totalitarismo do regime hitlerista se impõe aos historiadores quando pensamos a resistência alemã. O próprio conceito, antes de esclarecer, é tomado de diferentes formas por diferentes autores, e muitas vezes questionado com bases em premissas falhas ou generalizações. Isso porque o Totalitarismo não se refere simplesmente ao domínio completo das instituições e do aparato burocrático, nem ao emprego da força extrema e repressiva contra sua população. O Totalitarismo, tomado enquanto conceito-fetiche ideal-típico, engloba tudo isso, mas vai além ao se propor, como Claude Lefort (2002LEFORT, Claude. Thinking with and against Hannah Arendt. Social Research - An International Quarterly, v. 69, n. 2, p. 447-459, jun./ago. 2002., p. 447-459) já descreveu, a “dominar e aterrorizar seres humanos a partir de seu interior”. É nesse sentido que a educação, a propaganda, o líder carismático, em conjunto com o domínio burocrático, a repressão da polícia secreta e a imposição do terror, agem por e pela ideologia. Esse é, possivelmente, o ponto mais crítico na argumentação da estrutura da sociedade nazista e sua relação com a ideologia promovida por Ian Kershaw, em referência a Martin Broszat (KERSHAW, 1987KERSHAW, Ian. The Hitler myth: image and reality in the Third Reich. Oxford: Oxford UniPress, 1987. 320 p.). Seu foco está nas instituições, fugindo da etereidade que caracteriza a ideologia, e separando um espaço idealizado e consensual do culto ao Führer do espaço “temporal”, “mundano da vida cotidiana, caracterizada pelo conflito” (McELLIGOTT; KIRK, 2003McELLIGOTT, Anthony; KIRK, Tim. Introduction. In: McELLIGOTT, Anthony; KIRK, Tim (ed.). Working towards the Führer. Manchester: Manchester Unipress, 2003. p. 1-14., p. 3). É claro, em seus termos, ou seja, com o foco nas instituições, a ideia de unidade totalitária se abre em dúvidas, dentre as quais as duas principais, defendidas por Kershaw, são a figura do líder fraco e a da concorrência estrutural entre Estado e Partido. Entretanto, mesmo Kershaw sublinha a importância da ideologia - ou ao menos de sua imagem de ideologia - ao apresentar a proposição de uma imagem-guia, em sua expressão do working towards the Führer (trabalhando para/em direção ao Führer). Segundo esse princípio, mesmo que as estruturas não sejam unificadas (o que pode ser posto em dúvida quando lemos com cuidado o trabalho de Heinz Höhne (2008HÖHNE, Heinz. Der Orden unter dem Totenkopf. München: Bassermann, 2008. 608 p.), que descreve como o Exército e a SS paulatinamente se unificam, em uma tendência de toda a organicidade dos aparatos de Estado e partidário), e mesmo que Hitler tenha sido um líder inseguro (o que também pode ser contraposto com a ideia da estratégia de multiplicação administrativa proposta por Arendt (2000ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.), o princípio ideológico guiando as ações (institucionais e individuais) no regime está presente. A estrutura dual do regime nacional-socialista se resolve no topo, na imagem-guia do Führer, pilar soberano e encarnação da ideologia nazista.

Se tomamos a ideologia e esse Führerprinzip como as bases do regime totalitário, amparados pela violência e pelo terror, percebemos a dificuldade de pensarmos a resistência a essa força opressora em termos não maniqueístas. Isso porque o risco de exagerarmos e concebermos uma impossibilidade completa de resistência só não é mais perigoso do que aquele de tomarmos essa repressão como um exagero de historiadores e de testemunhas, um olhar que flerta perigosamente com a normalização do regime hitlerista. Pensar a resistência, portanto, apesar dessa dificuldade, se mostra um caminho privilegiado para a reflexão sobre a violência do regime nazista e a condição da sociedade alemã naquele momento. É nesse sentido também que o caso da Rosa Branca e dos irmãos Scholl se mostra emblemático, uma vez que ele nos revela:

1) A condição desfigurada da antiga direita alemã já em 1940, que de um entusiasmo relativamente generalizado com as políticas nazistas passa a acondicionar críticas e mesmo projetar um futuro apartado do nacional-socialismo. A Rosa Branca evidencia a existência de uma resistência separada da esquerda militante, e mais do que isso, uma resistência que não está restrita à elite liberal, diplomática, militar ou religiosa, mas que se infiltra já nos agrupamentos de matriz völkisch, ou seja, nos antigos redutos mais alinhados aos nazistas.

2) A existência de focos de um conflito geracional, um ponto que muitos estudos negligenciam ao abordarem apenas o processo da Gleichschaltung ou casos típicos de alinhamento. Um exemplo recente é o trabalho de Wendy Lower (2014LOWER, Wendy. As mulheres do nazismo. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. 288 p.). Nele, a educação nazificada e o ambiente que favorecia o alinhamento são mostrados em casos bastante emblemáticos, em um estudo voltado para a análise da ocupação dos territórios conquistados no leste. Mas como Sophie Scholl demonstra, não são todas as garotas de 20 anos que sonham em casar ou constituir família na Polônia.

3) A natureza descentralizada, desorganizada e esfacelada da grande maioria dos grupos de resistência na Alemanha nazista. O fato de apenas cinco membros serem apontados como a base do grupo, de suas ações serem orquestradas de forma errática e sem longos planejamentos, além de terem uma proposta generalista concentrada apenas no combate ao regime mostram a dificuldade de se organizar um grupo ou ações de resistência. O regime, para além de seu aparato repressor e estrutura de vigilância constante, contava com a predisposição da população em delatar os inimigos do Estado. Aqui, mais uma vez, um reflexo da imagem provida pelo líder carismático: a imagem ideal de Hitler leva à crença de que a delação seria a ação correta. O working towards the Führer, na mesma medida que a apreensão causada pelo terror, age na conformação das atitudes.

4) A eficácia e a brutalidade do regime na repressão aos resistentes. Não apenas os membros da Rosa Branca foram presos e condenados por divulgarem seus panfletos na cidade de Munique, mas todo o trâmite e a execução ocorrem em menos de uma semana. O simbolismo da execução por decapitação na guilhotina também chama a atenção, uma vez que são suas mentes, i.e., suas cabeças que não pertencem à sociedade nazista. Apartá-las do corpo significa também apartá-las do corpo da sociedade, deixando claro para aqueles que souberam do caso as consequências de atos semelhantes.

