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Sérgio Buarque de Holanda em combates com Alceu Amoroso Lima: o tomismo na tópica do atraso

Sérgio Buarque de Holanda in combats with Alceu Amoroso Lima: Thomism in the topics of backwardness

RESUMO

Consideravelmente exíguos na vasta fortuna crítica dedicada aos autores, este trabalho se concentra na interlocução cerrada e exaustiva entre Sérgio Buarque de Holanda e Alceu Amoroso Lima. Ao propormos uma leitura contrastiva de escritos dos dois intelectuais entre as décadas de 1920 e 1940, como cartas, artigos de jornal e as suas publicações em livros, apresentaremos a recorrência da crítica - ora cifrada, ora explícita - de Buarque de Holanda à concepção tomista de Amoroso Lima. A julgar pelas impressões do primeiro, tal concepção orienta as várias instâncias da vida do segundo, em níveis estético, epistemológico, político, econômico e social. Partindo da - e retornando, ao final, à - análise pontual de algumas modificações efetuadas por Sérgio Buarque ao longo das duas primeiras edições de Raízes do Brasil (1936-1948), reconstituiremos a historicidade das estratégias e das formas com que o pensamento do católico - de viés conservador, até então -, desde os tempos das celeumas modernistas, é inscrito no combate e condensa semanticamente um conjunto de significantes confluentes à tópica do atraso; especialmente se pensarmos que o livro de estreia do historiador, a partir da edição de 1948, acentuadamente, se insere no paradigma da formação, dotando-o substancialmente de um caráter político progressista ainda não previsto na edição de 1936.

Palavras-chave:
Sérgio Buarque de Holanda; Alceu Amoroso Lima; Raízes do Brasil; tomismo; tópica do atraso

ABSTRACT

Considerably scarce in the vast critical fortune dedicated to the authors, this work focuses on the close and exhaustive dialogue between Sérgio Buarque de Holanda and Alceu Amoroso Lima. By proposing a contrasting reading of the writings of the two intellectuals between the 1920s and 1940s, such as letters, newspaper articles and their publications in books, we will present the recurrence of a criticism - sometimes encrypted, sometimes explicit - from Buarque de Holanda to the thomist conception of Amoroso Lima. Judging by Buarque de Holanda’s impressions, this conception guides the various instances of Amoroso Lima’s life, at an aesthetic, epistemological, political, economic, and social levels. Starting from - and eventually returning to - a punctual analysis of some modifications made by Sérgio Buarque during the first two editions of Raízes do Brasil (1936-1948), we will reconstruct the historicity of the strategies and the ways in which the thought of the catholic intellectual - by then embedded in a conservative bias - since the days of the modernist contention, it has been inscribed in the combat and semantically condenses a set of signifiers confluent with the topics of backwardness; especially if we think that the historian’s debut book, from the 1948 edition onwards, sharply falls within the formation paradigm, endowing it with a progressive political character, not yet foreseen in the 1936 edition.

Keywords:
Sérgio Buarque de Holanda; Alceu Amoroso Lima; Raízes do Brasil; thomism; topics of backwardness

Pode-se dizer que, no que toca à vasta fortuna crítica dedicada a Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e a Alceu Amoroso Lima (1893-1983), são quase inexistentes as contribuições em torno do diálogo cerrado entre o paulistano e o carioca,* * Destaquemos Véra Lucia dos Reis (1998), Guilherme Simões Gomes Júnior (2011) e Pedro Meira Monteiro (2012) como os poucos trabalhos que abordam, de modo indireto, porém densamente, o entrecruzamento entre Buarque de Holanda e Amoroso Lima nos tempos dos modernismos. sem dúvida, um dos mais influentes intelectuais do século XX brasileiro. Pensador católico, que nos tempos modernistas adotava a alcunha literária Tristão de Athayde, figurou, por cerca de meio século, nas páginas dos jornais do Rio de Janeiro. Como se dá, em certa medida, com Gilberto Freyre (1900-1987) - consagrado, e não sem razão, por parte significativa da mesma fortuna crítica, como o mais representativo rival do paulista -, a interlocução com Amoroso Lima se estabelece com contrapontos e não menos ríspidas celeumas que, se não explícitas nas obras, correspondências e artigos de imprensa, se davam em forma de diatribes pela grande rede intelectual que, cada qual à sua maneira, ajudaram a tecer, encetando um de seus primeiros e bem atados nós já às vésperas do evento “Semana de 22”.

A leitura contrastiva que realizamos de parte da obra dos dois intelectuais perpassa substancialmente a década de 1920, indiretamente por meio das cartas trocadas entre os jovens Mário de Andrade (1893-1945) e Sérgio Buarque, e, mais diretamente, mediante as frequentes polêmicas que merecerão espaço nas páginas de jornais, bem como em suas próprias publicações em livros. Em se tratando desse último suporte, veremos como elas se inscrevem, já em meados da década de 1930 - ainda que de modo mais alusivo e elíptico -, na primeira edição de Raízes do Brasil (1936).** ** São já conhecidas e consideravelmente estudadas as substanciais modificações efetuadas por Sérgio Buarque nas três primeiras edições de Raízes do Brasil (1936, 1948, 1956), o que mereceu uma edição crítica no ano de 2016, em comemoração aos 80 anos de sua primeira publicação (HOLANDA, 2016). Quanto a alguns dos importantes estudos acerca da miríade de problemas implicados nessas modificações, destacamos WAIZBORT, 2011 e FELDMAN, 2013. Ao criticar, logo nas primeiras páginas, o tradicionalismo dos que pretendiam realizar, no mundo moderno, preceitos ordenadores caros às sociedades de tipo estamental, o seu autor recuperará, embora dessa vez em chave marcadamente irônica, a diatribe anticonstrutivista com a qual atacara o católico na década anterior. Ao melhor desdobrarmos essa interlocução, já de contornos estritamente ético-políticos, terá o/a leitor/leitora a oportunidade de vislumbrar mais claramente que o que está em jogo na recorrência da crítica de Buarque de Holanda a Athayde, portanto, é a concepção tomista que, a julgar pelo parecer do primeiro, orienta as várias instâncias da vida do segundo, tanto em âmbito individual quanto social;*** *** Para o envolvimento do intelectual com os projetos católicos de intervenção social entre os anos 1928 e 1945, ver ARDUINI, 2015. além de, junto a outros “ismos”, compor, a partir da década de 1940, o conjunto de significantes confluentes à tópica do atraso. Nesse bojo, portanto, de uma crítica ao que julga ser um tradicionalismo seletivo - porém em chave menos estética e mais politicamente conotada -, virá a crítica ao conservadorismo que parece recorrentemente tomar, entre outros, o intelectual católico como par antitético para compleição de uma concepção de história deliberadamente enredada, digamos, do presente para o presente.

A partir da análise cotejada das duas primeiras edições de Raízes do Brasil, daremos relevo a um aparente detalhe secundário inserido por Sérgio Buarque na segunda edição do livro (1948), em que, por meio de uma nota, Alceu Amoroso Lima é sibilinamente evocado a fim de reforçar as considerações de Sérgio Buarque sobre a “inatualidade” e, no limite, o conservadorismo de um influente economista do século XIX: José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu (1756-1835). Temos, em tal dinâmica, portanto, uma intensificação agonística (NIETZSCHE, 1996NIETZSCHE, Friedrich. A disputa de Homero. In: Cinco prefácios para cinco livros não escritos. Tradução de Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, 1996. p. 26-36.) investida nos combates com o pensador católico. Desse ponto de partida, portanto, tencionaremos trazer à baila, ainda, estratos de horizontes históricos cujas interpretações revelam modalidades discursivas que, ancoradas sob a chave do atraso, integram estruturas de pensamento conformadoras das teorias da modernização abrigadas pelo paradigma da formação, a partir das quais Raízes do Brasil, mais acentuadamente na segunda edição, constitui-se como marca de historicidade. Assim, no confronto com o seu interlocutor do XIX, ou melhor, no processo de negação do seu discurso econômico, veremos como a interlocução com Amoroso Lima, se lida sob a ótica das sobreposições temporais, dá-se a inferir como peça de uma crítica à pertinácia de ideias alegadamente atrasadas postas em curso por seus contemporâneos;**** **** Não custa sublinhar que, na cadeia de releituras da tradição do pensamento conservador brasileiro, Cairu e Alceu Amoroso são dois dos mais proeminentes receptores do pensamento de Edmund Burke (ver RODRIGUES, 2005, p. 74-85), a partir do qual cada um, no seu tempo, traduzirá as ideias a fins de responder pragmaticamente a impasses e especificidades da situação local (ver LYNCH, 2017, p. 313-362; e RICUPERO, 2010). Ainda que pertencente à “periferia do sistema internacional das relações intelectuais” (MICELI, 2001, p. 126), as distintas ocupações do eminente representante do laicato da Igreja brasileira no campo intelectual interno levou-o a “importar sistemas de pensamento” que “melhor se ajustavam às características de suas posições e às demandas a que deviam responder por intermédio de suas obras” (MICELI, 2001, p. 126-127). além de dar a ver a longa duração da rivalidade entre dois dos grandes intelectuais brasileiros do século XX.

Alceu em Raízes (1948)

Principiemos pelo pontual, porém revelador, acréscimo operado por Sérgio Buarque de Holanda na segunda edição de Raízes do Brasil (1948). Mais especificamente, o autor insere, no terceiro capítulo dessa versão do ensaio, intitulado “Herança Rural”, considerações acerca do economista baiano, Cairu. Tendo em mãos os Estudos do bem comum, o historiador pretende revelar como, partindo de uma tradução alegadamente enviesada de algumas passagens de Adam Smith (1723-1790), o economista acaba por trazer para a frente do cenário a lógica patriarcal como constituinte do modelo político, social e intelectual do Estado:

Nem mesmo um Silva Lisboa que, nos primeiros decênios do século passado, foi grande agitador de novas idéias econômicas, parece ter ficado inteiramente imune dessa opinião generalizada, de que o trabalho manual é pouco dignificante, em confronto com as atividades do espírito. Nos seus Estudos do Bem Comum, publicados a partir de 1819, o futuro visconde de Cairú propõe-se mostrar aos seus compatriotas, brasileiros ou portugueses, como o fim da economia não é carregar a sociedade de trabalhos mecânicos, braçais e penosos. E pergunta, apoiando-se confusamente numa passagem de Adão Smith, se para a riqueza e prosperidade das nações contribui mais, e em que grau, a quantidade de trabalho ou a quantidade de inteligência. (HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., p. 108, grifos do autor).***** ***** As citações feitas neste trabalho seguem ipsis literis as fontes consultadas, sem que houvesse qualquer atualização ortográfica ou gramatical para os textos mais antigos.

A tradução, segundo Sérgio Buarque, realizada “mais segundo o espírito do tradutor do que do original” (HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., p. 108-109), delataria, às vésperas da Independência, a suposta confabulação do economista com a velha estrutura herdada da aristocracia rural. Silva Lisboa, assevera Holanda, “toma decididamente o partido da ‘inteligência’” em detrimento das “atividades corporais” (HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., p. 109). Vejamos a retificação, fixada, no livro, em nota de rodapé, das alegadas artimanhas do baiano ao traduzir algumas palavras por inteligência: “A própria palavra ‘inteligência’ está, ao que parece, no lugar dos vocábulos skill, dexterity e judgement, do original inglês, nenhum dos quais, isoladamente ou em conjunto, poderia ter tal significado” (HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., p. 108). O efeito da palavra inteligência se faz sentir, contudo, mais fortemente quando recuamos algumas páginas antes de Buarque de Holanda fazer menção direta ao Visconde de Cairu. Ainda à altura da página 106 dessa edição, após explicitar - mediante expressivo recurso às fontes acrescidas em dezenas de páginas, se comparadas à edição de 1936 - o malogro da experiência industrial no Império e como a iniciativa, ainda que de “boa-vontade”, por parte de personalidades de vulto na aplicação de capital nesse campo, destoava da estrutura mental daquela sociedade,****** ****** Ver HOLANDA, 1948, p. 90-91; e HOLANDA, 1936, p. 45-46. o historiador chega, enfim, às consequências de tal situação para as ditas “manifestações do espírito”. Leiamos o excerto:

Não parece absurdo relacionar a tal circunstância um traço constante da nossa vida social: a posição suprema que nela detêm, de ordinário, certas qualidades de imaginação e inteligência, em prejuízo das manifestações do espírito prático ou positivo. O prestígio universal do “talento”, com o timbre particular que recebe essa palavra nas regiões, sobretudo, onde deixou vinco mais forte a lavoura colonial e escravocrata, como o são eminentemente as do Nordeste do Brasil, provém sem dúvida do maior decoro que parece conferir a qualquer indivíduo o simples exercício da inteligência, em contraste com as atividades que requerem algum esforço físico. (HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., p. 106-107).

Apresentadas, por ora, algumas das estratégias textuais elaboradas por Sérgio Buarque, fixemos, então, passo no qual a estocada final é dada ao caso emblemático da obra de Cairu:

[...] parece certo que o autor dos Estudos do Bem Comum, a despeito de seu trato com economistas britânicos, não contribuiu, salvo nas aparências e superficialmente, para a reforma das nossas idéias econômicas. Pode dizer-se que, em 1819, já era um homem do passado, comprometido na tarefa de, a qualquer custo, frustrar a liquidação das concepções e formas de vida relacionadas de algum modo ao nosso passado rural e colonial (HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., p. 110-111).

Destaquemos, aqui, o advérbio “já”, na assertiva oração, a partir do qual aventamos o intuito do ensaísta de projetar, aos primórdios da colonização, todo um arcabouço discursivo da herança que lhe parecia obstruir o telos de uma outra modernidade brasileira. Seria como se quisesse performativamente indagar: se, em 1819, Cairu já era um homem do passado, o que dizer dos que, em plena década de 1940, desejam, a qualquer custo, reabilitar a alegada atualidade de suas ideias? Estratégia tal que, como veremos ao retornarmos a esse trecho, implicará na rusga com Amoroso Lima, o qual lê, em camadas, a inteligência à luz do tomismo e, também, do distributismo do inglês G. K. Chesterton (1874-1936), intelectual conservador, católico e uma das grandes influências do brasileiro no campo político-econômico.

