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Brasil-Iraque, 1978-1991: a formação de uma parceria técnico-militar

Brazil-Iraq, 1978-1991: the making of a military-technical partnership

Resumo

Sob a perspectiva da disciplina história das relações internacionais, o artigo discute as relações de segurança e de cooperação técnico-militar brasileiro-iraquianas, entre 1978 e 1991. Quatro estudos de caso examinam a ascensão, queda e legado de uma significativa parceria, bem como processos de tomada de decisão que resultaram em massivas transferências de material de emprego militar - inclusive de grandes sistemas de armas - de fabricação brasileira para o Iraque, transformando o país árabe num dos principais receptores de armas brasileiras no mundo. O manuscrito é resultado de pesquisa com fontes primárias consultadas no Arquivo Nacional. Conclui-se que as relações de segurança entre as partes foram alicerçadas em afinidades eletivas, convergências geopolíticas, interesses comerciais, e transcendente cooperação técnico-militar.

Palavras-chave:
Brasil; Iraque; Guerra Fria Latino-americana; transferência de armas e tecnologias; indústria de defesa; parcerias estratégicas; cooperação técnico-militar; autoritarismo

Abstract

From the International History perspective, the paper discusses Brazilian-Iraqi technical-military cooperation and security relations, between 1978 and 1991. Four case studies focus on the rise, fall and legacy of the partnership, and the decision-making process that resulted in massive transfers of material for military use - including major conventional weapons - made in Brazil to Iraq, making the Arab country one of the main recipients of Brazilian weapons in the world. The manuscript is the result of research based on primary sources consulted at the National Archives. It is concluded that the security relations between the actors were based on elective affinities, geopolitical convergences, commercial interests, and technical-military cooperation.

Keywords:
Brazil; Iraq; Latin America’s Cold War; arms and technology sales; defense industry; strategic partnership; military collaboration; authoritarianism

Entre 1978 e 1991 o Iraque, então governando pelo presidente Saddam Hussein, se erigiu no maior importador de material de emprego militar de fabricação brasileira, especialmente grandes sistemas de armas - isto é, de blindados, aviões, artilharia, mísseis, dentre outros. Segundo estatísticas do Stockholm International Peace Research Institute - SIPRI (2021SIPRI. TIV of arms exports from Brazil, 1978-1991. In: SIPRI Arms transfers database. Estocolmo: Stockholm International Peace Research Institute. Disponível em: Disponível em: https://www.sipri.org/databases/armstransfers . Acesso em: 11 nov. 2021.
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), material produzido pela Engesa-Engenheiros Especializados, a Avibrás Indústria Aeroespacial S. A. e a Empresa Brasileira de Aeronáutica-Embraer, com um valor orçado em US$ 595 milhões de dólares, foi transferido ao governo de Bagdá, então envolvido num conflito militar contra o Irã, vigente entre 1980 e 1988 (FARES, 2009FARES, Seme. O pragmatismo do petróleo: A relações entre o Brasil e o Iraque. Curitiba: Juruá, 2009.; HALLIDAY, 2002HALLIDAY, Fred. The Middle East in International Relations. Nova York: Lynne Rienner Publishers, 2002.).

Este manuscrito examina quatro casos específicos no contexto dessa cooperação técnico-militar bilateral: (i) o fornecimento de viaturas blindadas da Engesa - o EE-9 Cascavel e o EE-11 Urutu - ao Iraque e seu desempenho em campo, (ii) a pretensa transferência de concentrado de urânio brasileiro ao país árabe, (iii) o patrocínio financeiro seguido da compra do moderno sistema Astros da Avibrás, e (iv) o controvertido desenvolvimento de um míssil ar-ar - genérico do MAA-1 Piranha - por ex-funcionários da empresa Órbita Sistemas Aeroespaciais em território iraquiano.

O estudo desses casos se fundamenta em pesquisa com fontes primárias consultadas no Arquivo Nacional - quer dizer, na Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal. Especificamente, foi auscultado o denominado Acervo da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional - doravante SG/CSN. Cumpre sublinhar que o referido acervo conserva documentação produzida tanto por servidores dessa repartição, quanto documentação procedente de outras dependências civis e militares do governo brasileiro, bem como de empresas privadas com vínculos e interesses na questão da política do comércio internacional de armas. Acontece que a Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional era corresponsável do acompanhamento, da autorização e de outros procedimentos vinculados ao processo de tomada de decisão sobre eventuais transferências de armas de fabricação brasileira - tudo isso no contexto da denominada Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, vigente entre 1974 e 2018 (PUNGS, 1989PUNGS, Reiner. A indústria de armamentos e a política externa brasileira. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 1989.; MONTENEGRO, 1992MONTENEGRO, Marcelo. Indústria bélica e Diplomacia na Relação Brasil-Iraque (1979-1989). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992.). Todavia, a documentação primária foi objeto da crítica interna e externa. Em geral, entende-se que ela é autêntica, válida, legítima, confiável, pertinente e apropriada para ser utilizada numa pesquisa acadêmica. Também é utilizada literatura especializada e fontes hemerográficas.

Em termos teórico-metodológicos, e acompanhando o clássico trabalho de Andrew Pierre (1982PIERRE, Andrew J. The Global Politics of Arms Sales. Princeton: Princeton University Press, 1982., p. 3), aqui se entende que “As vendas de armamentos são muito mais do que uma ocorrência econômica, um relacionamento militar, ou um desafio ao controle de armas - as vendas de armamento são política externa no sentido mais obvio e profundo”. Também se aceitam, como pontos de partida teórico-metodológico e empírico, as ponderações de Barry Blechman (1990BLECHMAN, Barry. The Politics of National Security. Nova York: Oxford University Press, 1990., p. 116) no sentido de que “A motivação fundamental que impulsiona as exportações de armas não é econômica, ela é política - política internacional”. O mesmo autor considera que “A decisão de exportar armamento a um determinado país sugere uma implícita aprovação das políticas públicas do importador, ou ao menos de seu posicionamento no cenário internacional, e assim é entendido tanto pelos amigos quanto pelos adversários”. Observe-se que ambos os autores analisam o impacto das transferências de armamento na formulação e implementação da política externa de exportadores e importadores - bem como de outros atores estatais e não-estatais com vínculos na temática (DAVID, 2001DAVID, Charles-Philippe. A Guerra e a Paz: abordagens contemporâneas da segurança e da estratégia. Lisboa: Piaget, 2001. ).

Cumpre sublinhar que o arco temporal selecionado - isto é, a delimitação temporal do artigo, entre 1978 e 1991 - inclui o período de máxima cooperação técnico-militar bilateral. Do lado iraquiano, esse arco temporal corresponde ao regime comandado pelo Saddam Hussein e o partido Baath. De fato, a formação da parceria técnico-militar bilateral se iniciou mesmo antes do Saddam Hussein assumir formalmente o poder, em julho de 1979, após um golpe palaciano contra seu correligionário baathista Ahmed Hassan al-Bakr. Entretanto, já nessa época, o vice-presidente Saddam Hussein era considerado como o verdadeiro homem forte do regime iraquiano. Mesmo que utilizando-se de uma retórica revolucionária e de uma alegada inspiração nasserista - isto é, nacionalista, pan-arabista e nacional-desenvolvimentista -, o regime comandado pelo presidente iraquiano era basicamente autoritário. E assim continuou sendo até sua deposição, em 2003, quando veio a ser derrubado pela invasão estadunidense (HALLIDAY, 2002HALLIDAY, Fred. The Middle East in International Relations. Nova York: Lynne Rienner Publishers, 2002.).

No caso brasileiro, entre 1978 e 1991 houve quatro governos federais, bem como uma transição no regime político do autoritarismo à democracia. Com efeito, destacaram-se os governos militares de Ernesto Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo, sucedidos pelos governos democráticos de José Sarney e Fernando Collor (CERVO; BUENO, 2002CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 2. ed. Brasília: Ibri, Edunb, 2002.). Ainda que uma contextualização mais completa e apurada desses quatro governos - ou mesmo da transição democrática - sejam relevantes, evidentemente ela demandaria de uma notória ampliação no escopo relativamente restrito e delimitado deste estudo. Sendo assim, em todo momento o autor deste manuscrito teve presente a relação direta e transcendente do problema-objeto com o devir da política doméstica e externa brasileira. De fato, essa preocupação aparece claramente na própria hipótese da pesquisa - enunciada no final desta Introdução -, e que sustentará analiticamente a existência de uma correlação positiva no tripé formado pela indústria de defesa, exportação de armas e política externa brasileira, como favor essencial deste estudo.

Outrossim, para além das peculiaridades domésticas e da inserção internacional de ambos os Estados no período 1978 e 1991, é importante também registrar e tomar nota de outros atores com vínculos e interesses no devir das relações bilaterais, especialmente no tocante à formação da parceria técnico-militar entre Brasília e Bagdá. Com efeito, no arco temporal selecionado também participaram - direta e indiretamente - outros atores globais e regionais. Leve-se em consideração, por exemplo, a recomposição da competição Leste-Oeste, as dinâmicas macrorregionais tanto no golfo Pérsico quanto na América do Sul, e a questão da complexa relação entre os denominados sistemas de causalidade e de finalidade - principalmente no tocante à noção de cálculo estratégico, ou vinculação entre objetivos, meios e riscos na análise da política externa, nos dizeres de Jean-Baptiste Duroselle (2000DUROSELLE, Jean Baptiste. Todo Império Perecerá: teoria das relações internacionais. Brasília: Edunb, 2000. ). Esses outros atores globais e regionais, bem como o devir do sistema internacional, certamente incidiram na formação da parceria técnico-militar brasileiro-iraquiana. Chegados a este ponto, parece suficiente reconhecer sua considerável relevância empírica e teórico-metodológica no estudo das relações internacionais contemporâneas, em geral, e da política externa brasileira, em particular (PREISS, 2006PREISS, José. América do Sul e Oriente Médio sob influências internacionais através de um estudo de caso: as relações Brasil-Iraque (1964-1991). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.).

Todavia, vale reconhecer que, por opção teórico-metodológica no campo dos estudos e pesquisas em história das relações internacionais, entende-se que a análise interpretativa fundamentada em fontes primárias - especialmente as fontes recentemente desclassificadas e praticamente inéditas - recomenda focar a deliberação, num primeiro momento, na riqueza da própria documentação em apreciação. Acredita-se, portanto, que novas contribuições de pesquisadores interessados na temática podem vir a complementar, reafirmar ou até refutar algumas das inferências aqui levantadas.

A pergunta orientadora deste manuscrito é a seguinte: como e por que a cooperação técnico-militar brasileiro-iraquiana atingiu um patamar tão elevado entre 1978 e 1991? A hipótese do artigo sugere que essa parceria teria sido resultado, de um lado, da razoável e eficiente articulação entre indústria de defesa, exportação de armas e política externa brasileira, e de outro lado, das necessidades imperativas do governo de Bagdá por novos fornecedores de armamento de qualidade e positiva relação custo-benefício - tudo isso no contexto geral de um conflito ofensivo-defensivo contra o Irã.