5) Por fim, o caso da Rosa Branca abre uma perspectiva de análise e estudo das políticas da memória sobre a resistência alemã, a forma como aquelas ações são honradas pela História (e aqui, mais uma vez, retomamos a ideia da “boa morte” e da honra da luta). A honra civil que circunda a ação do grupo dos irmãos Scholl recebe, através de sua monumentalização, uma aura expurgatória. Como o historiador americano Jay Winters (2014WINTERS, Jay. Sites of memory, sites of mourning. Cambridge University Press, 2014.) bem coloca, “o trauma é democrático, ele escolhe todos os tipos de pessoas em sua devastadora passagem”. O trauma da experiência nacional-socialista, a violência do Estado (consentida, até certo grau, pela população, como demonstram Peter Longerich (2007LONGERICH, Peter. Davon haben wir nichts gewusst: Die Deutschen und die Judenverfolgung 1933-1945. München: Pantheon, 2007. 448 p.) e Hans-Ulrich Wehler (2003WEHLER, Hans-Ulrich. Deutsche Gesellschaftsgeschichte: vom Beginn des Ersten Weltkrieges bis zur Gründung der beiden deutschen Staaten (1914-1949). München: C. H. Beck , 2003.), e a experiência limite do Holocausto (possibilitada por uma conjunção de fatores, desde a conivência de largos estratos da sociedade com o Antissemitismo oficial até a aceitação da desumanização dos judeus, passando pela brutal impessoalidade da violência burocrática) atinge a toda a sociedade alemã. Esse trauma, antes de ser puramente de luto ou tristeza, abrange também a vergonha e a culpa. Esse caráter na construção da memória é bastante novo e possibilita essa memória de culpabilização, que, em verdade, tem um sentido duplo: de culpabilização mas também de desculpabilização, uma vez que ao reconhecimento do crime segue-se o reconhecimento do próprio reconhecimento, em um processo circular que garante à população uma forma de catarse da memória.

A partir dessas considerações específicas sobre o caso da Rosa Branca, que levantaram elementos pertinentes para o debate sobre a resistência na Alemanha durante o período nazista, podemos passar para uma abordagem mais direta acerca do fenômeno da resistência e pensar as suas especificidades no Terceiro Reich. O que é resistência deve ser a nossa primeira questão, já que essa definição possibilitará a análise das ações que podem ser ou não caracterizadas como tal. A relevância do conceito não é, de forma alguma, negligenciável. Afinal, como alerta Isaiah Berlin (1937BERLIN, Isaiah. Contributions to symposium: induction and hypothesis. Proceedings of the Aristotelian Society, v. 16, p. 63-102, 1937. Disponível em: https://isaiah-berlin.wolf.ox.ac.uk/sites/default/files/2020-08/Bib.20-IBO%20-%20Induction%20and%20Hypothesis.pdf . Acesso em: 1 ago. 2020.
https://isaiah-berlin.wolf.ox.ac.uk/site...
, p. 102), os conceitos são elementos importantes em nossas construções de saberes e discursos, e seu exame detido serve

[...] ao propósito de descobrir se, tendo eles sucesso em suas funções comunicativas, tendem a exibir ou obscurecer algumas características através das quais um tipo de fato difere do outro, ou, alternativamente, sugerir falsamente a existência de distinções que a inspeção direta da experiência falha em revelar. (BERLIN, 1937BERLIN, Isaiah. Contributions to symposium: induction and hypothesis. Proceedings of the Aristotelian Society, v. 16, p. 63-102, 1937. Disponível em: https://isaiah-berlin.wolf.ox.ac.uk/sites/default/files/2020-08/Bib.20-IBO%20-%20Induction%20and%20Hypothesis.pdf . Acesso em: 1 ago. 2020.
https://isaiah-berlin.wolf.ox.ac.uk/site...
, p. 102).

A citação de Berlin demonstra que a confusão que surge ao pensarmos a resistência não é, de forma alguma, um problema específico desse conceito. Se pensarmos a história e as relações políticas como uma luta incessante pelo poder, independente de grupos ou indivíduos, poderemos abranger praticamente toda relação dessa natureza como uma constante tensão entre dominantes e dominados, o que leva, inevitavelmente, à ideia de que um dos lados exerça resistência (ROTH, 2006ROTH, Klaus. Recht auf Widerstand? Ideengeschichtliche und Philosophische Perspektiven. Studien zu Grund- und Menschenrechten. Heft. 12. Potsdam: Uni Potsdam, 2006. p. 7-54.). Ainda, dependendo da perspectiva do observador e do vetor da relação, a resistência pode ser apreendida enquanto um conceito progressista ou conservador, ou seja, em situações de jugo social, econômico ou político, normalmente de longa duração, as ações voltadas à emancipação podem ser caracterizadas como progressistas; mas em casos de domínio recente, a luta pela retomada das condições anteriores é essencialmente uma luta conservadora, pois o ideal da luta é, em si, a conservação da sociedade nos moldes anteriores à conquista e/ou dominação.

Movimentos de resistência surgem a partir da constatação e contra uma forma de dominação julgada pelos resistentes como sendo ilegítima, atuando no desgaste de sua autoridade com vistas a um retorno a um estado prévio ou a uma nova ordem social, teoricamente mais justa e legítima - e aqui, junto da libertação, o mito da idade de ouro passada pode pesar, especialmente em domínios de longa duração - (GIRARDET, 1990GIRARDET, Raoul. Mythes et Mythologies politiques. Paris: Gallimard, 1990. 210 p.). Não pode haver resistência sem um ponto de partida histórico que proveja elementos imaginários e subjetivos que sustentem a luta da resistência. Quando esses elementos estão localizados no futuro, i.e., são providos por uma ideologia e concorrem diretamente com a autoridade dominante, é mais complicado de caracterizar a luta como resistência ou como um embate no campo político entre dois grupos concorrentes. Algumas características da dominação podem ajudar-nos na tarefa, como o grau de liberdade da sociedade, o emprego da violência contra a população, entre outros. Sem um enquadramento conceitual que delimite minimamente a resistência no campo do político, chegaremos novamente ao ponto descrito acima da generalização conceitual, na qual tudo pode ser classificado como resistência, e, assim sendo, nada o é.

Essa confusão conceitual se torna exemplar quando pensamos o caso da resistência alemã. A falta de organização centralizada, a temporalidade das ações de resistência e as múltiplas formas passíveis de serem classificadas como resistências fazem desse conceito um desafio para os historiadores.