Raízes da formação, Raízes na formação

Antes, porém, de adentrarmos as considerações sobre pequeno capítulo da recepção da obra do economista em meados do século XX, capitaneada pelo seu adversário Alceu Amoroso Lima, é preciso destacar algumas condicionantes que, em certa medida, abrigam o historiador paulista em uma determinada estrutura de pensamento que, salvaguardando seus matizes e variadas perspectivas, efetiva essa leitura de Cairu e de outros liberais brasileiros como simplesmente atrasados e seletivamente tradicionalistas, a qual constituirá “escola” século XX adentro.******* ******* No que diz respeito a Cairu propriamente dito, um detalhado balanço historiográfico de sua recepção foi realizado por ROCHA, 2001. Em vigor já no início do século XIX, mas se consolidando ao longo da década de 1930, tem-se o modelo de desenvolvimento e de construção da nacionalidade que, identificado na longa duração com “uma narração nacional [...] que sacraliza o nexo com a modernidade e a modernização” (VECCHI, 2004VECCHI, Roberto. A insustentável leveza do passado que não passa: sentimento e ressentimento do tempo dentro e fora do cânone modernista. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia (org.). Memória e (Res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível. Campinas: UNICAMP, 2004. p. 453-466., p. 463), orientou as formas de se pensar organicamente uma via autônoma e autêntica para o país sobre bases próprias das especificidades nacionais. Tal paradigma, no campo das elaborações intelectivas, convencionou-se chamar de “formação”; no campo das agendas prático-políticas, “nacional-desenvolvimentismo” (NOBRE, 2012NOBRE, Marcos. Depois da formação. Cultura e política da nova modernização. Revista Piauí, n. 74, nov. 2012. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/depois-da-formacao/ . Acesso em: 22 dez. 2018.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/d...
, n.p.).******** ******** Para uma ampla e adensada discussão do tema na historiografia, propriamente dita, ver RODRIGUES, 2015. Nesse estruturante projeto, “modernização” significava, de um lado, o combate às diferentes formas de “arcaísmos” e, de outro, a “criação das condições para a emergência da nação em sentido autêntico. Foi longa a hegemonia da oposição entre ‘arcaico’ e ‘moderno’, e ela moldou como nenhuma outra a autocompreensão do país” (NOBRE, 2012NOBRE, Marcos. Depois da formação. Cultura e política da nova modernização. Revista Piauí, n. 74, nov. 2012. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/depois-da-formacao/ . Acesso em: 22 dez. 2018.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/d...
, n.p.). Fazem parte desse paradigma figuras proeminentes como Antonio Candido (1918-2017), Roberto Schwarz e Celso Furtado (1920-2004), de cujos escritos extraímos algumas impressões sobre o próprio Cairu. Vejamos o uso político dado a elas pelo primeiro, já no final da década de 1960:

A grande importância dos grupos rurais dominantes, encastelados na autarquia econômica e na autarquia familiar, manifesta-se no plano mental pela supervalorização do “talento”, das atividades intelectuais que não se ligam ao trabalho material e parecem brotar de uma qualidade inata, como seria a fidalguia. A esse respeito, Sérgio Buarque de Holanda desmascara a posição extremamente reacionária de José da Silva Lisboa, que um singular engano tem feito considerar como pensador progressista. (CANDIDO, 2006CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Edição comemorativa dos 70 anos. São Paulo: Companhia das Letras , 2006. p. 235-250. [1969], p. 243).

Para o segundo, aproximadamente quatro anos depois das linhas de Candido, o leitmotiv desse capítulo de Raízes do Brasil se orienta pelo desvendamento dos “efeitos ideológicos do latifúndio” (SCHWARZ, 2000SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. In: Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2000. p. 9-31. [originalmente publicado na revistaNovos Estudos, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em 1973] [1973], p. 16). No que tange à menção a Silva Lisboa no enunciado do famoso prefácio de Antonio Candido, deve-se salientar que a inserção do trecho sobre o economista se dá, como ainda veremos, somente na edição de 1948 do livro, aproveitado por Holanda de um artigo de jornal publicado em 1946, ou seja, 10 anos após vir a lume o “clássico de nascença” (CANDIDO, 2006CANDIDO, Antonio. O significado de Raízes do Brasil. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Edição comemorativa dos 70 anos. São Paulo: Companhia das Letras , 2006. p. 235-250. [1969], p. 236). O embaralhamento das edições, por meio do qual se omite, com efeito, a ausência do autor oitocentista no livro de 1936, é parte constituinte dos estratagemas do crítico literário em atribuir um sentido político progressista que ainda não norteava a obra, promovendo, assim, a cristalização de sua intrincada historicidade (ver WAIZBORT, 2011WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, 1936. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 76, p. 39-62, jul. 2011.; FELDMAN, 2013FELDMAN, Luiz. Um clássico por amadurecimento: Raízes do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 28, n. 82, p. 119-140, jun. 2013.).

Com justiça, deve-se salientar que esses e outros autores do mesmo período já apresentavam, na elaboração de seus estudos, um nível de complexidade consideravelmente superior em relação àquele sedimentado pelo par antitético original “arcaico” e “moderno” (NOBRE, 2012NOBRE, Marcos. Depois da formação. Cultura e política da nova modernização. Revista Piauí, n. 74, nov. 2012. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/depois-da-formacao/ . Acesso em: 22 dez. 2018.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/d...
, n.p.),********* ********* Ver, também, ARANTES, 1992. contudo, o ponto comum entre todos era o passar a limpo algumas permanências do passado que, de certo modo, frustravam a combinação, no presente, entre modernidade, modernização e justiça social. E, nesse bojo a ser saneado, certamente estavam os ditos liberais conservadores brasileiros do século XIX. No que diz respeito a Furtado, leiamos as suas vivas linhas sobre Cairu, no clássico de 1959:

[...] enquanto no Brasil a classe dominante era o grupo dos grandes agricultores escravistas, nos EUA uma classe de pequenos agricultores e um grupo de grandes comerciantes urbanos dominava o país. Nada é mais ilustrativo dessa diferença do que a disparidade que existe entre os dois principais intérpretes dos ideais das classes dominantes nos dois países: Alexander Hamilton e o Visconde de Cairu. Ambos são discípulos de Adam Smith, cujas idéias absorveram diretamente e na mesma época na Inglaterra. Sem embargo, enquanto Hamilton se transforma em paladino da industrialização, mal compreendida pela classe de pequenos agricultores norte-americanos, advoga e promove uma decidida ação estatal de caráter positivo - estímulos diretos às indústrias e não apenas medidas passivas de caráter protecionista -, Cairu crê supersticiosamente na mão invisível e repete: deixai fazer, deixai passar, deixai vender. (FURTADO, 2003FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 32. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2003 [1959]. [1959], p. 107).

Infere-se, portanto, que, conforme sua teoria da modernização, os Estados Unidos são concebidos como paradigma de uma precoce burguesia comercial a tomar racionalmente as rédeas do Estado e a implantar uma exemplar industrialização, bem como suas políticas protecionistas, pois a classe intelectual que a preside, tendo Hamilton (1755-1804) e outros founding fathers à frente, dotava-se da perspicácia de ler e traduzir pensadores, como Smith, e verter adequadamente as suas ideias e doutrinas para os problemas e impasses específicos da situação particular, ao passo que Silva Lisboa simplesmente repetia, mágica e dogmaticamente, a máxima do liberalismo como uma espécie de santíssima trindade.********** ********** Para uma análise aguda dos impasses e das especificidades do horizonte histórico no qual atua politicamente o autor do oitocentos, ver ARAUJO; PIMENTA, 2009. Ora, não é improvável que a leitura buarquiana de Cairu esteja ecoando no enunciado de Formação Econômica do Brasil. Ademais, pode-se dizer que ele se funda, não sem razão, como um topos da própria ideia de Brasil e seu desenvolvimento, vazada nesse livro como sendo um país de uma elite endomingada, de um sistema econômico que renitentemente vive em função do exterior e inapto a criar um complexo mercado interno.

Em suma, o que une autores como Sérgio Buarque, Gilberto Freyre, Celso Furtado, Caio Prado, Candido, Schwarz, entre outros, dentro do paradigma da formação é a “preocupação central com os destinos da vida pública no Brasil, notadamente com as condições de um país de origem colonial e escravocrata, e com forte herança rural, ascender à vida moderna” (RODRIGUES, 2015RODRIGUES, Henrique Estrada. O conceito de formação na historiografia brasileira. In: SOUZA, Francisco Gouvea et al. (org.). Teoria e historiografia: debates contemporâneos. 1. ed. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. p. 253-276. , p. 258). É, pois, o que, tendo partido de Raízes do Brasil, observaremos, nas seções a seguir, na longa e persistente crítica do paulista ao católico fluminense. A despeito de toda estratégia, como veremos, de autoconstrução e de legitimação intelectual, usando o seu adversário como um par antitético a fim de impor sua marca, sua “diferença em relação a outros produtores e, sobretudo, aos mais consagrados entre eles”, fazendo “existir uma nova posição para além das posições ocupadas, à frente dessas posições, na vanguarda” (BOURDIEU, 1977BOURDIEU, Pierre. La production de la croyance: contribution à une économie des biens symboliques. Actes de la recherche en sciences sociales, v. 13, p. 3-43, 1977., p. 39 - grifos do autor), é patente a recorrência da denúncia buarquiana ao que julga ser soluções artificiais e infecundas para os problemas da formação social brasileira. No limite, buscava-se alinhavar, cada qual à sua maneira, uma esfera pública que abandonasse por definitivo o voluntarista e improvisado afã da missão para o almejado universo da profissão; exortação que resta incisivamente declarada, por exemplo, em artigo de jornal, publicado exatamente no ano de 1948, chamado “Missão e profissão” (ver HOLANDA, 1996bde HOLANDA, Sérgio Buarque. Missão e profissão. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996b. p. 35-40. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 22 de agosto de 1948]. [1948]).

De Raízes para os modernismos

Realizada essa breve incursão no escopo mais amplo que conforma os combates de Sérgio Buarque com Amoroso Lima, nesse período, reconstituiremos, pois, alguns dos rounds pregressos que, de certa forma, motivam a inserção do católico na edição de 1948 do controverso clássico, mediante detalhe surpreendente de estratégia textual engendrada por Holanda. Para tal, reproduzamos, mais uma vez, excerto do qual nos apropriamos em seção anterior:

[...] parece certo que o autor dos Estudos do Bem Comum, a despeito de seu trato com economistas britânicos, não contribuiu, salvo nas aparências e superficialmente, para a reforma das nossas idéias econômicas. Pode dizer-se que, em 1819, já era um homem do passado, comprometido na tarefa de, a qualquer custo, frustrar a liquidação das concepções e formas de vida relacionadas de algum modo ao nosso passado rural e colonial. (HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., p. 110-111).

Pois bem, uma nota é, de súbito, inserida entre a assertiva “pode dizer-se que, em 1819, já era um homem do passado” e o restante da sentença, “comprometido na tarefa de, a qualquer custo, frustrar a liquidação das concepções e formas de vida relacionadas de algum modo ao nosso passado rural e colonial”. É sabido que, por séculos, as notas de rodapé, mais do que um dispositivo credencial que recomenda e confere legitimidade, podem se revelar como verdadeiros “formigueiros que pululam de atividade construtiva e bélica” (GRAFTON, 1998GRAFTON, Anthony. Notas de rodapé: a origem de uma espécie. In: As origens trágicas da erudição: pequeno tratado sobre a nota de rodapé. Tradução de Enid Abreu Dobránszky. Campinas: Papirus, 1998. p. 13-40., p. 20). Nesse caso, a nota é endereçada ao seu parceiro de celeumas intelectuais: Alceu Amoroso Lima. Antes, porém, que a fixemos na íntegra, faz-se necessário elucidar minimamente o lugar estratégico por ela ocupado. O caráter emblemático de seu enunciado só fará pleno sentido se colocarmos em suspenso a afirmação de Sérgio Buarque, segundo a qual a nota cumpre função de exprimir apenas um “ponto de vista oposto” ao seu, e nos remetermos a alguns decênios antes da publicação daquelas linhas.

Sabe-se que o autor de Cobra de vidro, embora não participante direto da “Semana de 22”, foi propulsor de acaloradas altercações travadas no interior do modernismo triunfante. Como afirmou numa entrevista, em data bastante próxima da publicação dessa segunda edição do seu primeiro livro, o “movimento modernista”

reagiu, sobretudo, contra certos estorvos que limitavam o horizonte literário e também contra os preconceitos que baniam da literatura determinados temas, considerados não-literários, indignos de interessar a um artista. Numa palavra, bateu-se por uma nova visão de vida e, por conseguinte, da arte. Os moços que surgem hoje e encontram o caminho aberto, não avaliam o esforço que foi preciso despender para aplainar o chão, removendo o entulho. (HOLANDA, 1957de HOLANDA, Sérgio Buarque. Modernismo, tradicionalismo, regionalismo. In: SENNA, Homero. República das Letras: 20 entrevistas com escritores. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1957. p. 119-132., p. 122).

Vale pôr em relevo a tonalidade auto-historiográfica com que, na mesma década de 1940, Buarque de Holanda se insere no enunciado. Conquanto sua persona autoral não utilize o majestático “nós” - ao contrário, lança mão de oblíquo pronome reflexivo -, resta evidente a postura de um ponto de vista geracional de vanguarda a suprimir o “entulho” estorvante e, por conseguinte, implantar “nova visão de vida e arte”. Aproximando, salvaguardadas as proporções, elementos dispostos no discurso de Holanda àqueles previstos na conferência proferida por Mário de Andrade, em 1942, por ocasião dos 20 anos da “Semana” (ANDRADE, 1974de ANDRADE, Mario. O movimento modernista. In: Aspectos da literatura brasileira. 5. ed. São Paulo: Martins, 1974 [1942]. p. 231-255. [originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo por ocasião do 20º aniversário da Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1942] [1942]), pode-se sugerir que, também o historiador, “em vez de supostamente descrever atividades que teriam conduzido à feitura genuína de tal arte ou à aquisição da ‘maioridade’ de uma literatura”, estivesse, “enquanto fulcro orientador de um conjunto de práticas artísticas e culturais denominadas ‘modernismo’”, os usando para “indicar o projeto de reescrever a história da arte brasileira e de inscrever-se nela como seu pioneiro ou como o seu iniciador genuíno” (MORESCHI, 2010MORESCHI, Marcelo Seravali. A façanha auto-historiográfica do modernismo brasileiro (Brazilian Modernism as an Auto-historiographical Avant-Garde). 2010. Tese (doutorado) - University of California, Santa Barbara, 2010., p. 52-53).