EE-9 Cascavéis e EE-11 Urutus da Engesa-Engenheiros Especializados em Dezful: batismo de fogo e avaliação de desempenho

Em 5 de maio de 1978, a embaixada brasileira em Bagdá informou ao Itamaraty que, após três semanas de intensas negociações, o diretor-presidente da Engesa-Engenheiros Especializados, José Luiz Whitaker Ribeiro, e representantes do Ministério da Defesa do governo do Iraque, tinham conseguido assinar dois importantes contratos para o fornecimento ao país árabe de viaturas blindadas EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu. Segundo o aviso do diplomata brasileiro, o montante desses acordos atingia a casa dos US$ 108 milhões de dólares.* * Paulo Alberto ao Ministério das Relações Exteriores, Telegrama 212 (Secreto-urgente), Bagdá, 5 mai. 1978, Arquivo Nacional-Acervo da Secretária-Geral do Conselho de Segurança Nacional - doravante AN -: SNA AMG 13, p. 136/161. Em consequência, tratava-se do maior contrato já assinado, tanto pelo referido Ministério de Defesa com um fornecedor estrangeiro, quanto pela empresa brasileira com um importador de outro país (ATTUCH, 2003ATTUCH, Leonardo. Saddam: o amigo do Brasil. São Paulo: Qualitymark, 2003.; PREISS, 2006PREISS, José. América do Sul e Oriente Médio sob influências internacionais através de um estudo de caso: as relações Brasil-Iraque (1964-1991). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.). Todavia, a mensagem acrescentou o seguinte:

Adiantou-me o Dr. Whitaker Ribeiro que missão técnica daquele Ministério deverá visitar o Brasil, a convite da Engesa, dentro dos próximos três meses, com objetivo de ampliar e diversificar a compra de carros blindados e de outros equipamentos fabricados pela Engesa, o que poderá significar até o fim deste ano uma duplicação dos valores atingidos nos presentes contratos iniciais.** ** Ibid.

A assinatura desse volumoso contrato de fornecimento de grandes sistemas de armas de fabricação brasileira ao Iraque pode ser considerada como o início da cooperação técnico-militar, parceria que acabou se prolongando pelo menos até 1991 (FARES, 2009FARES, Seme. O pragmatismo do petróleo: A relações entre o Brasil e o Iraque. Curitiba: Juruá, 2009.; SALEH et al., 2010SALEH, Alexandre et al. Relações Brasil/Iraque: desenvolvimento nacional e projeto de potência (1973-1985). Fronteira, Belo Horizonte, v. 9, n. 18, p. 7-25, 2010.; CONCA, 1997CONCA, Ken. Manufacturing Insecurity: The rise and fall of Brazil’s military-industrial complex. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1997.). A bem da verdade, as fontes consultadas sugerem que contatos preliminares no campo da segurança e da defesa entre autoridades iraquianas e empresas brasileiras - que contavam com aprovação e anuência do governo de Brasília - podem ser rastreados desde 1975. Esses contatos iniciais foram impulsionados pelas ainda mais antigas relações econômicas bilaterais, especialmente as alicerçadas pela Braspetro, subsidiária da empresa Petróleo Brasileiro-Petrobrás (TOSCANO, 2004TOSCANO, Daniella. A Influência do sistema Petrobrás sobre a ação externa do governo de Ernesto Geisel (1974-1979). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 2004.; WANG, 2003WANG, Ana. Os Anos Geisel: dilema energético e política exterior. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de Brasília, Brasília, 2003.).

Pouco tempo depois, a Engesa, que já tinha assinado importantes contratos para o fornecimento de viaturas blindadas e caminhões todo-terreno com os governos da Líbia, do Chile e da Bolívia, auspiciou convites para visitas de oficiais iraquianos de alta patente às suas fábricas, bem como para presenciar demonstrações de seus produtos, principalmente do EE-9 Cascavel e do EE-11 Urutu - operacionais desde 1974. Cumpre insistir que os convites aos representantes do governo iraquiano eram conhecidos e aprovados pelas autoridades do governo brasileiro, encabeçado pelo general Ernesto Geisel. No contexto do II Plano Nacional de Desenvolvimento, o governo de Geisel e o de seu sucessor, João de Oliveira Figueiredo, tinham muito interesse em ampliar e diversificar a pauta de exportações para o Iraque, um país com importantes recursos energéticos e considerável capacidade de investimento (HARTOG, 1989HARTOG, Carlos. O Brasil e o Oriente Médio. Cadernos do IPRI, Brasília, n. 2, p. 143-152, 1989.; SANTANA, 2006SANTANA, Carlos. O aprofundamento das relações do Brasil com os países do Oriente Médio durante os dois choques do petróleo da década de 1970: um exemplo de ação pragmática.Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 49, n. 2, p. 157-177, 2006.).

Nesse sentido, em dezembro de 1979, o embaixador brasileiro em Bagdá, Samuel Alves Correa, declarou, por exemplo, o seguinte: “a ampliação da exportação brasileira para o Iraque deve ser condicionada pelos interesses iraquianos”. “Se os interesses iraquianos se dirigem para as máquinas, devemos exportar mais máquinas; se se concentrarem nos armamentos, devemos vender mais material militar para os iraquianos; se forem dirigidos para a tecnologia, devemos transferir tecnologia para o Iraque”, acrescentou. Algumas semanas depois, o mesmo funcionário - que era um general do exército brasileiro alocado como embaixador no país árabe - reafirmou que “Se o governo iraquiano precisa importar alimentos, serviços, armamentos ou tecnologia nuclear, o Brasil deve aproveitar todas essas possibilidades”.*** *** “Embaixador defende o pragmatismo do País”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 7.

Concomitantemente, a Engesa foi uma empresa brasileira fundada em 1958 e que acabou tendo decretada sua falência em outubro de 1993. Durante a maior parte do período foi administrada pelo engenheiro José Luiz Whitaker Ribeiro e familiares. Inicialmente a empresa dedicou-se a prestar serviços para a indústria petroleira. E a partir de 1970, atendendo a solicitação do alto comando do Exército brasileiro, ingressou no campo da indústria de defesa. Seus mais importantes projetos da época foram as viaturas blindadas EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu, bem como caminhões todo-terreno. Além de fornecer as referidas viaturas para as forças armadas brasileiras, a Engesa teve a virtude - e a necessidade - de procurar concorrer no mercado internacional. E nesse esforço conseguiu um resultado sumamente significativo, particularmente em países do Oriente Médio - com destaque para as transferências ao Iraque, Líbia e Egito (GAILLARD, 1980GAILLARD, Pierre. L’explosion mondiale de l’arsenal brésilien. Jeune Afrique, Paris, n. 1026, p. 1-3, 1980.). Assim, entre 1978 e 1991, a Engesa exportou ao Iraque 364 unidades do EE-9 Cascavel e 148 unidades do EE-11 Urutu, bem como alguns caminhões todo-terreno ou pesados. Desse modo, a Engesa logrou afirmar-se como uma das principais exportadoras de material de fabricação militar - e mais especificamente de grandes sistemas de armas (STRACHMAN; DEGL’LESPOSTI, 2010STRACHMAN, Eduardo; DEGL'LESPOSTI, Eduardo. A indústria de defesa brasileira: o setor de carros de combate e a Engesa. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 31, n. 1, p. 31-58, 2010.).

Para os fins deste estudo de casos é especialmente significativo auscultar as fontes primárias no que diz respeito ao desempenho em campo das viaturas da Engesa e seus desdobramentos no contexto da vinculação entre indústria de defesa, exportação de armas e política externa brasileira para o Iraque e para o conflito iraquiano-iraniano, vigente entre setembro de 1980 e agosto de 1988 (TRAUMANN, 2011TRAUMANN, Andrew. No meio do fogo cruzado: a participação do Brasil no conflito Irã-Iraque. Revista Litteris, Niterói, v. 7, p. 1-18, 2011.). Nesse sentido, é pertinente deliberar acerca de três relatórios de viagens técnico-militares ao Iraque, preparados pelo então coronel e engenheiro militar Bussy Cléssio Nogueira para o Gabinete do Ministro do Exército e para a Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional. Os três relatórios em questão foram recentemente desclassificados e versam, precisamente, sobre o desempenho das viaturas blindadas da Engesa importadas pelo Iraque, num cenário de combate real.

Com efeito, ao longo de 1981, Nogueira fez três viagens de natureza técnico-militar ao Iraque. Essas viagens foram realizadas a pedido do Ministério de Defesa iraquiano, e tinham o intuito de realizar uma revisão operacional e avaliar o desempenho do EE-9 Cascavel, principalmente no tocante à verificação, aferição e ajustagem do armamento - canhão principal e metralhadoras coaxiais -, munição e optrônicos - isto é, câmeras térmicas, miras, câmeras diurnas-noturnas, sensores, telêmetros de laser, retículos de luneta. Aparentemente, os atiradores iraquianos das referidas viaturas estavam experimentando certas dificuldades com o manejo e a precisão dos disparos, bem como com algumas categorias de munições fornecidas pela Engesa. Vale acrescentar que o referido oficial era um especialista do Centro Tecnológico do Exército, e um bom conhecedor das viaturas da Engesa. Todavia, segundo as fontes consultadas, as despesas dessas viagens foram arcadas pela empresa brasileira.

A primeira viagem ao Iraque aconteceu entre 14 e 23 de fevereiro de 1981. Na ocasião, Nogueira teria se entrevistado, entre outros, com o brigadeiro Salah Askar, diretor de blindados do Ministério da Defesa daquele país. Segundo o alto oficial e alguns subalternos que utilizavam o EE-9 Cascavel, a viatura blindada brasileira não tinha sido embarcada em condições de imediata operacionalidade - conforme combinado no contrato. Argumentou-se que o canhão, os optrônicos e a munição fornecidos pela Engesa apresentavam problemas de confiabilidade e de controle de qualidade. Essa situação poderia abalar a credibilidade da empresa brasileira e a cooperação técnico-militar bilateral.

Após inspeção de campo em lote da blindados retirados do teatro de operações de Dezful - cidade iraniana objeto de grande pressão militar iraquiana no contexto do conflito bélico em andamento -, foram constatadas certas irregularidades, e se exigiu da assistência técnica da Engesa no Iraque a revisão, alinhamento, e ajustagem dos canhões. Todavia, alertou-se que os futuros lotes de viaturas blindadas deveriam ser verificados antes de ser embarcados no Brasil ao país árabe, para poder ser operacionalizados imediatamente, em função do conflito com o Irã. Cumpre acrescentar que as viaturas blindadas da Engesa eram utilizadas principalmente em tarefas de exploração e de caça-tanques. Na parte conclusiva do relatório ao Gabinete do Ministro do Exército e à Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional, Nogueira ponderou o seguinte: “O material Engesa (carro, canhão e optrônicos) está com bom conceito junto ao exército do IRAQUE. Entretanto, há necessidade urgente de uma perfeita assistência, bem como seja feita a entrega dos carros no menor prazo possível, para que este conceito permaneça”.**** **** Bussy Clésio Nogueira ao Gabinete do Ministro do Exército e à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, Viagem ao Iraque-Relatório (Confidencial), São Paulo, 9 mar. 1981, AN: AC ACE 17669 81 1/3, p. 103-112/153.