Como estabelecer o ano de 1933 como o marco inicial da resistência, quando a ação cada vez mais violenta e ideologicamente orientada dos nacional-socialistas fez vítimas muito antes do “evento” da ascensão de Hitler ao poder? O caso descrito da Rosa Branca já nos deu uma prévia desse panorama com a atuação da liga de estudantes nazistas nos campi universitários já cinco anos antes de 1933. Uma das vítimas mais proeminentes das pressões exercidas por esses grupos é o professor de Estatística da Universidade de Heidelberg Emil Julius Gumbel (1931GUMBEL, Emil Julius. “Lasst Köpfe rollen” - fascistische Morde 1924-1931. Berlin: Liga für Menschenrechte, 1931. 23 p.), que, dois anos antes da ascensão nazista ao poder, escreveu uma brochura intitulada “Que Rolem as Cabeças - Assassinatos Fascistas 1924-1931”, em que denunciava as mortes causadas pela violência militante nazista (BENZ, 2008BENZ, Wolfgang; PEHLE, Walter (org.). Lexikon des deutschen Widerstandes. Frankfurt am Main: Fischer, 2008. 430 p.). Como resultado, foi denunciado como antinacionalista e perseguido, tendo cassado seu cargo universitário. Theodor Lessing, filósofo, teve destino semelhante, emigrando para Praga onde, em 1933, foi assassinado. São dois exemplos que apresentam a violência e o alcance da repressão nazista antes mesmo de sua ascensão ao poder de fato. A influência do radicalismo de direita, em especial o nazista, sobre algumas estruturas sociais e de poder nesse período prévio promoveu um efetivo controle ideológico sobre campos sociais bem específicos, mas em especial sobre o aparato burocrático de diferentes instituições.

Diante desse retrato, é legítima a pergunta: é possível falar de resistência ao nazismo antes da ascensão de Hitler, em janeiro de 1933, ou, antes, tratava-se de um campo aberto, onde os confrontos ideológicos proporcionavam vitórias e derrotas de todos os lados? Um ponto a ser ainda levantado é a qualidade, ou seja, as formas de se empreender a resistência. Durante a ditadura, duas das formas de resistência não violenta possíveis são a não colaboração e a recusa a aceitar determinações do regime ou governo opressor. Mas é possível falar dessas modalidades de resistência antes da ascensão? A não colaboração, nesse caso, não seria mera complacência em relação às ações violentas e discriminatórias empreendida pelos nazistas? E finalmente, para que um ambiente seja passível de sofrer a resistência de uma população, é necessário que todas as modalidades sejam possíveis de serem empreendidas e sejam reconhecidas como resistência? Se a não colaboração não pode ser considerada resistência naquele ambiente pré-1933, os protestos, as denúncias e as batalhas campais que tomavam as ruas na República de Weimar podem ser considerados? Não seria assim a natureza mesma da dominação de outra estirpe?

As respostas para essas questões metodológicas não podem ser fáceis. Na frieza da negativa se perde toda compreensão das ações e do modus operandi fascista e da direita radical, dos meios de opressão, coerção e subjugação que são empreendidos antes do poder de fato e mesmo em seus primórdios. O caráter extremista do movimento, sua busca pela eliminação - física, inclusive - de seus opositores, do sistema democrático, da república, além da violência empregada, são elementos que não podem deixar de ser levados em conta quando pensamos a resistência. Entretanto, só podemos realmente falar de resistência quando existe uma autoridade, uma força superior de dominação a ser combatida. O aparelhamento da burocracia de órgãos estatais e universitários é certamente um desses casos. A resistência ao exercício de um poder é o elemento central a ser analisado na definição do conceito. Christoph Klessmann definiu a resistência alemã como “qualquer tentativa consciente de derrubar ou confrontar o regime nazista”, e Wolfgang Benz (2014BENZ, Wolfgang. Der Deutsche Widerstand gegen Hitler. Frankfurt am Main: C. H. Beck, 2014. 127 p., p. 10) completou: “com a consciência das consequências advindas dessa ação”.

É dessa forma que Wolfgang Benz, um historiador da geração nascida durante a guerra, pesquisador do antissemitismo e do preconceito, vê no conceito de resistência uma significação alargada, necessariamente inclusiva, que abrange todos os casos de ações opositoras e de negação ao regime, desde que tais ações sigam a premissa da consciência da oposição e da consequência que poderiam advir dessa ação. Em outras palavras, Benz está falando de uma ação política consciente, que se proponha o enfraquecimento ou mesmo o esfacelamento do regime hitlerista, não importando o motivo ou a força propulsora. Ao enfocar essa premissa, o ex-professor da Universidade Técnica de Berlim está dando ênfase ao caráter exemplar da ação histórica, daquilo que, no caso da Rosa Branca, classificamos como “aquela glória imperecível a que os gregos chamavam time” (VERNANT, 2009VERNANT, Jean-Pierre. Entre mito & política. São Paulo: Edusp, 2009. 520 p., p. 409, grifo nosso). A consciência da possível retaliação, do pagamento com a própria vida por uma ação que é, em seu efeito e intento, coletiva e histórica, é uma característica justa e de reconhecimento, mas no mínimo complicada para o historiador tomar como base em seu julgamento. Como se dimensiona a intenção da oposição, a consciência da possível retaliação? A não ser em grandes gestos, em ações orquestradas e comprovadamente planejadas, a resistência individual se perde nessa definição. A pessoa que não cumprimentava com o habitual “Heil Hitler” estava promovendo resistência?****** ****** Devemos aqui, talvez, pensar com Vaclav Havel e sua ideia de viver na verdade. Trabalhadores que não desempenhavam sua função no máximo de sua potencialidade estavam resistindo? Jovens que fugiam do alistamento militar resistiam? A definição de Benz é facilmente aplicável ao caso da Rosa Branca ou dos atentados contra Hitler, mas e esses casos de menor impacto e de pouca visibilidade, deixam de ser potencialmente resistência por não se poder comprovar sua intenção oposicionista?