Isso posto, se, por um lado, a assertiva da passagem deixa inferir que a metralhadora giratória da crítica de Sérgio Buarque afetava apenas os ditos “parnasianos” e “passadistas” da belle époque tropical, sua arma não deixava de refratar em direção ao “estorvamento” provocado endogenamente por certos coetâneos. Em outras palavras, ainda tomado pelo espírito beligerante de “22”, o crítico visou empreender uma revisão dentro do que alegadamente se propunha como uma revisão. Como já tratado por alguns estudiosos de sua obra, parcela do encadeamento de tal reação se deu em 1926, quando, no famoso O lado oposto e outros lados, o jovem Holanda desfere tiros contra aqueles nos quais imprimia a pecha de “acadêmicos ‘modernizantes’”. Alceu Amoroso Lima, ainda sob a alcunha do influente crítico Tristão de Athayde, compunha, com Graça Aranha (1868-1931), Ronald de Carvalho (1893-1935), Renato Almeida (1895-1981), Guilherme de Almeida (1890-1969) e outros, a ala, por assim dizer, girondina, de acordo com a versão do modernismo pertencente ao grupo do paulista. Ala essa composta por

gente bem-intencionada e que esteja de qualquer modo à altura de nos impor uma hierarquia, uma ordem, uma experiência que estrangulem de vez esse nosso maldito estouvamento de povo moço e sem juízo. Carecemos de uma arte, de uma literatura, de um pensamento enfim, que traduzam um anseio qualquer de construção, dizem. (HOLANDA, 1989ade HOLANDA, Sérgio Buarque. O lado oposto e outros lados. In: BARBOSA, Francisco de Assis (org.). Raízes de Sérgio Buarque de Holanda. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1989a. p. 85-88. [originalmente publicado na Revista do Brasil, em 15 de outubro de 1926]. [1926], p. 87).

Relativamente compartilhada em anseios entre Mário de Andrade e Alceu Amoroso, por meio de várias de suas correspondências (ANDRADE, 1968de ANDRADE, Mário. Mário de Andrade escreve cartas a Alceu, Meyer e outros. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1968.), a projetiva “ideologia do construtivismo” (HOLANDA, 1989ade HOLANDA, Sérgio Buarque. O lado oposto e outros lados. In: BARBOSA, Francisco de Assis (org.). Raízes de Sérgio Buarque de Holanda. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1989a. p. 85-88. [originalmente publicado na Revista do Brasil, em 15 de outubro de 1926]. [1926], p. 88), ainda que difusa, pautava-se pelo sentido de uma arte empenhada que conduzisse à compleição de uma unidade, pela cultura, do sentimento de brasilidade cuja fonte provinha da voz popular: “O periodo atual do Brasil, especialmente nas artes, é o de nacionalisação”, assevera Andrade, em Ensaio sobre a música brasileira, de 1928 (ver ANDRADE, 1972de ANDRADE, Mário. Ensaio sobre a música brasileira. In: Ensaio sobre a música brasileira. 3. ed. São Paulo; Brasília: INL, 1972 [1928]. p. 11-151. [1928], p. 18). Ainda, “toda arte socialmente primitiva que nem a nossa, é arte social, tribal, religiosa, comemorativa. É arte de circunstancia. É interessada. Toda arte exclusivamente artistica e desinteressada não tem cabimento numa fase primitiva, fase de construção” (ANDRADE, 1972de ANDRADE, Mário. Ensaio sobre a música brasileira. In: Ensaio sobre a música brasileira. 3. ed. São Paulo; Brasília: INL, 1972 [1928]. p. 11-151. [1928], p. 18). Serão tais pretensões que levarão Sérgio Buarque de Holanda a manter uma postura cum grano salis em relação ao amigo musicólogo, uma vez que está exatamente nelas o elo católico que liga esse a Alceu Amoroso Lima. Daí o fato de, em grande parte das missivas trocadas entre os autores de Macunaíma e Corpo e alma do Brasil, do ano de 1922 até 1944, perpassar uma longa e sinuosa crítica do segundo sobre aspectos da obra do primeiro, e cujo núcleo tinha como alvo, cifrado ou não, as ideias do intelectual católico, identificadas por Holanda ao anseio de coletividade conformado pela “arte interessada” de cunho social e religioso a suplantar a ameaça do individualismo desintegrador. Por exemplo, em tom jocoso, “Tristão” aparece em carta de Sérgio Buarque a Mário de Andrade, datada do ano de 1931, para servir de contraste ao exagero de o fazer parecer ainda mais moderado se comparado aos suspeitos caminhos que o autor da carta acusava o destinatário de trilhar:

[...] receio às vezes que você venha a tornar-se por acaso um católico apostólico romano ultramontano tomista, legionário, partidário do Ensino Religioso, revolte-se com o Tristão contra o que ele chama o laicismo de nossa política e depois de todas essas coisas lamentáveis resolva, por coerência, publicar o Macunaíma expurgado, para uso das excelentíssimas famílias dos ilustres funcionários públicos desta imaculada República Nova que Deus Santíssimo guarde para o século dos séculos, Amém. (HOLANDA, 2012de HOLANDA, Sérgio Buarque. Carta a Mário de Andrade. 10 de maio de 1931. In: MONTEIRO, Pedro Meira (org.) Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: correspondência. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p.99-100. [1931], p. 100).

Ainda sobre a ideia de construção, um detalhe que não deve passar ao largo dessas considerações diz respeito à passagem dos Estudos (1ª série) de Athayde, de 1927, na qual se nota, no mínimo, curiosa postura relativizante quanto às matrizes modernistas representadas, de um lado, por Mário de Andrade, Oswald de Andrade (1890-1954), Raul Bopp (1898-1984), entre outros, e, do outro, por Graça Aranha. A favor de uma mediação entre o projeto “primitivo” do grupo dos Andrades e o “dinamismo” de inspiração “racionalista” e “utilitarista”*********** *********** Sabemos que o racionalismo moderno e o seu derivativo, o utilitarismo, compõem duas correntes de pensamento que, se opondo ao pensamento conservador, dão origem às suas elaborações como reação à sociedade industrial e ao advento da Revolução Francesa, e cujo emblema maior é, certamente, Edmund Burke, por sua vez receptado, no Brasil do século XX, por Amoroso Lima e outros. Ver, respectivamente, MANNHEIM, 1986, p. 77-131; WILLIAMS, 1960, p. 3-4; e RODRIGUES, 2005, para o caso de Amoroso Lima. do grupo de Aranha, propunha “uma terceira condição fundamental de nossa arte. O elemento espiritual. Uma mystica criadora” (ATHAYDE, 1929cde ATHAYDE, Tristão [Alceu Amoroso Lima]. Tendencias. In: Estudos (1ª serie). 2. ed. Rio de Janeiro: Edição de A Ordem, 1929c [1927]. p. 17-25. [1927], p. 23). Ainda que porventura impactado pelo texto de Sérgio Buarque, de 1926, e que com isso tenha, talvez, matizado em parte suas posições, não deixa de ser surpreendente, no passo a seguir, a disjunção quanto à ideia mesma de construção, categórica em Mário de Andrade, e, mais ainda, a coincidência dos diapasões em relação a algumas das proposições do próprio autor de “O lado oposto...”. Segundo esse último, a “nossa arte de expressão nacional” não “surgirá de nossa vontade”, e sim nascerá “mais provavelmente de nossa indiferença” (HOLANDA, 1989ade HOLANDA, Sérgio Buarque. O lado oposto e outros lados. In: BARBOSA, Francisco de Assis (org.). Raízes de Sérgio Buarque de Holanda. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1989a. p. 85-88. [originalmente publicado na Revista do Brasil, em 15 de outubro de 1926]. [1926], p. 86-87), devido a condicionantes sociais, culturais etc. que, independentemente das intenções construtivistas de uns poucos seletos literatos, emanaria, talvez inesperadamente, do espontâneo popular. Vejamos o trecho em Athayde que, retomando a ideia de “espiritualização criadora” como terceira via às matrizes por ele expostas dos modernismos, conclui o capítulo:

A supranaturalidade é apenas um estado de espirito que me parece necessario para criarmos qualquer coisa de realmente nosso, novo e duradouro. Ainda não estamos em condições de o fazer? De accordo. Ninguem mais consciente do que eu dos nossos limites. Ninguem mais sceptico de recommendações aos artistas sobre o modo de criarem aquillo que só o tempo, a vida, o lento amadurecimento, as condições sociaes, enfim a seiva e o espirito podem trazer inesperadamente. (ATHAYDE, 1929cde ATHAYDE, Tristão [Alceu Amoroso Lima]. Tendencias. In: Estudos (1ª serie). 2. ed. Rio de Janeiro: Edição de A Ordem, 1929c [1927]. p. 17-25. [1927], p. 24-25).

Para continuarmos, ainda, nos seus Estudos, temos que uma resposta severa é dada aos predicados do texto de 1926, do jovem Holanda. Em capítulo cujo título é já um claro e objetivo chamado do primeiro ao combate, presencia-se uma réplica cujos pingos nos “is” se põem à altura das acusações feitas ao católico, e não sem o uso de ironias justo ao gosto, diga-se de passagem, do editor de Klaxon e Estética, por exemplo mediante o uso da convencional forma de tratamento “Sr.” a demarcar uma suposta distância com relação à pessoa do destinatário. Mas não somente isso. Vejamos:

E o sr. Buarque de Hollanda é dos que não escondem o que pensam, apenas por sympathia, ou digam o que não pensam por antipathia. E embora sinceridade não seja argumento, é sempre uma garantia. Eu, por exemplo, estou convencido de que o sr. Buarque de Hollanda faz, no artigo que publicou no terceiro numero da “Revista do Brasil”, uma caricatura de certas idéias minhas sobre o modernismo brasileiro. Apenas, saiu um retrato, como 99% dos que figuram no salão annual de Bellas-Artes, isto é, uma caricatura sem querer. Com a aggravante de que o retrato mais uma vez não se acha tão feio como o pintam. (ATHAYDE, 1929aATHAYDE, Tristão de [Alceu Amoroso Lima]. Constructivismo e destructivismo. In: Estudos (1ª série). 2. ed. Rio de Janeiro: Edição de “A Ordem”, 1929a [1926]. p. 170-178. [1926], p. 171).

Interessante observar, nesse excerto, o destaque dado por Athayde ao recurso do qual lança mão o modernista paulista: a tópica da sinceridade. Decerto, a sagaz réplica do modernista fluminense visava, nesse caso, parte específica do cáustico trecho do enunciado abaixo:

É indispensável [...] romper com todas as diplomacias nocivas, mandar pro diabo qualquer forma de hipocrisia, suprimir as políticas literárias e conquistar uma profunda sinceridade para com os outros e para consigo mesmo. A convicção dessa urgência foi para mim a melhor conquista até hoje do movimento que chamam de “modernismo”. Foi ela que nos permitiu a intuição de que carecemos, sob pena de morte, de procurar uma arte de expressão nacional. [...] Insistem sobretudo nessa panacéia abominável da construção. (HOLANDA, 1989ade HOLANDA, Sérgio Buarque. O lado oposto e outros lados. In: BARBOSA, Francisco de Assis (org.). Raízes de Sérgio Buarque de Holanda. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1989a. p. 85-88. [originalmente publicado na Revista do Brasil, em 15 de outubro de 1926]. [1926], p. 85-87).

Para Lionel Trilling, esse “estado ou qualidade do eu que denominamos sinceridade” (TRILLING, 2014TRILLING, Lionel. Sinceridade e Autenticidade: a vida em sociedade e a afirmação do eu. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações Editora, 2014., p. 12), como código da vida moral, vigorou do alvorecer da era moderna, no século XVI, até meados do XIX, quando se presencia, segundo o crítico literário, o seu declínio, para dar lugar à experiência moral da autenticidade. Menos do que fundar uma profunda congruência entre o que o sujeito declara e os seus sentimentos reais, ou ainda, menos do que se assumir como “aquele que evita ser falso sendo verdadeiro para consigo mesmo” (TRILLING, 2014TRILLING, Lionel. Sinceridade e Autenticidade: a vida em sociedade e a afirmação do eu. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações Editora, 2014., p. 12) e, logo, com os outros, tal como versa o imperativo do jovem Buarque de Holanda na passagem supracitada, a sinceridade, nas sociedades de cortes europeias, servia mais como estratégia de representações, isto é, assunção de papeis a fim de apresentar o indivíduo como sendo sincero. Assim, no que diz respeito à subjetividade, “a sinceridade não era um fim em si mesmo, mas um meio de reconhecimento social. A moralidade e a reputação no meio social parecem, nesse sentido, retirar do sujeito a verdade sobre si mesmo, tornando-o refém da encenação do ser sincero social” (DAMIÃO, 2015DAMIÃO, Carla Milani. A reconfiguração do conceito de sinceridade em teorias pós-modernas. Revista Ideação, n. 31, p. 15-38., jan./jun. 2015., p. 21). Tem-se, daí, que a relação entre a teatralidade e o que se demandava como preceitos morais e crenças estabelecidas contava mais em uma sociedade, segundo Trilling (2014TRILLING, Lionel. Sinceridade e Autenticidade: a vida em sociedade e a afirmação do eu. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações Editora, 2014.), “extremamente preocupad[a] com a dissimulação, o fingimento e a simulação” (TRILLING, 2014TRILLING, Lionel. Sinceridade e Autenticidade: a vida em sociedade e a afirmação do eu. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações Editora, 2014., p. 24). Ora, com a subsequente voga da autenticidade, experiência moral essa mais tenaz do que aquela, visto que é “uma concepção mais exigente do eu e daquilo em que consiste ser verdadeiro para com ele”, a sinceridade entra em declínio e é, então, tomada contemporaneamente em sua acepção fraca e meramente protocolar. A autenticidade constitui-se como “uma referência mais ampla ao universo e ao lugar que o homem nele ocupa, tal como uma visão menos receptiva e cordial das circunstâncias sociais da vida” (TRILLING, 2014TRILLING, Lionel. Sinceridade e Autenticidade: a vida em sociedade e a afirmação do eu. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações Editora, 2014., p. 22), como até então se dava com a sinceridade. Tal experiência autêntica, segundo o crítico literário, encontra sua intensificação ou redução no campo artístico: “À medida que o século [XIX] se desdobra, o sentimento do ser, do ser forte, se vê cada vez mais abarcado pelo conceito de autenticidade pessoal. A obra de arte é autêntica por si só, em virtude de sua autodefinição plena” (TRILLING, 2014TRILLING, Lionel. Sinceridade e Autenticidade: a vida em sociedade e a afirmação do eu. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações Editora, 2014., p. 113). Assim como cremos que a realização estética se consolida ao afirmar a sua autonomização, “segundo leis de sua própria existência, as quais incluem o direito de corporificar temas dolorosos, ignóbeis ou socialmente inaceitáveis”, atribuímos a mesma legitimidade ao artista, que “busca a autenticidade pessoal em sua autonomia - seu objetivo é ser capaz de autodefinir-se tanto quanto o objeto artístico que ele cria” (TRILLING, 2014TRILLING, Lionel. Sinceridade e Autenticidade: a vida em sociedade e a afirmação do eu. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações Editora, 2014., p. 113).