A segunda viagem do coronel e engenheiro Nogueira ao Iraque aconteceu entre 23 de março e 18 de abril de 1981. Nessa oportunidade foi vistoriado um segundo lote de carros EE-9 Cascavel, principalmente no que diz respeito à nitidez dos retículos das lunetas. Esses componentes eram essenciais no manejo e na precisão dos disparos do canhão. Igualmente, foram constatados alguns casos de corrosão, certos problemas com os radiocomunicadores, e a falta de acessórios. Na parte conclusiva desse segundo relatório, o oficial brasileiro insistiu que todas as viaturas blindadas exportadas pela Engesa deveriam ser testadas exaustivamente - controle de qualidade - antes de serem embarcadas com destino a importadores no exterior, principalmente no caso de clientes envolvidos em conflitos com terceiros países.***** ***** Bussy Clésio Nogueira ao Gabinete do Ministro do Exército e à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, Viagem ao Iraque-Relatório n. 3 (Confidencial), São Paulo, 20 jun. 1981, AN: AC ACE 73803 90, p. 375-379/397. Parece pertinente acrescentar que problemas semelhantes de manejo e precisão do canhão foram denunciados por atiradores em viaturas blindadas fornecidas pela Engesa ao próprio exército brasileiro (GUEDES et al., 2020GUEDES, Júlio César et al. SdG LIVE #33 - Riccardo Furlan: o projetista da Engesa que conduziu o Osório. Sala de Guerra, Montes Claros, 2 nov. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=56XWZFKio2s . Acesso em: 11 nov. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=56XWZFKi...
).

A terceira viagem de Nogueira ao Iraque aconteceu entre 13 de maio e 13 de junho de 1981. Segundo o relatório em questão, nesse momento 89 unidades do EE-9 Cascavel estavam em operações de combate e de adestramento naquele país - principalmente no referido teatro de operações de Dezful -, e 41 unidades estavam sendo preparadas para entrar em ação imediata dentro do território iraquiano pela assistência técnica da Engesa. Durante essa jornada foi possível inspecionar a carcaça de um EE-9 Cascavel destruído por um míssil antitanque Tow, de fabricação estadunidense e utilizado pelo exército iraniano. Outrossim, foi possível verificar problemas mecânicos em algumas unidades. Essas panes foram atribuídas “ao despreparo da guarnição e seu desconhecimento dos diversos componentes do carro”, bem como a deficiência e negligência na manutenção deles. Em sua entrevista final com o brigadeiro Askar, este teria expressado sua “satisfação não só com os trabalhos de aferição e entrega, como também com o desempenho do material no ‘front’”.****** ****** Bussy Clésio Nogueira ao Gabinete do Ministro do Exército e à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, Viagem ao Iraque-Relatório n. 3 (Confidencial), São Paulo, 20 jun. 1981, AN: AC ACE 73803 90, p. 380-397/397. Na parte conclusiva, o oficial brasileiro ponderou o seguinte,

A entrada dos blindados na guerra, se por um lado se constitui num incontestável teste de emprego e desempenho junto com material dos mais modernos e eficazes, de outro lado tem a contra-partida de não contar com guarnições de combate perfeitamente habilitadas a tirar todo o proveito que o carro e seu armamento podem dispor; isto sem levar em conta o pouco preparo das unidades de manutenção, não muito familiarizadas ainda com os carros. Por enquanto, as equipes da ENGESA podem oferecer a devida cobertura na área de manutenção.

[...] Em resumo, há no momento 81 Cascavel empenhados no ‘front’ de DEZFUL, com um desempenho que vem satisfazendo plenamente à tropa, com reflexos positivos no conceito formado junto aos órgãos superiores do Exército do IRAQUE.******* ******* Ibid. Às 81 unidades de EE-9 em combate devem ser acrescentadas 9 unidades em funções de adestramento, e outras 41 em acondicionamento para iniciar suas ações em campo.

Mutatis mutandis, agora sabemos que o desempenho das viaturas blindadas da Engesa importadas pelo Iraque foi bem-sucedido nas operações militares contra o exército iraniano. Ao todo, mais de 500 viaturas blindadas e caminhões da Engesa foram transferidas para o país árabe durante o arco temporal objeto deste estudo de casos. Destarte, somente o próprio Brasil e a Líbia chegaram a possuir um parque tão relevante e numeroso de unidades dos referidos sistemas de armamento. Todavia, consta que autoridades do governo iraquiano, em geral, demonstraram satisfação pelo desempenho em combate do equipamento brasileiro.

Concentrado de urânio brasileiro em al-Tuwaitha? Vicissitudes de uma novela inconclusa

Em 5 de janeiro de 1980, Paulo Nogueira Batista - presidente das Empresas Nucleares Brasileiras-Nuclebrás - e A. K. Al-Hasnimi - vice-presidente da Comissão de Energia Atômica do Iraque - assinaram, em Bagdá, o denominado Acordo entre o Brasil e o Iraque no Campo dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear (BRASIL-IRAQUE, 1982BRASIL-IRAQUE. Agreement between the government of the Federative Republic of Brazil and the Republic of Iraq on the peaceful uses of nuclear energy.International Legal Materials, Cambridge, v. 21, n. 2, p. 367-70, 1982. [1981]). Segundo o documento - de caráter secreto e que formalmente passou a vigorar em outubro de 1981 -, “A cooperação procurada neste Acordo será realizada de acordo com as capacidades e as prioridades das Partes Contratantes, e em completo cumprimento com as obrigações e compromissos internacionais de cada Governo” (Artigo II). Além disso, ambos os países “declaram seu apoio ao princípio da não-proliferação de armas nucleares e reiteram seu direito a desenvolver e aplicar a energia nuclear para propósitos pacíficos, em concordância com seus respectivos programas nacionais” (Artigo III). Entre as áreas de cooperação, identificadas pelas partes, foi mencionado “(c) o suprimento de urânio natural e de urânio levemente enriquecido (se possível como elemento combustível) para abastecer reatores nucleares” (Artigo IV).******** ******** “Um acordo desmentido, mas assinado em 1980”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 7.

Parece pertinente destacar que, na época dos fatos, o regime de Saddam Hussein tinha contratado junto ao governo de Paris a construção de um moderno centro de pesquisas nucleares, em al-Tuwaitha - localizado ao sul de Bagdá.********* ********* “Franceses confirmam o fornecimento”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 7. O referido projeto, denominado Tammuz pelos iraquianos e/ou Osirak pelos franceses, estava muito perto de ser concluído, quando aconteceu um certeiro e cirúrgico ataque aéreo israelense, em 7 de junho de 1981 (BRAUT-HEGGHAMMER, 2011BRAUT-HEGGHAMMER, Målfrid. Revisiting Osirak: Preventive attacks and nuclear proliferation risks.International Security, Cambridge, v. 36, n. 1, p. 101-132, 2011.; VANDENBROUCKE, 1984VANDENBROUCKE, Lucien. The Israeli strike against OSIRAQ. Air University Review, Montgomery, n. 35, p. 35-47, 1984. ).********** ********** “Israel ataca usina nuclear do Iraque”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1981, p. 1. “Israel’s Illusion”, The New York Times, Nova York, 9 jun. 1981, p. A14. “Jerusalem and The Bomb”, The New York Times, Nova York, 10 jun. 1981, p. A31. Testemunha involuntária desse ataque aéreo foi o supracitado coronel Bussy Clésio Nogueira. Com efeito, em seu terceiro relatório de viagem ao Iraque, o referido oficial brasileiro afirmou que, no momento do ataque, ele tinha acabado de chegar ao seu hotel, quando escutou o alarme, prenunciando a iminência da ação. “Um minuto depois, as baterias antiaéreas começaram a atirar com vários calibres de munição traçante e em todas as direções. Os céus de BAGDÁ ficaram cobertos de tiros traçantes como num espetáculo de fogos de artifício”, relatou Nogueira. “Ao longo, por uns 2 minutos, ouvimos os estrondos provocados pelos bombardeios, no lado sul da cidade. Somente no dia seguinte à noite, tomamos conhecimento que o alvo atingido tinha sido a Usina Nuclear, e o ataque, feito por aviões de ISRAEL”, acrescentou a fonte.*********** *********** Bussy Clésio Nogueira ao Gabinete do Ministro do Exército e à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, Viagem ao Iraque-Relatório n. 3 (Confidencial), São Paulo, 20 jun. 1981, AN: AC ACE 73803 90, p. 380-397/397. Na opinião do autor desse relatório, “A não derrubada de nenhum avião [israelense] deveu-se à fraquíssima atuação da defesa antiaérea que, apesar de alertada a tempo, não correspondeu como deveria. Pelo que soubemos, não foi lançado um só míssil terra-ar”.

O ataque aéreo israelense ao centro de pesquisas nucleares iraquiano provocou importantes reações político-diplomáticas e de segurança, em termos bilaterais, regionais e globais (RAAS; LONG, 2007RAAS, Whitney; LONG, Austin. Osirak Redux? Assessing israeli capabilities to destroy Iranian nuclear facilities. International Security, Cambridge, v. 31, n. 4, p. 7-33, 2007.). Sob uma perspectiva acadêmica, a destruição da usina nuclear iraquiana foi considerada - alternativamente - como um exemplo de contraproliferação de armas de destruição em massa, como um caso de agressão, e principalmente como um episódio que atingiu a credibilidade do sistema internacional de controle e verificação de atividades nucleares realizado pela Agência Internacional de Energia Atômica-AIEA (REITER, 2005REITER, Dan. Preventive attacks against nuclear programs and the ‘success’ at Osiraq. Nonproliferation Review, Monterei, v. 12, n. 2, p. 355-371, 2005.; FELDMAN, 1982FELDMAN, Shai. The Bombing of Osiraq-Revisited. International Security, Cambridge, v. 7, n. 2, p. 114-142, 1982.).

Com efeito, o Iraque era parte do Tratado de Não-Proliferação Nuclear-TNP desde 1967 e estava comprometido a limitar seu programa de pesquisas nucleares exclusivamente a fins pacíficos. Em consequência, mesmo no contexto da guerra contra o Irã, o governo de Bagdá aceitava as exigências e salvaguardas para todas as suas atividades nucleares, inclusive o combustível fornecido para seus reatores. Nesse contexto, em Viena, a 9 de junho, o Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica-AIEA, Sigvard Arne Eklund, declarou à Junta de Governadores da instituição e à opinião pública o seguinte:

O ataque à central nuclear iraquiana é um fato grave, com implicações de longo alcance. Durante o longo tempo em que ocupo o cargo de diretor-geral da AIEA, não creio que me tenha defrontado com um problema mais grave do que as implicações deste fato. A AEIA inspecionou os reatores iraquianos, em janeiro [de 1981], e não encontrou evidência alguma de quaisquer em desacordo com o Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Destarte, em clara alusão ao Israel, Eklund ponderou: “[Um país] não se sentiu garantido com a conclusão das inspeções da AIEA e decidiu adotar medidas militares.” Daí que, na opinião do diretor-geral, “Pode-se concluir que o regime de garantias da AIEA também foi atacado. Para onde isso nos levará? Esta é uma questão que causa grande preocupação e deve ser bem estudada.”************ ************ “Usina nuclear cumpria normas”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1981, p. 7.