Seguida dessa definição mais geral e generalista de Benz, o autor faz uma distinção em mais dois subgrupos de possíveis formas de expressão crítica ao regime nazista. O primeiro reúne as diferentes formas de recusa a se enquadrar na ordem propagada pelo regime, o que ele define como “defesa individual contra as pretensões de dominação do Estado total e autoafirmação de grupos” (WOLFGANG BENZ, 2014BENZ, Wolfgang. Der Deutsche Widerstand gegen Hitler. Frankfurt am Main: C. H. Beck, 2014. 127 p., p. 10). A negação da conformação surge então como uma ação que responde a uma determinação de foro íntimo, a uma questão de identidade (individual ou coletiva). Ela opera em um plano moral, no qual a honestidade com sua própria consciência se mostra o leitmotiv da ação. Talvez o caso mais emblemático para esse tipo de resistência seja o acobertamento de judeus quando das buscas e apreensões nazistas. As árvores plantadas na avenida dos justos das nações do mundo são o reconhecimento a essa fibra moral de pessoas não-judias que reconhecessem nos judeus a humanidade necessária para desafiar as autoridades, proteger os perseguidos e resistir à ordem da entrega. Aqueles que escondiam judeus das autoridades nazistas podiam receber punições diversas, dependendo da região do “delito”. Na Holanda, por exemplo, aqueles que protegeram a família de Anne Frank foram presos, um deles foi condenado a trabalhos forçados. Na Polônia, a realidade era ainda mais severa, e a punição era a pena de morte. O Yad Vashem, memorial israelense da Shoah, homenageia aqueles que se arriscaram de alguma forma e auxiliaram judeus a sobreviver à perseguição. Conta hoje com mais de 25.000 casos homenageados. Dentre eles, a nacionalidade que mais figura é justamente a polonesa, com mais de 6.500 indivíduos, seguida pela holandesa (5.400) e a francesa (3.800). Os alemães somam pouco menos de 600 casos de auxílios. Mesmo o Brasil surge na lista com dois casos: Luis Martins de Sousa Dantas e Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, ambos reconhecidos por suas ações de facilitação para a obtenção de vistos para o Brasil em favor de judeus em fuga, mesmo depois da circular secreta 1.127 (ver TUCCI CARNEIRO, 2010TUCCI CARNEIRO, Maria Luiza. Cidadão do mundo: o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifascismo (1933-1948). São Paulo: Perspectiva, 2010. 480 p.). Todos esses casos, não apenas de alemães nativos, mas de todos aqueles que estavam, de alguma forma, sob sua autoridade ou influência, seriam considerados por Benz como casos de negação à conformação.

O segundo subgrupo definido por Benz seria o da oposição, a qual ele caracteriza como indivíduos ou grupos que detinham uma diferença fundamental para com os nazistas, mantendo uma atitude de afronta mais evidente e ideologicamente orientada. O grupo da Rosa Branca surge aqui mais uma vez como um exemplo de oposição juvenil, mas as ações de militantes comunistas, socialistas, socialdemocratas ou mesmo dos militares se enquadram igualmente nessa categoria. O caso mais conhecido hoje é o do coronel Claus von Stauffenberg e seu grupo de conspiradores (ver MOMMSEN, 2008MOMMSEN, Hans. Germans against Hitler: The Stauffenberg Plot and Resistance under the Third Reich. London: Tauris, 2008. 329 p., e KERSHAW, 2009KERSHAW, Ian. Luck of the Devil: the story of Operation Valkyrie. New York: Penguin, 2009. 166 p.). O elemento central dessa categoria é a motivação ideológica. Assim, ainda que as ações, quando bem-sucedidas, tivessem um desdobramento benéfico para a coletividade, não era a empatia ou um imperativo puramente moral que motivava a resistência oposicional, mas um conjunto de ideias ou imperativos político-ideológicos ou, no caso do Exército, técnico-militares. A motivação assim, se é que podemos falar dessa forma, se descola do indivíduo, da humanidade, do coletivo e passa para a estrutura, a abstração das ideias ou a tecnicalidade da guerra, frequentemente unindo ambas as motivações. Como ressalta Denise Rollemberg (2019ROLLEMBERG, Denise. Valquírias: Memórias da Resistência Alemã ao Nazismo. Niterói: Editora Universidade Federal Fluminense, 2019. 280 p., p. 47), “Entre as elites alemães, tratava-se de derrubar o Estado identificado ao regime criminal, belicista e totalitário, para fundar um Estado autoritário que nada tinha a ver com o da República de Weimar (1919-1933)”.

Com essa classificação, Benz pretende unificar com maior clareza classificações anteriores e clássicas da historiografia alemã. O tema da resistência gerou debates intensos entre acadêmicos, em especial nas décadas de 1970 e 1980, momento em que toda a dinâmica político-social alemã durante a Segunda Guerra Mundial era pensada e repensada sob o prisma dos questionamentos da geração de 68 e no lastro da História do Cotidiano (Alltagsgeschichte), que lança seu olhar às pequenas ações do dia-a-dia na ditadura hitlerista e se pergunta quando o normativo tem sua quebra com o (extra)ordinário e quando o (extra)ordinário passa a ser histórico. Essa renovação da historiografia alemã acerca da resistência é bastante significativa, uma vez que aquela produzida entre 1945 e 1970 se presta antes a criar mitologias fundacionais do que pensar a historicidade e a especificidade da resistência. Como descreve Denise Rollemberg,

No contexto de ocupação do país pelos países vencedores, historiadores imbuídos de “um grande élan moral e com um engajamento político intenso”, seja “uma vontade científica” sejam “motivos patrióticos”, procuravam opor-se à tese da “culpabilidade coletiva” que marcou o período. No “espírito da resistência” da outra Alemanha, seria construída a “nova Alemanha”, eis o lastro político da valorização da resistência ao regime no próprio país. (ROLLEMBERG, 2019ROLLEMBERG, Denise. Valquírias: Memórias da Resistência Alemã ao Nazismo. Niterói: Editora Universidade Federal Fluminense, 2019. 280 p., p. 34).

É, portanto, nas décadas seguintes, entre fins da década de 1960 e meados da de 1980, quando essa geração nascida na guerra e na ocupação do país chega a sua maturidade e a geração anterior responde e tenta explicar aquela conjuntura, que surgem as principais definições mais elaboradas de resistência alemã e seus primeiros estudos mais aprofundados.

Duas teorias da resistência se destacam na historiografia alemã desse período e vão delimitar as transmutações do conceito: a de Martin Broszat, que viria a se tornar hegemônica até a classificação de Benz, e a de Richard Löwenthal, que, apesar de bastante coerente, cai em certo obscurecimento. Martin Broszat foi possivelmente o primeiro grande historiador alemão a se debruçar sobre o nazismo no pós-guerra, tendo sido por anos o diretor do Institut für Zeitgeschichte, o instituto de História Contemporânea ou de História do Tempo Presente, em Munique. Certamente a instituição mais conceituada em sua área, o instituto se consagrou, no período de direção de Broszat, por desenvolver pesquisas basilares sobre o nacional-socialismo, sobre o cotidiano sob o regime nazista, pesquisas que modificaram completamente a compreensão que temos da Alemanha no período hitlerista. Dentre seus herdeiros, destaca-se Ian Kershaw, talvez hoje, junto de Richard Evans, o principal historiador do Terceiro Reich em atividade. Todo debate que ainda hoje persiste sobre a temática conta com alguma contribuição de Broszat e seu círculo.