Isso posto, não estaria a persona sincera de Sérgio Buarque de Holanda a se apresentar porventura anacrônica ao olhar do eminente crítico literário Tristão de Athayde? Em primeiro lugar, porque, convenhamos, a autenticidade, visto que refratária e contestatória a certas convenções sociais e estéticas, é mais adequada aos gestos e às atitudes dos vanguardismos e à ironia que os embala. Em segundo, a sinceridade parece não se adequar à situação discursiva que impulsiona o artigo de Holanda, crivada, aqui e acolá, de subentendidos e não-ditos denunciados, ironicamente, aliás, pelo rival fluminense nas primeiras linhas do trecho do seu artigo acima apropriado.

Bem, destaquemos, agora, derradeiro excerto em que Athayde, sem mediações, acaba por trazer à tona, em certa medida, as estratégias de Buarque de Holanda, já naqueles tempos, de se representar marcando os pares antitéticos como forma de estabelecer suas ideias e posições distintas naquela relativamente sólida rede de sociabilidade da banda triunfante do modernismo. Tendo em vista a dinâmica de exclusão e inclusão do jogo das personagens a posteriormente figurarem ou não no campo da memória canônica da República das Letras modernista, a diatribe do crítico católico é consideravelmente representativa:

O Sr. Buarque de Hollanda concede-me a honra (immerecida, etc.) de ser o principal culpado de uma coisa chamada - “constructivismo”. O constructivismo, a seu ver, é um mal architectonico, um mal estático, um mal disciplinador, um mal intellectualista, que eu, e meus companheiros de culpa, importamos directamente da Action Française, de Maritain, de Massis, de Benda, de Eliot, etc. E a grande culpa desse mal coordenador é impedir os novos de vagarem no subconsciente, de catarem pulgas no morro da Favella, com ou sem Marinetti, de se deliciarem no Circo Spinelli com “A filha do bandido ou A vingança do Morto”, de falarem patuá, de serem livres enfim. (ATHAYDE, 1929aATHAYDE, Tristão de [Alceu Amoroso Lima]. Constructivismo e destructivismo. In: Estudos (1ª série). 2. ed. Rio de Janeiro: Edição de “A Ordem”, 1929a [1926]. p. 170-178. [1926], p. 171-172).

A alusão galhofeira não poderia ser mais sugestiva quanto algumas das práticas estimuladas pelo programa da ala que veio a se canonizar como “modernismo brasileiro”. A menção ao “subconsciente”, muito provavelmente, está vinculada às leituras da psicanálise freudiana e à posterior investida dos moços no universo do surrealismo, que merecerá, aliás, figurar em artigo de Sérgio Buarque, chamado Perspectivas e publicado no número três de Estética, em 1925. Será essa, a propósito, a primeira centelha a encadear a perene rivalidade com o representativo e controverso crítico literário. Quanto ao morro da Favella, bastante provável é que o crítico esteja se referindo às excursões dos “vanguardistas” às periferias do Rio, e cuja finalidade era promover o câmbio entre a cultura popular e a erudita, bem ao sabor das transposições efetuadas, por exemplo, por Mário de Andrade, na literatura (SOUZA, 1979e SOUZA, Gilda de Mello. O tupi e o alaúde: uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades, 1979.), e por Heitor Villa Lobos (1887-1959), na música (ARCANJO JUNIOR, 2007ARCANJO JUNIOR, Loque. O ritmo da mistura e o compasso da história: o modernismo musical nas Bachianas Brasileiras de Heitor Villa-Lobos. 2007. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007.). No que toca ao Circo Spinelli, deve-se ao empreendimento o mérito de ter sido, ainda à época da belle époque, o primeiro circo-teatro no Brasil, que, por promover a circularidade entre a cultura popular e a erudita (SOUSA JUNIOR, 2009de SOUSA JUNIOR,Walter.Mixórdia no picadeiro: circo, circo-teatro e circularidade cultural na São Paulo das décadas de 1930 a 1970. 2009. Tese (Doutorado em Teoria e Pesquisa em Comunicação) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.), acabou, posteriormente, por seduzir o grupo motivo de chacota de Tristão de Athayde.

No outro lado dos “outros lados”?

Retornando, finalmente, ao trecho onde se encontra o índice da denúncia de Athayde às estratégias de Sérgio Buarque de Holanda para se afirmar, elegendo os pares antitéticos como forma de estabelecer suas ideias e posições distintas, veremos como as enérgicas linhas do autor dos Estudos podem sugerir um capítulo à parte da autoconstrução intelectual do editor de Estética dentro do próprio grupo com o qual demonstrava afinidades. Para jogarmos com o próprio título do “texto-estopim” de Holanda, estaria ele buscando se assentar justo no outro lado dos “outros lados”? Vejamos:

Assim como quem diria - “o apostolado modernista é meu: seu é o lado opposto passadista”. Felizmente, não li ainda na penna do sr. Buarque de Hollanda esse execravel - “passadista”. Creio que elle é moderno demais para empregal-o. E o velho trocadilho acima é uma pura calumnia... Mas no fundo é o facto entre nós. O que o sr. Buarque de Hollanda quer é reivindicar o bastão de orientador do verdadeiro modernismo. Como nunca o pretendi, peço-lhe que o peça ao sr. Graça Aranha ou a outros da nossa esquadra academico-modernizante. (ATHAYDE, 1929aATHAYDE, Tristão de [Alceu Amoroso Lima]. Constructivismo e destructivismo. In: Estudos (1ª série). 2. ed. Rio de Janeiro: Edição de “A Ordem”, 1929a [1926]. p. 170-178. [1926], p. 172, 173, grifo do autor em “academico-modernizante”).

No que corresponde ao mencionado Perspectivas, artigo de Sérgio Buarque que, mediante meticuloso jogo de elipses, encetará a celeuma acerca do surrealismo, traz, a certa altura, uma verdadeira ode ao doravante inspirador universo onírico:

Hoje mais do que nunca toda arte poética ha de ser principalmente - por quasi nada eu diria apenas - uma declaração dos direitos do Sonho. Depois de tantos séculos em que os homens mais honestos se compraziam em escamotear o melhor da realidade, em nome da realidade temos de procurar o paraizo nas regiões ainda inesploradas. Resta-nos, portanto, o recurso de dizer das nossas expedições armadas por esses domínios. Só á noite enxergamos claro. (HOLANDA, 1925de HOLANDA, Sergio Buarque. Perspectivas. Estética, ano II, v. 1, n. 3, abr./jun. 1925., p. 273, grifos do autor).

A bem da verdade, o texto é, em parte, uma réplica cifrada ao artigo O supra-realismo, publicado pelo crítico carioca, também em 1925. As suas linhas expressam claramente a tonalidade do diapasão do pensamento conservador, na medida em que afirma o caráter desagregador e homogeneizante do movimento liderado por André Breton (1896-1966) e outros. Movimento que se apresenta como “uma infecção literária natural, que corresponde ao espírito de toda uma época” (LIMA, 1966LIMA, Alceu Amoroso. O supra-realismo. In: COUTINHO, Afrânio (org.). Estudos literários, vol. I. Rio de Janeiro: Aguilar, 1966 [1925]. p. 902-914. [1925], p. 904). Para Amoroso Lima, se o “pensamento antigo e medieval procurou sobretudo ‘diversificar’ as coisas”, o moderno “procurou de preferência ‘homogeneizar’” (LIMA, 1966LIMA, Alceu Amoroso. O supra-realismo. In: COUTINHO, Afrânio (org.). Estudos literários, vol. I. Rio de Janeiro: Aguilar, 1966 [1925]. p. 902-914. [1925], p. 904). Pois bem, algumas páginas depois, ao discorrer sobre o caráter definidor da ciência e da inutilidade do particular para a definição do conceito, o crítico paulistano reitera o que seria o apego de Alceu Amoroso ao realismo medieval, o qual preconiza, a partir de Tomás de Aquino, que o particular é a dimensão conformadora do mundo dos sensíveis, em contraposição ao universal, que se realiza mediante à operação do intelecto. Da “quididade” do particular, pois, se alcança o universal, uma vez que o processo de abstração depende das imagens sensíveis, tornando-as inteligíveis. Tal processo é fundamental para o conhecimento, conforme o tomismo, “pois une em si os elementos corpóreos e inteligíveis” (PAIVA; FARIAS, 2017PAIVA, Anselmo Chagas de; FARIAS, Cleber de Lira. Relação entre o sensível e o inteligível em Santo Tomás de Aquino. Revista Coletânea, Rio de Janeiro, v. 16, n. 31, p. 11-23, jan./jun. 2017., p. 20). Vejamos:

Acontece, porém, que para certos homens o essencial continua sendo o que ha de particular, o que ha de milagroso, o elemento irredutível em cada cousa. São esses homens, os que obedecem ás leis divinas e esquecem as outras, as das cidades que reclamam com violência um regresso a esse estado de guerra que não é mais do que uma conformação com a vida. (HOLANDA, 1925de HOLANDA, Sergio Buarque. Perspectivas. Estética, ano II, v. 1, n. 3, abr./jun. 1925., p. 275, grifos do autor).

Ainda no ano de 1925, Buarque de Holanda merecerá a tréplica num longo artigo, publicado em 4 de outubro, em O Jornal, chamado A salvação pelo Angélico, clara referência a Aquino, assim como o prelúdio de sua definitiva conversão, que acontecerá em 1928, porém exposta, em 1927, nos capítulos de Estudos (1ª série). Será a esse, pois, que a tréplica do paulista virá em forma de resenha, marcando o limite irredutível entre as perspectivas ontológicas de ambos: Amoroso Lima assumirá, em 1928, a direção do Centro Dom Vital, após a morte repentina do seu mestre e fundador, Jackson de Figueiredo (1891-1928), bem como as edições da revista A Ordem, criada em 1921 por Figueiredo, Hamilton Nogueira (1897-1981), Jonathas Serrano (1885-1944) e outros católicos comprometidos, sob o apoio do então cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme (1882-1942). Publicação essa cuja linha programática pautava a intervenção do catolicismo laico - nesse período, de viés direitista - nas questões políticas e socioculturais do país (QUADROS, 2014QUADROS, Eduardo Gusmão. O catolicismo integral: fé e política em Alceu Amoroso Lima. PLURA, Revista de Estudos de Religião, v. 5, n. 2, p. 36-50, 2014.; ARDUINI, 2015ARDUINI, Guilherme Ramalho. Em busca da Idade Nova: Alceu Amoroso Lima e os Projetos Católicos de Organização Social (1928-1945). São Paulo: Edusp, 2015.). Buarque de Holanda, por sua vez, ia se consolidando como ativo cronista nas páginas de vários dos grandes periódicos da época. O que o levaria, após breve isolamento em Cachoeiro do Itapemerim, dirigindo, em 1926, o jornal O Progresso, a aceitar o convite de Assis Chateaubriand (1892-1968) para, em 1929, trabalhar como correspondente de O Jornal, em Berlim, onde permanece até o início de 1931. Quanto à passagem da resenha ao livro do católico, parecia Sérgio Buarque antever, naquelas reflexões, certa tentativa idealista de reatamento de um elo perdido entre dois mundos e temporalidades históricas radicalmente irreconciliáveis. Ao argumentar sobre a perfeita coincidência da concepção católica do mundo com a sua “exigência de uma solução dos elementos anárquicos do cristianismo”, dos princípios mesmos que criam e que nutrem a ordem civil, a moral urbana, da exigência, por fim, de “uma pacificação impossível do espiritual com o temporal”, asseverará que

nenhuma outra doutrina conviria tão plenamente a um homem que aspira a organizar a sua desordem neste mundo sem recusar subvenções do outro mundo. E que, mesmo independente delas, aí não vierem, desejaria “restabelecer um equilíbrio da vida, disciplinar os demônios da liberdade”. [...] Não se pode mais hoje, como no tempo de Santo Agostinho, ser ao mesmo tempo e simultaneamente um cidadão do céu e da terra. E o pensamento que realmente quiser importar para a nossa época há de se afirmar sem nenhum receio pelos seus reflexos sociais, por mais detestáveis que estes pareçam. (HOLANDA, 1989bde HOLANDA, Sérgio Buarque. Tristão de Athayde. In: BARBOSA, Francisco de Asis (org.). Raízes de Sérgio Buarque de Holanda. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Rocco , 1989b. p. 111-115. [originalmente publicado no Jornal do Brasil, em 29 de agosto de 1928]. [1928], p. 113-114, grifos do autor).