Em 12 de junho a Junta de Governadores da AIEA aprovou uma resolução, proposta pela Iugoslávia, e apoiada pelo Brasil, condenado o ataque israelense ao centro de pesquisas nucleares iraquiano (AIEA, 1981AIEA. Peaceful nuclear development must continue. International Atomic Energy Agency Bulletin, Viena, v. 23, n. 3, p. 1-5, 1981., p. 5). A referida resolução reconfirmou “o direito dos países-membros da AIEA de desenvolver a energia nuclear com propósitos pacíficos”. Tomou-se nota de que “O Iraque cumpriu suas obrigações de acordo com as salvaguardas da AEIA, aderindo ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear de forma satisfatória”.************* ************* “Agência Atômica quer expulsar Israel”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 jun. 1981, p. 8. Nessa oportunidade, o representante brasileiro na Junta de Governadores participou, com seu voto, da aprovação da resolução - 29 votos a favor (Brasil), dois contra (Estados Unidos, Canadá), e três abstenções (Austrália, Suécia e Suíça). O Governador do Brasil somente não concordou com a possibilidade da expulsão da delegação israelense para evitar alijar o país faltoso do controle da AIEA.************** ************** “Brasil denuncia ‘quebra da paz’”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 jun. 1981, p. 8.

Nesse mesmo dia 12 de junho, o ataque israelense ao centro de pesquisas nucleares iraquiano começou a ser debatido no Conselho de Segurança das Nações Unidas-CSNU. Na época, mesmo que o Brasil não sendo membro efetivo do referido Conselho de Segurança, conseguiu participar ativamente das discussões, em função de vínculos e interesses diretos com o assunto em questão. Resumidamente, o representante brasileiro reiterou os argumentos apresentados pelo porta-voz do Itamaraty, em 8 de junho, caracterizando-o como um “ato de agressão totalmente injustificado e que só pode contribuir para aumentar ainda mais a tensão no Oriente Médio”.*************** *************** “Ato de agressão, diz Itamaraty”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 9 jun. 1981, p. 1. Acrescentou o representante brasileiro na ONU que o ataque constituía uma infração do direito internacional, e que a noção de “agressão preventiva” era inaceitável. Agora sabemos que o ataque militar israelense acabou sendo condenado por todos os membros do Conselho de Segurança - inclusive pelo governo de Washington, tradicional aliado de Tel Aviv (PULCINI; RABINOWITZ, 2021PULCINI, Giordana; RABINOWITZ, Or. An ounce of prevention - A pound of cure? The Reagan administration's nonproliferation policy and the Osirak raid.Journal of Cold War Studies, Cambridge, v. 23, n. 2, p. 4-40, 2021.) -, conforme a Resolução 487, do dia 19 de junho de 1981 (CSNU, 1981CSNU. Resolution 487. United Nations, 19 jun. 1981. Disponível em: Disponível em: https://undocs.org/s/res/487(1981) . Acesso em: 11 nov. 2021.
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).

Como quer que seja, em 11 de junho, na véspera do início das deliberações multilaterais em Nova York, a embaixada israelense em Tóquio divulgou um documento insinuando uma possível cooperação do Brasil - bem como da Itália, além do peculiar caso da França -, por meio da exportação de concentrado de urânio ou yellowcake ao Iraque, no contexto de um pretenso programa clandestino de armas atómicas.**************** **************** “Imprensa cita Brasil e Itália”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1981, p. 6. Além do Brasil, a Alemanha Ocidental, Portugal e a Nigéria também foram mencionados pela imprensa israelense como possíveis fornecedores - diretos ou indiretos - de tecnologias e/ou de urânio natural ou levemente enriquecido ao Iraque. Ainda que governo brasileiro negasse categoricamente quaisquer envolvimento no programa de pesquisas nucleares iraquianas, um escândalo de certa proporção nas relações brasileiro-iraquianas-israelenses passou a reverberar.***************** ***************** “Itamaraty nega envolvimento”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1981, p. 6. Dessa arte, o embaixador de Israel no Brasil, Shaul Ramati, foi convocado ao Itamaraty, em 16 de junho, para prestar explicações sobre o ataque ao centro de pesquisas nucleares iraquianas, bem como para esclarecer as insinuações divulgadas por representantes israelenses que acabaram repercutindo na imprensa internacional.****************** ****************** “As explicações ao Brasil”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 jun. 1981, p. 9; “Advertido, o embaixador diz haver mal-entendido”, O Estado de São Paulo, 17 jun. 1981, p. 7.

As acusações de possíveis embarques de concentrado de urânio brasileiro para o Iraque se aprofundaram a partir do dia 16 de junho, quando a imprensa local passou inclusive a denunciar a existência de um programa nuclear clandestino, paralelo e com fins militares no próprio Brasil - em colaboração com o governo de Bagdá.******************* ******************* “Brasil tem projeto nuclear clandestino”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 6. Nos dias subsequentes, numerosas autoridades civis e militares do governo burocrático-autoritário encabeçado pelo Figueiredo negaram veemente tanto a exportação do urânio brasileiro ao país árabe, quanto a existência do alegado programa nuclear paralelo ou alguma colaboração bilateral secreta nesse campo (MALHEIROS, 2018MALHEIROS, Tania.Bomba atômica! Pra quê? Rio de Janeiro: Lacre, 2018.; ANDREOLI, 1981ANDREOLI, Paulo. Itamaraty nega os embarques. O Estado de São Paulo, São Paulo, 17 jun. 1981, p. 7.).

O chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro (1992GUERREIRO, Ramiro. Lembranças de um Empregado do Itamaraty. São Paulo: Siciliano, 1992.), embora reconhecendo a existência do acordo bilateral assinado em janeiro de 1980, bem como o direito de exportar urânio natural e/ou levemente enriquecido, ponderou que jamais tinha o Brasil exportado aquele minério para qualquer país. Guerreiro comentou que, na verdade, nessa época o Brasil era obrigado a importar esse tipo de recurso para seu programa nuclear. “O Brasil não tem urânio para vender, mas quando tivermos venderemos”, sublinhou. ******************** ******************** “Guerreiro nega as exportações”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 6.

O presidente Saddam Hussein também negou que a central de pesquisas nucleares em al-Tuwaitha tivesse como objetivo a fabricação de armas nucleares. Numa entrevista a meios de comunicação brasileiros, o governante iraquiano ponderou que eram igualmente improcedentes as acusações israelenses contra o Brasil pelo referido envio de concentrado de urânio ao país árabe. A esse respeito, o referido líder comentou:

Israel sabe perfeitamente que o nosso reator é pacífico. Mas o objetivo deles é evitar que o Iraque tenha acesso a uma tecnologia importante. Esta é a razão de todas essas acusações, e contra o Brasil também. Israel sabe muito bem que todas elas são falsas, que o Iraque não precisa de urânio enriquecido, mas Israel quer assustar os países. É uma espécie de terrorismo contra quem só opera pacificamente neste campo.

O que eles querem é evitar que países como o Brasil continuem cooperando com o Iraque. Vocês sabem no Brasil, como eu sei aqui, e como o mundo todo sabe, que é mentira [sic].********************* ********************* “Entrevista do ex-ditador do Iraque Saddam Hussein para a Rede Globo (1981)”, Bagdá, 28 jun. 1981. Entrevista a Ricardo Pereira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CBNsp_GlVEA. Acesso em: 11 nov. 2021.

Vale acrescentar que, em contraste com o Iraque, nessa época, o governo brasileiro resistia em aderir ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear-TNP. Consequentemente, tal situação levantava algumas suspeitas de certos atores domésticos e internacionais (ALIUS, 1981ALIUS, John. Brasil pode sofrer nova pressão na área nuclear. O Estado de São Paulo, São Paulo, 21 jan. 1981, p. 5.). No caso concreto, a imprensa brasileira insinuou, a partir de supostos embarques clandestinos de urânio natural e/ou levemente enriquecidos, pretensamente realizados desde 1980 - principalmente desde o aeroporto de São José dos Campos -, que a parceria bilateral brasileiro-iraquiana poderia incluir o fornecimento de urânio puro, recebendo, de volta, urânio irradiado para dele extrair plutônio, um recurso básico para a fabricação de armas nucleares. Destarte, tratar-se-ia de cooperação militar semiclandestina para a fabricação de bombas nucleares brasileiras e iraquianas - com importantes desdobramentos em termos geopolíticos e de segurança regional e global (SALEH et al., 2010SALEH, Alexandre et al. Relações Brasil/Iraque: desenvolvimento nacional e projeto de potência (1973-1985). Fronteira, Belo Horizonte, v. 9, n. 18, p. 7-25, 2010.; PREISS, 2006PREISS, José. América do Sul e Oriente Médio sob influências internacionais através de um estudo de caso: as relações Brasil-Iraque (1964-1991). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.).

Com o passar dos dias, o episódio começou a perder visibilidade na imprensa brasileira. Sob uma perspectiva técnico-científica e logística, ponderou-se que, efetivamente, era sumamente difícil que a denúncia tivesse consistência, seja no que diz respeito ao fornecimento de combustível nuclear ao Iraque, como no concernente à parceria bilateral para a construção conjunta e coordenada de armas nucleares. A bem da verdade, é bastante provável que especulações, insinuações, exageros, meias-verdades, falsidades e desinformação tivessem estado presentes nas denúncias impulsionadas pela imprensa internacional e local, principalmente em relação à presença de concentrado de urânio de procedência brasileira em al-Tuwaitha ou alhures, no dia do ataque israelense à central de pesquisas nucleares iraquiana. Seja como for, a cooperação nuclear - para fins pacíficos - entre Brasília e Bagdá ficou confirmada e reconhecida.

Mutatis mutandis, o assunto em questão ainda está envolto numa situação de desconhecimento e falta de transparência. Mesmo 40 anos transcorridos após o acontecimento, a pesquisa acadêmica sobre o problema-objeto está longe de ser satisfatória. Acontece que as fontes e os arquivos - especialmente militares - ainda são considerados virtualmente secretos no Brasil. Todavia, parece pertinente mencionar que, em geral, a cooperação técnico-militar e as relações de segurança bilaterais brasileiro-iraquianas eram geridas por autoridades do estamento militar do regime burocrático-autoritário de Geisel e de Figueiredo. Mesmo no contexto da transição democrática, após a posse de José Sarney, as relações bilaterais com Bagdá continuaram sendo claramente administradas e dirigidas por autoridades militares brasileiras; eis um caso de efetiva diplomacia militar paralela (PREISS, 2006PREISS, José. América do Sul e Oriente Médio sob influências internacionais através de um estudo de caso: as relações Brasil-Iraque (1964-1991). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.; MONTENEGRO, 1992MONTENEGRO, Marcelo. Indústria bélica e Diplomacia na Relação Brasil-Iraque (1979-1989). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992.; MORAES, 2021MORAES, Rodrigo. Weapons from the South: Democratization, civil society, and Brazil’s arms exports. Journal of Global Security Studies, Oxford, v. 6, n. 4, p. 1-18, 2021. ). Destarte, este segundo caso em estudo erige-se numa verdadeira ‘novela inconclusa’ - assim como a novela histórica postumamente atribuída ao jornalista Alexandre von Baumgarten (1985BAUMGARTEN, Alexandre von. Yellow cake. São Paulo: Editora Três, 1985.), intitulada, simplesmente, de Yellow cake.