Em sua contribuição sobre o tema da resistência alemã, as proposições e preocupações de Broszat (1981BROSZAT, Martin. Resistenz und Widerstand. In: BROSZAT, Martin; FRÖHLICH, Elke (org.). Bayern in der NS-Zeit. Munique: IfZ, 1981. p. 691-709.) eram semelhantes às de Benz hoje - o que torna estranha a crítica de Benz a uma classificação que, como ele coloca, é típica da década de 1980. Broszat faz a mesma questão fundamental, ou seja, como diferenciar ações de combate político daquelas ações “civis”, muitas vezes individuais, e que se definem pela consciência pessoal, não necessariamente pela oposição política estrutural. Em sua reflexão, o historiador de Munique oferece uma sugestão que se tornaria hegemônica por quase duas décadas na historiografia alemã. Ele coloca que as ações de cunho político, que se voltam ao combate do regime em termos ideológicos, deveriam carregar o conceito Widerstand, enquanto as ações de “não-conformidade da sociedade”, manifestadas das mais diferentes formas, mas que não tinham o caráter de oposição política, ou seja, não ambicionavam minar o regime em busca de sua derrubada, receberiam o nome de Resistenz. Tal dicotomia, apesar de largamente empregada, foi bastante criticada por, em primeiro lugar, promover uma diferenciação simplista entre políticos e apolíticos - o que, em muitos círculos, significa alienados -, em segundo lugar, por um suposto caráter amenizador do conceito, que tiraria de foco a violência intrínseca ao regime nazista, e, em terceiro lugar, pela falta de praticidade e de especificidade dos conceitos escolhidos, uma vez que Resistenz é simplesmente a forma latinizada da palavra alemã Widerstand.

Por outro lado, como Kershaw (1999KERSHAW, Ian. Der NS-Staat. Geschichtsinterpretationen und Kontroversien im Überblick. Hamburg: Rowohlt, 1999. 416 p.) salienta, a importância da conceituação proposta por Broszat está não na diferenciação entre políticos e apolíticos, mas sim na percepção dos efeitos (Wirkung) dessa resistência exercida. Esse é o sentido derradeiro e mais pronunciado dessa classificação, algo que se perde em meio à politização do debate que marca as décadas de 70 e 80. O próprio Kershaw (1983), em seus estudos, tende a utilizar o termo dissenso em lugar de Resistenz. Por sua vez, Detlev Peukert, com base em diferentes trabalhos sobre a temática da resistência (PEUKERT, 1981PEUKERT, Detlev. Der Deutsche Arbeiterwiderstand gegen das Dritte Reich. Berlin: IZB, 1981. 68 p., 1987PEUKERT, Detlev. Inside Germany: conformity, opposition and racismo in everydaylife. New Haven: Yale UniPress, 1987., 1988PEUKERT, Detlev. Die Edelweisspiraten: Protestbewegungen jugendlicher Arbeiter im Dritten Reich. Köln: Bund-Verlag, 1988. 246 p.), propõe um avanço dessa classificação, englobando outras formas de diferenciação nas ações alemãs, em uma espécie de gradação da força de oposição. Em sua proposta, Peukert apresenta quatro formas básicas de resistência (ainda que o termo em si seja relegado ao estágio mais avançado): 1) não-conformidade, que engloba pequenas (in)ações que recusam a normatização do regime, mas que não o afrontam diretamente (como seria o caso do não-uso da saudação nazista); 2) recusa, uma forma mental e moralmente mais consciente de não-conformidade, sendo uma expressão aberta (e com certo grau de percepção por parte do regime e mesmo de visualidade) mas passiva de resistência; 3) protesto, que ultrapassa o caráter de passividade e demonstra um grau de ação e de performatividade, mas ainda sem um confronto violento com o aparato repressor do regime; e 4) resistência, aí sim, com o vetor da violência e da confrontação direta, voltada à derrubada do regime.

A discussão conceitual prossegue com as considerações do cientista político Richard Löwenthal (1982LÖWENTHAL, Richard. Widerstand in totaler Staat. In: LÖWENTHAL, Richard; MÜHLEN, Patrik (org.). Widerstand und Verweigerung in Deutschland - 1933 bis 1945. Berlin: J.H.W. Dietz, 1982. p. 11-24.), ele mesmo um resistente ativo, membro do grupo Neu Beginnen. Para Löwenthal, a classificação de Broszat é fundamentalmente benéfica, uma vez que promove pela primeira vez uma distinção entre aqueles que visavam realmente à derrubada do regime hitlerista e aqueles que não concordavam com aspectos específicos do regime, mas que não manifestavam uma oposição fundamental a ele. Entretanto, o aspecto simplista dicotômico e a nomenclatura foram levantados como aspectos falhos dessa classificação, levando o cientista político a apresentar uma nova proposta para a análise da resistência alemã ao Nazismo, mais ampla e, ao mesmo tempo, com um cuidado maior quanto à especificidade das ações:

  1. Oposição Política Aberta (politische Opposition): Löwenthal descreve o primeiro grupo de resistentes como oposicionistas políticos. Ele justifica essa caracterização contra alguns autores que, como já foi levantado, não acreditam poder considerar a oposição política como resistência, mas como luta pelo poder. As considerações do autor levantam a justificativa da composição político-social que se fecha sobre a paisagem política alemã desde antes da ascensão de Hitler. O KPD (Partido Comunista Alemão) foi proibido antes de 1933 e foi violentamente perseguido, chegando a conclamar uma resistência antes mesmo da implantação da ditadura hitlerista. O SPD (Partido Social-Democrata Alemão), então o maior partido alemão, lutou nos primeiros anos ainda para manter sua legalidade antes de ser engolido pelas manobras nacional-socialistas. Também alguns sindicatos se propuseram, desde o início, a empreender uma resistência política ativa. Para essas ações, voltadas a uma confrontação político-ideológica contra a ideologia e a ação nacional-socialista e que buscava a derrubada de suas estruturas e regime, Löwenthal dedica uma categoria específica na sua classificação.

  2. Protesto social (gesellschaftliche Verweigerung): o segundo grupo apontado pelo autor faz referência aos protestos, de diferentes formas, vindos de grupos e espaços sociais que não seriam caracterizados como ideológicos ou políticos. O autor define essas ações como formas de conflito entre a autoridade (Herrschaft) e a sociedade (Gesellschaft), e o efeito desses protestos ou ações independe da intenção política ou apolítica na origem do ato. A diferenciação interna dessa categoria se dá entre ações institucionais e ações individuais. A possibilidade dessa diferenciação evidencia que algumas instituições podiam manter certo grau de autonomia frente ao princípio totalizante do regime (LÖWENTHAL, 1982LÖWENTHAL, Richard. Widerstand in totaler Staat. In: LÖWENTHAL, Richard; MÜHLEN, Patrik (org.). Widerstand und Verweigerung in Deutschland - 1933 bis 1945. Berlin: J.H.W. Dietz, 1982. p. 11-24.). Entre as instituições que gozavam dessa prerrogativa, ao menos em certo grau, o autor destaca a Igreja, o Exército e a Burocracia. Nenhuma delas, entretanto, pode ser configurada como instituições de resistência, nem se pode falar que suas ações foram continuadas. A burocracia, por exemplo, possibilitava que algumas ordens fossem ignoradas ou desvirtuadas, ou mesmo que indivíduos fizessem algumas operações contrárias ao ditado pelo regime. O Exército vivenciou momentos em que o Führerprinzip foi questionado, e antes de ações individuais de generais, esses questionamentos foram possíveis pela força e pela natureza da instituição. Assim, a recusa de von Paulus de seguir lutando em Stalingrado, por exemplo, pode ser vista como uma forma de protesto contra a natureza suicida do regime. Mas é bastante óbvio que a conspiração liderada por Stauffenberg é o exemplo mais acabado de como era possível, em uma parcela do Exército, promover o sentimento de descontentamento e organizar uma ação complexa visando a derrubada do regime.