Finalmente, Alceu Amoroso Lima responde a resenha de Holanda, em 1929, mediante carta que notadamente extrapola o pacto epistolar entre remetente e destinatário, endereçando-se ao público em geral no intuito de lhe apresentar a cabal declaração de sua conversão ao catolicismo e o definitivo “adeus à disponibilidade”. Em um dos últimos parágrafos desse texto, dirige-se ao paulista com o seguinte tom: “V. escolheu o caminho da inopção. V. extralimitou todos os seus limites. É possível que para fazê-lo tenha tido de vencer em si próprio muralhas tão intransponíveis, desertos tão áridos e tão martirizadores, como os daqueles que seguiam o caminho contrário” (LIMA, 1969LIMA, Alceu Amoroso. Adeus à disponibilidade (Carta a Sérgio Buarque de Holanda). In: Adeus à disponibilidade e outros adeuses. Rio de Janeiro, Agir, 1969 [1929]. p. 15-20. [1929], p. 19). E conclui com as seguintes linhas:

Mas os caminhos da vida não nos separam. Eu confio profundamente no sentido, que V. tem, do que há de trágico na Verdade, ou, como V. escreveu no seu ensaio sobre Thomas Hardy: “Sòmente o caminho do Mal e a experiência da Dor podem nos transferir para um mundo mais elevado. A dor é um enriquecimento, uma simples escala, um elemento indispensável para a nossa ascensão. É esse o sentido fundamental da tragédia cristã”. Quem escreveu essas linhas é que compreendeu até onde vai a sombra da Cruz. E é por lá que nos encontraremos. (LIMA, 1969LIMA, Alceu Amoroso. Adeus à disponibilidade (Carta a Sérgio Buarque de Holanda). In: Adeus à disponibilidade e outros adeuses. Rio de Janeiro, Agir, 1969 [1929]. p. 15-20. [1929], p. 19-20).

Ao que parece, pouco comovido com o íntimo tom que determina esse trecho da carta, Sérgio Buarque surpreendentemente quase que reedita, oito anos depois, na primeira edição de Raízes do Brasil, as linhas da resenha aos Estudos, acima fixadas. Em 1936, diga-se de passagem, “Alceu Amoroso Lima [já] falava em pós-modernismo. Indicava a mudança de qualidade no clima intelectual de então em face do momento de crise que marcou a época modernista” (GOMES JÚNIOR, 2011GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Crítica, combate e deriva do campo literário em Alceu Amoroso Lima. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 23, n. 2, p. 101-133, nov. 2011., p. 126). Vejamos, pois, o plano articulado de ideias postas em camada por Holanda a partir dos textos de 1928 e 1936. Contra o alegado tradicionalismo, expõe, de modo cifrado, as matrizes de pensamento do intelectual católico, em que, logo nas primeiras páginas do livro, nos deparamos com uma longa digressão, um parêntese aberto, típica técnica ensaística, para levar à superfície o debate presente com o seu interlocutor vivo. A provocação se configura como repetição acerca do hipotético anseio do católico de propor o estabelecimento, na Terra, no mundo dos homens organizados como sociedade civil, de uma hierarquia idealizada aos moldes do mundo medieval, por sua vez inspirado na ordem do mundo divino, e que, ainda de acordo com Holanda, mesmo naquele passado e tradição, não se tinha paralelo do nível de organização e hierarquia projetado por Athayde. Nessa empreitada, Sérgio Buarque de Holanda intenta, como já apontado, se voltar contra os intelectuais por ele chamados de “modernistas da ordem”, empenhados naquele afã de construção de uma via estético-política nacional, e para os quais os movimentos “espontâneos” de organização popular deveriam ser vistos com desconfiança. Desse modo, Sérgio Buarque demarca, como ressaltado, a primeira divisão responsável por selecionar e excluir, tempos depois, as personagens que, ou comporão o panteão de primeira hora do modernismo, ou descerão aos infernos como aquelas consideradas excrescentes aos novos tempos da modernidade nacional. Vejamos, enfim, a passagem:

A falta de cohesão em nossa vida social não representa, assim, um phenomeno moderno. E é por isso que erram profundamente aqueles que imaginam na volta à tradição, a certa tradição, a única defesa possível contra nossa desordem. Os mandamentos e as ordenações que elaboraram esses eruditos são, em verdade, criações engenhosas do espírito, destacadas do mundo e contrárias a ele. Nossa anarchia, nossa incapacidade de organização sólida, não representam a seu ver mais do que uma ausência da única ordem que lhes parece necessária e eficaz. Si considerarmos bem, a hierarquia que exaltam é que precisa dessa anarquia para se justificar e ganhar prestígio. (HOLANDA, 1936de HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1936., p. 6-7).

E, ao longo de algumas páginas mais, se voltará contra o seu alvo cifrado por meio de perguntas retóricas, e cuja sentença final se faz salpicada da característica ironia que anima grande parte dos artigos e resenhas de crítica literária a figurar nas páginas de jornais na década anterior:

E será legítimo, em todo caso, esse recurso ao passado em busca de um estímulo para melhor organização da sociedade? Não significaria, ao contrário, apenas um índice de nossa incapacidade de criar espontaneamente? As epocas realmente vivas nunca foram tradicionalistas por deliberação. [...] O enthusiasmo que pode inspirar essa grandiosa concepção hierarchica da sociedade, tal como a conheceu a Idade Media, é na realidade uma paixão de professores. (HOLANDA, 1936de HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1936., p. 7-9).

Um detalhe que agrega mais elementos à historicidade dessa questão é que, a partir da edição de 1948, Sérgio Buarque incorpora o advérbio “hoje” no enunciado final desse parágrafo: “O entusiasmo que pode inspirar hoje essa grandiosa concepção hierárquica, tal como a conheceu a Idade Média, é em realidade uma paixão de professores” (HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., p. 22). Muito provavelmente, tal acréscimo cumpria a finalidade de reforçar o debate perene, naquele presente, com um dos intelectuais cujas diatribes e disputas travadas seguirão até o fim de suas vidas, como se pode entrever, por exemplo, em entrevista de 1981, em que o nome de Amoroso Lima é evocado e cujo assunto orbita o acirramento, na década de 1930, das posições políticas entre os intelectuais. Para tal, o velho Holanda responde, sem muitos rodeios, rememorando a ocasião em que o francês Jacques Maritain (1882-1973) viera ao Brasil, “cheio de idéias antifranquistas”, e o brasileiro, “que era muito influenciado por ele, o procurou para pedir que não mencionasse esse problema, pois achava que não fazia sentido o Brasil se posicionar contra a Guerra Civil Espanhola. Isso dá um pouco a idéia de como ele era conservador” (HOLANDA, 2004de HOLANDA, Sérgio Buarque. Corpo e Alma do Brasil: entrevista de Sérgio Buarque de Holanda. Novos Estudos CEBRAP, n. 69, jul. 2004[1981]. [1981], p. 11).

Ainda em 1948, tem-se que o paulistano produz uma resenha ao livro Primeiros estudos, do carioca, publicado pela Editora Agir, nesse mesmo ano. Sugestivamente intitulada “Universalismo e provincianismo em crítica”, intenta, por meio da publicação do seu rival, tecer, entre outras coisas, sistemáticas críticas aos alegados excessos praticados pelos adeptos do formalismo crítico naquele período. Formalismo esse que, ao assumir, segundo o resenhista, a função do campo estético somente enquanto estrita autorreferencialidade, excluindo deliberadamente

todo elemento histórico, “ambiental”, biográfico, além de limitar, com conseqüências deploráveis, o campo de observação, parte de um pressuposto redondamente falso, o pressuposto de que a obra de arte é uma espécie de aerólito independente do mundo circunstante e, de certo modo, incompatível com ele. Trata-se, em suma, de uma versão só aparentemente mais tragável da doutrina da arte pela arte. (HOLANDA, 1996cde HOLANDA, Sérgio Buarque. Universalismo e provincianismo em crítica. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996c. p. 54-61. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 7 de novembro de 1948]. [1948], p. 59).************ ************ Ver versão reduzida desse texto, publicado posteriormente com título diferente e em outro jornal. Nele, Sérgio Buarque reafirma a mesma sinuosa crítica ao dogmatismo de Amoroso Lima, embora, também aí, não deixe de destacar a contribuição e a influência decisivas do autor na crítica literária brasileira: HOLANDA, 1996a [1948], p. 87-91.

Embora admitindo que Amoroso Lima não tivesse incorrido nessas “limitações que provêm de um apego estreito a miudezas formais e a outros bizantinismos”, ainda assim, assevera que tenha “padecido algumas vezes de limitações sérias” (HOLANDA, 1996cde HOLANDA, Sérgio Buarque. Universalismo e provincianismo em crítica. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996c. p. 54-61. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 7 de novembro de 1948]. [1948], p. 60), e de “enganos de perspectiva” (HOLANDA, 1996cde HOLANDA, Sérgio Buarque. Universalismo e provincianismo em crítica. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996c. p. 54-61. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 7 de novembro de 1948]. [1948], p. 58) verificáveis no volume em que se reúnem os escritos do católico, datados dos anos 1919 e 1920. Escritos que, segundo Holanda, permitem “surpreender o autor nas hesitações e desorientações que deveriam preceder a uma tomada de posição definida” após o “abalo que iria dirigir sua inteligência para a busca de novas sendas”, quando da “crise espiritual suscitada pela guerra de 1914-8” (HOLANDA, 1996cde HOLANDA, Sérgio Buarque. Universalismo e provincianismo em crítica. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996c. p. 54-61. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 7 de novembro de 1948]. [1948], p. 56). A partir desse gesto, e ao citar trechos do livro resenhado, Buarque de Holanda pontua que, se no estudo acerca da “poesia positivista”, Alceu Amoroso

ainda acreditava fortemente que a dúvida e o ceticismo representam nos “espíritos superiores” uma condição para a plena realização artística, logo em seguida admite a ressalva de que nos menos fortes “se torna até desejável, como elemento de lucidez e ordem mental, a existência de criações e opiniões determinadas”. Sente-se aqui uma vontade, ainda titubeante, é certo, de conciliar com os imperativos aparentes da hora as antigas e ainda ardentes devoções. Mas a conciliação é em realidade impossível nestes termos, e vemos como, aos poucos, o crítico terá de enveredar decididamente para a negação deliberada dos antigos ideais. (HOLANDA, 1996cde HOLANDA, Sérgio Buarque. Universalismo e provincianismo em crítica. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996c. p. 54-61. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 7 de novembro de 1948]. [1948], p. 56).

Negação tal que, menos de três anos depois, Sérgio Buarque identificará nas críticas tecidas pelo católico às correntes existencialistas (SANCHES, 2019SANCHES, Dalton. Agonística buarquiana: Sérgio Buarque de Holanda em combates com Gilberto Freyre e Alceu Amoroso Lima (1920-1960). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Ouro Preto, Minas Gerais, 2019.). Ao tentar contrapor a essa “filosofia de crise” (HOLANDA, 2011ade HOLANDA, Sérgio Buarque. Existencialismo. In: COSTA, Marcos (org.). Sérgio Buarque de Holanda: escritos coligidos. Livro II (1950-1979). São Paulo: Editora Unesp, Fundação Perseu Abramo, 2011a. p. 62-67. [originalmente publicado no Diário Carioca, em 25 de março de 1951]. [1951], p. 62), como classificará o resenhista, em 1951, a agenda afirmativa do seu “‘realismo’ filosófico” de matriz tomista, explicitará a continuidade do “imenso trabalho doutrinário e apostolar que ele desenvolveu sem intervalo através de grande parte daquele período” (HOLANDA, 1996cde HOLANDA, Sérgio Buarque. Universalismo e provincianismo em crítica. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996c. p. 54-61. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 7 de novembro de 1948]. [1948], p. 54), diz, ainda, na resenha aos Primeiros estudos. Citando excerto do livro do fluminense - e esse é o ponto que nos interessará mais de perto -, Sérgio Buarque de Holanda retoma o embate em torno do construtivismo: “Hoje - escrevia o autor, ainda em 1919 -, em torno às novas gerações há um desejo, pelo menos virtual, de ação. Ao período das atitudes de enfartamento intelectual, de requinte e de negação, sucede o ímpeto de afirmar e construir” (HOLANDA, 1996cde HOLANDA, Sérgio Buarque. Universalismo e provincianismo em crítica. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996c. p. 54-61. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 7 de novembro de 1948]. [1948], p. 57). Não se mostrando vencido, mais de duas décadas depois, pela áspera réplica do ainda Tristão de Athayde às suas acusações, repisará:

A convicção de que à “época de requinte e negação” deveria suceder o “ímpeto de afirmar e construir” é o que o conduziria, neste caso e durante longo tempo, à exacerbação do “construtivismo”, à busca de fórmulas mais ostentosamente ou mais indiscretamente “afirmadoras” e que não eram, ao cabo, mais do que uma negação de antigas, mas renitentes, negações: imagem invertida dos ídolos queimados. (HOLANDA, 1996cde HOLANDA, Sérgio Buarque. Universalismo e provincianismo em crítica. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996c. p. 54-61. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 7 de novembro de 1948]. [1948], p. 57).