O sistema Astros da Avibrás e o zênite da cooperação técnico-militar brasileiro-iraquiana

Em 18 de setembro de 1981, a Avibrás Indústria Aeroespacial firmou com o Ministério da Defesa do Iraque um contrato para o fornecimento de um moderno sistema denominado Astros - acrônimo da expressão: Artillery SaTuration ROcket System ou Sistema de Foguetes de Artilharia para Saturação de Área. Orçado em US$ 503 milhões de dólares, esse contrato de exportação de material de emprego militar de fabricação brasileira chegou a ser considerado como o maior do setor da indústria da defesa. Ele incluía o fornecimento do 66 unidades que formavam parte do sistema de lançador múltiplo de foguetes. Isto é, os veículos: Diretoras, Municiadoras e Lançadoras. Bem como os próprios foguetes - SS-30, SS-40 e SS-60 -, treinamento, e transferência de tecnologia (CONCA, 1997CONCA, Ken. Manufacturing Insecurity: The rise and fall of Brazil’s military-industrial complex. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1997.; PUNGS, 1989PUNGS, Reiner. A indústria de armamentos e a política externa brasileira. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 1989.).

Até a assinatura desse paradigmático contrato, a Avibrás, uma empresa constituída em 1961 e sediada em São José dos Campos, era considerada de porte médio. Encabeçada pelo seu diretor-presidente e principal acionista João Verdi Carvalho Leite, a Avibrás tinha conseguido se posicionar competitivamente no campo da pesquisa, desenvolvimento, inovação, fabricação, produção e comercialização de mísseis e foguetes. Outros produtos e serviços eletrônicos, aeronáuticos, químicos, de telecomunicações, de transporte civil e até turísticos complementavam sua pauta de atividades. Assim, junto à Engesa e à Embraer, a Avibrás era - e continua sendo até o presente - uma das mais importantes corporações da indústria brasileira de defesa.

Nesse contexto, ao longo de 1981, os engenheiros e técnicos da Avibrás conseguiram desenvolver o conceito básico do sistema Astros. Em pouco tempo, o governo do Iraque, que já era cliente da referida empresa brasileira, tomou conhecimento e expressou interesse em patrocinar financeiramente o desenvolvimento e a fabricação desse moderno lançador múltiplo de foguetes. Evidentemente, o sistema Astros viria a reforçar o arsenal iraquiano, no contexto de um conflito com o Irã. Ressalta-se que, nos primeiros meses da guerra, o exército iraniano dispunha de numerosas e excelentes peças de artilharia autopropulsada M-107 175 mm de fabricação estadunidense, muito superiores às suas contrapartes iraquianas. Além disso, as fontes consultadas sugerem que os soviéticos se recusaram a transferir ao Iraque sistemas mais avançados de artilharia. Destarte, o projeto Astros da Avibrás poderia ser uma alternativa razoável - ainda que não imediata - para o governo de Bagdá (SALEH et al., 2010SALEH, Alexandre et al. Relações Brasil/Iraque: desenvolvimento nacional e projeto de potência (1973-1985). Fronteira, Belo Horizonte, v. 9, n. 18, p. 7-25, 2010.).

Resumidamente, o projeto Astros era um sistema integrado de três tipos de veículos: as Diretoras, cuja tarefa era detectar os alvos e orientar os foguetes; as Municiadoras; e as Lançadoras. Contêineres e os próprios foguetes - SS-30, SS-40 e SS-60, com alcance de 30, 40 e 60 quilómetros, respectivamente -, complementavam o tecnologicamente avançado sistema de armamento da Avibrás. Cumpre acrescentar que, com excepção das Diretoras - que incluíam peças e componentes encomendados à empresa suíça Contraves AG -, o restante do sistema Astros era fabricado no Brasil.

O governo de Figueiredo manifestou reiteradamente seu apoio e respaldo ao projeto Astros e ao contrato assinado com os iraquianos - bem como acordos subsequentes com os governos da Líbia e da Arabia Saudita. Acontece que o generoso patrocínio árabe permitiria criar condições de modernização da artilharia utilizada pelo próprio exército brasileiro. Além disso, o sistema Astros viria a reforçar a articulação entre a indústria de defesa, a exportação de armas e a política externa brasileira - todos eles elementos centrais da denominada Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem e da própria inserção internacional pragmática, universalista e responsável que o regime burocrático-autoritário ainda propunha (GUERREIRO, 1992GUERREIRO, Ramiro. Lembranças de um Empregado do Itamaraty. São Paulo: Siciliano, 1992.). Outrossim, a cooperação técnico-militar brasileiro-iraquiana contribuía na captação de divisas - isto é, de dólares estadunidenses -, assunto sumamente importante no contexto de crescentes desequilíbrios macroeconómicos e na véspera da crise da dívida externa brasileira e latino-americana. Em suma, o patrocínio financeiro iraquiano para um avançado projeto militar de uma empresa brasileira teria que ser bem recebido, valorizado e monitorado (CERVO; BUENO, 2002CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 2. ed. Brasília: Ibri, Edunb, 2002.).

O contrato assinado pela Avibrás com o Ministério da Defesa do Iraque previa o fornecimento de 66 veículos - 9 Diretoras, 18 Municiadoras e 36 Lançadoras -; 432 Contêineres; e 66 mil foguetes SS-30, 15 mil SS-40, e um mil e duzentos SS-60. As partes acertaram que as entregas deveriam ser realizadas, escalonadamente, entre 1984 e 1985. Penalidades e multas foram acordadas em caso de atrasos injustificados, tanto do vendedor como do comprador. Destarte, o governo iraquiano, sabendo da realidade logística inicial da Avibrás, concordou em pagar por adiantado uma parte do montante - isto é, aproximadamente US$ 60 milhões de dólares -, com o propósito de que a empresa brasileira pudesse expandir suas instalações físicas, adquirir maquinaria e insumos, e acelerar a fabricação do sistema de armamento.

Sendo assim, ao longo de 1982 e 1983, a Avibrás expandiu notavelmente suas instalações físicas, contratou novos engenheiros, técnicos e colaboradores, importou maquinaria e insumos, criou subsidiárias - dentre elas a Tectran, dedicada quase que exclusivamente à produção do sistema Astros -, subcontratou empresas especializadas - inclusive a Contraves AG -, recebeu e hospedou missão de oficiais iraquianos encargados de acompanhar in situ o desenvolvimento do projeto, procurou recursos financeiros complementares no sistema bancário local, além de responder às demandas e consultas do próprio governo brasileiro. Em consequência, o contrato com o Iraque passou a dominar as atividades da Avibrás, e o sistema Astros virou o principal produto da empresa.

Isto posto, a documentação consultada sugere que o contrato da Avibrás com o Ministério da Defesa do Iraque acabou experimentando vicissitudes, atrasos, percalços e imprevistos sumamente graves, pouco conhecidos na literatura acadêmica, e que quase levaram essa empresa brasileira à falência, no primeiro quadrimestre de 1984. Com efeito, logo após as primeiras transferências de recursos financeiros procedentes do país árabe - integralmente reinvestidas na expansão da capacidade instalada e em capital fixo -, a Avibrás se deparou com graves e crescentes dificuldades de capital de giro. Ceticismo e descredito instalaram-se no sistema bancário comercial com relação a novas solicitações de empréstimos e endividamento da referida empresa. Outrossim, houve inesperados incidentes meteorológicos - enchentes - que atingiram suas instalações. Além disso, o governo da Suíça atrasou a concessão da licença de autorização para a transferência de tecnologias pela empresa Contraves AG, especialmente após tomar conhecimento de que o destino final desse contrato era, precisamente, o regime iraquiano.

Daí que, em março de 1984, a situação financeira da Avibrás passou a ser considerada crítica - ou mesmo pré-falimentar. Segundo o Acervo da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional consultado, alguns títulos da empresa foram protestados em cartórios de São José dos Campos, e a própria folha de pagamentos dos funcionários ficou em situação de atraso. O ambiente de crescente descrédito em relação ao cumprimento do contrato também teve repercussões em Bagdá. O general Abdel Gawad Amin, diretor das Indústrias Tecnológicas do Setor Público do Iraque-SOTI, entidade que coordenava e monitorava o contrato e o patrocínio com a empresa brasileira, e que supervisionou pessoalmente as fábricas da Avibrás em janeiro de 1984, acabou sendo compulsivamente transferido para a reserva. A virtual demissão do principal interlocutor do governo iraquiano com a Avibrás foi interpretada, corretamente, como uma clara demonstração de crescente insatisfação do regime de Saddam Hussein em relação ao andamento desse importante projeto de lançador múltiplo de foguetes, especialmente num momento delicado do conflito com os iranianos. Todavia, um eventual rompimento do contrato e pesadas multas para a Avibrás começaram a ser seriamente cogitadas - mesmo que o próprio governo iraquiano também atrasou a transferência de remessas financeiras previstas, em descumprimento do acordo.

Nessas circunstâncias, a direção da Avibrás, encabeçada pelo João Verdi Carvalho Leite, acudiu ao governo federal em busca de auxílio emergencial, especialmente em termos de respaldo financeiro temporário do Banco do Brasil, do Tesouro Nacional e do Ministério da Fazenda. Também houve interlocução com a ala militar e diplomática do governo. Consta que, em 29 de fevereiro de 1984, o chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro enviou ao Ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, um aviso intercedendo em favor da Avibrás. Ciente da articulação entre indústria de defesa, exportação de armamento e política externa brasileira, Guerreiro constatou que a Avibrás estava enfrentando uma “situação crítica”. “A conjuntura poderá tornar-se insustentável e gerar, inclusive, um processo de dissolução por falência, caso não sejam saldados, nos próximos dias, compromissos da ordem de Cr$ 7.500.000.000,00, montante que a AVIBRÁS não dispõe em caixa”, sublinhou.********************** ********************** Ramiro Saraiva Guerreiro ao Ernane Galvêas, Aviso DPG, DSI/665.16 (B46) (E27) (Secreto-Urgentíssimo), Brasília, 29 fev. 1984, AN: AC ACE 41200 84 1/2, p. 50-52/133.