As Igrejas, entretanto, são apontadas como os grandes exemplos de instituições que puderam, de alguma forma, resistir às determinações do regime hitlerista. Os motivos para isso partem de duas direções distintas. Por um lado, as igrejas eram pontos nevrálgicos da sociedade alemã, e intervenções do governo sobre elas poderiam desencadear ações com possibilidade de desestabilização, em especial nos primeiros anos do governo do NSDAP. Por outro lado, as igrejas eram instituições tradicionais e com uma organização e centralização bastante consolidadas, o que facilitava seu isolamento político e sua ação independente. Quando os nazistas tentaram pela primeira vez implementar o programa de eliminação dos doentes mentais, foram as igrejas, em especial as evangélicas, que se opuseram, promoveram protestos e conseguiram fazer o Estado recuar em suas intenções.

Há que se levar em consideração também a variação das ações de resistência no interior das igrejas conforme se evoluía a tendência totalizante do regime. Nesse processo, verifica-se o abrandamento das ações institucionais e ganham destaque as ações individuais, como aquelas do pastor Bonnhoeffer, fundador da Igreja Confessional e opositor de primeira hora da Deutsche Christen. A chamada Guerra das Igrejas, mais do que uma luta por fieis, foi uma luta pela autonomia do campo religioso em um Estado cada vez mais totalizado.

Além disso, atividades juvenis podem ser enquadradas nessa categoria, ações, como aquelas da Rosa Branca, voltadas à denúncia do regime no campo específico da universidade, ou mesmo cidadãos que enfrentavam as determinações do regime e ouviam programas de rádio estrangeiros ou auxiliavam perseguidos políticos. Nos dizeres de Löwenthal, “tais ações são talvez a maior comprovação de que a coragem civil frente a uma ditadura totalitária ganha qualidades políticas, mesmo quando ela não mostra qualquer objetivo político determinado” (LÖWENTHAL, 1982LÖWENTHAL, Richard. Widerstand in totaler Staat. In: LÖWENTHAL, Richard; MÜHLEN, Patrik (org.). Widerstand und Verweigerung in Deutschland - 1933 bis 1945. Berlin: J.H.W. Dietz, 1982. p. 11-24., p. 22). Denise Rollemberg (2019ROLLEMBERG, Denise. Valquírias: Memórias da Resistência Alemã ao Nazismo. Niterói: Editora Universidade Federal Fluminense, 2019. 280 p.), ao abordar a memória que se apresenta no Memorial da Resistência Alemã de Berlim, aponta, com perspicácia, que a exposição original, de 1968, e a atual, renovada em 1989, guardam diferenças de ênfase notáveis, particularmente o foco nos militares (conservadores), na versão de 1968, e nos civis que ajudaram no resgate de vítimas do nazismo, na versão atual. É interessante notar que essa nova visão cumpre uma missão agregadora - trata-se, afinal, de uma “nova” Alemanha unificada - mas não enfatiza o confronto direto com o nazismo. Ambas as exposições estariam focadas, nesse sentido, em memórias de protestos sociais, não na oposição.

  1. Dissidência de visão de mundo (weltanschauliche Dissidenz): nessa divisão, Löwenthal procura classificar os exemplos de resistência de pensamento frente ao nacional-socialismo que partiam de alguma base humanista em suas reflexões, mas que se ocupavam, em termos políticos, de pensar o futuro democrático alemão. Trata-se de uma categoria um tanto cinzenta, feita para acomodar os casos que não se encaixam nas categorias anteriores. A dissidência de visão de mundo comporta principalmente autores com bases “conservadoras, nacional-revolucionárias ou mesmo completamente apolíticas” e estavam voltados para a formação de um consenso democrático contra o regime hitlerista. Kurt Schumacher, Ernst-Reuter e Willy Brandt são exemplos desse grande movimento de dissenso, que pouco ou nenhuma organização centralizada atingiu.

Frente a essa classificação das diferentes formas de resistência estipulada por Löwenthal, Karl Filser (1999FILSER, Karl. Dissidenz, Resistenz, politischer Protest… zum Widerstandsbegriff in der deutschen Historiographie der Nachkriegzeit. Jahrestagung der Internationalen Gesellschaft für Geschichtsdidaktik, Kreisau, p. 96-106, 1999.) as resumiu da seguinte forma: 1) Oposição Política: resistência contra o monopólio do domínio pelo NSDAP; 2) Protestos sociais: resistência contra o monopólio de organização pelo NSDAP; 3) Dissidência de visão de mundo: resistência contra o monopólio de informação pelo NSDAP. Tais classificações, não é demais sublinhar, se referem às ações de alemães no interior da Alemanha durante o período de dominação nazista. As ações de alemães no exterior, sejam elas ligadas aos esforços do SPD ou do KPD, sejam iniciativas individuais ou de grupos independentes, acabam por cair sempre na classificação de oposição política. Suas características específicas devem também ser levantadas.

O regime nazista motivou vários alemães a emigrarem para o exterior, seja por serem abertamente perseguidos pela Gestapo, seja por não concordarem com a ideologia dominante e os métodos do regime. Essa emigração precisa, entretanto, ser problematizada, uma vez que ela foi efetuada majoritariamente por dois tipos bem definidos de cidadãos: os judeus, por ameaças abertas a suas vidas, e uma minoria, economicamente bem situada ou com algum nível de conexão no exterior, e os opositores políticos. Tais emigrações, é ainda preciso levantar, eram quase sempre iniciativas individuais ou de grupos de apoio. O Estado Alemão preferia eliminar seus opositores a permitir que saíssem de suas fronteiras. Quando esses conseguiam alcançar o exílio, o expediente que o regime nazista costumava utilizar, especialmente com os casos mais proeminentes, era do da retirada da cidadania alemã desses indivíduos. Alguns dos casos mais famosos de Ausbürgerung são os de Willy Brandt, Bertold Brecht, Albert Einstein, Hannah Arendt, Thomas Mann e Kurt Tucholsky.