Após a incursão pelos anos 1920, podemos pontuar que, atravessando esse período modernista do “anseio qualquer de construção”, que costura grande parte da sua crítica estético-política nessa década, passando pelos anos 1930, momento no qual se fixam as denúncias aos “artificialismos” e “exotismos” perpetrados pelos modernismos, contrapondo a esses “um humanismo brasileiro e cristão” (ATHAYDE, 1980de ATHAYDE, Tristão [Alceu Amoroso Lima]. De volta. In: TELES, Gilberto Mendonça (org.). Tristão de Athayde: teoria, crítica e história literária. São Paulo: Edusp , 1980 [1936]. p. 379-383. [1936], p. 383) capaz de rejuvenescer esse momento que denomina “pós-modernista”, e chegando até 1945, fase de seu aggiornamento, Alceu Amoroso Lima permanece ativo na acalorada interlocução com Sérgio Buarque de Holanda. Embora este último sempre conservasse a admiração e o respeito pelo seu adversário, nunca deixou de se contrapor à sua concepção estética imbricada a uma metafísica cristã, que, por sua vez, se coordenava a uma postura política que se arrogava liberal-democrática - a despeito de o estudioso católico ter comemorado a vitória de Franco na Espanha, rompido, em seguida, com o Estado Novo (GOMES JÚNIOR, 2011GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Crítica, combate e deriva do campo literário em Alceu Amoroso Lima. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 23, n. 2, p. 101-133, nov. 2011.), e, tempos depois, ter se transformado num dos mais incisivos combatentes intelectuais da Ditadura Civil-Militar************* ************* Período no qual, a despeito de suas singularidades e divergências, os dois intelectuais engrossam as fileiras dos críticos e opositores ao deplorável Golpe perpetrado no país a partir de 1964. Alceu Amoroso torna-se, por meio das páginas de sua coluna no Jornal do Brasil, um dos mais implacáveis e contundentes denunciadores do Golpe dado pelos militares em abril, bem como do subsequente período de atos de torturas nos porões do DOPS. Sabe-se, por exemplo, da sua representativa série de cartas trocadas com Frei Betto, prisioneiro político, e publicadas posteriormente como inúmeras crônicas a figurar no seu espaço no jornal, cuja coluna usava como verdadeira tribuna de “denúncia e extravasamento destas mesmas missivas, tornando-as ‘documento para amanhã’”. Contudo, “um amanhã presentificado, um amanhã que urgia - no agora da leitura - uma tomada de decisão por parte dos leitores, um posicionamento crítico acerca dos subterrâneos da nossa História contemporânea” (RODRIGUES, 2016, p. 213). Várias dessas crônicas foram reeditadas, também, em livros nos quais aparecem, por exemplo, seus primeiros e contundentes escritos de denúncia ao Golpe, surpreendentemente bem no calor do momento da deposição do Presidente João Goulart (ver LIMA, 1964, p. 231). Sérgio Buarque, por sua vez, para atermo-nos a apenas um conhecido e exemplar evento, em ato solidário aos seus colegas da Universidade de São Paulo, pede, no dia 30 de abril de 1969, sua aposentadoria nessa instituição, visando os “professores aposentados discricionariamente, na véspera, pelo AI-5” (HOLANDA, 2006, p. 444). de 1964. Fator, aliás, que define Alceu Amoroso Lima como uma das mais singulares e complexas figuras do meio intelectual do século XX, e que o leva a dizer, numa irreverente entrevista concedida ao programa “Canal Livre”, em 1981: “Eu comecei velho e acabo moço. Eu comecei como bombeiro e acabo incendiário” (LIMA, 2012LIMA, Alceu Amoroso. Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde) - Canal Livre. Alceu Amoroso Lima Memórias, 2012 [1981]. 1 vídeo (80 min. 12 s). Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=dy0893I0OrI&t=78s . Acesso em: 30 dez. 2020.
https://www.youtube.com/ watch?v=dy0893I...
[1981]).

De volta a Alceu em Raízes (1948)

Em tom autobiográfico, já em finais da década de 1970, Alceu Amoroso Lima relata a divisão em “três ciclos” da sua “evolução intelectual”. O primeiro diz respeito às preocupações com as “formas de expressão. E, portanto, predominantemente literário”. O segundo, orientado pela “preocupação com as idéias. E, portanto, predominantemente filosófico e religioso”. O terceiro, “dominado pela preocupação com os acontecimentos. E, portanto, predominantemente político-social” (LIMA, 1977LIMA, Alceu Amoroso. Revolução Suicida. Rio de Janeiro: Ed. Brasilia-Rio, 1977., p. 14). É, pois, na década de 1940 que se presencia mais acentuadamente o início do seu terceiro ciclo, de cuja pretensão liberalizante da conferência em homenagem ao Visconde de Cairu, da qual Holanda extrai a passagem que ora se reproduzirá, é peça componente das compósitas trajetórias e do sempre polêmico entrecruzamento dos dois intelectuais nos grandes problemas do seu tempo. Reproduzamos o trecho integralmente, pois, embora longo, é quase que por completo citação direta apropriada pelo historiador para a referida nota de rodapé do capítulo “Herança Rural”, na segunda edição de Raízes do Brasil:

Um ponto de vista oposto ao que se exprime aqui é o defendido pelo Sr. Alceu Amoroso Lima em conferência sobre Cairú, publicada a primeiro de novembro de 1944 no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro. Referindo-se aos Estudos do Bem Comum, assim se manifesta o ilustre pensador: “Na impossibilidade de analisar devidamente essa grande obra, seja-me permitido apenas, para provar a atualidade das idéias econômicas de Cairú e, de outro lado, a sua autonomia em face de seu mestre Adam Smith, relembrar um traço essencial de sua teoria da produção econômica. Haviam os fisiocratas colocado a terra como elemento capital da produção. Veio Adam Smith e acentuou o elemento trabalho. E com o manchesterianismo, o capital é que passou a ser considerado o elemento básico da produção. Pois bem, o nosso grande Cairú, no seu tratado de 1819, mencionando embora a ação de cada um desses elementos, dá sobre eles a preeminência a outro fator, que só modernamente, depois da luta entre o socialismo e o liberalismo de todo o século XIX, é que viria a ser destacado - a Inteligência”. E acrescenta, linhas adiante: “Cairú é o precursor de Ford, de Taylor, de Stakhanoff, a um século de distância”. (HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., p. 111-112, grifos do autor).

Sempre considerando tradicionalista e dogmática a postura do seu adversário, é claro o intento de Sérgio Buarque em identificar o “atraso” de Amoroso Lima calcado no liberalismo conservador, caro, como vimos, à tradição cuja linhagem se insere José da Silva Lisboa. Em suma, Buarque de Holanda pretendia denunciar, a partir de tais expedientes, a face “antimoderna” do pensador que se dizia, “ao mesmo tempo, como desde então [tem] tentado ser: católico em religião, tomista em filosofia, democrata em política, e modernista em arte” (LIMA, 1980LIMA, Alceu Amoroso. Ano zero. In: TELES, Gilberto Mendonça (org.). Tristão de Athayde: teoria, crítica e história literária. São Paulo: Edusp , 1980 [1952]. p. 397-405. [1952], p. 403 - grifos do autor). Voltemos, agora, nossa atenção ao detalhe textual estrategicamente engendrado pelo paulista: o trecho anteriormente citado é reprodução integral da emblemática nota incorporada, como dito, entre o predicado “pode dizer-se que, em 1819, já era um homem do passado” e o restante da sentença, “comprometido na tarefa...”. O recurso ao dispositivo representa um dos pontos latentes da agonística Buarque de Holanda-Amoroso Lima, aqui e acolá, em Raízes do Brasil, embora, como vimos, mais sub-repticiamente na edição de 1936. Ora, mesmo a quem desconhecia parte das polêmicas travadas desde a década de 1920, não passa despercebida a comprometedora associação - pela disposição da nota em meio a peremptório teor discursivo - entre autores pertencentes a duas gerações que, ao menos aparentemente, estariam apartadas por estruturas históricas distintas.

Um importante elemento, tanto estilístico como político, da segunda edição de Raízes do Brasil, diz respeito ao recurso à colagem: todo o trecho que traz as considerações sobre o economista é importado de publicação anterior a essa edição do ensaio. Com algumas poucas, porém representativas, modificações em sua reprodução quase integral na obra, o artigo sugestivamente intitulado “Inatualidade de Cairu”, originalmente publicado em O Estado de São Paulo, em 14 de março de 1946, é um índice da incessante preocupação de Buarque de Holanda com a (re)escrita e, consequentemente, com o sentido a partir do qual a narrativa irá ser conduzida, tendo em vista os recursos formais mobilizados e os seus efeitos na imaginação do/a leitor/leitora ideal. Interessante notar como, no artigo de imprensa, certas nuances do discurso indireto, se contrastadas com a forma como fora elaborado em torno do mesmo objeto, em Raízes do Brasil, confirmam as potencialidades figurativas que a própria “natureza” da forma ensaio permite. Logo no primeiro parágrafo, Holanda demonstra seu incômodo quanto a determinadas recepções, no século XX, a partir de 1935, especificamente, do autor do XIX, cujo empenho dirige-se, segundo ele, à promoção de um retorno das ideias de Cairu e à proclamação de sua suposta atualidade naquele contexto político (HOLANDA, 2011bde HOLANDA, Sérgio Buarque. Inatualidade de Cairu. In: COSTA, Marcos (org.). Sérgio Buarque de Holanda: escritos coligidos. Livro I (1920-1949). São Paulo: Editora Unesp, Fundação Perseu Abramo, 2011b. p. 265-269. [originalmente publicado em O Estado de São Paulo, em 14 de março de 1946]. [1946], p. 265).************** ************** Parte dessa recepção glorificadora do influente visconde começa por volta de 1935 e perdura até a década de 1970. A partir do cuidadoso mapeamento realizado por Antonio Penalves Rocha, tem-se um índice de suas curvas e tonalidades, que vão do mais moderado até o eloquente e disparatado discurso a favor do autor do XIX. Em Vilhena de Moraes, por exemplo, “a glorificação de Cairu alcançou seu ponto culminante: aqui ele apareceu como o ‘primeiro sociólogo do mundo em ação’ que, ao valorizar a inteligência em detrimento do trabalho, ‘volta-se contra Marx’, tendo sido o ‘precursor entre nós, e talvez no mundo inteiro, da teoria do valor da inteligência’. Um ano depois do trabalho de Vilhena de Moraes, Silva Lisboa era identificado como ‘precursor de Keynes, Pareto, Roosevelt, List, Marx e Engels, Elísio de Oliveira Melchior’. A última manifestação dessa louvação disparatada de Cairu foi feita por alguns escritores dos anos 1970” (ROCHA, 2001, p. 27). Ao sugerir a encarnação do atraso secular nos espíritos de alguns dos seus contemporâneos, presenciamos, ainda no artigo para o Estado de São Paulo, o tom de perplexidade dado pelo historiador ao fato de

um pensador tão respeitável como Alceu Amoroso Lima, descobr[ir] nas vagas e mal sistematizadas alusões de Lisboa a inteligência como fator de produção econômica, a verdadeira medida de sua importância para a época presente, ao ponto de arriscar esta afirmação surpreendente: “Cairu é o precursor de Ford, de Taylor, de Stakhanov, a um século de distância”. (HOLANDA, 2011bde HOLANDA, Sérgio Buarque. Inatualidade de Cairu. In: COSTA, Marcos (org.). Sérgio Buarque de Holanda: escritos coligidos. Livro I (1920-1949). São Paulo: Editora Unesp, Fundação Perseu Abramo, 2011b. p. 265-269. [originalmente publicado em O Estado de São Paulo, em 14 de março de 1946]. [1946], p. 265-266).

Na sentença, percebemos que, diferentemente das críticas a Cairu, em Raízes do Brasil, o artigo de jornal nos apresenta um Sérgio Buarque que, colocando em cena, mais uma vez, o seu companheiro de geração, intervém no debate político adotando um gesto de escrita cujas estratégias são quase que destituídas daquela expressão que plasma o ensaísmo elíptico e antiperemptório previsto, em parte, ainda, no livro de 1948. Se dele nos permitimos inferir algumas afinidades com recursos advindos da retórica ficcional, como a ironia e sua estreita relação com certo discurso indireto, no “Inatualidade de Cairu” notamos, mais nitidamente, a tomada de partido e certo convite ao/à leitor/leitora para que se atente às condutas e aos interesses em questão no contexto discursivo. Isso posto, podemos dizer do cuidado estilístico do autor entre a consciência do caráter pragmático e fugaz da recepção de ensaio de imprensa e aquele que intrinsecamente exige da/o leitora/leitor certo esforço especulativo e imaginativo, capaz de se tornar cúmplice de uma escrita que, a todo instante, o sopra nos ouvidos que o que ali se passa é uma tentativa constante de exercício interpretativo, em que nada é dado a priori. O artigo de imprensa, portanto, é quase que destituído de esquemas sintáticos, entoações e colorações lexicais que nos conduzem à transmissão do discurso de outrem (BAKHTIN, 2010BAKHTIN, Mikhail M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, com a colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.). As associações de ideias, quase diretas, lineares e menos alusivas do “Inatualidade de Cairu”, são evitadas na tessitura da intriga desse capítulo do livro reeditado. No jornal, o ensaísta antecipa a sugestiva nota por meio de trecho em que salienta a recepção representada por Amoroso Lima. Se bem compreendemos, Holanda abre o pequeno artigo aventando que o pensador católico reproduz, naquele momento político, a semanticamente conotada inteligência como uma “herança rural” no campo das ideias.