Para além dos aspectos especificamente financeiros, contáveis e da técnica bancária, o chanceler brasileiro ponderou, por exemplo, o seguinte: (a) “À AVIBRÁS deve, indubitavelmente, ser creditada uma parcela razoável do prestígio angariado pelo Brasil como fornecedor de material ao mercado internacional”; (b) “Parece-me inquestionável o elevado padrão de qualidade dos produtos da AVIBRÁS, o que pode ser afiançado não apenas no plano interno [...] como também no plano internacional”; (c) “Entendo que não pairam dúvidas, tampouco, sobre a solidez financeira da AVIBRÁS a médio prazo”; (d) “é para mim motivo de preocupação a possibilidade de sua falência, pelo que pode representar a repercussão, junto a seus clientes, do fato de o Governo não ter, de alguma forma, evitado que a empresa descontinuasse sua produção”; e (e) “a falência de uma empresa como a AVIBRÁS acarretaria inevitáveis prejuízos para a credibilidade da indústria brasileira, em especial no setor de equipamento bélico”.*********************** *********************** Ibid. Ramiro Saraiva Guerreiro concluiu seu arrazoado em favor da empresa nos seguintes termos,

Embora ainda modesta, a posição brasileira entre os exportadores de material militar foi duramente conquistada e suas perspectivas são as mais encorajadoras, especialmente se examinadas no quadro geral da crise da economia nacional. Nessas condições, e tendo transmitido a Vossa Excelência o ponto de vista do Itamaraty sobre o assunto, estou seguro de que não faltará, aos responsáveis pela análise substancial da matéria, a diligência necessária para que sejam superadas, com toda urgência, as graves dificuldades pela AVIBRÁS.************************ ************************ Ibid.

Agora sabemos que, efetivamente, em março-abril de 1984, a Avibrás foi resgatada da falência em virtude de um crédito emergencial concedido pelo Banco do Brasil e autorizado pelo Ministério da Fazenda. Esses recursos acabaram salvando a empresa, o projeto Astros e o contrato com os iraquianos. Eis uma versão local da parábola do “grande demais para quebrar”. Observe-se que, com o passo do tempo, o sistema Astros se erigiu no principal produto de exportação da Avibrás. Sucessivas versões do sistema Astros continuaram sendo fabricadas e comercializadas até o presente, tanto para o mercado interno - Exército e Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha - quanto para a o mercado internacional - especialmente ao Iraque, Líbia, Arábia Saudita, Angola, Bahrein, e Indonésia.

O Iraque utilizou de forma muito bem-sucedida o sistema Astros, especialmente no teatro de operações sul - envolta da cidade de Basra - e na região central. Eis o caso da vitoriosa contraofensiva na estratégica península de al-Faw, em abril de 1988. Como quer que seja, após quase oito anos de conflito com os iranianos, as crescentes dificuldades financeiras do regime iraquiano tornaram-se evidentes e insustentáveis. De fato, as últimas encomendas iraquianas de grande vulto foram realizadas no final de 1986, e entregues nos dois últimos anos de conflito e inclusive com crescentes atrasos nos pagamentos correspondentes. Ex post facto, tanto Avibrás quanto a Engesa, alegaram, com alguma razão, terem sido vítimas de um virtual incumprimento de dívidas iraquiano.

Sob uma perspectiva analítica mais abrangente, parece evidente que o patrocínio financeiro iraquiano - bem como do governo da Líbia, que entrou no empreendimento após 1983 - acabou sendo crucial para o desenvolvimento, fabricação e comercialização do projeto Astros. Nesse sentido, a surpreendente parceria e cooperação técnico-militar brasileiro-iraquiana tornou-se paradigmática no campo dos estudos sobre segurança internacional e das relações Sul-Sul, mesmo a despeito da natureza autoritária dos governos predominantes em ambos os países - isto é, do regime burocrático-autoritário de João de Oliveira Figueiredo e do regime baathista-personalista de Saddam Hussein.

O projeto MMA-1 Piranha da Órbita e os limites da parceria brasileiro-iraquiana

Em 20 de agosto de 1988, um cessar-fogo supervisionado pela Organização das Nações Unidas entrou em vigor na fronteira entre o Iraque e o Irã. Após quase oito anos de uma guerra sangrenta e destrutiva - na qual, contrariando as normas internacionais, os iraquianos utilizaram armas químicas e biológicas -, as partes aceitaram um retorno ao status quo ante bellum; isto é, um retorno às fronteiras definidas pelo acordo de Argel, de 1975. Ainda que uma análise da guerra iraquiano-iraniana não seja problema-objeto específico deste estudo de casos, parece pertinente sublinhar que esse conflito deixou mais de um milhão de civis e militares mortos nos confrontos - e outro milhão de feridos, mutilados, deslocados, refugiados - em ambos os países. No campo econômico, a guerra provocou graves consequências financeiras, na infraestrutura - inclusive na vital indústria petroleira -, e nos sistemas produtivos. E ainda que o conflito ajudou a consolidar internamente ambos os regimes políticos, o desgaste humanitário e financeiro acabou se impondo sobre as preferências ideológicas ou geopolíticas (HALLIDAY, 2002HALLIDAY, Fred. The Middle East in International Relations. Nova York: Lynne Rienner Publishers, 2002.; FARES, 2009FARES, Seme. O pragmatismo do petróleo: A relações entre o Brasil e o Iraque. Curitiba: Juruá, 2009.; HAYNES, 2014HAYNES, Jeffrey. Iran and shia transnational religious actors: Limits of political influence.Civitas, Porto Alegre, v.14, n.3, p. 452-466, 2014.).

Sob a perspectiva do devir da indústria de defesa, da exportação de armas e da política externa brasileira, a paz no Shatt al-Arab redundou em grave turbulência em São José dos Campos - isto é, na sede da Engesa, Avibrás, Embraer e outras empresas da indústria de defesa. A bem da verdade, a base industrial de defesa brasileira amargurava uma situação de grave crise econômico-financeira desde 1987, mesmo antes do cessar-fogo na Mesopotâmia, em virtude da falta de novos contratos e encomendas, tanto internas quanto externas (CONCA, 1997CONCA, Ken. Manufacturing Insecurity: The rise and fall of Brazil’s military-industrial complex. Boulder: Lynne Rienner Publishers, 1997.; PUNGS, 1989PUNGS, Reiner. A indústria de armamentos e a política externa brasileira. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, Brasília, 1989.). O Iraque, por exemplo, principal importador de material de emprego militar de fabricação brasileira, não somente parou de fazer novas encomendas, como também protelou o pagamento de contratos em andamento com algumas empresas. Evidentemente, essa situação era reflexo da gravíssima situação das finanças e da estarrecedora dívida externa do país árabe. Destarte, o risco-país do Iraque ficou muito alto. Muitas empresas protestaram os títulos iraquianos por falta de pagamento e rompimento de contratos. Eis um virtual incumprimento de dívidas iraquiano efetivo desde antes do cessar-fogo.

No Brasil, a paralização das fabricas e a evidente redução das exportações de armas repercutiu imediatamente na reconversão e/ou no fechamento de numerosas indústrias, bem como na demissão de funcionários, inclusive de cientistas, pesquisadores e técnicos altamente especializados. O processo de precarização, de demissão e de eventual evasão para o exterior de cientistas, pesquisadores e técnicos portadores de conhecimentos acerca de projetos militares de ponta virou um assunto sensível, pelas suas implicações em termos de segurança internacional.

Uma dessas empresas que demitiu quase todos seus funcionários foi a Órbita Sistemas Aeroespaciais S. A. Criada em janeiro de 1987, a partir de uma associação da Engesa e da Embraer, a empresa Órbita herdou um projeto de míssil ar-ar denominado MAA-1 Piranha, em desenvolvimento desde 1978, com financiamento público e privado. Resumidamente, o projeto do MAA-1 Piranha procurava produzir um míssil ar-ar de alta tecnologia, comparável ao estadunidense Sidewinder ou ao francês Exocet. Inicialmente, o projeto foi impulsionado pelo antigo Centro Técnico Aeroespacial-CTA - vinculado ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica da Força Aérea Brasileira. Contudo, restrições orçamentárias acabaram transferindo o projeto à iniciativa privada, isto é, à DF Vasconcelos e finalmente à Órbita. Sucede que, ao longo de 1988, a Órbita entrou numa situação pré-falimentar, que resultou no virtual cancelamento do projeto do míssil ar-ar, bem como na demissão de quase todos seus servidores, inclusive do brigadeiro de reserva Hugo de Oliveira Piva - um dos responsáveis pelo desenvolvimento do MAA-1 Piranha (LOPES, 1990LOPES, Roberto. Embraer não sabe o que fazer com fábrica de mísseis Órbita. Folha de São Paulo, São Paulo, 2 abr. 1990, p. 9. ).

O referido oficial tinha sido diretor do CTA, e consta que nessa época ele manteve contatos com oficiais iraquianos sobre projetos de interesse comum, principalmente de mísseis, bem como de radares. Nessas circunstâncias, logo após de sua passagem à situação de reserva e de uma curta contratação pela Órbita, Piva decidiu criar sua própria empresa, denominada HOP-Consultoria Econômico-Financeira. O assunto é importante para os fins deste manuscrito pelo fato de que, a pedido do governo iraquiano, o brigadeiro em retiro Piva e a HOP acabaram intermediando no agenciamento de um grupo de cientistas, pesquisadores e técnicos brasileiros vinculados ao projeto do míssil - quase todos ex-funcionários da Órbita.

Mesmo após o fim da guerra contra o Irã, o governo iraquiano demostrou interesse em patrocinar financeiramente e depois adquirir um míssil ar-ar de alta tecnologia - bem como alguns outros projetos considerados estratégicos. Assim, ao longo de 1989 e 1990, o governo de Saddam Hussein acordou com o Piva e a HOP a possibilidade de dar continuidade ao projeto do MAA-1, passando às fases de desenvolvimento, produção e comercialização desse avançado sistema de armamento. Aproximadamente US$ 60 milhões de dólares, bem como laboratórios e outras instalações de ponta, foram alocados pelo governo iraquiano para a execução desse projeto. E numerosos cientistas, pesquisadores e técnicos brasileiros, em geral ex-funcionários da Órbita, foram convidados a examinar a possibilidade de continuar trabalhando no míssil, com salários extremamente atrativos e competitivos, doravante no exterior - mesmo que isso significasse uma quebra do compromisso de confidencialidade e de secreto tecnológico, além de uma virtual evasão, aliciamento ou “fuga de cérebros” para uma região em persistente turbulência político-social (HALLIDAY, 2002HALLIDAY, Fred. The Middle East in International Relations. Nova York: Lynne Rienner Publishers, 2002.; ATTUCH, 2003ATTUCH, Leonardo. Saddam: o amigo do Brasil. São Paulo: Qualitymark, 2003.).************************* ************************* “A conexão Bagdá”, Veja, São Paulo, 16 mai. 1990, p. 53.

As fontes consultadas sugerem que no primeiro semestre de 1990, já durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello, autoridades civis e militares brasileiras tomaram conhecimento das atividades semiclandestinas do brigadeiro Piva e da HOP, inclusive o correlacionado à possibilidade de evasão de pesquisadores brasileiros para dar continuidade ao projeto do míssil MAA-1 Piranha. Evidentemente, sob a perspectiva de Brasília, os pesquisadores agenciados e contratados pelo governo iraquiano não poderiam divulgar secretos tecnológicos inicialmente financiados por empresas públicas e privadas brasileiras - isto é, um possível crime comparável à espionagem industrial.************************** ************************** “Aeronáutica quer descobrir se Iraque copia míssil Piranha”, O Globo, Rio de Janeiro, 15 mai. 1990, p.