Mas ainda que esse movimento em direção ao exílio fosse uma iniciativa de opositores ao regime, não houve uma tentativa de fundação de um governo alemão no exílio, como ocorreu, por exemplo, com a França. Isso ocorre por três motivos principais, o primeiro é que nenhum grupo ou partido possuía a legitimidade necessária esperada para fundar esse governo no exterior. A percepção de que a ditadura nazista era um efeito colateral do regime democrático era bastante difundida, o que levava a muitos grupos - como os nacionalistas conservadores ou os socialdemocratas - a se mostrarem tardios em suas ações de resistência (muitas vezes, movidos por um sentido obtuso de legalidade) e a se concentrarem muito mais no planejamento do day after do hitlerismo, mas não a se apresentarem como representantes legítimos dos alemães no exterior (MOMMSEN, 2003MOMMSEN, Hans. Beyond the Nation State: the German resistance against Hitler, and the future of Europe. In: McELLIGOTT, Anthony; KIRK, Tim (ed.). Working towards the Führer. Manchester: Manchester Unipress, 2003. p. 246-259., 2008MOMMSEN, Hans. Germans against Hitler: The Stauffenberg Plot and Resistance under the Third Reich. London: Tauris, 2008. 329 p.). O segundo ponto necessário a se levar em conta é a falta de unidade entre os vários grupos e, principalmente, a falta de organização centralizada para a representação. Se o SPD possuía a melhor organização da resistência no exterior, o KPD a tinha no interior da Alemanha, e apenas na metade da Segunda Guerra essas facções perceberam a necessidade da união das esquerdas no combate ao nazismo. Mas mesmo com a aproximação, não há unidade completa nem em torno do futuro da Alemanha nem em torno da representação no exterior. Essa é, fundamentalmente, a diferença entre as resistências de países ocupados - nos quais a França é o principal exemplo - e a resistência de países dominados por uma ditadura nacional.

A terceira questão a ser sublinhada é a falta de incentivo dos países aliados ao desenvolvimento de uma resistência no país e a descrença frente aos vários movimentos de resistência no exterior. Nesse sentido, Pauline Elkes (2003ELKES, Pauline. Assessing the ‘other Germany’: the Political Warfare Executive on public opinion and resistance in Germany, 1943-45. In: McELLIGOTT, Anthony; KIRK, Tim (ed.). Working towards the Führer. Manchester: Manchester Unipress, 2003. p. 224-245.) apresenta uma visão abrangente do posicionamento da Inteligência Inglesa frente às possibilidades de resistência. Em alguns momentos existiu uma percepção real dos ingleses de que um movimento de resistência se configurava, mas não era forte ou confiável o suficiente para receber o apoio maciço do governo inglês. Esses dados, entretanto, acabam de vez com o mito de que a oposição ao nazismo não existia ou de que a resistência era feita “sem o povo”, como dizia um senso comum do pós-guerra.

Apesar de todos esses pontos, os alemães no exterior formaram um grupo, ainda que não coordenado, de imenso valor simbólico no período e após, quando tiveram também papel em discussões e na reconstrução dos dois países que resultariam da derrota alemã na Segunda Guerra Mundial. Mas a resistência no exterior teve um papel muito pequeno na composição de uma memória******* ******* Não sendo alvo central deste ensaio, referenciamos que as políticas da memória acerca da resistência alemã, em especial aquelas relativas à Alemanha Ocidental e à sua continuidade na Alemanha unificada, encontraram na tese de titularidade de Denise Rollemberg (2019) uma análise que coloca em evidência, para além da historiografia, a constituição dos memoriais e dos lugares de memória dedicados à resistência na Alemanha. dessa luta contra Hitler e os nazistas, sendo as ações internas, i.e., no interior da Alemanha, que ganharam proeminência nesse campo.

Conclusão

A ideia de uma resistência alemã foi muito sedutora nos anos que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial, particularmente nas décadas de 50 e 60. Mas o estudo histórico desse fenômeno acaba demonstrando que, ainda que os exemplos sejam vários, a eficácia dessa resistência jamais chegou perto de existir. Um dos principais motivos para isso, como vimos, foi a opressão da ditadura sobre quaisquer focos de resistência. O segundo motivo seria a falta de unidade e organização unificada, o que levava as ações a serem facilmente desbaratadas e os vários pequenos núcleos a serem descobertos e abafados.

Essa falta de unidade levou, por exemplo, Wolfgang Benz (2014BENZ, Wolfgang. Der Deutsche Widerstand gegen Hitler. Frankfurt am Main: C. H. Beck, 2014. 127 p., p. 11) a verificar uma flutuação no “núcleo duro” da resistência, a qual tem sua razão no deslocamento do descontentamento, em diferentes graus e intensidades, e de diferentes grupos sociais em relação ao regime hitlerista. Assim, para Benz, a primeira fase da resistência seria aquela do movimento trabalhador e dos grupos ideologicamente voltados à oposição ao regime. Além do KPD e do SPD, alguns sindicatos podem ser apontados como protagonistas desse período. Nessa fase, a coordenação centralizada em organizações já existentes e, especialmente, de esquerda é perceptível, assim como a existência de bases de apoio no exterior, especialmente na República Tcheca. A repressão, entretanto, foi bastante dura, e nos dois primeiros anos do regime nazista são esses agrupamentos de esquerda que sofrerão o maior peso da perseguição policial e do terror. Quando a segunda fase desponta, aquela que Benz classifica de resistência da elite burguesa (baseada principalmente na proteção de perseguidos e protestos silenciosos), o ímpeto dos grupos da primeira fase já estava há tempos contido, e suas principais ações se desenvolviam no exílio. A terceira fase, a dos militares, diplomatas e burocratas, surge apenas nos últimos meses do regime, quando esses grupos já não conseguem ver a possibilidade de ganhos com a manutenção dos nazistas no comando do Estado - uma resistência que foi, muitas vezes, classificada de oportunista e de moral falha.