A inteligência segundo o tomismo

Sabe-se que o fator inteligência é concebido por Tomás de Aquino como a mais fundamental potência para o acesso à divindade, uma vez que é por meio dela, sendo o senso do real, que se empreende a atividade intelectiva para o senso do divino nos seres e nas coisas do mundo. Em suma, será somente pelo recurso à inteligência que se poderá extrair a essência das coisas e, consequentemente, de Deus, pois é pelo exercício reflexivo que se converte em ato o que ainda se encontra em potência. Quanto ao neotomismo, sua recepção no Brasil se concretiza tendo como bastião o Centro Dom Vital, fundado em 1922, por Jackson de Figueiredo e, após a sua morte, em 1928, assumido, como já afirmado, por Alceu Amoroso Lima, nessa época recém-convertido pelo próprio Figueiredo, um de seus grandes mestres e com o qual estabeleceu uma vasta e constante correspondência epistolar (LIMA; FIGUEIREDO, 1991LIMA, Alceu Amoroso; FIGUEIREDO, Jackson de. Correspondência: harmonia dos contrários. Rio de Janeiro: ABL, 1991.). O Centro foi uma das principais entidades do laicato católico a promover o incentivo à cultura, a intervenção na política e no campo do conhecimento no século XX, e cuja linha de pensamento orientava-se à direita do espectro político - embora tenha tido, décadas depois, papel central, com Amoroso Lima à frente, na construção do Concílio Vaticano II, responsável por promover mudanças estruturais nas bases da Igreja no que diz respeito, entre outros, aos problemas sociais e econômicos do mundo contemporâneo (COSTA, 2006COSTA, Marcelo Timotheo da. Um itinerário no século: mudança, disciplina e ação em Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2006.). Em seu periódico de divulgação, na revista A Ordem, pode-se encontrar, nesse período, dezenas de referências diretas e indiretas à acepção de inteligência identificada ao tomismo. Em artigo assinado pelo próprio Tristão de Athayde, no qual declara seu comprometimento em assumir a direção da revista após a morte de Jackson de Figueiredo, apresenta a nova linha editorial do seguinte modo: “A Ordem passa agora a ser uma revista catholica de cultura geral, visando mais a intelligencia que os acontecimentos. Pois, segundo a boa tradição do pensamento catholico, o visivel é guiado pelo invisivel e uma acção nos espiritos não será nunca infecundada na pratica” (ATHAYDE, 1929bde ATHAYDE, Tristão [Alceu Amoroso Lima]. Obedecendo. A Ordem, Rio de Janeiro, jan./fev. 1929b. Consultado no Acervo Digital da Biblioteca Nacional, Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/367729/8 . Acesso em: 30 dez. 2020.
http://memoria.bn.br/docreader/367729/8...
, p. 5-6). Ou, com menção direta à doutrina de Aquino: “O objecto da intelligencia não é para o thomismo uma pura representação subjectiva, mas o ser, que ella attinge, no seu primeiro acto, em toda a sua extensão e plenitude real: ens est prima conceptio intellectus” (LEONEL FRANCA, 1929LEONEL FRANCA, S. J. Caracteres fundamentaes do thomismo. A Ordem, Rio de Janeiro. n. 3, set. 1929. Consultado no Acervo Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/367729/583 . Acesso em: 30 dez. 2020.
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, p. 37).

De um ponto de vista sociológico, podemos afirmar que a disputa entre Sérgio Buarque de Holanda e Alceu Amoroso Lima estava conectada aos espaços institucionais e estruturas de poder as quais cada qual ocupava. Disputa que, cada qual com seus interesses, suas estratégias políticas e seus debates epistemológicos, era travada entre uma eminente prática universitária e uma cultura de ensino e pesquisa a, gradativamente, se estabelecer como eixo hegemônico para a vida cultural do país, representada pela Universidade de São Paulo, e aquelas instituições vinculadas à Igreja Católica, cujo expoente é, certamente, o Centro Dom Vital. Nesse domínio, é fundamental destacar, ainda, a atuação de Amoroso Lima como professor catedrático de literatura brasileira na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e na Universidade Santa Úrsula - das quais contribuiu para a fundação -, bem como na Faculdade Nacional de Filosofia, da antiga Universidade do Brasil. O Centro, particularmente voltado para o campo da intelectualidade, por meio do que denominou uma “reação espiritualista”, buscou “não apenas responder aos desafios postos à Igreja num contexto de conflitos sociais próprios da sociedade moderna emergente nos anos 1920, como ainda influenciar as políticas do Estado para a área da educação e cultura” (BASTOS; BOTELHO, 2010BASTOS, Elide Rugai; BOTELHO, André. Para uma sociologia dos intelectuais. Dados - Revista de Ciências Sociais. v. 53, n. 4, p. 889-919, 2010., p. 902). Nesse sentido, não custa recordar as ligações diretas, já na década de 1930, entre o católico e o Governo Vargas, especialmente na figura do Ministro da Educação, Gustavo Capanema (1900-1985). Da Universidade do Distrito Federal, projeto ambicioso concretizado por Anísio Teixeira (1900-1971) e outras figuras proeminentes do “escolanovismo”, o influente intelectual assumira a direção entre os anos de 1937 e 1938. No ano seguinte, fora autoritariamente extinta, e cujo bastião da reação católica a representar a pressão ideológica sobre os quadros da instituição fora nada menos do que Amoroso Lima (SILVA, 2010SILVA, Breno Carlos da. Gustavo Capanema: a construção das relações entre a Intelligentsia Nacional e o Estado no Brasil (1934-1945). 2010. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2010., p. 57-58).

Vale salientar que o Centro Dom Vital abria o seu periódico, também, para a divulgação e o debate de ideias políticas. Entre os vários artigos sobre o liberalismo no Brasil e sua relação com o catolicismo (ver, por exemplo, MENDES, 1932MENDES, Oscar. O liberalismo no Brasil sob o ponto de vista catolico. A Ordem, Rio de Janeiro, v. VII., n 23, jan. 1932. Consultado no Acervo Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/367729/2161 . Acesso em: 30 dez. 2020.
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), figura o “Cairú”, de Alceu Amoroso Lima, resultado de uma conferência proferida no Salão Nobre da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, em 23 de outubro de 1936, e patrocinada, a propósito, pelo Ministro da Educação. Posteriormente, é publicada no Jornal do Commércio, em 1º de novembro de 1944 - provavelmente era o que Holanda tinha em mãos quando redigiu o seu artigo -, e, 12 anos depois, aparece como apresentação dos Princípios de economia política, livro de José da Silva Lisboa, reeditado no ano de 1956.

Um curioso detalhe, ainda nesse texto, está no fato de Sérgio Buarque desprezar um dado fundamental na caracterização, mesmo que com exageros, feita pelo católico, da noção de inteligência tomada de Cairu. Tal fator matiza ou, no limite, neutraliza a leitura segundo a qual a palavra esteja desvinculada do trabalho manual, e conotada somente como um tapa-buracos, um sema aristocrático esvaziado de fundamento prático. O elemento em questão é a racionalização - grifada pelo autor. Vejamos a passagem, pelo paulista omitida, que, no artigo de Amoroso Lima, encontra-se localizada no núcleo mesmo do trecho citado em Raízes do Brasil: “Basta dizer que a theoria do dominio do fator intellectual, na producção, é o nervo da mais moderna das doutrinas economicas, a ‘technocracia’ baseada na racionalização da economia” (LIMA, 1936LIMA, Alceu Amoroso. Cairú. A Ordem, Rio de Janeiro, set./out. 1936. Consultado no Acervo Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/367729/5845 . Acesso em: 30 dez. 2020.
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, p. 228). Resta claro que o católico “liberal-democrata”, tal como o próprio Cairu e outros fizeram a partir de Edmund Burke (1729-1797),*************** *************** Ver os já mencionados LYNCH, 2017; e RICUPERO, 2010. propunha uma releitura pragmática de aspectos da economia política do liberal conservador do XIX para o enfrentamento dos desafios postos pela relação capital-trabalho, em finais da década de 1930 e ao longo da próxima. Indo mais longe, pode-se aventar que o fluminense estivesse lendo Cairu sob a ótica distributista do inglês G. K. Chesterton, intelectual católico e uma de suas grandes influências que - diga-se de passagem, escreveu uma biografia sobre São Tomás de Aquino - propunha uma “terceira via” entre o que julgava ter sido, naquele século XIX que findara em 1914, para pensarmos com Hobsbawm, a queda, tanto do capitalismo quanto do socialismo, no utilitarismo e no economicismo exacerbados, concentrando a propriedade nas mãos de poucos ou nas do Estado, e deixando de lado uma economia centrada no humanismo e na liberdade. Grosso modo, a sua base teórico-social se alicerça na ideia de que, contra o truste e o monopólio, se estimule a inteligência das livres associações entre pequenos grupos produtivos no seio das pequenas propriedades, com ênfase na família e no seu primordial caráter comunal. Assim expressa o autor, em 1926:

É todo o nosso argumento que o poder central precisa ter menos poderes para balancear e checar, e que esses devem ser os mais diversos: alguns individuais, alguns comunais, alguns oficiais, e assim por diante. É bem provável que alguns abusem de seus privilégios; mas preferimos esse risco àquele do Estado ou do truste, que abusam de sua onipotência. (CHESTERTON, 2016CHESTERTON, Gilbert Keith. Um esboço da sanidade - pequeno manual do distributismo. Campinas: Ecclesiae, 2016 [1926]. [1926], p. 53).

Tal como na “terceira via”, de caráter espiritualista, proposta pelo católico aos “extremos” dos modernismos em combate, como vimos, a sua leitura chestertoniana de Cairu - como uma espécie de futuro passado retido na perspectiva econômica do economista baiano - se orientará pela mesma solução. Parágrafos depois daquele citado e energicamente rebatido por Sérgio Buarque de Holanda, na edição de 1948 do seu clássico, dirá Alceu Amoroso Lima:

Silva Lisboa não se deixou levar por nenhum desses exaggeros unilateraes [...]. O nosso grande Cairu tirou de Adam Smith e de seu proprio engenho, um systema economico que se funda no trabalho e na liberdade, mas governados ambos pela intelligencia e pela justiça social. Hoje, como ha um seculo, o essencial de suas idéias póde ser subscripto por qualquer homem de Estado, por qualquer economista, por qualquer sociologo, ao par dos mais modernos ensinamentos da sciencia, dos mais exigentes preceitos de moral e dos mais altos interesses do bem comum. (LIMA, 1936LIMA, Alceu Amoroso. Cairú. A Ordem, Rio de Janeiro, set./out. 1936. Consultado no Acervo Digital da Biblioteca Nacional. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/367729/5845 . Acesso em: 30 dez. 2020.
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, p. 229, grifos do autor).

Avancemos 11 anos para dar a ver, agora, o teor das linhas de Chesterton, acima, reverberando vivamente no parágrafo de conclusão da obra O problema do trabalho: ensaio de filosofia econômica:

Para esse distributismo cristão e cooperativista cujo lema é a distribuição da propriedade para garantia da liberdade - é que devemos tender através do grupalismo, que defende a autonomia dos grupos sociais, intermediários entre o indivíduo e o Estado. Grupalismo, distributismo e cooperação, formas humanistas de convivência social, serão para nossos descendentes o fruto de nossas agonias atuais, se soubermos levar corajosamente a reconciliação definitiva entre a verdadeira Igreja e a verdadeira Democracia. (LIMA, 1947LIMA, Alceu Amoroso. O problema do trabalho: Ensaio de filosofia econômica. Rio de Janeiro: Agir, 1947., p. 284, grifos do autor).

Quanto à postura de Sérgio Buarque sobre releituras feitas pelo chamado liberalismo conservador brasileiro, tem-se um depoimento de Fernando Henrique Cardoso, que, em que pese o seu possível grau de ficcionalização, pode nos fornecer, além da tópica do atraso, um índice do peso funcional (BOURDIEU, 1968BOURDIEU, Pierre. Campo intelectual e projeto criador. In: POUILLON, Jean et al. (org.). Problemas do estruturalismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. p. 105-145.) exercido, tempos depois, pelo historiador naquele determinado campo intelectual, bem como das injunções específicas acerca da abordagem de certas tradições de pensamento no lugar institucional ao qual pertencia:

Sobre a “esquerda” e a “direita” no Brasil, há anos eu repito a frase que ouvi do historiador Sérgio Buarque de Holanda quando examinava uma tese de livre-docência sobre a política brasileira no Império. No trabalho, o autor confrontava o pensamento liberal, o conservador e o progressista. Sérgio, referindo-se a um personagem simbólico de nossos conservadores naquele período, perguntou com certa ironia ao candidato: você acredita que Bernardo Pereira de Vasconcelos lia Edmund Burke (um clássico do conservadorismo inglês, que via com maus olhos a Revolução Francesa)? Não, respondeu o próprio Sérgio, ele não era um verdadeiro conservador, não defendia ideias; ele era apenas um “atrasado”. (CARDOSO, 2016CARDOSO, Fernando Henrique. O certo e o errado. O Estado de São Paulo, 7 fev. 2016. Disponível em: https://fundacaofhc.org.br/files/o_certo_e_o_errado.pdf . Acesso em: 30/12/20.
https://fundacaofhc.org.br/files/o_certo...
, p. 1).

Pois bem, podemos afiançar, portanto, que as interpretações de Sérgio Buarque de Holanda acerca do pensamento conservador no Brasil, dentro da chave do “atraso”, compõem um programa que, compartilhado pelos autores abrigados pelo paradigma da formação, como brevemente notado, dotava-se de estratégias institucionais, epistemológicas e políticas para abertamente combater a aclimatação das ideias oriundas de figuras como Burke e Cairu, e, mais ainda, sua recepção no Brasil ao longo dos dois séculos anteriores. Buarque de Holanda e muitos de sua geração encontravam-se, nesse período, em pleno processo de construção de uma via para a vida cultural e universitária brasileira, a qual se consagra e se torna hegemônica. Além disso, num plano mais estrutural, as ideias de reforma que prezavam pela tradição e pelos legados do passado se tornavam, não sem razão, difíceis de tomar lastro no pensamento social das repúblicas sul-americanas século XX adentro, uma vez que os seus passados, de condição colonial, apresentavam-se como verdadeiros anátemas aos intelectuais e às classes políticas de orientação progressista (RICUPERO, 2010RICUPERO, Bernardo. O conservadorismo difícil. In: FERREIRA, Gabriela Nunes; BOTELHO, André (orgs.). Revisão do pensamento conservador: ideias e política no Brasil. São Paulo: Hucitec-FAPESP, 2010. p. 76-94.). No caso específico do Brasil, tem-se a herança colonial e, na sua esteira, o maculoso espectro da última escravidão a ser abolida, a escancarar renitentemente os seus incômodos resíduos no âmbito das relações sociais e das instituições contemporâneas.

Considerações finais

Se fomos bem-sucedidos, apresentamos o modo como a crítica de Sérgio Buarque de Holanda a Alceu Amoroso Lima, mediante uma gama de estratégias textuais e discursivas, assim como formas múltiplas com as quais se representa e se legitima no confronto com o seu rival católico, toma transversalmente a sua concepção tomista como, podemos dizer, um instrumento prático de classificação inscrito em contraposição a outros significantes hierarquicamente assentados, e cujo expediente baseia-se, entre outras coisas, em fundar as “marcas distintivas [para] frequentemente identificar as propriedades mais superficiais e mais visíveis associadas a um conjunto de obras ou de produtores” (BOURDIEU, 1977BOURDIEU, Pierre. La production de la croyance: contribution à une économie des biens symboliques. Actes de la recherche en sciences sociales, v. 13, p. 3-43, 1977., p. 39, grifos do autor).