Isto posto, não está claro até onde teria avançado o projeto de um genérico iraquiano do míssil MAA-1 Piranha. Sabe-se que o governo de Saddam Hussein tinha depositado importantes recursos humanos, financeiros e logísticos nesse empreendimento conjunto e coordenado com o brigadeiro Piva e a HOP.*************************** *************************** “Repercussão do desenvolvimento de míssil para Iraque gera crise”, Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jun. 1990, p. A8. Seja como for, os pesquisadores brasileiros seguramente tinham alguma ciência dos riscos à integridade física própria e familiar que envolvia o deslocamento para essa região do planeta.

Nesse contexto, em 2 de agosto de 1990, os EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu do exército iraquiano foram novamente utilizados na invasão e ocupação do Kuwait. Agora sabemos que a invasão desse emirado resultou na denominada guerra do Golfo, entre agosto de 1990 e fevereiro de 1991 (HALLIDAY, 1994HALLIDAY, Fred. The Gulf War 1990-1991 and the study of international relations. Review of International Studies, Londres, v. 20, n. 2, p. 109-130, 1994. ). Esse novo conflito finalizou com a expulsão das tropas iraquianas e na imposição de duríssimas sanções políticas, econômicas e militares ao regime de Bagdá (MILLER; LAURIE, 1990MILLER, Judith; LAURIE, Mylroie. Saddam Hussein e a crise do Golfo. São Paulo: Scritta, 1990.).

Para os fins deste artigo, interessa ponderar que a situação do grupo de cientistas, pesquisadores e técnicos - e de seus respectivos familiares - residentes no Iraque transformou-se rapidamente em um assunto relevante para o governo e a diplomacia brasileira. Para além dos cidadãos brasileiros envolvidos no projeto do míssil ar-ar, tinha mais de 400 outros empregados da construtora Mendes Junior trabalhando em projetos de infraestrutura econômica do país árabe (MENDES; ATTUCH, 2004MENDES, Murillo; ATTUCH, Leonardo. Quebra de contrato: o pesadelo dos brasileiros. São Paulo: Del Rey, 2004.). Ao todo, aproximadamente 450 cidadãos brasileiros eram residentes no Iraque no momento da invasão do Kuwait, em agosto de 1990. Destarte, uma crise bilateral brasileiro-iraquiana emergiu.

Acontece que o governo de Saddam Hussein se negou, durante várias semanas, a autorizar o retorno dos brasileiros - e de outros cientistas estrangeiros - envolvidos nos projetos estratégicos do país, que incluíam armas de destruição em massa, vectores e mísseis. Sob a perspectiva iraquiana, esses cientistas e pesquisadores estrangeiros teriam que concluir e entregar os projetos militares para os que tinham sido contratados, inclusive o genérico do MAA-1 Piranha. Em outras palavras, os cidadãos brasileiros - bem como pesquisadores de outras nacionalidades - residentes no Iraque passaram a ser virtuais prisioneiros ou reféns do governo de Bagdá.

Somente após intensas gestões diplomáticas, que incluíram a visita do embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima à capital iraquiana, conseguiu-se resolver o conflito, com o retorno de todos os cidadãos brasileiros residentes naquele país, antes da contraofensiva de janeiro-fevereiro de 1991 (TOGNOZZI, 2021TOGNOZZI, Marcelo. Um embaixador no inferno. Poder 360, Brasília, 23 jan. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/brasil/um-embaixador-no-inferno-por-marcelo-tognozzi/ . Acesso em: 11 nov. 2021.
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). Cumpre mencionar que Flecha de Lima (1997FLECHA DE LIMA, Paulo. Caminhos diplomáticos: 10 anos de agenda internacional, 1985-1995. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1997.) era um dos diplomatas mais conhecedores e envolvidos no processo de formulação e implementação da denominada Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, desde sua concepção, em 1974. Nesse sentido, o referido diplomata acompanhou a vinculação entre indústria de defesa, exportação de armas e política externa brasileira ao longo de 15 anos, tanto em governos de orientação burocrático-autoritária como democráticos. Todavia, sua interlocução com as autoridades iraquianas na crise dos reféns brasileiros - ou dos “hospedes”, nos dizeres do próprio Saddam Hussein -, seguida da imposição de rigoroso embargo de armas - inclusive de material de emprego militar de fabricação brasileira - ao regime de Bagdá após a invasão de Kuwait, transformando o país árabe em um virtual paria do sistema internacional, acabaram sendo fundamentais para o desfecho e virtual encerramento de uma parceria e uma cooperação técnico-militar Sul-Sul sumamente significativa e até paradigmática, mesmo reconhecendo a natureza autoritária dos regimes encabeçados pelo Geisel, Figueiredo e Hussein.

Considerações finais

Segundo estatísticas do Stockholm International Peace Research Institute-SIPRI (2021SIPRI. TIV of arms exports from Brazil, 1978-1991. In: SIPRI Arms transfers database. Estocolmo: Stockholm International Peace Research Institute. Disponível em: Disponível em: https://www.sipri.org/databases/armstransfers . Acesso em: 11 nov. 2021.
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), entre 1978 e 1991, o Brasil transferiu para o Iraque grandes sistemas de armas orçado em US$ 595 milhões de dólares. Esse montante foi equivalente ao 28% do total das exportações brasileiras ao mundo tudo - estimado em US$ 2,1 bilhões. Assim, o Iraque do Saddam Hussein se erigiu no principal importador de armas convencionais brasileiras, superando as transferências realizadas ao Reino Unido, Líbia, França, Egito ou Colômbia; todos eles com registro de aquisições superiores aos US$ 100 milhões de dólares.

Evidentemente, a urgente necessidade de repor o material bélico, bem como o bom desempenho e a relação custo-benefício, contribuem a explicar essas massivas importações iraquianas de armamento de fabricação brasileira. Todavia, parece pertinente sublinhar que a instituição sueca somente inclui nas suas estatísticas as transferências grandes sistemas de armas ou major weapons. Essas estatísticas não informam acerca de outros bens e serviços encaminhados para o uso das forças armadas iraquianas, como armas leves e munições de pequeno calibre, alimento para as tropas ou veículos de pequeno porte. Igualmente, não se contabilizam os serviços prestados pelos cientistas, pesquisadores e técnicos brasileiros - ex-funcionários da Órbita - envolvidos no desenvolvimento do míssil ar-ar genérico do MAA-1 Piranha. E muito menos as presumidas transferências de concentrado de urânio brasileiro para eventual enriquecimento nas instalações da central de pesquisas nucleares de al-Tuwaitha - atacadas pela aviação israelense em junho de 1981. Caso acrescentadas ou confirmadas essas outras possibilidades, a cooperação técnico-militar brasileiro-iraquiana no período em apreço neste estudo de casos poderia acabar sendo ainda maior do que sugerem as - já relevantes - estatísticas do Sipri (2021SIPRI. TIV of arms exports from Brazil, 1978-1991. In: SIPRI Arms transfers database. Estocolmo: Stockholm International Peace Research Institute. Disponível em: Disponível em: https://www.sipri.org/databases/armstransfers . Acesso em: 11 nov. 2021.
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).

Todavia, parece claro que falta pesquisa acadêmica para contribuir a elucidar esse importante problema-objeto - quer dizer, o devir da cooperação técnico-militar bilateral. Salvo melhor interpretação, essa falta de pesquisa e de publicações acadêmicas sobre o assunto decorre da persistente restrição de acesso à informação e documentação em arquivos brasileiros - principalmente em arquivos do Exército. Sucede que durante os governos de Geisel, Figueiredo e mesmo de Sarney, as relações bilaterais com o Iraque parecem terem sido controladas, administradas, formuladas e implementadas diretamente pelo estamento militar - eis um verdadeiro caso de diplomacia militar paralela. Destarte, um gradual acesso a esses arquivos poderia ser uma alternativa interessante para outros pesquisadores interessados na temática (MONTENEGRO, 1992MONTENEGRO, Marcelo. Indústria bélica e Diplomacia na Relação Brasil-Iraque (1979-1989). Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992.).

Com relação aos quatro casos específicos analisados neste estudo - ou seja, (i) a avaliação de desempenho das viaturas blindadas da Engesa, (ii) a suposta exportação de concentrado de urânio, (iii) o patrocínio e compra do sistema Astros da Avibrás, e (iv) o irregular desenvolvimento de um míssil ar-ar por ex-funcionários da Órbita em território iraquiano -, infere-se que a cooperação técnico-militar bilateral realmente atingiu um patamar muito alto, de amplo espectro e até mesmo paradigmática sob a perspectiva das relações Sul-Sul.

Em geral, a documentação consultada sugere que, com algumas poucas excepções, o governo e as forças armadas iraquianas expressaram sua confiança e satisfação com o desempenho e a relação custo-benefício do material de emprego militar de fabricação brasileira, ao longo de todo o arco temporal de interesse deste estudo. No contexto de um ambiente de negócios sumamente competitivo e realista predominante no comércio internacional de armas e munições ao golfo Pérsico, na época dominado pelos fornecedores tradicionais - como os Estados Unidos, a então União Soviética, França, Reino Unido, China, dentre outros -, o armamento brasileiro foi efetivamente valorizado e reconhecido, tanto pelos importadores, quanto por outros fornecedores, e inclusive pelos adversários dos importadores de armas brasileiras, isto é, pelos iranianos e, aparentemente, também pelos israelenses. Nesse diapasão, o Brasil se erigiu em um importante fornecedor para os iraquianos e para o Oriente Médio, em geral. Dessa arte, durante a década de 1980, o Brasil chegou a ser considerado como um dos mais importantes exportadores de armamento convencional no mundo (SIPRI, 2021SIPRI. TIV of arms exports from Brazil, 1978-1991. In: SIPRI Arms transfers database. Estocolmo: Stockholm International Peace Research Institute. Disponível em: Disponível em: https://www.sipri.org/databases/armstransfers . Acesso em: 11 nov. 2021.
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).

Para o lado brasileiro, o relacionamento e a parceria técnico-militar com o regime baathista iraquiano também foi relevante e significativa. Esse reconhecimento foi manifestado reiteradamente durante os governos de Ernesto Geisel, João Figueiredo, José Sarney e, em menor medida, Fernando Collor. Numa época de turbulência político-social, de desequilíbrios macroeconômicos, e de altas e crescentes expectativas pela expansão da indústria de defesa e sua inserção internacional - pela via da exportação de armas -, o Iraque de Saddam Hussein transformou-se em um parceiro absolutamente crucial. Observa-se que, além de comprar armamento brasileiro, o governo de Bagdá aceitou patrocinar financeiramente avançados sistemas de armas, bem como servir de virtual campo de testes de combate real, e até de laboratório de pesquisa e desenvolvimento de material muito sofisticado. Todavia, é bastante provável que o razoável desempenho do material brasileiro no Iraque tivesse - indiretamente - aberto as portas dos exportadores brasileiros para eventuais clientes em outros países daquela região, particularmente na Líbia, Egito e Arabia Saudita.