Centrada principalmente no evento de 20 de julho de 1944, o atentado contra Hitler promovido pelos militares do grupo em torno do coronel Stauffenberg, a memória da resistência na Alemanha Ocidental serviu, de certa forma, de apoio ao processo de desnazificação. Isso porque, ao se comprovar que houve atos e ações orquestradas para a oposição ao regime, demonstra-se a possibilidade de redenção da nação. Essa redenção, antes de servir à reflexão, é a catarse a que ela se presta. Nesse processo, a identidade dessa nova sociedade é formatada, e na ponta de lança dessa memória e dessa monumentalização da resistência estão os militares de 20 de julho e os estudantes da Rosa Branca, essencialmente movimentos conservadores e elitistas. Isso diz muito sobre a sociedade que se formava e seu contexto. Em meio à Guerra Fria, era apenas natural que toda a resistência e os movimentos contestatórios promovidos por comunistas, sindicalistas e mesmo algumas ações de social-democratas fossem relegados ao esquecimento. A nova república era capitalista, democrática e conservadora. Em um momento em que se promovia um discurso que essencialmente equiparava a ditadura nazista com a ditadura comunista - em um processo que Wolfgang Wippermann (2009WIPPERMANN, Wolfgang. Dämonisierung durch Vergleich: DDR und Drittes Reich. Berlin: Rotbuch, 2009. 128 p.) caracterizou como de “demonização pela equiparação” -, alinhar-se com Stauffenberg e os irmãos Scholl parecia um atestado de boa conduta para os cidadãos do país. A Alemanha que nascia sob a batuta de Adenauer não podia reconhecer a importância dos alemães que estavam do outro lado do muro.

É claro que movimento análogo seria verificado no lado Oriental. Lá, toda ação que tivesse partido do KPD era lembrada com ares de heroísmo, enquanto manifestações como a Rosa Branca não encontravam ressonância na historiografia local. A fundação de um imaginário essencialmente comunista para a DDR (República Democrática Alemã) passava obrigatoriamente pela sua própria história pregressa. Ver o fascismo como uma decorrência lógica do capitalismo tornava a imagem do país Ocidental mais facilmente assimilável enquanto inimigo. Seria encarada como uma escolha a localização geográfica do cidadão ocidental, e uma dádiva conquistada pelos heróis da resistência a vida na DDR.

Mas é a partir do reconhecimento pela historiografia alemã ocidental das ações da esquerda como uma questão central nos estudos da resistência, conjugado com o surgimento da História do Cotidiano (Alltagsgeschichte - ver, p.e., LÜDTKE, 1995LÜDTKE, Alf (org.). The history of everyday life. Princeton: Princeton Univ. Press, 1995. 336 p.) e as observações lançadas sobre as ações e gestos do “alemão comum” no período do Terceiro Reich, que as reflexões aqui apresentadas se problematizam, i.e., na própria fundamentação do conceito de resistência que ocorre na década de 80. Rompimentos com a normatização intencionada do regime, pequenos gestos de silenciamento ou resistência não violenta, proteção de perseguidos políticos, são ações públicas que ganham apelo na produção historiográfica e demonstram um aprofundamento da ideia, i.e., do conceito de resistência, mas também seu alargamento. O efeito catártico que a primeira onda de estudos da resistência promovia (com foco na nobreza dos atos extraordinários e da ação heroica) passa a uma consciência da variedade de ações possíveis e, também, no maior peso da responsabilidade (pessoal e coletiva) que se engendra. Isso porque não são os atos de heroísmo aberto (e de nenhuma eficácia contra um sistema totalitário) que estão em foco, mas as ações possíveis e de eficácia limitada. A desobediência civil passa a ter uma nova dimensão, mais próxima, e, com isso, uma consciência de responsabilidade também se forma - uma consciência que será plenamente apropriável por um país (re)unificado.

Ainda que tenha influenciado memórias e (re)construções de identidades, a especificidade da resistência a movimentos e regimes autoritários, em especial o nazismo, ainda rende debates e questionamentos. Essa constante reconstrução conceitual e historiográfica é parte, emprestando a expressão de Peter Reichel (2001REICHEL, Peter. Vergangenheitsbewältigung in Deutschand: die Auseinandersetzung mit der NS-Diktatur von 1945 bis heute. München: Beck, 2001. 252 p.), da segunda história do nacional-socialismo, uma história que nos perpassa ainda hoje e que é palco permanente de lutas e refundações de memórias.

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NOTAS

  • *
    Este texto é fruto de discussões promovidas na disciplina FLH5405-1 - “Resistência como Categoria Política e Memória Histórica”, ofertada no PPGHS da Universidade de São Paulo (USP) com o professor Marcos Napolitano, a quem agradeço a parceria e confiança.
  • **
    Sem qualquer possibilidade de esgotar em uma nota a referência a esses estudos, deixo apenas os já clássicos estudos de Paxton (1972PAXTON, Robert. Vichy France: Old Guard and New Order (1940-44). New York: Knopf, 1972. 438 p.) e de Rousso (2013ROUSSO, Henri. Vichy: L’événement, la mémoire, l’histoire. Paris: Gallimard, 2013. 746 p.), e também Suleiman (2019SULEIMAN, Susan. Crises de memória e a Segunda Guerra Mundial. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2019. 320 p.) e Rollemberg (2016ROLLEMBERG, Denise. Resistência: memória da ocupação Nazista na França e na Itália. São Paulo: Alameda, 2016. 376 p.).
  • ***
    Agradeço ao avaliador 1 deste texto pela indicação da inspiração portuguesa dessa iniciativa uspiana. De fato, uma Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista foi estabelecida em Portugal em 1977, dois anos antes do surgimento do livro da USP.
  • ****

    Trata-se de Good. Dir. Vicente Amorim. Miromar, Reino Unido e Alemanha. 2008. 96 min.
  • *****

    Sublinha-se o verbo, crescer, pois, como os estudos da História do Cotidiano na Alemanha, liderados por Alf Lüdke (1995LÜDTKE, Alf (org.). The history of everyday life. Princeton: Princeton Univ. Press, 1995. 336 p.), e o projeto liderado por Martin Broszat sobre a opinião pública na Bavária no período nazista demonstram, a pretensa uniformidade e satisfação total que a propaganda nazista alastrava, estava longe de ser verificada na prática. Ver também o livro de Ian Kershaw (1983KERSHAW, Ian. Popular opinion and political dissent in the Third Reich (Bavaria 1933-1945). Oxford: Oxford University Press, 1983. 433 p.), parte integrante do projeto de Broszat.
  • ******

    Devemos aqui, talvez, pensar com Vaclav Havel e sua ideia de viver na verdade.
  • *******

    Não sendo alvo central deste ensaio, referenciamos que as políticas da memória acerca da resistência alemã, em especial aquelas relativas à Alemanha Ocidental e à sua continuidade na Alemanha unificada, encontraram na tese de titularidade de Denise Rollemberg (2019ROLLEMBERG, Denise. Valquírias: Memórias da Resistência Alemã ao Nazismo. Niterói: Editora Universidade Federal Fluminense, 2019. 280 p.) uma análise que coloca em evidência, para além da historiografia, a constituição dos memoriais e dos lugares de memória dedicados à resistência na Alemanha.
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste ensaio contou com financiamento da FAPESP (Proc. 2012/18674-5).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2020
  • Aceito
    25 Jan 2021
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