Observamos que a historicidade desse movimento toma forma, ainda, nos tempos de vanguardismos abarcados pelo singular coletivo modernismo, a partir das competições e rivalidades estético-políticas dos anos 1920 - donde, ao discurso construtivista, antevisto pelo paulista como dogmático e “passadista”, opunha-se o projeto do modernismo do grupo de São Paulo -, até o combate ético-político em torno da formação sociocultural e dos aspectos da reflexão econômica que conformam e adensam a matriz progressista da segunda edição de Raízes do Brasil - contexto em que se inscreve, na chave do atraso, a perspectiva do liberalismo conservador brasileiro, representado, no caso, pelas leituras sobrepostas de Cairu feitas pelo fluminense.

O/a leitor/a, porventura, não especializado/a que abre, hoje, a edição consagrada de Raízes do Brasil pode não fazer ideia de que, para além de uma nota que supostamente cumpre apenas a função de exprimir um ponto de vista oposto ao do seu autor, Amoroso Lima é um personagem que, por quase todo o século XX, figura intensamente nas linhas da obra de Sérgio Buarque, descortinando uma vibrante interlocução entre dois dos grandes intelectuais brasileiros. No pano de fundo, um, a certa altura, progressista e o outro, até então, conservador autêntico, ensinando-nos, a cada reinscrição de suas proposições no debate contemporâneo, que a sanha autoritária deve ser contida pela defesa inarredável da fundamental convivência do contraditório na esfera pública.

Agradecimentos

Partes fundamentais deste artigo se beneficiaram das generosas e agudas observações de Elodia Lebourg e Guilherme Bianchi (revisão), Mateus Pereira, Emílio Maciel, Roberto Vecchi, Francisco Golvea de Sousa, Thiago Nicodemo, Henrique Estrada Rodrigues, Marcelo Rangel e Sérgio da Mata. Somos gratos, ainda, às/aos pareceristas, pelos incontornáveis apontamentos e sugestões que enriqueceram consideravelmente o texto.

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Notas

  • *
    Destaquemos Véra Lucia dos Reis (1998REIS, Véra Lucia dos. O Perfeito Escriba: Política e Letras em Alceu Amoroso Lima. São Paulo: Annablume, 1998.), Guilherme Simões Gomes Júnior (2011GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Crítica, combate e deriva do campo literário em Alceu Amoroso Lima. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 23, n. 2, p. 101-133, nov. 2011.) e Pedro Meira Monteiro (2012MONTEIRO, Pedro Meira. “Coisas sutis, ergo profundas”: O diálogo entre Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda. In: MONTEIRO, Pedro Meira (org.). Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda: correspondência. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras , 2012. p. 169-360.) como os poucos trabalhos que abordam, de modo indireto, porém densamente, o entrecruzamento entre Buarque de Holanda e Amoroso Lima nos tempos dos modernismos.
  • **
    São já conhecidas e consideravelmente estudadas as substanciais modificações efetuadas por Sérgio Buarque nas três primeiras edições de Raízes do Brasil (1936de HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1936., 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora , 1948., 1956), o que mereceu uma edição crítica no ano de 2016, em comemoração aos 80 anos de sua primeira publicação (HOLANDA, 2016de HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Edição crítica e comemorativa de 80 anos. São Paulo: Companhia das Letras,2016. ). Quanto a alguns dos importantes estudos acerca da miríade de problemas implicados nessas modificações, destacamos WAIZBORT, 2011WAIZBORT, Leopoldo. O mal-entendido da democracia: Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, 1936. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 76, p. 39-62, jul. 2011. e FELDMAN, 2013FELDMAN, Luiz. Um clássico por amadurecimento: Raízes do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 28, n. 82, p. 119-140, jun. 2013..
  • ***
    Para o envolvimento do intelectual com os projetos católicos de intervenção social entre os anos 1928 e 1945, ver ARDUINI, 2015.
  • ****

    Não custa sublinhar que, na cadeia de releituras da tradição do pensamento conservador brasileiro, Cairu e Alceu Amoroso são dois dos mais proeminentes receptores do pensamento de Edmund Burke (ver RODRIGUES, 2005RODRIGUES, Cândido Moreira. Fontes para pensar a trajetória do intelectual Alceu Amoroso Lima. Patrimônio e Memória, v. 1, n. 2, p. 74-85, 2005., p. 74-85), a partir do qual cada um, no seu tempo, traduzirá as ideias a fins de responder pragmaticamente a impasses e especificidades da situação local (ver LYNCH, 2017LYNCH, Christian Edward Cyril. Conservadorismo caleidoscópico: Edmund Burke e o pensamento político do Brasil oitocentista. Lua Nova. Revista de Cultura e Política, v. 100, p. 313-362, 2017., p. 313-362; e RICUPERO, 2010RICUPERO, Bernardo. O conservadorismo difícil. In: FERREIRA, Gabriela Nunes; BOTELHO, André (orgs.). Revisão do pensamento conservador: ideias e política no Brasil. São Paulo: Hucitec-FAPESP, 2010. p. 76-94.). Ainda que pertencente à “periferia do sistema internacional das relações intelectuais” (MICELI, 2001MICELI, Sergio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). In: Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 69-291., p. 126), as distintas ocupações do eminente representante do laicato da Igreja brasileira no campo intelectual interno levou-o a “importar sistemas de pensamento” que “melhor se ajustavam às características de suas posições e às demandas a que deviam responder por intermédio de suas obras” (MICELI, 2001MICELI, Sergio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). In: Intelectuais à brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 69-291., p. 126-127).
  • *****

    As citações feitas neste trabalho seguem ipsis literis as fontes consultadas, sem que houvesse qualquer atualização ortográfica ou gramatical para os textos mais antigos.
  • ******

    Ver HOLANDA, 1948de HOLANDA, Sérgio Buarque. Universalismo e provincianismo em crítica. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras , 1996c. p. 54-61. [originalmente publicado no Diário de Notícias, em 7 de novembro de 1948]., p. 90-91; e HOLANDA, 1936de HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1936., p. 45-46.
  • *******

    No que diz respeito a Cairu propriamente dito, um detalhado balanço historiográfico de sua recepção foi realizado por ROCHA, 2001ROCHA, Antonio Penalves. Introdução. In: Visconde de Cairu. Organização e Introdução de Antonio Penalves Rocha. São Paulo: Editora 34, 2001. p. 9-50..
  • ********

    Para uma ampla e adensada discussão do tema na historiografia, propriamente dita, ver RODRIGUES, 2015RODRIGUES, Henrique Estrada. O conceito de formação na historiografia brasileira. In: SOUZA, Francisco Gouvea et al. (org.). Teoria e historiografia: debates contemporâneos. 1. ed. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. p. 253-276. .
  • *********

    Ver, também, ARANTES, 1992ARANTES, Paulo Eduardo. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992..
  • **********

    Para uma análise aguda dos impasses e das especificidades do horizonte histórico no qual atua politicamente o autor do oitocentos, ver ARAUJO; PIMENTA, 2009ARAUJO, Valdei Lopes; PIMENTA, João Paulo. História. In: FEREZ JÚNIOR, João (org.). Léxico da História dos Conceitos Políticos do Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 119-140..
  • ***********

    Sabemos que o racionalismo moderno e o seu derivativo, o utilitarismo, compõem duas correntes de pensamento que, se opondo ao pensamento conservador, dão origem às suas elaborações como reação à sociedade industrial e ao advento da Revolução Francesa, e cujo emblema maior é, certamente, Edmund Burke, por sua vez receptado, no Brasil do século XX, por Amoroso Lima e outros. Ver, respectivamente, MANNHEIM, 1986MANNHEIM, Karl. O pensamento conservador. In: MARTINS, José de S. (org.). Introdução critica à sociologia rural. São Paulo: Hucitec , 1986. p. 77-131., p. 77-131; WILLIAMS, 1960WILLIAMS, Raymond. Edmund Burke and William Cobbett. In: Culture and Society (1780-1950). New York: Anchor Books, 1960. p. 3-22., p. 3-4; e RODRIGUES, 2005RODRIGUES, Cândido Moreira. Fontes para pensar a trajetória do intelectual Alceu Amoroso Lima. Patrimônio e Memória, v. 1, n. 2, p. 74-85, 2005., para o caso de Amoroso Lima.
  • ************

    Ver versão reduzida desse texto, publicado posteriormente com título diferente e em outro jornal. Nele, Sérgio Buarque reafirma a mesma sinuosa crítica ao dogmatismo de Amoroso Lima, embora, também aí, não deixe de destacar a contribuição e a influência decisivas do autor na crítica literária brasileira: HOLANDA, 1996ade HOLANDA, Sérgio Buarque. Entre a crítica e o apostolado. In: PRADO, Antonio Arnoni (org.). Sérgio Buarque de Holanda. O espírito e a letra: estudos de crítica literária (vol. II). São Paulo: Companhia das Letras, 1996a. p. 87-91. [originalmente publicado em O Estado de São Paulo, em 24 de dezembro de 1948]. [1948], p. 87-91.
  • *************

    Período no qual, a despeito de suas singularidades e divergências, os dois intelectuais engrossam as fileiras dos críticos e opositores ao deplorável Golpe perpetrado no país a partir de 1964. Alceu Amoroso torna-se, por meio das páginas de sua coluna no Jornal do Brasil, um dos mais implacáveis e contundentes denunciadores do Golpe dado pelos militares em abril, bem como do subsequente período de atos de torturas nos porões do DOPS. Sabe-se, por exemplo, da sua representativa série de cartas trocadas com Frei Betto, prisioneiro político, e publicadas posteriormente como inúmeras crônicas a figurar no seu espaço no jornal, cuja coluna usava como verdadeira tribuna de “denúncia e extravasamento destas mesmas missivas, tornando-as ‘documento para amanhã’”. Contudo, “um amanhã presentificado, um amanhã que urgia - no agora da leitura - uma tomada de decisão por parte dos leitores, um posicionamento crítico acerca dos subterrâneos da nossa História contemporânea” (RODRIGUES, 2016RODRIGUES, Leandro Garcia. Cartas de Esperança em Tempos de Ditadura - Frei Betto e Leonardo Boff escrevem a Alceu Amoroso Lima. Revista Brasileira de História das Religiões, ano IX, n. 25, maio/ago. 2016., p. 213). Várias dessas crônicas foram reeditadas, também, em livros nos quais aparecem, por exemplo, seus primeiros e contundentes escritos de denúncia ao Golpe, surpreendentemente bem no calor do momento da deposição do Presidente João Goulart (ver LIMA, 1964LIMA, Alceu Amoroso. Terrorismo Cultural. In: Revolução, reação ou reforma?. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1964. p. 231-232., p. 231). Sérgio Buarque, por sua vez, para atermo-nos a apenas um conhecido e exemplar evento, em ato solidário aos seus colegas da Universidade de São Paulo, pede, no dia 30 de abril de 1969, sua aposentadoria nessa instituição, visando os “professores aposentados discricionariamente, na véspera, pelo AI-5” (HOLANDA, 2006de HOLANDA, Maria Amélia Buarque. Apontamentos para a cronologia de Sérgio Buarque de Holanda. In: de HOLANDA, Sérgio Buarque . Raízes do Brasil. Edição comemorativa dos 70 anos. São Paulo: Companhia das Letras , 2006. p. 421-446., p. 444).
  • **************

    Parte dessa recepção glorificadora do influente visconde começa por volta de 1935 e perdura até a década de 1970. A partir do cuidadoso mapeamento realizado por Antonio Penalves Rocha, tem-se um índice de suas curvas e tonalidades, que vão do mais moderado até o eloquente e disparatado discurso a favor do autor do XIX. Em Vilhena de Moraes, por exemplo, “a glorificação de Cairu alcançou seu ponto culminante: aqui ele apareceu como o ‘primeiro sociólogo do mundo em ação’ que, ao valorizar a inteligência em detrimento do trabalho, ‘volta-se contra Marx’, tendo sido o ‘precursor entre nós, e talvez no mundo inteiro, da teoria do valor da inteligência’. Um ano depois do trabalho de Vilhena de Moraes, Silva Lisboa era identificado como ‘precursor de Keynes, Pareto, Roosevelt, List, Marx e Engels, Elísio de Oliveira Melchior’. A última manifestação dessa louvação disparatada de Cairu foi feita por alguns escritores dos anos 1970” (ROCHA, 2001ROCHA, Antonio Penalves. Introdução. In: Visconde de Cairu. Organização e Introdução de Antonio Penalves Rocha. São Paulo: Editora 34, 2001. p. 9-50., p. 27).
  • ***************

    Ver os já mencionados LYNCH, 2017LYNCH, Christian Edward Cyril. Conservadorismo caleidoscópico: Edmund Burke e o pensamento político do Brasil oitocentista. Lua Nova. Revista de Cultura e Política, v. 100, p. 313-362, 2017.; e RICUPERO, 2010RICUPERO, Bernardo. O conservadorismo difícil. In: FERREIRA, Gabriela Nunes; BOTELHO, André (orgs.). Revisão do pensamento conservador: ideias e política no Brasil. São Paulo: Hucitec-FAPESP, 2010. p. 76-94..
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento do Programa de Bolsas da Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação da Universidade Federal de Ouro Preto (PROPPI-UFOP) e do Programa de Doutorado-sanduíche no Exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PDSE-CAPES). (Processo: 88881.134175/2016-01).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2021
  • Aceito
    26 Abr 2021
Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho Faculdade de Ciências e Letras, UNESP, Campus de Assis, 19 806-900 - Assis - São Paulo - Brasil, Tel: (55 18) 3302-5861, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, Campus de Franca, 14409-160 - Franca - São Paulo - Brasil, Tel: (55 16) 3706-8700 - Assis/Franca - SP - Brazil
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