O assunto é importante ao se levar em consideração a dependência da indústria de defesa brasileira com relação às exportações. Ocorre que a modesta demanda interna - isto é, as compras realizadas pelas próprias forças armadas brasileiras, em virtude de restrições orçamentárias - dificilmente justificariam economicamente a existência de uma base industrial de defesa como a pretendida e almejada pelas autoridades políticas, empresariado, técnicos e engenheiros, ou mesmo pelos sindicalistas. Eis os prolegômenos de um emergente complexo industrial-militar, interessado em ampliar o orçamento da defesa e as exportações, inclusive para garantir sua sobrevivência interna.

Além disso, temos o importante tema correlato da dinâmica, multifacetada e complexa relação entre a indústria de defesa, a exportação de armas e a política externa brasileira. Tudo isso resultou na denominada Política Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar-Pnemem, vigente entre 1974 e 2018 - isto é, desde o governo de Geisel até a administração de Michel Temer. Ao longo de suas cinco diferentes etapas e dependendo da continuidade e das mudanças de acento acento, estilo e enfoque na política externa dos diferentes governos sucessivos, a Pnemem foi um tópico importante na inserção internacional brasileira, sobretudo no arco temporal deste estudo. Em outras palavras, a Pnemem nasceu durante o governo de Geisel (paradigma do pragmatismo responsável), cresceu no período de Figueiredo (paradigma do universalismo), e alcançou sua maturidade no governo de Sarney (Nova República). A partir da administração de Collor, a Pnemem e a própria indústria de defesa entraram em uma fase de reorganização, recomposição e redefinições que se prolongou até o presente (CERVO; BUENO, 2002CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 2. ed. Brasília: Ibri, Edunb, 2002.).

À vista disso, o Iraque de Saddam Hussein, mesmo com suas peculiaridades - despotismo, aventureirismo, militarismo -, acabou sendo um ator absolutamente crucial e prioritário na formação da parceria técnico-militar ora em apreciação. Assim, é evidente que as transferências de armas de fabricação brasileira para o Iraque contribuíram de forma significativa na sustentação e consolidação da incipiente base industrial de defesa. O patrocínio financeiro seguido da compra do inovador sistema Astros - que ainda é fabricado na atualidade - foi, quiçá, o mais importante legado desse trabalho conjunto e coordenado.

Essa intensa cooperação técnico-militar brasileiro-iraquiana não passou desapercebida para outros atores com vínculos e interesses na temática, principalmente no contexto do conflito entre o Iraque e o Irã (TRAUMANN, 2011TRAUMANN, Andrew. No meio do fogo cruzado: a participação do Brasil no conflito Irã-Iraque. Revista Litteris, Niterói, v. 7, p. 1-18, 2011.). Consta, por exemplo, que, em 21 de janeiro de 1987, o diplomata brasileiro lotado em Teerã Helder de Moraes foi alertado, pelas autoridades iranianas, no sentido de que: “a prosseguirem as vendas de armas ou novos contratos ao IRAQUE, o BRASIL poderá vir a ser classificado no mesmo grupo de países inamistosos, como a URSS e os EUA”.**************************** **************************** “Venda de Armas Brasileiras ao Iraque”, Memorando Interno I000899 (Z1: C4E - B1C) (Secreto), Brasília, 18 fev. 1987, AN: V8.TXT.CEX.163, p. 113. As tentativas israelenses de vincular o ataque à central de pesquisas nucleares de al-Tuwaitha com possíveis transferências de concentrado de urânio brasileiro também poderiam ser consideradas nesse contexto geral. Algo semelhante poderia se inferir do aviso encaminhado pelo chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro ao Ministro da Fazenda acerca da necessidade de apoiar financeiramente a Avibrás, num momento delicado e no marco de uma acirrada concorrência no mercado internacional de armas.

Isto posto, parece pertinente acrescentar que o presente artigo dialoga, se inspira, tem afinidades eletivas e interage persistentemente com a literatura acadêmica brasileira e estrangeira, especialmente com autores que pesquisam questões teórico-metodológicas e empíricas de segurança e defesa, política internacional e história das relações internacionais, em geral, e com os investigadores sobre políticas de transferência de armas, em particular. Ainda que, por razões de espaço, não seja possível incluir uma exegese ou uma reflexão mais abrangente ou ambiciosa acerca da eventual interlocução desta pesquisa com a literatura mais conhecida ou predominante, entende-se que as contribuições fundamentadas em documentação primária - isto é, pesquisas realizadas em arquivos - também formam parte de um esforço coletivo para ampliar, aprofundar e diversificar o conhecimento científico acerca de uma temática relevante e significativa. Tal elucubração parece ser ainda mais transcendente tratando-se do estudo de casos que envolvem a transferência de material brasileiro para um país tão complexo como foi, e continua sendo, o Iraque.

Em síntese, retornando à pergunta orientadora e à hipótese deste estudo de casos, acredita-se que existe lastro documental e empírico para sustentar o argumento de que a bem-sucedida cooperação técnico-militar brasileiro-iraquiana entre 1978 e 1991 teria sido resultado de uma eficiente articulação entre indústria de defesa, exportação de armas e política externa brasileira - mesmo que nesta oportunidade resultasse de uma virtual diplomacia militar paralela -, de um lado, e da necessidade imperiosa de novos e mais confiáveis fornecedores de material de emprego militar para as forças armadas iraquianas - então envolvidas num violento e espúrio conflito de agressão contra o Irã -, do outro lado. Entende-se, portanto, que estaria corroborada, ao menos provisoriamente, a hipótese deste estudo de casos.

Agradecimentos

Agradeço os comentários e críticas dos avaliadores anônimos que tiveram a responsabilidade de revisar a versão original deste manuscrito. Outrossim, também agradeço as ponderações e sugestões de Hugo R. Suppo, Albene Miriam Meneses Klemi, Rafael Duarte Villa, Sidnei Munhoz, Lidia de Oliveira Xavier, Fernando Costa, Delmo de Oliveira Arguelhes e Rafael Ioris.

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  • WANG, Ana. Os Anos Geisel: dilema energético e política exterior Dissertação (Mestrado em História) - Universidade de Brasília, Brasília, 2003.

NOTAS

  • *
    Paulo Alberto ao Ministério das Relações Exteriores, Telegrama 212 (Secreto-urgente), Bagdá, 5 mai. 1978, Arquivo Nacional-Acervo da Secretária-Geral do Conselho de Segurança Nacional - doravante AN -: SNA AMG 13, p. 136/161.
  • **
    Ibid.
  • ***
    “Embaixador defende o pragmatismo do País”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 7.
  • ****

    Bussy Clésio Nogueira ao Gabinete do Ministro do Exército e à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, Viagem ao Iraque-Relatório (Confidencial), São Paulo, 9 mar. 1981, AN: AC ACE 17669 81 1/3, p. 103-112/153.
  • *****

    Bussy Clésio Nogueira ao Gabinete do Ministro do Exército e à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, Viagem ao Iraque-Relatório n. 3 (Confidencial), São Paulo, 20 jun. 1981, AN: AC ACE 73803 90, p. 375-379/397.
  • ******

    Bussy Clésio Nogueira ao Gabinete do Ministro do Exército e à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, Viagem ao Iraque-Relatório n. 3 (Confidencial), São Paulo, 20 jun. 1981, AN: AC ACE 73803 90, p. 380-397/397.
  • *******

    Ibid. Às 81 unidades de EE-9 em combate devem ser acrescentadas 9 unidades em funções de adestramento, e outras 41 em acondicionamento para iniciar suas ações em campo.
  • ********

    “Um acordo desmentido, mas assinado em 1980”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 7.
  • *********

    “Franceses confirmam o fornecimento”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 7.
  • **********

    “Israel ataca usina nuclear do Iraque”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1981, p. 1. “Israel’s Illusion”, The New York Times, Nova York, 9 jun. 1981, p. A14. “Jerusalem and The Bomb”, The New York Times, Nova York, 10 jun. 1981, p. A31.
  • ***********

    Bussy Clésio Nogueira ao Gabinete do Ministro do Exército e à Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional, Viagem ao Iraque-Relatório n. 3 (Confidencial), São Paulo, 20 jun. 1981, AN: AC ACE 73803 90, p. 380-397/397. Na opinião do autor desse relatório, “A não derrubada de nenhum avião [israelense] deveu-se à fraquíssima atuação da defesa antiaérea que, apesar de alertada a tempo, não correspondeu como deveria. Pelo que soubemos, não foi lançado um só míssil terra-ar”.
  • ************

    “Usina nuclear cumpria normas”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1981, p. 7.
  • *************

    “Agência Atômica quer expulsar Israel”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 jun. 1981, p. 8.
  • **************

    “Brasil denuncia ‘quebra da paz’”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 jun. 1981, p. 8.
  • ***************

    “Ato de agressão, diz Itamaraty”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 9 jun. 1981, p. 1.
  • ****************

    “Imprensa cita Brasil e Itália”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1981, p. 6. Além do Brasil, a Alemanha Ocidental, Portugal e a Nigéria também foram mencionados pela imprensa israelense como possíveis fornecedores - diretos ou indiretos - de tecnologias e/ou de urânio natural ou levemente enriquecido ao Iraque.
  • *****************

    “Itamaraty nega envolvimento”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 jun. 1981, p. 6.
  • ******************

    “As explicações ao Brasil”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 16 jun. 1981, p. 9; “Advertido, o embaixador diz haver mal-entendido”, O Estado de São Paulo, 17 jun. 1981, p. 7.
  • *******************

    “Brasil tem projeto nuclear clandestino”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 6.
  • ********************

    “Guerreiro nega as exportações”, O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 1981, p. 6.
  • *********************

    “Entrevista do ex-ditador do Iraque Saddam Hussein para a Rede Globo (1981)”, Bagdá, 28 jun. 1981. Entrevista a Ricardo Pereira. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CBNsp_GlVEA. Acesso em: 11 nov. 2021.
  • **********************

    Ramiro Saraiva Guerreiro ao Ernane Galvêas, Aviso DPG, DSI/665.16 (B46) (E27) (Secreto-Urgentíssimo), Brasília, 29 fev. 1984, AN: AC ACE 41200 84 1/2, p. 50-52/133.
  • ***********************

    Ibid.
  • ************************

    Ibid.
  • *************************

    “A conexão Bagdá”, Veja, São Paulo, 16 mai. 1990, p. 53.
  • **************************

    “Aeronáutica quer descobrir se Iraque copia míssil Piranha”, O Globo, Rio de Janeiro, 15 mai. 1990, p.
  • ***************************

    “Repercussão do desenvolvimento de míssil para Iraque gera crise”, Folha de São Paulo, São Paulo, 25 jun. 1990, p. A8.
  • ****************************

    “Venda de Armas Brasileiras ao Iraque”, Memorando Interno I000899 (Z1: C4E - B1C) (Secreto), Brasília, 18 fev. 1987, AN: V8.TXT.CEX.163, p. 113.

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2021
  • Aceito
    26 Out 2021
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